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A teoria do fato consumado: necessidade de restringir sua aplicação

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23/09/2011 às 09:26
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Se a administração prontamente indefere o pedido do particular, sendo ele, temporariamente, concedido pelo Poder Judiciário, mas negado ao final, não se pode aplicar a teoria do fato consumado.

Resumo: Neste trabalho, procura-se esclarecer a diferença entre duas situações. Na primeira, a Administração Pública reconhece determinado direito ao indivíduo e depois anula sua decisão. Já na segunda, ela prontamente indefere o pedido do particular, sendo ele, temporariamente, concedido pelo Poder Judiciário, mas, alfim da lide judicial, é negado. O bosquejo dessa narrativa ultima-se na revelação de que os princípios constitucionais que gravitam em torno da teoria do fato consumado excluem sua aplicação na segunda hipótese.


Introdução

A teoria do fato consumado é uma realidade na jurisprudência brasileira, notadamente, aplicada em situações jurídico-processuais construídas por "decisões judiciais provisórias" – cautelares, antecipações dos efeitos da tutela, sentenças ou acórdãos contra os quais há julgamento de recurso pendente etc –, que perduram por um longo período, apesar de o ordenamento jurídico não agasalhar a pretensão deduzida em juízo pelo autor da demanda.

Os contornos da concepção acima lançada são evidentes, haja vista desnecessária seria a aplicação dessa teoria, se os fatos narrados na peça pórtica de uma controvérsia judicial fossem merecedores de tutela jurisdicional. Em outras palavras, o postulante não tem direito ao que pleiteou, entretanto, o bem da vida perseguido é-lhe conferido, em decorrência de estar dele usufruindo há certo tempo.

Esse pensamento é sobremaneira aplicado em relações de direito público, principalmente, em concursos públicos, seja na concorrência a um cargo ou a uma vaga nas universidades públicas. Essa prevalência da fruição do bem da vida postulado sobre o direito posto pode possuir até, intimamente, fundamento político: é como se o beneficiário, que fora esquecido pelo Estado, não estivesse se apoderando de coisa alguma, apenas, sendo contemplado pelas políticas públicas vigentes no nosso país.

Por outro lado, seu emprego no âmbito das relações de direito privado não encontra terreno fértil, diante da perplexidade direta que causaria aos litigantes, afinal de contas, na contenda privada, resplandece a Terceira Lei de Newton – ação e reação –, de modo que dar algo a alguém significa tirá-lo de outrem.

Pelo que se vê, a tarefa das linhas abaixo não é das mais fáceis, uma vez que ser pedra é mais cômodo do que ser vidraça. Mas, antes de qualquer crítica açodada, registre-se aqui se defenderá nosso Estado de Direito constitucionalmente concebido, no sentido de demonstrar a abrangência exagerada dessa teoria como alguns pretendem não ter suporte no princípio da inafastabilidade da jurisdição, na coisa julgada, na boa-fé, na segurança jurídica e proteção à confiança.


Das decisões provisórias

Ajuizada uma ação judicial [01], é bem possível a parte autora não poder aguardar seu desfecho, sob pena de a vantagem perseguida transformar-se em bem inútil. Dessa forma, medidas cautelares (preparatórias ou incidentais) eram requeridas, a fim de garantir o resultado proveitoso da tutela postulada, se, ao cabo, fosse ela concedida. Clássico exemplo trata-se da intenção de submeter-se à segunda fase de concurso público. Ora, não sendo garantida sua participação liminarmente, qual o sentido da procedência do seu pleito, quando o certame já tiver encerrado? Hodiernamente, a natureza jurídica desse tipo provimento está bem definida no nosso Código de Processo Civil [02] no artigo 273, ao cuidar da possibilidade de o juiz, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial. Em todo caso, note-se a presença de uma peculiaridade inerente ao Estado Democrático de Direito: a inércia da jurisdição.

