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Criminalização dos flanelinhas: ato consumado ou necessidade

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Analisam-se as atividades dos “flanelinhas” ou “guardadores de carro”, desde o projeto de lei que propõe a criminalização destas atividades até as legislações municipais e estaduais que pretendem regular o tema.

Sumário : 1.Introdução. 2. Noções Jurídico Argumentativas. 3. Conclusão. 4. Bibliografia.

Ementa: Este texto analisará as conseqüências jurídicas e os fundamentos das atividades dos "flanelinhas" ou "guardadores de carro", serão considerados desde o projeto de lei 2953/04 que propõe a criminalização destas atividades inserindo o artigo 160-A no CP até as legislações municipais e estaduais que pretendem regular o tema.


1.Introdução:

O Brasil é um país de enormes contrastes regionais e econômicos, isto qualquer criança sabe, porém o paradoxo social e legislativo existente não é tão claro, e muito menos, conhecido. O sistema jurídico tenta conciliar normas de naturezas completamente opostas, como na Constituição, existem normas típicas de um país socialista convivendo com outras que buscam inserir o Brasil em uma economia extremamente capitalista liberal.

Um dos grandes paradoxos do país é importar soluções e teorias estrangeiras a sua realidade, experiência que já demonstrou ser catastrófica em várias áreas. Valores como a democracia e o garantismo, assim como princípios como a insignificância e a fragmentariedade deveriam sofrer adaptações para ser aplicados positivamente em nações miseráveis, caso contrário instala se o caos, a pobreza e a falta de perspectiva amplamente conhecida.

Um dos fatores que provocam as aberrações legislativas é a motivação pessoal dos políticos, a busca pela autopromoção a qualquer custo em ambientes com baixos níveis culturais e educacionais propiciando a demagogia, e conseqüentemente, resultando em iniciativas sem fundamentos que tornam se leis, como o estatuto do desarmamento (lei completamente inconstitucional como demonstram as ADIN´s 3137 e 3112), ou mesmo como as cotas racistas que intitulam se ações afirmativas ou compensatórias (também inconstitucionais em muitos aspectos e que visam fazer a população compensar grupos por atos que ocorreram quando mais de 80% da matriz populacional da nação ainda nem haviam povoado o país).

Existe um outro fator provocador das medidas irracionais e demagógicas – a imposição da cultura do "politicamente correto" – que induz os atos de muitos a padrões considerados moralmente corretos, mesmo que em prejuízo de toda a sociedade, como os recentes atos executivos de distribuir as infames "bolsas vagabundagem" (bolsa família, bolsa escola, vale gás, etc...) aos que não trabalham, ao tempo em que aquele que recebe salário mínimo é remunerado com pouco mais de trinta centavos de dólar por hora e sofre uma carga tributária de 40% [01].

De fato, determinados estudiosos do Direito do Trabalho [02] que conhecem a engenharia e os sistemas de produção garantem que em poucos anos, graças às novas tecnologias, apenas 20% da população mundial já será suficiente para suprir as necessidades de mão de obra de todas as atividades de produção existentes, e é esta a explicação para o aumento do desemprego (mesmo em países que com crescimento econômico sucessivo).

O desemprego pode ser um problema global, mas em um país com uma carga tributária de 40% e um custo social de 127% [03] sobre a mão de obra o problema se agrava, especialmente quando a sociedade estimula a vagabundagem, a mendicância e o crime, ao tempo em que, inibe-se a livre iniciativa, reprime-se o trabalho e inviabilizam-se as atividades licitas.

O Brasil é indiscutivelmente um país com potencial incomparável de propiciar riqueza, crescimento e conseqüentemente qualidade de vida a sua população, mas o fato é que as cidades encontram se repletas de invasões e favelas, bolsões de pobreza em que criminosos impõem sua própria lei, lugares onde a população se acostuma ao crime da invasão, ao sucessivo furto de energia elétrica e da água, onde os modelos de sucesso são os traficantes de drogas e os bicheiros. No campo, grupos de criminosos instauram o caos com invasões, saques, pilhagem e todo tipo de depredação de forma absolutamente impune sob o pretexto de "movimento social".

