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Direito de superfície X propriedade fiduciária dentro da dinâmica do Estatuto da Cidade

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24/10/2011 às 15:27
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A relevância do Direito de Superfície para a situação atual da disposição das moradias no ambiente urbano é indiscutível, uma vez que esse moderno instituto poderia ser uma solução viável para a regularização fundiária das grandes cidades, servindo como forma de disciplinar juridicamente as relações de ocupação irregular da superfície urbana.

Sumário: 1 Introdução e noções de Propriedade Resolúvel e de Propriedade Ad Tempus –- 1.1-Propriedade Resolúvel – 1.2 Propriedade Ad Tempus – 2 Conceitos de Propriedade Fiduciária e de Direito de Superfície – 2.1 Propriedade Fiduciária – 2.2 Direito de Superfície – 2.3 Peculiaridades do Direito de Superfície - 3 Regulação do Direito de Superfície no Estatuto da Cidade – 4 Comparações pertinentes entre o Estatuto da Cidade e o Código Civil de 2002 – 5 Principais diferenças entre a propriedade fiduciária e a propriedade superficiária -- 6 Pesquisa Jurisprudencial –7- Conclusão


1 Introdução e noções de Propriedade Resolúvel e de Propriedade Ad Tempus

À luz do artigo 1.228 do Código Civil de 2002, Marco Aurélio Bezerra de Melo define propriedade a partir de seus elementos intrínsecos e extrínsecos, caracterizando o proprietário como senhorio da coisa, com capacidade de dela excluir qualquer ingerência de terceiro. Nesse sentido, a propriedade é um direito subjetivo, absoluto, elástico, perpétuo, complexo e ilimitado, que permite que uma pessoa submeta uma coisa corpórea ou incorpórea à sua vontade.

É um direito subjetivo, pois abrange uma situação jurídica em que todos devem uma obrigação de não fazer ao proprietário, que dispõe de coercitividade para garantir esse direito, passível de violação. É absoluto, pois é exercido erga omnes, diferentemente dos direitos pessoais. É elástico, na medida em que o proprietário pode distender e contrair os poderes dominiais ao seu talante, gerando os chamados direitos reais sobre a coisa alheia. É perpétuo, pois não é extinto pelo não-uso. É complexo, pelos vários poderes que proporciona ao proprietário e, é ilimitado, haja vista que o mesmo pode retirar do bem tudo que aprouver, desde que consentâneo ao ordenamento jurídico.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald acrescentam que esse conceito de direito subjetivo perpétuo, que define a propriedade clássica, tem duração ilimitada e irrevogável, de forma que, em princípio, não comporta condição resolutiva ou termo final. Desse modo, a propriedade subsistiria enquanto durasse a coisa que constitui o seu objeto.

Todavia, essa irrevogabilidade pode ser superada quando a duração do direito subjetivo subordinar-se a acontecimento futuro previsto no próprio título constitutivo ou, em decorrência de certos fatos consignados em norma.

O Código Civil define e regula duas situações em que a propriedade será revogada, provocando a destituição da titulariedade, seja por imposição da autonomia privada ou da própria lei. São a propriedade resolúvel e a propriedade ad tempus.

1.1 Propriedade Resolúvel

A propriedade resolúvel vem definida no artigo 1.359 do CC, sendo uma modalidade de propriedade que já nasce com seu fim previsto e condicionado ao implemento de uma condição (acontecimento futuro e incerto, artigo 121, do CC) ou ao advento de um termo resolutivo (acontecimento futuro e certo). Como se vê, a limitação ao poder do proprietário é unicamente de ordem temporal. Dessa forma, enquanto não se configura o evento futuro certo ou incerto, o proprietário age normalmente como qualquer proprietário.

