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Momento da constituição definitiva dos créditos não tributários decorrentes uso do poder de policia da administração

21/09/2011 às 14:18
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A constituição definitiva dos créditos não tributários da Administração ocorre com o trânsito em julgado do procedimento administrativo, momento em que se inicia o prazo da prescrição da pretensão executória.

No âmbito do Direito Administrativo, o Princípio da Segurança Jurídica aparece como de extrema relevância, uma vez que tem por objetivo estabilizar as relações jurídicas entre a Pessoa Jurídica de Direito Público e as de Direito Privado, sejam estas jurídicas ou físicas.

Referido princípio possui relação intrínseca com os institutos da decadência e da prescrição. Isso porque esses dois últimos impõem à Administração um determinado prazo para atuar em relação ao seu administrado.

A Administração Pública, ao exercer o seu poder de polícia, deverá aplicar sanções aos infratores desde que observados os prazos legais. Isto é, a multa decorrente de tal atuação só será exigível se o prazo para o exercício da pretensão punitiva e da executória for devidamente respeitado.

Nesse contexto, saber definir qual o momento em que o crédito não tributário (multa) mostra-se definitivamente constituído é importante porque é nesse exato instante em que se inicia a contagem do prazo prescricional da pretensão executória e se encerra o da pretensão punitiva.

Em relação aos créditos tributários, resta pacífico o entendimento de que a sua constituição definitiva ocorre com o trânsito em julgado do processo administrativo fiscal, na hipótese de o contribuinte ter apresentado defesa.

Por outro lado, escoado o prazo de defesa e ausente a apresentação de qualquer manifestação, está constituído definitivamente o crédito tributário e, por conseguinte, o prazo prescricional iniciará o seu curso.

Há quem defenda a aplicação da regra retro mencionada aos créditos não tributários, sob o fundamento de que se o infrator não apresentou defesa, estaria demonstrada a sua concordância com os termos do auto de infração e, por via de conseqüência, poderia a Administração prosseguir de imediato com a cobrança da sanção pecuniária. Nesse sentido, o prazo prescricional dos créditos não tributários teria o seu termo inicial fixado da mesma maneira que nos créditos tributários.

Entretanto, conforme será a seguir demonstrado, a tese acima se mostra inaceitável em virtude das regras de direito administrativo que regem o crédito não tributário. Senão vejamos.

O exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, é regulado pela Lei n.º 9.873/99, nos seguintes termos:

"Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

§ 1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

§ 2o Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.

Art. 1o-A. Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) (...)."

Ao ser cometida a infração administrativa surge, primeiramente, o próprio direito de punir da Administração Pública, que, a partir de então terá o dever de apurar o ocorrido através do processo administrativo, em que será garantido o contraditório e a ampla defesa. Nesse período estará em curso o prazo da prescrição da pretensão punitiva, ou comumente conhecido como decadencial.

Naturalmente, só após a completa apuração da infração, haverá a constituição definitiva do crédito e, por conseguinte, surgirá o direito da Administração à cobrança da multa, através de execução.

Assim, nos termos do art. 1º da referida lei, a Administração dispõe de 05 (cinco) anos para apurar a prática de infração administrativa, imputando a sanção correspondente (caput) e, depois, mais 05(cinco) anos de prazo para a Administração fazer valer sua pretensão, contados da data da constituição definitiva do crédito.

Dito isso, convém averiguar qual o exato momento da constituição definitiva do crédito de natureza não tributária.

O decurso de prazo de defesa sem a apresentação desta não tem o condão de constituir definitivamente o crédito uma vez que no âmbito do processo administrativo, não há que se falar em aplicação dos efeitos da revelia.

Nesse sentido, é o que estabelece o art. 27 da Lei n 9784/99:

"Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.

Parágrafo único. No prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defesa ao interessado. "

Com efeito, a não apresentação de defesa pelo administrado não implica em reconhecimento do direito ou renuncia a este

.

Ademais, referido diploma legal assegura ao administrado a necessidade da garantia a ampla defesa no prosseguimento de todo o processo administrativo.

