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Regras hermenêuticas constitucionais, a perspectiva neoconstitucionalista e a formação da concepção do Estado Constitucional

05/09/2011 às 17:23
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Trata-se da evolução do pensamento hermenêutico constitucional, abordando os aspectos da perspectiva da velha e da nova hermenêutica, para compreender a evolução do pensamento da interpretação constitucional conforme as regras hermenêuticas tradicionais e o neoconstitucionalismo.

Resumo: As regras de hermenêutica jurídica passaram por diferentes períodos filosóficos e doutrinários, que espelharam o contexto histórico do direito. A forma de aplicação das regras e princípios jurídicos passaram a apresentar diferentes conotações para o mundo fenomênico. O presente trabalho traz um breve vislumbre acerca da evolução do pensamento hermenêutico constitucional, abordando os aspectos da perspectiva da velha e da nova hermenêutica, para compreensão do leitor acerca da evolução do pensamento da interpretação constitucional conforme as regras hermenêuticas tradicionais e o neoconstitucionalismo.

Palavras-Chave: Hermenêutica, Neoconstitucionalismo, Interpretação Constitucional, Epistemologia Pós-Positivista.

Substract: The rules of legal interpretation have gone through different periods and philosophical doctrine, which represented the historical context of the law. The application of the rules and legal principles now have different connotations for the phenomenal world. This paper provides a brief glimpse of constitutional hermeneutics evolution, covering aspects from an old and a new hermeneutic perspective, aiming to understanding about the constitutional interpretation evolution of thought, by learning about the rules about traditional hermeneutical and neoconstitutionality.

Key-Words: Hermeneutics, Neoconstitutionalism, Constitutional Interpretation, Post-Positivist Epistemology.


I. Introdução

Alguns autores apontam a identidade semântica dos termos "neoconstitucionalismo", "constitucionalismo contemporâneo" e "pós-positivismo", como a nova matriz epistemológica do direito, equacionando Direito, Moral e Política de forma a transcender a dimensão jurídica a partir de uma concepção de Estado Constitucional, entendido como aquele que desloca o princípio da primazia da lei para o princípio da primazia da Constituição, a reserva de lei à reserva de lei constitucional e o controle jurisdicional da legalidade para o controle jurisdicional da constitucionalidade.

O neoconstitucionalismo resultou da epistemologia pós-positivista, que recupera a dimensão ética do discurso jurídico, por meio da introdução de uma concepção principiológica que estabelece a dicotomia entre princípios e regras, afastando-se a crença de que o aplicador do direito está vinculado a uma suposta vontade da lei ou do legislador, mas ciente de que o interprete é rodeado de um contexto histórico, uma tradição e de suas pré-compreensões individuais.

O novo paradigma valorizou um novo discurso racional, no qual os princípios constitucionais têm servido para julgamento de inconstitucionalidade de normas legais com substituição da vontade legislativa pela solução mais adequada ao caso concreto, em razão da generalidade que reveste os princípios, a permitir uma ampla gama de soluções.

No Estado Constitucional, o direito está fundamentado nos princípios constitucionais, formais e materiais, tais como os direitos fundamentais, a função social das instituições públicas, a divisão dos poderes e a independência dos tribunais [01]. Pode ser identificado como Estado de Direito de terceira geração, no qual os denominados direitos difusos, de terceira dimensão (direitos de solidariedade ou fraternidade, tais como a paz social, qualidade de vida, liberdade de informação, proteção das relações de consumo etc), serão concretizados.


II. Força Normativa da Constituição nas Diversas Perspectivas Hermenêuticas

II.a. A Velha Hermenêutica

No início dos estudos doutrinários acerca da interpretação constitucional como hoje conhecemos, FERDINAND LASSALE [02] defendeu a tese de que a essência da Constituição é de natureza política e não jurídica, expressando as relações de poder que se desenvolvem em um Estado, tais como o poder militar, o poder social, o poder econômico, e o poder intelectual. Assim, numa análise sociológica, a Constituição seria um "pedaço de papel" (ein stuck papier), sem vinculação na ordem jurídica.

KONRAD HESSE contestou as afirmações de LASSALE argumentando que a norma constitucional possui eficácia mais ampla que sua mera condição de realização, passando para a dimensão do dever ser, além da dimensão do ser, com força vinculante para a realidade social. Para HESSE, a Constituição possui elemento normativo que ordena e conforma a realidade política e social, em uma correlação entre ser e dever ser.

Avançando nos estudos acerca da hermenêutica constitucional, CARL SCHMIDTT [03] trouxe a dimensão decisionista à aplicação da lei, ressaltando o caráter personalista do pronunciamento do juiz, creditando a legitimidade da decisão ao fato de o órgão julgador ser normativamente competente para prolatar a decisão. Todavia, SCHMIDTT não aceitava a idéia de um tribunal composto por juízes como guardiões da Constituição, porque a função de determinar o conteúdo de um princípio constitucional, de maior carga axiológica, possuiria caráter estritamente político e, por isso, caberia unicamente ao Chefe do Poder Executivo (Presidente do Reich), como único legitimado para decidir sobre o conteúdo da Constituição, em razão da desagregadora diversidade do pluralismo social inerente ao legislador.