Isso quer dizer que terá todos os poderes decorrentes do domínio do bem detido por ele, quais sejam: usar, fruir, gozar, dispor, reivindicar a coisa perante terceiros. Até que ocorra o adimplemento da condição ou termo, pode o proprietário inclusive vender ou dar a coisa em garantia. No entanto, efetivando-se tal acontecimento, resolve-se a propriedade para o proprietário resolúvel e, passa-se o título para as mãos do novo proprietário.

A resolução da propriedade produz efeitos ex tunc, conforme o artigo 1.359, CC, de modo que não favorece terceiros que adquiram a propriedade durante a pendência da propriedade resolúvel. Isso, porque os direitos concedidos pelo proprietário resolúvel durante este ínterim serão resolvidos junto com sua propriedade, com o advento do acontecimento certo ou incerto.

Diante disso, pode o novo proprietário reivindicar a coisa contra terceiros que negociaram com o antigo proprietário. Esses não têm sequer a faculdade de alegar boa-fé ou ignorância para não sofrer os efeitos da cláusula resolutiva, uma vez que esta é registrada em ofício imobiliário e, por isso mesmo, tem eficácia erga omnes.

Ademais, seguindo-se a regra de que extinto o principal, extinguem-se os acessórios, se o proprietário gravar o bem, quando for resolvida a propriedade, tais direitos reais concedidos pelo antigo proprietário também serão extintos junto com o direito subjetivo que permitiu que os mesmos surgissem no mundo jurídico. Assim, o proprietário diferido recebe a propriedade plena do bem, sem qualquer limitação.

Antes que se verifique a ocorrência do termo ou condição resolutiva, o proprietário diferido terá somente a condição de titular de direito eventual (art. 130, CC), porém, resguardando para si a faculdade de praticar todos os atos necessários para a conservação desse direito.

1.2 Propriedade Ad Tempus

Essa outra modalidade de propriedade temporária vem definida no artigo 1.360, CC e, ao contrário da propriedade resolúvel, não exige cláusula contratual prevendo a limitação temporal da eficácia do negócio jurídico. Nesse caso, a extinção da propriedade ocorre por força de um acontecimento superveniente. Dessa maneira, como a revogação decorre de um evento posterior à transmissão do direito subjetivo, não há efeito retroativo.

Então, os atos praticados pelo proprietário antes da extinção da propriedade serão preservados, uma vez que a extinção terá efeitos ex nunc. Nesse sentido, qualquer pessoa que adquira a coisa antes da incidência do fato superveniente, será considerada plena proprietária, com direito subjetivo com eficácia erga omnes. Nessa situação, ao prejudicado restará ingressar judicialmente pleiteando indenização em face daquele que alienou o bem.

A propriedade ad tempus surge das transmissões gratuitas inter vivos e causa mortis. Esses atos, na medida em que são liberalidades, podem ser revogados por acontecimentos futuros. Ocorrendo tal fato, extingue-se a propriedade no estado em que se encontra, mas se preservam os direitos adquiridos por terceiros em decorrência da mesma. Um exemplo é a doação, que pode ser revogada pela ingratidão do donatário, fazendo com que seja extinta a propriedade da coisa que este havia adquirido com o implemento daquele ato, conforme a jurisprudência a seguir.

".

INGRATIDÃO DO DONATÁRIO DOAÇÃO. REVOGAÇÃO.

- O Art. 1.183 do CC/1916 é taxativo ao relacionar as hipóteses de revogação da doação.

- Desapego afetivo e atitudes desrespeitosas não bastam para deserdamento. É necessária a demonstração de uma das hipóteses previstas no Código Beviláqua."

(REsp 791154/SP, Processo nº2005/0179085-2, relator: Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, data do julgamento: 21/02/2006, DJ27.03.2006 página 272 REVJUR vol. 342 p. 119)


2 Conceitos de Propriedade Fiduciária e de Direito de Superfície

Tanto a propriedade fiduciária quanto a superficiária são modalidades de propriedade resolúvel, cada uma com suas características particulares, como se passa a demonstrar.

