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Compatibilidade entre mandato no Poder Legislativo e contratação de cédulas rurais

22/09/2011 às 13:22
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A Constituição impede aos membros do Poder Legislativo firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes.

I - INTRODUÇÃO

O presente artigo examina os conceitos de contrato com cláusulas uniformes e das cédulas rurais hipotecária e pignoratícia firmadas junto a instituição financeira (sociedade de economia mista).

À luz de tais conceitos, analisamos a compatibilidade das referidas cédulas com o disposto no art. 54, I, "a", da Constituição Federal, que impede aos membros do Poder Legislativo federal, desde a expedição do diploma, "firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes".

Essa norma de incompatibilidade é aplicável aos membros do Poder Legislativo em todas as esferas, abrangendo Senadores, Deputados Federais e Estaduais e Vereadores, sendo de repetição obrigatória nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais.


II – CONTRATOS COM CLÁUSULAS UNIFORMES

Contratos com cláusulas uniformes, segundo o entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante, são aqueles oferecidos, indistintamente, a todos os cidadãos, com condições idênticas. São também conhecidos como "contratos de adesão", aonde não é possível transigir na prestação do serviço e no seu preço. Ao contratante cabe apenas aderir às condições do contrato apresentadas pelo fornecedor do bem ou serviço.

Essa a lição de Orlando Gomes, para quem "contrato de adesão é o negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas" (in Contrato de adesão, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1972, p.3).

Nesse sentido, é possível afirmar que no contrato de adesão, o poder de negociação de uma das partes é substancialmente relativizado, na medida em que as cláusulas são impostas pela parte que detém a prerrogativa de fornecer o serviço ou o bem.

Exatamente em razão dessa impossibilidade de negociar as cláusulas contratuais, a condição de agente político (Deputado Federal, por exemplo) não interferirá nas condições pactuadas, já que estas são iguais para todos os contratantes, justificando, dessa forma, a citada permissão para contratar concedida pelo art. 54, I, "a", da Constituição Federal.

São exemplos de contratos com cláusulas uniformes os de fornecimento de energia elétrica, água, serviços de telefonia e serviços bancários.


III – CÉDULAS RURAIS

A cédula rural é título de crédito, destinada a efetivar o financiamento rural concedido pelos órgãos integrantes do sistema nacional de crédito rural. É título civil, líquido e certo, exigível pela soma dela constante ou do endosso, além dos juros, da comissão de fiscalização, se houver, e demais despesas que o credor fizer para segurança, regularidade e realização de seu direito creditório.

Conforme o art. 9º do Decreto-Lei nº 167, de 14 de fevereiro de 1967, que disciplina rigidamente a matéria, as cédulas rurais são promessas de pagamento em dinheiro, sem ou com garantias reais cedularmente constituídas (ou seja, no próprio título), sob as seguintes modalidades: Cédula Rural Pignoratícia, Cédula Rural Hipotecária, Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária e Nota de Crédito Rural. Dispensam, por conseguinte, a existência de documento anexo, devendo a garantia constar do próprio instrumento.

Na Cédula Rural Pignoratícia, a garantia oferecida pelo devedor é constituída por penhor, ou seja, incide sobre bens móveis, que, no entanto, permanecem em poder do devedor (ao contrário do penhor civil, em que a posse do bem apenhado é transmitida ao credor), que responde por sua guarda e conservação como fiel depositário, seja pessoa física ou jurídica.

Já a Cédula Rural Hipotecária é constituída por garantia na forma de hipoteca, incidindo sobre bem imóvel rural ou urbano. Incorporam-se na hipoteca constituída as máquinas, aparelhos, instalações e construções, adquiridos ou executados com o crédito, assim como quaisquer outras benfeitorias acrescidas aos imóveis na vigência da cédula.

Na Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária, o devedor oferece em garantia cedular penhor e hipoteca, simultaneamente.

Por último, a Nota de Crédito Rural é constituída sem garantia cedular, conferindo mero privilégio especial ao credor.

O referido Decreto-Lei nº 167/67 traz, expressamente, os bens passíveis de penhor e/ou hipoteca cedular, os prazos de financiamento, os requisitos formais de constituição do título e de registro da garantia, e as regras para execução da garantia em caso de inadimplemento.

Trata-se, portanto, de título de crédito submetido a regras legais específicas, oferecido pelas instituições financeiras aos clientes que atendam os requisitos para sua contratação, podendo ser utilizado por produtor rural (pessoa física ou jurídica), cooperativa de produtores rurais e pessoa física ou jurídica que, mesmo não sendo produtor rural, se dedique a uma das atividades elencadas em regulamento.


IV - CONCLUSÃO

A análise dos dispositivos legais que regem as cédulas rurais permite concluir que as mesmas, a exemplo dos demais títulos relativos a financiamentos bancários, são constituídas por cláusulas uniformes, a exemplo dos contratos de adesão, com forte regulamentação tanto legal quanto infralegal, o que faz com que o contrato que a embasa possa ser considerado contrato de adesão.

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Há, inclusive, vários julgados de tribunais estaduais que reconhecem a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a estes contratos, sobretudo no que tange à cláusula de eleição de foro, escolhida unilateralmente pelo credor.

Dessa forma, qualquer interessado que atenda às exigências para contratação de financiamento rural por meio de cédula de crédito rural estará sujeito às mesmas condições contratuais impostas pela lei, pelos regulamentos e pela própria instituição bancária, não havendo margem para negociação de cláusulas contratuais.

Nesse sentido, a contratação de um financiamento rural junto a uma instituição financeira constituída sob a forma de sociedade de economia mista não se insere na vedação contida na primeira parte do art. 54, I, "a", da Constituição Federal, encontrando respaldo, todavia, na ressalva da parte final do dispositivo, no que tange à celebração de contrato com cláusulas uniformes.

Há, portanto, compatibilidade entre o exercício do mandato no âmbito Poder Legislativo em qualquer esfera de poder e a contratação de cédula de crédito rural junto a instituição financeira revestida da forma de sociedade de economia mista, em face do disposto no do art. 54, I, "a", in fine, da Constituição Federal.

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Sobre o autor
Márcio Silva Fernandes

Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados - Área de Direito Constitucional e advogado. Especialista em Direito Registral Imobiliário pela PUC/MG e em Direito Civil pela Unisul/SC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Márcio Silva. Compatibilidade entre mandato no Poder Legislativo e contratação de cédulas rurais . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3004, 22 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20068. Acesso em: 19 abr. 2024.

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