Foi em crítica a Carl Schmitt que HANS KELSEN [04] desenvolveu a teoria de que a legitimidade para interpretação da norma deriva da própria norma, pois para ele existe diferença não de cunho qualitativo, mas de cunho meramente quantitativo entre a atividade legislativa e a atividade jurisdicional, estando o juiz, ao aplicar a lei, a legislar para o caso concreto, sob margem de uma discricionariedade fixada pela própria legislação, cuja limitação, por sua vez, está na própria Constituição.

Segundo a concepção formalista de KELSEN, o papel da Constituição seria o de fixar as limitações de caráter procedimental relativas ao processo legislativo e as regras de competência, contendo, eventualmente, vedações de ordem material. Por sua vez, o conteúdo material do direito caberia à legislação infraconstitucional. Para KELSEN, o controle de constitucionalidade somente poderia ser realizado por um órgão judicial diferenciado dos demais, sob pena de a lei perder a força normativa, uma vez que respaldada na ordem constitucional.

II.b. A Nova Hermenêutica.

A introdução da expressão "nova hermenêutica" na doutrina constitucional deu-se por PAULO BONAVIDES [05], para designar as correntes interpretativas que passaram a enfocar o fenômeno jurídico na reconstrução contextual do sentido da norma a partir do caso concreto a ser decidido, ou seja, sob uma dimensão pragmática (inserem-se nessas teorias doutrinadores como Müller, Häberle, Alexy, Dworkin, entre outros).

A Teoria Pura do Direito de Kelsen anteriormente analisada, na qual caberia ao intérprete determinar o quadro semântico da norma mediante uma escolha política jurídica, foi criticada por FRIEDRICH MÜLLER [06], que considerou tal método incapaz de rigor metodológico para garantir uma decisão justa.

Para MÜLLLER, a teoria kelseniana não vislumbrou a verdadeira conexão entre o enunciado normativo e a realidade, propondo este doutrinador então uma teoria "concretizadora", na qual a norma jurídica está formada por dois elementos: a) seu enunciado propriamente dito e; b) a norma no caso concreto. A partir da norma no caso concreto será construída ou concretizada a regra, utilizando-se um método de interpretação (gramatical, lógico, sistemático, teleológico, histórico etc). Cabe destacar que para MÜLLER a interpretação ocorre mediante a concretização da norma com vinculação aos métodos tradicionais de interpretação, prevalecendo os métodos sistêmico e gramatical, sob pena de se conduzir novamente ao decisionismo político (com base na livre vontade) propugnado por Carl Schmidtt.

Com isso, MÜLLER define a normatividade em duas dimensões: a) propriedade dinâmica que influencia a realidade a ela relacionada (normatividade concreta); b) propriedade de ser influenciada e estruturada pela realidade (normatividade materialmente determinada).

Sob essa perspectiva, fala-se em produção da norma constitucional no decorrer do processo de concretização, enfatizando-se o papel pragmático, no sentido de ser o intérprete aplicador também o criador da norma geral.

Deve-se citar ainda, dentro da nova hermenêutica constitucional, outro autor que contribui trazendo uma proposta voltada para o aspecto político da sociedade pluralista e democrática, que é PETER HÄBERLE [07].

HÄBERLE estabelece que nos processos de interpretação da Constituição são determinantes as participações dos sujeitos do processo (órgãos estatais, agentes dos poderes ou outras pessoas envolvidas). Assim, o direito constitucional material seria resultado da multiplicidade de interesses e funções, expressão do desenvolvimento cultural, canal para a reprodução e recepção de experiências culturais e soluções jurídico políticas.

Critica-se a teoria de HÄBERLE por não considerar que a esfera pública constitui-se de uma pluralidade de valores e interesses conflitantes, em torno de expectativas contraditórias. Caberia ao intérprete filtrar a melhor opção, o que representaria um regresso ao decisionismo caso a leitura interpretativa não contivesse fundamentação argumentativa que justificasse as opções, entendimentos e conclusões do intérprete.


III. Considerações Finais

As teorias da velha hermenêutica, nascidas em meio ao despontar de um constitucionalismo dirigente (Constituição Mexicana – 1917 e Constituição de Weimar -1919), são inadequadas para equacionar a nova ordem constitucional, que não mais se corporifica em normas claras e previsíveis (Kelsen) ou formas puramente decisionistas do exercício do poder político ou jurídico (Schmidtt).

Por exemplo, ao tratamos do princípio da moralidade ou do princípio da eficiência, inscritos no art. 37, caput, da Constituição Federal, não encontramos nenhuma moldura pré-estabelecida, como queria Kelsen, o qual via a Constituição como uma norma positiva reguladora meramente da produção das normas jurídicas em geral, visão calcada no paradigma político do século XIX (Estado Liberal).