2.1 Propriedade Fiduciária

Tal modalidade de propriedade resolúvel é constituída a partir de negócio jurídico de disposição condicional e vem definida no artigo 1.361, caput, CC. Ocorre a alienação fiduciária, quando o credor fiduciário adquire a propriedade resolúvel e a posse indireta de certo bem móvel ou imóvel (excepcionalmente), em garantia de financiamento efetuado pelo devedor alienante, que se mantém na posse direta da coisa. Essa situação persiste até que haja o adimplemento da dívida contraída pelo devedor, fato que resolve o direito do credor fiduciário, e torna o devedor pleno proprietário da coisa.

A partir do exposto, nota-se que o negócio jurídico que dá origem à propriedade fiduciária envolve duas figuras: o credor (fiduciário), que é o adquirente, e o devedor (fiduciante), que é o alienante. Baseia-se o mesmo na fidúcia (confiança), pois o devedor, ao alienar fiduciariamente o bem ao credor, confia que este último irá, após o cumprimento da obrigação, devolver o bem alienado.

Entretanto, embora tenha sido a confiança a base de tal negócio em sua origem romana, o Código Civil brasileiro não se baseia na fidúcia para determinar o retorno da propriedade ao devedor, mas sim, na própria cláusula inserida no negócio jurídico originário, que impõe que o credor passe o domínio do bem ao devedor com o pagamento da dívida por parte desse último. Apesar de que, a confiança é a base de qualquer relação obrigacional, uma vez que qualquer negócio jurídico é constituído a partir da lealdade e cooperação dos contraentes, consubstanciadas pelo princípio da boa-fé objetiva (art. 422, do CC) .

A propriedade fiduciária tem como conseqüência o desdobramento da posse; assim, o credor fica sendo o possuidor indireto e o devedor, o possuidor direto (art. 1.197). O primeiro detém o domínio da coisa como garantia do adimplemento pelo outro, que se mantém na posse direta do bem.

Assim, pode o devedor fruir livremente da coisa, mas assumindo os riscos, responsabilizando-se por eventual perda, destruição ou deterioração do objeto, já que responde como depositário fiel da mesma. Deve, contudo, entregá-la ao credor, em caso de inadimplemento. Este último tem a propriedade da coisa, porém é uma propriedade limitada, pois duas de suas mais importantes faculdades dominiais ficam com o devedor, quais sejam o uso e a fruição.

Cumpre ressaltar que o credor pode exigir outras garantias do devedor, como a fiança e o aval. Além disso, se o débito for saldado por terceiro, há sub-rogação deste tanto no direito de ver satisfeito seu crédito, como na propriedade fiduciária (art. 1.368, CC).

Um marcante fenômeno presente no âmbito da propriedade fiduciária é o constituto possessório. Ele atua como modo simultâneo de aquisição e de perda da posse e, é percebido por meio da inserção da cláusula constituti no contrato. Assim, proporciona uma inversão no título da posse do objeto, de forma que o fiduciante que o detinha como proprietário (em nome próprio), o mantém, mas, como depositário (em nome alheio). Em oposição a isso, o fiduciário adquire a posse indireta por simples ficção, ou seja, não é necessário a prática de qualquer outro ato de entrega da coisa no momento da alienação, subentendo-se a tradição.

Essa propriedade nada mais é do que um instituto de direito real de garantia, pois é a mesma vinculada ao cumprimento de uma obrigação de direito pessoal, de modo que para que haja a constituição válida e eficaz da propriedade fiduciária, exige-se registro do instrumento púbico ou particular do contrato junto ao cartório de títulos e documentos localizado no domicílio do devedor. Caso o bem envolvido seja automóvel, necessário será o registro e a anotação no documento de propriedade do veículo a cargo do órgão de trânsito responsável (DETRAN). Tais requisitos são enumerados pelo artigo 1.361, § 1º, do CC.