A economia do crime é simples, se houver lucro que compense a risco e as possíveis punições agentes optarão pelo crime, como já ensina o brocardo econômico "todas as ações humanas visão maximizar suas satisfações mesmo que sob condicionamentos". Por exemplo, aqueles que se dedicam as "quadrilhas sociais" de invasões no campo são premiados com terras, viveres e financiamentos gratuitos, realmente uma nova interpretação da sanção positiva se isso fosse possível, neste caso, não havendo risco ou punição, não haveria motivação se não a coerção moral, para inibir o crime.

É dispensável demonstrar que a fraude e o ilícito são economicamente mais vantajosos em qualquer sistema de absoluta impunidade, bastando à observação de que aquele que não sonega, frauda ou diminui o custo, como os concorrentes, torna-se inviável, obsoleto, sem condições de funcionamento.

Pesquisas [04] comprovam que a mendicância é muitas vezes mais rentável que o trabalho honesto, quanto mais não seria a atividade a ser descrita: - a extorsão aos motoristas que estacionam em locais públicos.


2.Noções jurídico Argumentativas:

Dado todo o estimulo ao crime já descrito, a conformação social e populacional das grandes cidades do país, e finalmente, a configuração econômica com altas taxas de desemprego um fenômeno curioso concretizou se no país, multidões de mendigos e pedintes de toda espécie tomaram as ruas e sinaleiras das cidades de todos os portes e regiões, praticando o ilícito, como comprovado, mais fácil e vantajoso que a busca de remuneração pelos meios lícitos.

A mendicância por si só não é crime, exceto se usado menor de idade [05] para tal, porém como a vadiagem (entregar se a ociosidade, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de sobrevivência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação licita) ainda é contravenção penal [06], e os dois tipos podem ser aplicados à situação estudada.

Deve se iniciar qualquer texto acadêmico com a definição e a natureza do objeto, neste caso os "guadadores de carro" ou "flanelinhas" são aqueles pedintes que se especializam em cobrar pelo serviço de ‘vigilância’ de veículos estacionados em vias públicas, o oferecimento do serviço certamente constitui uma ameaça tácita, ou uma extorsão em branco como preferem alguns, de dano, furto ou roubo no caso de não pagamento.

As prefeituras tentam regular tal ilícito de tal forma que capitalize os resultados, com a regulação de políticas como a demarcação de áreas de "zona azul" na cidade, legitimando a cobrança pelo estacionamento em local público em nome do município.

A demonstração que ha reprovação pública a esta atividade pode ser observada no sitio www.odeioflanelinhas.cjb.br que anuncia deter aproximadamente 7000 acessos semanais e dedica-se a propiciar à população a oportunidade de expor sua revolta a esta atividade. Na realidade, políticos de todas as matizes aproveitam-se do ódio público a tais criminosos, o deputado Celso Russomano mantém em sue sitio eletrônico [07] um manual para tratamento de "guardadores", ele orienta que o cidadão pague com cheque, chame a polícia e comunique o fato como extorsão do CP art158.

De fato, o ato analisado é odioso e ilícito, mas enquadra-lo no art.158 demonstra desconhecimento da norma, a extorsão do código penal brasileiro exige "violência ou grave ameaça", e não ha jurisprudência que considere "ameaça tácita" como tal [08].

A lei municipal de São José do Rio Preto (SP) de numero 7246/98 (assim como as outras legislações sobre o tema), que regulamentava a atividade dos "flanelinhas" loteando a cidade foi anulada por uma ADIN, a ação alegava, dentre outras motivações que a CF não permite que pessoas prestem serviços a administração pública sem realização de processo seletivo e que tal atividade constituía constrangimento indireto, uma "extorsão em branco".