Diz-se inerte a jurisdição, porque, regra geral, ela se movimenta apenas quando provocada – advirta-se a provocação ser um requisito inarredável na antecipação dos efeitos da tutela. Não faria sentido o juiz iniciar o processo, pois estaria a pedir providências a ele mesmo, numa clara manifestação de processo inquisitório. Ademais, a atividade substitutiva jurisdicional deve ser a última solução buscada por quem se veja prejudicado em dada situação, caso contrário, fomentar-se-iam conflitos e desavenças onde antes não existiam [03], bem como o primeiro passo da jurisdição contenciosa dado de ofício por um juiz gera vínculo, cuja firmeza pode prejudicar seu dever de julgar de forma imparcial [04].

Vê-se ainda a substituição da vontade das partes pela estatal – leia-se Poder Judiciário – demandar interesse de agir (artigo 3° do CPC), que se traduz na busca, por meio de um instrumento adequado, de certa vantagem (utilidade), cujo êxito – realização de seu pretenso direito material – não seria atingido sem a intervenção do Estado (necessidade).

Constata-se, assim, a procura da tutela jurisdicional revelar a existência de prévia pretensão resistida, que será vencida definitivamente, se o pedido for julgado procedente por decisão dotada de eficácia que a torne imutável e indiscutível, ou seja, acobertada pela coisa julgada.

Até esse manto não revestir o provimento jurisdicional, é possível a modificação da conclusão da tutela prestada em vista da interposição das espécies recursais. Portanto, o autor de lide judicial, cuja pretensão, anteriormente resistida, foi chancelada judicialmente por decisão ainda não transitada em julgada, é cônscio da precariedade dessa situação, de forma ser plenamente possível o retorno do estado anterior ao ajuizamento da sua ação judicial, em caso de provimento de recurso aviado pela parte ex adversa,ainda mais, quando as condições favoráveis foram impostas por meio de antecipação da tutela final, cuja provisoriedade é-lhe inerente, e está expressamente prevista no parágrafo 4° do artigo 273 do CPC.

É importante frisar essa retroação, isto é, a força da sentença final em abranger os efeitos gerados pelas provisórias, está intimamente ligada aos princípiosda inafastabilidade da jurisdição e da coisa julgada.


Dos princípios da inafastabilidade de jurisdição e da coisa julgada

Já tive a oportunidade de escrever sobre o princípio da inafastabilidade da jurisdição:

O art. 5, XXXV, da CF reza que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Este princípio, também chamado de indeclinabilidade da prestação jurisdicional, preceitua que o Poder Judiciário deve prestar seu ofício a qualquer indivíduo ou coletividade que o procure, quando restar comprovada uma situação de ameaça ou lesão a direito, seja ele individual, coletivo ou difuso.

Não há distinção de quem se dirige ao Judiciário; verificadas as condições de ação e os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, o jurisdicionado deverá obter um pronunciamento judicial, seja ele favorável ou contra sue interesse, mas a resposta ao promovente de uma demanda judicial deve ser dada [05].

Destarte, presente lesão ou ameaça a direito, o Poder Judiciário deve, atendidas as condições e pressupostos prévios, tutelar essa situação, sendo irrelevante quem bata suas portas. Por isso mesmo, essa prestação deve ser completa, a ponto de atingir toda a relação jurídica disposta nos autos.

Na ADI 675, o Min. Moreira Alves assentou a cláusula de inafastabilidade da jurisdição (artigo 5°, XXXV, da CRFB) importar prestação jurisdicional completa, de modo que a decisão definitiva, que reconhecer lesão a direito, não está impedida de alcançar os efeitos pretéritos a ela, não tendo qualquer relevância o fato de haver uma decisão intermediária – que, por isso mesmo, não esgota a prestação jurisdicional – em sentido contrário.

Sendo assim, os efeitos produzidos por decisões judiciais não transitadas em julgado não se podem ser entendidos como intransponíveis, caso contrário, transformar-se-ia prestação jurisdicional provisória em definitiva, ofendendo-se as garantias irradiantes da coisa julgada.

A coisa julgada, segundo o artigo 6°, parágrafo 3°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942 [06]), é a decisão judicial de que já não caiba recurso.