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Podem ser objeto de alienação fiduciária: bens móveis infungíveis (regulados pelo CC/2002) e bens imóveis (regulados pela Lei 9.514/1997, aplicando-se subsidiariamente o CC, naquilo que não for incompatível com a lei especial).

O credor, como possuidor indireto, não deve turbar a posse do devedor fiduciário, que tem o direito de defender-se por meio de interditos. Entretanto, tais defesas não são cabíveis quando há o inadimplemento e, o credor propõe as medidas judiciais pertinentes. Nessa situação, o fiduciário deve efetuar a venda do bem, que pode ser judicial ou extrajudicial.

Muitas vezes, a venda da coisa, em decorrência de seu desgaste pelo uso e obsolescência, não é suficiente para cobrir o valor devido. Assim, o devedor continua obrigado pelo restante. Se ocorrer o inverso: após a venda houver saldo positivo, este irá para o bolso do devedor.

Cumpre lembrar os procedimentos judiciais que estão à disposição do credor em caso de inadimplência: a alienação da coisa, como exposto, para haver o preço do débito em aberto, se esta lhe for efetivamente entregue pelo devedor (§ 4º do art. 66 e art. 2º do Decreto-lei nº 911/ 69); ação de busca e apreensão, com medida initio litis (art. 3º do Decreto-lei nº 911/ 69); ação de depósito, se o bem não tiver sido encontrado na busca e apreensão que em pedido de depósito pode ser convertida (art. 4º); ou propositura de uma ação autônoma de ação executória (art.5º) pela qual pode optar o credor. A execução é também o meio para cobrança de saldo em aberto quando o preço de venda não for suficiente para saldar a dívida (§ 5º do art. 66, Decreto-lei 911/ 69).

A mora decorre do vencimento do prazo para o pagamento, mora ex re e pode ser comprovada por carta registrada expedida pelo cartório de títulos e documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor ( a lei exige a prova documental). Comprovando a mora ou o inadimplemento, ao ingressar com ação de busca e apreensão contra o devedor ou terceiro, terá o fiduciário a liminar concedida de plano.

A citação ocorrerá após a efetivação da apreensão do bem (art 3º), podendo o réu, no prazo de 3 dias, contestar ou purgar a mora, se já tiver pago pelo menos 40% do preço financiado (há entendimento no sentido de que não seria necessário que ele tivesse pago os 40%, bastaria que ele pagasse o restante, seja quanto for). As alegações da contestação são limitadas, podendo o réu alegar somente o pagamento do débito ou o cumprimento das obrigações contratuais.

Diferentemente da ação decorrente da venda com reserva de domínio, essa busca e apreensão não demanda avaliação do bem. Não ocorrendo a purgação da mora, e sendo a contestação insubsistente, a procedência do pedido consolidará a propriedade e posse plena e exclusiva nas mãos do credor fiduciário. A apelação dessa sentença terá apenas efeito devolutivo e não impedirá a venda do bem alienado.

Se o réu quiser alegar alguma outra matéria, terá que fazê-lo em ação autônoma, sem a possibilidade de impedir o prosseguimento da busca e apreensão.

Não sendo o bem encontrado ou se se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, que será processada nos mesmos autos, consoante o art. 901 e seguintes do CPC. Nesse sentido, o réu será citado para, dentro de 5 dias, entregar a coisa ou pagar o equivalente, sob pena de prisão de até 1 ano. Com sentença de procedência do pedido de depósito, o juiz expedirá mandado para a entrega em 24 horas da coisa ou do equivalente em dinheiro (art. 904, CPC). Se o bem não for entregue, o juiz decretará a prisão, assunto polêmico, na medida em que há entendimento jurisprudencial de que há obstáculos legais a essa prisão.