Dessa forma e sem deixar de considerar o princípio da legalidade, verifica-se que a Administração é obrigada a cumprir todo o procedimento administrativo para aplicar a sanção administrativa concernente a uma penalidade pecuniária, mesmo que o administrado não tenha apresentado impugnação. Apenas com o trânsito em julgado desse processo administrativo é que o crédito estará definitivamente constituído e, assim, deverá a Administração fazer valer a sua pretensão de executar o crédito não tributário.

Neste sentido, já se manifestou o Egrégio Tribunal Regional Federal da 5 Região, confira-se trecho do voto condutor proferido nos autos da AC503825/PE e AC 498575/PE, respectivamente:

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"Na presente hipótese o crédito objeto de execução fiscal não possui natureza tributária, já que decorrente de aplicação de multa pela Agência Nacional de Petróleo, não se aplicando, portanto os dispositivos do Código Tributário Nacional. Em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, quando se torna inadimplente o contribuinte infrator. Antes disso, e enquanto não se encerrar o processo administrativo de imposição de penalidade, não corre o prazo prescricional, porque o crédito não está definitivamente constituído não podendo ser cobrado."

"Quando há ocorrência de processo administrativo, em relação as multas aplicadas no exercício da ação punitiva pela Administração Pública, direta e indireta, como é no caso dos autos, o prazo prescricional só começa a contar a partir do trânsito em julgado do processo administrativo."

Em sede de análise de matéria objeto de recurso repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Primeira Seção, sedimentou o entendimento de que somente após o encerramento do processo administrativo inicia-se o prazo prescricional, haja vista que, durante seu processamento, o crédito carece de constituição definitiva, ao julgar o RESP 1.112.577/SP, julgamento 09/12/2009, in verbis:

"ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. PRESCRIÇÃO . SUCESSÃO LEGISLATIVA. LEI 9.873/99. PRAZO DECADENCIAL. OBSERVANCIA. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E À RESOLUÇÃO STJ N08/2008.

(...)

5. O termo inicial da prescrição coincide com o momento da lesão ao direito, consagração do princípio universal da actio nata. Nesses termos, em se tratando de multa administrativa, a prescrição da ação de cobrança somente tem início com o vencimento do crédito sem pagamento, quando se torna inadimplente o administrado infrator. Antes disso, e enquanto não se encerrar o processo administrativo de imposição da penalidade, não corre prazo prescricional, porque o crédito ainda não está definitivamente constituído e simplesmente não pode ser cobrado."

Faz-se oportuno esclarecer que o trânsito em julgado do processo administrativo poderá ocorrer quando o administrado, ao ser notificado da decisão condenatória proferida no âmbito do procedimento administrativo, deixar transcorrer em "in albis" o seu prazo recursal. Ou, acaso o administrado apresente recurso administrativo, o trânsito em julgado será postergado para a data em que o recorrente for intimado da decisão que julgar o recurso.

Com efeito, a data da constituição definitiva do crédito não tributário decorrente do exercício do poder de polícia da Administração é exatamente o mesmo momento em que ocorrer o trânsito em julgado do procedimento administrativo de aplicação da sanção pecuniária, tenha o administrado apresentado defesa ou não.

Assim, é possível afirmar que o prazo prescricional da multa administrativa inicia-se no momento em que ocorre o término do processo administrativo.

Por todo o exposto conclui-se:

A regra da constituição definitiva do crédito tributário utilizada para a contagem do prazo prescricional não é aplicável aos créditos não tributários decorrentes do exercício de poder de polícia da administração, uma vez que neste o procedimento administrativo deve ser observado independentemente da apresentação de defesa pelo administrado.

A constituição definitiva dos créditos não tributários da Administração ocorre com o trânsito em julgado do procedimento administrativo, momento em que se inicia o prazo da prescrição da pretensão executória.

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Sobre a autora
Daniella Campo dos Santos

Procuradora Federal em Petrolina/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Daniella Campo. Momento da constituição definitiva dos créditos não tributários decorrentes uso do poder de policia da administração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3003, 21 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20031. Acesso em: 24 abr. 2024.

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