Normalmente, é dada a possibilidade de os litigantes impugnarem decisões judiciais, seja por recurso, seja por outro meio. Sucede esse traço de insurreição não pode ser ilimitado. Chega certo momento em que é dada a palavra final, sob pena de não cessar o estado de incerteza da situação jurídica submetida à apreciação do Poder Judiciário.

Moniz de Aragão ratifica essa posição:

A opção universalmente aceita, fundamentada no Direito Romano consiste em, primeiro, submeter a sentença a reexame perante órgãos hierarquicamente superiores (eventualmente permitir sua rescisão posterior, acrescente-se) e após atribuir-lhe especial autoridade, que a torne imutável para o futuro em face de todos os participantes do processo em que fora ela pronunciada [07].

Logo, a coisa julgada não é instrumento de justiça. É, na verdade – sem entrar nas discussões doutrinárias se ela seria efeito de uma decisão, qualidade dos seus efeitos ou situação jurídica do seu conteúdo –, instituto jurídico integrado ao direito fundamental à segurança jurídica, apto a impedir rediscussão, alteração ou desrespeito à decisão judicial final [08].

Nesse contexto, blindar os efeitos de um decisum ainda discutível e alterável é atribuir-lhe a imutabilidade conferida pela coisa julgada, num claro ato subversivo ao nosso sistema jurídico. Lembre-se a possibilidade de reversão do que anteriormente fora decidido é fruto maior da dialética travada no âmbito judicial. Repudiar essa probabilidade é reduzir a abrangência do princípio do contraditório, e negar a completa prestação jurisdicional a quem cuja aspiração é reconhecida pelo direito.


Do princípio da boa-fé

É objetivo fundamental da República Federativa Brasileira construir uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3°, I, da CRFB). Um dos componentes de um seio social justo é o compromisso de lealdade e probidade com que os indivíduos devem se portar. Partindo dessa passagem constitucional, chega-se ao núcleo deste capítulo: o princípio da boa-fé.

Dispensando-se comentários a respeito da sua origem e evolução, vislumbre-se sua dual conceituação: boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva. Buscando os respectivos conceitos na ordem civil, a boa-fé subjetiva é um estado psicológico, em que a pessoa crer possuir um direito, que, em verdade, só existe na aparência, isto é, o sujeito encontra-se em escusável situação de ignorância. Já sua face objetiva é um princípio de conduta, um modelo de comportamento social, "caracterizado por uma atuação de acordo com determinado padrões sociais de lisura, honestidade de modo a não frutar a legítima confiança da outra parte." [09].

Não obstante o status constitucional do princípio da boa-fé reconhecido pelo próprio STF [10], a teoria do diálogo das fontes é suporte suficiente para a interação entre os ordenamentos civil, processual civil e constitucional. Segundo ela, em vez de exclusão, devem os ordenamentos jurídicos específicos interagir-se mutuamente na tentativa de irradiar suas normas para o mesmo foco, quando elas regerem tema comum [11].

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Pois bem. Determinada aspiração – participar das fases seguintes de um certame público, ingressar na universidade etc – é recusada pela Administração Pública, fazendo com que o interessado proponha ação judicial, com a finalidade de ser-lhe, ao menos, liminar e temporariamente garantido e executado esse alegado direito.

Havendo o mínimo de verossimilhança dos alicerces do seu anseio, penso ser correta a antecipação dos efeitos da tutela buscada, tendo em vista a realização da etapa do concurso sem sua participação ou o adiantado do ano letivo sem sua presença nas salas de aula gerarem danos de difícil reparação, se, alfim do feito judicial, entender-se devida a proteção judicial requerida.

Contudo, encerrado o processo, e sendo rejeitado seu pedido, a situação nascida de ordem judicial anterior, e posteriormente reformada (ou anulada), deve ser desfeita, sem qualquer chance de o princípio da boa-fé poder ser aplicado nessas circunstâncias exemplificativas.