O Superior Tribunal de Justiça não vem aceitando tal prisão, após o início da vigência da Constituição de 1988, sob o fundamento de que se trata de depósito atípico. O Supremo Tribunal Federal, em oposição, assentou que, "na alienação fiduciária, é admitida a prisão civil do devedor que se negar a restituir o bem objeto do contrato", conferindo a constitucionalidade da Convenção de São José da Costa Rica, que prevê como lícitas as prisões anteriormente estabelecidas nas cartas políticas dos países signatários e das suas leis promulgadas conforme as suas constituições (art.7º, § 2º, do Tratado).

Cumpre salientar que a defesa da constitucionalidade dessa prisão é baseada no argumento de que ela é conseqüência do descumprimento da ordem de depósito, sendo, portanto, decorrente da quebra da confiança conferida ao depositário, e não, uma sanção em decorrência do inadimplemento.

As jurisprudências abaixo ilustram a questão:

" PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. INAPLICAÇÃO DO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA.

1. O Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo que "a prisão de quem foi declarado, por decisão judicial, como depositário infiel é constitucional, seja quanto ao depósito regulamentado no Código Civil como no caso de alienação protegida pela cláusula fiduciária" (HC 73.044/SP, Rel. Min. Maurício Correia,DJU 20.09.96).

2. Constitui dever do depositário prover a guarda e a conservação do bem. A prisão civil, entretanto, somente se justifica quando há recusa do depositário de restituir o bem que está sob sua custódia.

3. Inaplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) mesmo após a edição da Emenda Constitucional nº 45/04, ante a falta de aprovação pelo quorum qualificado de três quintos, o que impede, nos exatos termos da norma do art. 5º, § 3º, da CF, que se o tenha por recepcionado pelo direito interno com status de emenda constitucional.

4. Recurso especial provido."

(Resp 967649/RS, processo nº 2007/0161039-8, Ministro Relator Castro Meira, 2ª Turma, data do julgamento: 18/10/2007, DJ 05.11.2007 p. 259)

"EMENTA: Prisão civil. Depositário infiel. É atribuído ao devedor, na alienação fiduciária, a qualidade de depositário, com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal. E ao depositário infiel cabe aplicar-se a prisão civil de que trata a invocada disposição constitucional. Precedentes do STF. Regimental não provido."

(AI-AgR 374231/PR-PARANÁ, Relator Ministro Nelson Jobim, 2ª Turma, data do julgamento: 06/08/2002, DJ 11-10-2002, PP-00037)

2.2 Direito de Superfície

O artigo 1.369 do Código Civil de 2002 consagra uma espécie de direito real de uso de coisa alheia O direito real é de uso, porque a finalidade do instituto é permitir que o superficiário utilize a superfície de determinado bem, pertencente ao proprietário. Como o direito real é exercido sobre o bem de outrem, atribui-se ao mesmo o perfil de direito real sobre coisa alheia.

Nesse sentido, não deve ser confundido com outros institutos que permitem o uso de bem imóvel a título de direito pessoal; como ocorre, por exemplo, no arrendamento, em que a relação jurídica entre o proprietário e o arrendatário é direito pessoal. Esse direito real é o Direito de Superfície e, foi previsto pelo legislador em substituição à velha enfiteuse.

Tal instituto já era previsto pelos próprios jurisconsultos romanos. O milenar instituto da enfiteuse ocupava o seu lugar, sendo também denominada de aforamento ou emprazamento. O mesmo era previsto no artigo 678 do CC de 1916, que, por meio de seu art. 680, determinava que tal direito real era de duração indeterminada, somente podendo ser objeto do mesmo terras não cultivadas ou terrenos que se destinassem à edificação.

Assim, nota-se, diante da análise de tais características, que a razão histórica de sua existência assentava-se na necessidade de povoamento e colonização do vasto império Romano, razão porque o legislador brasileiro, intrinsecamente influenciado pela concepção romanista, imprimiu especial caráter fundiário a esse direito.