O novo modelo de interpretação busca delimitar estruturalmente os contornos lógico-sistemáticos, buscando o sentido das normas a partir de seu contexto histórico específico, na sua dimensão pragmática, considerando-se as circunstâncias do caso concreto, sem vinculação a uma pré-delimitação semântica.

De acordo com a nova hermenêutica, principalmente no âmbito constitucional, há aplicação prevalente da interpretação com dimensão pragmática em razão da demanda normativa de se conferir regulação aos valores fundamentais e programas de ação socioeconômicos (normas programáticas). Isso decorre da crescente evolução da complexidade da estrutura e dos valores sociais não acompanhados na variedade dos textos legais positivados em geral, fazendo com que a Constituição, por sua maior abrangência normativa em termos políticos, valorativos e sociais, sirva de receptáculo de tais demandas.

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O neoconstitucionalismo veio, dessa forma, opor-se às teorias do positivismo conceitual, que rejeitam a conexão do direito com a moral, sustentando que o direito valeria enquanto tal, independentemente de ser justo ou injusto, ou seja, que o direito não haveria de confundir-se com o direito do dever ser. Além disso, os positivistas clássicos entendiam que o papel do legislador era central na formação do direito, enquanto que o neoconstitucionalismo desloca o centro de análise da ciência jurídica para o órgão judicial e para o intérprete do direito.

Para essa nova concepção, o direito e a moral teriam relação intrínseca, verificada nas constituições contemporâneas, que passam a incluir em seus ordenamentos princípios morais, conceitos indeterminados com conteúdo axiológico, genérico e abstrato, que demandam uma fundamentação de valores. O entendimento da existência de tal relação é mais adequada à realidade social, na qual é impossível viver sem regras, visto que não se pode reduzir as normas a um caráter restritivo que sirva para cercear a liberdade e a emancipação do ser humano, pois as normas são criadas para garantir tais valores de liberdade e igualdade.

A respeito da vigência e validade da norma e sua forma de legitimação, podemos ainda dizer que o neconstitucionalismo elege a categoria central da validade normativa não na orientação derivada do ápice normativo constitucional e sim este sendo como o centro ao qual tudo deve convergir, o fim último a ser alcançado. Nesse aspecto, a Constituição seria o "estatuto de função" do ordenamento jurídico, estabelecendo a relação entre os sistemas normativos jurídicos e políticos, representando a inter-relação entre os campos da Política e do Direito. Sistemas que, embora relativamente fechados, admitem troca de informações e possuem relação de interdependência entre si, como por exemplo, na criação de novas leis (interferência do legislativo no sistema jurídico) ou decisões judiciais de declaração de inconstitucionalidade (interferência judicial no sistema legislativo).

No Estado Constitucional, fundado no neoconstitucionalismo, como anteriormente dito, a conformação jurídica pressupõe a introdução no ordenamento jurídico de elementos externos ao seu sistema, tais como os valores advindos do sistema moral, que devem interagir com o sistema do direito, uma vez que as normas jurídicas devem servir a um coordenado processo de adequação ao meio em que interagem.

Como um estado garantista, o Estado Constitucional desenvolve uma política que envolve a questão da realização pessoal e social sob aspectos morais, econômicos, culturais e políticos, inserindo na Constituição valores dessa ordem por meio de princípios, que passam a ter função precípua face às demais regras do ordenamento jurídico. Tais constituições são denominadas por alguns doutrinadores também como constituições dirigentes, por traduzirem princípios que significam finalidades e programas de ação a serem concretizados para o bem estar social.

Sob a nova perspectiva neoconstitucionalista, os ideais iluministas, que inspiraram os direitos fundamentais e abriram caminho a uma democracia substancial, parecem estar mais próximos da efetiva concretização, representando tal concepção uma real evolução para o mundo jurídico e a para a fundação de um Estado Constitucional concreto e efetivo perante a realidade social.


IV. Referências Bibliográficas

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal, 1988.

CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Hermenêutica e argumentação neoconstitucional/ Luiz Henrique Urquhart Cademartori, Francisco Carlos Duarte. São Paulo: Atlas. 2009.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra, 1994.

HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2000.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991.

KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 1996.

MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. São Paulo: Max Limonad, 2000.

SCHMIDTT, Carl. Teoria de La constituicion. México: Editorial Nacional, 1981.


Notas

  1. CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Hermenêutica e argumentação neoconstitucional/ Luiz Henrique Urquhart Cademartori, Francisco Carlos Duarte. São Paulo: Atlas. 2009, p.31.
  2. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991.
  3. SCHMIDTT, Carl. Teoria de La constituicion. México: Editorial Nacional, 1981, p. 187-192.
  4. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 149.
  5. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999.
  6. MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. São Paulo: Max Limonad, 2000.
  7. HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucionl. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2000.
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Sobre a autora
Janaina Rosalinda Spadini

Bacharel em Direito pela UFPR, Pós Graduada pela PUC/PR em Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SPADINI, Janaina Rosalinda. Regras hermenêuticas constitucionais, a perspectiva neoconstitucionalista e a formação da concepção do Estado Constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2987, 5 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19924. Acesso em: 22 dez. 2024.

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