Antes da propositura da demanda, a parte autora tinha plena ciência de que havia manifestação contrária aos seus interesses (pretensão resistida), sendo – realce-se –, precisamente, essa a razão pela qual se instaurou a lide judicial. Por conseguinte, é notório o prévio conhecimento de que a rejeição do seu intento poderia prevalecer, não havendo espaço para surpresas ou espantos num desfecho judicial oposto aos seus reclamos.

Infere-se o litigante judicial, ao recorrer ao Poder Judiciário na intenção de praticar seu hipotético direito, estar preparado para a prevalência da resposta negativa (rigorosamente, o móvel da ação judicial) no remate do processo judicial. Ele não gozava de certo direito, tendo sido, posteriormente, dele tolhido. Na realidade, com a provocação da atuação jurisdicional, ele esforçar-se em ter aquilo que nunca teve, ou seja, tenta mudar a realidade dos fatos.


Dos princípios da segurança jurídica e da confiança

Os cientistas políticos entendem ser necessário um grau de segurança e certeza para o homem conduzir-se, planejar-se e desenvolver-se nos diversos ramos sociais. Nossa Constituição refere-se à segurança – incluída aí a segurança jurídica –, além de outras passagens, em seu preâmbulo e no caput do artigo 5°. A função da segurança jurídica, enquanto subprincípio ou elemento conceitual do Estado de Direito e projeção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana [12], não é outra, senão conferir estabilidade às relações sociais.

Já o princípio da confiança é entendido como elemento da segurança jurídica [13]. O testemunho intelectual de Joaquim Gomes Canotilho, invocado pelo Min. Ayres Britto no julgamento do MS 25.403 (DJe: 10/02/2011), confirmou esses dois postulados – segurança jurídica e proteção da confiança – andarem associados a ponto de alguns considerarem esse último princípio como um subprincípio ou dimensão específica da segurança jurídica. Não obstante exposto algum traço distintivo, no final, narrou-se a comunhão das normas deles dimanadas:

Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. 

Analisando a doutrina estrangeira e brasileira e a jurisprudência da nossa Suprema Corte, resta evidente o princípio da confiança ser aplicável nas relações de direito público, quando a própria Administração Pública age de tal modo a criar favorável expectativa na esfera de direitos do particular, que, por causa de longo transcurso de tempo, ganha certo grau de estabilidade [14].

Eis a lição de Karl Larenz:

ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo comportamento do outro e não tem mais remédio que protegê-la, porque poder confiar (...) é condição fundamental para uma pacífica vida coletiva e uma conduta de cooperação entre os homens e, portanto, da paz jurídica [15].

[...]

Dito princípio consagra que uma confiança despertada de um modo imputável deve ser mantida quando efetivamente se creu nela. A suscitação da confiança é imputável, quando o que a suscita sabia ou tinha que saber que o outro ia confiar. Nesta medida é idêntico ao princípio da confiança. [16].

Miguel Reale [17] também entende por descabida a anulação de ato administrativo, devido à carência de requisitos complementares exigidos por lei, anos e anos volvidos, quando já constituída uma situação merecedora de amparo e, mais do que isso, quando a prática e a experiência possam compensar a lacuna originária.

Uma representação para a lição do mestre de São Bento do Sapucaí é a nomeação de servidor público federal, que, apesar de ter declarado (demonstração de boa-fé) possuir 17 anos e 11 meses de idade – a idade mínima legal é de 18 anos, segundo o artigo 5°, V, da Lei 8.112/1990 –, foi empossado, e entrou em exercício, mas, após 10 anos, pretende a Administração Pública afastá-lo dos seus quadros. Parece-me essa situação gerada por falha administrativa merece ser preservada, diante da boa-fé do servidor, já que ausente qualquer ato específico contrário ao seu ingresso no serviço público federal, e em homenagem aos princípios da segurança e da proteção à confiança, curadores da estabilidade de situações jurídicas, aparentemente legais, criadas administrativamente, sem esforço ilícito do particular.