De fato, essa fragmentação do domínio, na enfiteuse, chegou até nosso dias através do enfiteuta, titular do domínio útil, exercente de uma quase-propriedade, apensa condicionada ao pagamento de um foro anual e do laudêmio para cada ato de transmissão onerosa do bem; e do senhorio, titular do domínio eminente, senhor de uma coisa que somente pode ser considerada sua, na medida em que mantinha o direito de preferência em caso de venda ou dação em pagamento, e, bem assim, em virtude de fazer jus ao foro e ao laudêmio.

A enfiteuse, contudo, perdeu sintonia com a nossa realidade socioeconômica.

2.3 Peculiaridades do Direito de Superfície

Na contemporaneidade, em que as questões econômicas são de extrema relevância, a enfiteuse perdeu utilidade dado o seu caráter perpétuo e por imitar o direito de propriedade sem sê-lo. Assim, o Código Civil de 2002 em seu artigo 1369 a 1377 e a Lei de Diretrizes Urbanas 10.257 de 2001, em boa hora, positivou no ordenamento jurídico pátrio o Direito de Superfície.

Assim, de forma técnica-jurídica, pode–se definir o direito de superfície como direito real de ter ou manter, temporária ou indefinidamente, em terreno imóvel alheio, uma edificação ou plantação em propriedade separada, obtida mediante o exercício do direito anexo de edificar ou plantar ou por meio de um ato de edificação ou plantação preexistente.

Algumas características, contudo, podem ser extraídas desses artigos, como se passa a expor.

Primeiramente, cumpre lembrar que direito de superfície é um direito real imobiliário em coisa alheia, de caráter autônomo e sui generis, que garante ao titular o desfrute do bem. Dessa forma, diferencia-se com nitidez de todas as figuras afins como o arrendamento, o usufruto, as servidões e demais manifestações possíveis do domínio dividido. Ele se apresenta como direito autônomo, não se confundido com nenhum outro.

A essência do direito de superfície consiste no direito a ter e manter uma edificação ou plantação em terrenos de outrem, como já observado, assim, trata-se de um direito real de fruição ou gozo. Com tal afirmação, deve se precisar que o objeto básico desse direito não é simplesmente o direito de construir e plantar, puramente instrumentais, nem tampouco obter uma propriedade separada da edificação ou plantação, que pode ser sua finalidade, mas sim um direito de implante, qualificando dessa forma esse instituto.

Não se admite a realização de obra no subsolo, ressalvada a hipótese de haver previsão contratual expressa nesse sentido. Assim o direito de superfície, em regra, possibilita a propriedade "superficiária" do construído ou plantado, quer dizer, atribui ao superficiário uma titularidade semelhante ao domínio sobre a edificação ou plantação.

O Código Civil pressupõe um valor representativo autônomo, em várias de suas normas, não o alude diretamente à propriedade superficiária, mas o Estatuto da Cidade em seu artigo 21, § 3º, confere tal característica ao fazer o superficiário responder pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade "superficiária". Porém, a doutrina costuma caracterizar a mesma como resultado decorrente da edificação ou plantação, e ainda admite a possibilidade de seu nascimento por alienação de construção ou plantação já existente.

O direito contemporâneo de superfície normalmente será temporário, pois o tempo de sua duração está relacionado com o de sua constituição, como ainda que indeterminada, torna-se determinável. Assim ele é restrito, parcial, limitado, dependente e, conseqüentemente, tendem a ser temporários, admitindo-se, segundo o legislador, d forma excepcional e expressa, declaração que confira caráter perpétuo a algum deles.

A sua constituição dar-se-á por escritura pública, devidamente registrada no cartório de Registro de Imóveis.

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Sobre a autora
Aline Soares Barbosa

Estudante de Direito da UFRJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Aline Soares. Direito de superfície X propriedade fiduciária dentro da dinâmica do Estatuto da Cidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3036, 24 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20194. Acesso em: 29 mar. 2024.

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