Em todo caso, reforce-se a narrativa hipotética acima lançada ter um alicerce fundamental: foi uma conduta administrativa que provocou a confiança do servidor na legalidade da sua posse e exercício profissional.


Do desprestígio constitucional da teoria do fato consumado nas situações fáticas criadas por decisão judicial

A teoria do fato consumado, deveras aplicada em consolidas situações originadas de fato administrativo, cuja considerável duração gera benefícios a um particular, desconhecedor dos impedimentos da respectiva fruição, espelha a merecida proteção emanada dos princípios da segurança, da confiança e da boa-fé. No entanto, será que ela tem emprego, quando as circunstâncias fáticas derivam de provimento judicial?

De pronto, assevere-se a teoria do fato consumado ter contornos constitucionais, haja vista sua análise decorrer da aplicação, ou não, do princípio da segurança jurídica em atos administrativos inválidos:

A teoria do fato consumado não se caracteriza como matéria infraconstitucional, pois em diversas oportunidades esta Corte manifestou-se pela aplicação do princípio da segurança jurídica em atos administrativos inválidos, como subprincípio do Estado de Direito, tal como nos julgamentos do MS 24.268, DJ 17.09.04 e do MS 22.357, DJ 05.11.04, ambos por mim relatados. [18]

É sabido as antecipações dos efeitos da tutela e os recursos destituídos de efeitos suspensivos serem um dos motores de uma prestação jurisdicional célere e efetiva, de maneira especial, nas hipóteses em que a negativa da tutela antecipada ocasiona a negação de fato do direito pretendido, sem impedimento da procedência do pedido. O que quero dizer?

Como detalhado no item 24, há casos em que restará ineficiente a sentença de procedência, se houver retardo do desfrute do bem da vida pretendido. Todavia, relembre-se a razão pela qual se instaura um litígio judicial: uma pretensão resistida.

Diferentemente, de prévio reconhecimento de certo direito a um cidadão, permitindo-lhe aproveitar suas vantagens, e, posteriormente, o ente administrativo apresentar entendimento diverso, nessas linhas finais discute-se condições diversas, quais sejam, foi negado peremptoriamente o interesse do indivíduo, o que gerou a necessidade de ele, por meio de uma ação judicial adequada, buscar sua satisfação nas vias judiciais, tendo, inicialmente, logrado sucesso, mas a decisão que transitou em julgado rejeitou sua pretensão.

Não há aqui qualquer caráter de boa-fé. Calma! Não digo o absurdo de haver má-fé em bater às portas do Poder Judiciário. Consigno inexistir um estado psicológico no qual o particular esteja completamente impregnado de certeza e tranquilidade de ser detentor da virtude aspirada. Noutras palavras: ele sabia que havia chances de não sair vencedor da demanda.

Outrossim, exclui-se qualquer influência do princípio da proteção à confiança pela simples razão, como visto acima, de estado de confiança alguma haver. Ora, a situação em discussão surgiu, exatamente, de uma controvérsia de interesses. Se fora negado suposto direito, e, apesar de decisão (decisões) favorável (favoráveis) não transitada(s) em julgado, o Poder Público interpõe os recursos na intenção de reformá-la(s), onde está, nas palavras de Karl Larenz, o necessário comportamento de um sujeito que criou o estado de confiança de outrem a merecer proteção?

De mais a mais, não há falar em segurança jurídica. Todos devem respeitar e cumprir as leis no nosso país. Causa impactante perturbação institucional premiar alguém reconhecidamente descumpridor desse dever pelo simples fato de ter obtido no transcorrer do processo favorável provimento judicial – muitas vezes, concedido em situações de urgência –, cuja conclusão não prevaleceu na decisão transitada em julgado.

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Sobre o autor
Henrique Jorge Dantas da Cruz

Servidor do TJPB de 2003 a 2007, procurador federal (AGU) de 2007 a 2016 e juiz federal (TRF-1) desde 2016.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Henrique Jorge Dantas. A teoria do fato consumado: necessidade de restringir sua aplicação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3005, 23 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20043. Acesso em: 29 mar. 2024.

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