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A revolta da população, onerada por um vetor pelo estado que não cumpre suas obrigações, e por outro com a horda de pedintes nas ruas cresce com o empobrecimento e a crise social, e pressiona pela tentativa de prefeituras e estados em resolver este problema. Em conseqüência destes fatos, o deputado Neuton Lima (PTB-SP) criou o projeto de lei 2953/04 sob o argumento de que "sob a legislação atual o ato de cobrar para vigiar carros com a ameaça tácita de dano não constitui crime" [09]. Segundo o deputado deveria ser acrescentado o artigo 160-A ao CP com o texto "extorsão mediante promessa ou efetiva vigilância de veículos estacionados em vias ou locais públicos", cuja redação é a que segue: - "exigir mediante ameaça, solicitar, receber ou aceitar a promessa de receber dinheiro, ou qualquer outra vantagem econômica, em contrapartida da promessa ou da efetiva vigilância de veículos estacionados em vias e locais públicos" [10].

Ainda segundo o projeto, qualquer conduta que se enquadre no tipo penal acima descrito, estará passível de punição, estando o seu agente sujeito à pena de detenção de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa. Importando lembrar que o simples receber, ou aceitar promessa de receber dinheiro, ou qualquer outra vantagem econômica, já configura o tipo penal, se fazendo desnecessário para tal, a comprovação de eventual "exigência mediante ameaça".

É bem verdade que o conteúdo legislativo até aqui tratado se limita à mera proposta, não havendo como se ter qualquer previsão acerca do início de sua eventual vigência, e se a sua aprovação se dará nos exatos termos propostos, isto, caso efetivamente venha a se tornar lei.

Mesmo que hipoteticamente considerando a proposta existem ressalvas vitais a sua aplicação [11], à saber: - devido a formação doutrinária de muitos, induzidos a tolerar o ilícito, poderia-se aplicar a esta situação o teor do art.89 da Lei nº 9.099/95, que prevê que ao propor a denúncia, o Promotor de Justiça poderá requerer a suspensão condicional do processo, pelo prazo de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, evitando-se todo o custo e desgaste da tramitação de um processo criminal, que por certo não resultaria em punição mais gravosa, ante os limites máximos estabelecidos à pena; e finalmente, ainda que haja qualquer condenação com penas restritivas de liberdade, em razão do limite máximo ser de 02 (dois) anos, poderá haver substituição da pena de restritiva de liberdade por restritiva de direitos , nas quais se enquadram a prestação pecuniária (multa), perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana, em cujas substituições devem ser observadas algumas exigências e detalhes previstos no próprio Código Penal.

Como se não fossem suficientes os benefícios da substituição de pena já tratados, ainda poderá o condenado ter direito a suspensão condicional da pena, oportunidade em que deverá atender às exigências do Juízo que o condenou, pelo período de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, de forma a não cumprir qualquer restrição a sua liberdade.


3.Conclusão:

São nobres as iniciativas de ambos os deputados, o que propõe a aplicação do art. 158 do CP, assim como, daquele que propõe a existência de um novo artigo no código para criminalizar esta conduta, porém ambas as propostas são ineptas e ineficazes, como demonstrado.

A solução não parece ser a criação de mais e mais leis, muito menos a aplicação sem técnica da legislação existente, bastaria a aplicação das normas atuais que prescrevem a vadiagem e a mendicância como contravenções, combinadas com a eficácia, mesmo que remota, de um órgão de segurança pública que inibisse os danos, furtos e ações criminosas de todo gênero contra os veículos estacionados em vias públicas e seus condutores.

Também é demagogia pregar que qualquer medida de diminuição do desemprego seja eficaz para diminuir a incidência de tal imoralidade, pela famosa lei do esforço mínimo – que expressa motivação básica do homo ecconomicus já explanado em retro – uma vez que a maioria dos contraventores então em melhor situação do que a maioria dos trabalhadores, e estes só deixarão o ilícito e a imoralidade se impelidos, não pela existência de mais uma lei, mas pela aplicação das normas existentes.


Bibliografia:

Jornal "O Estadão" disponível em http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2002/09/27/cid024.html as 22:00 do dia 01/08/2004.

Sento-Sé, Jairo Lins de Albuquerque – "A globalização da economia e a sua influência no Direito do Trabalho" disponível no site www.direitoufba.net as 22:00 do dia 01/08/2004.

Te

xto "Carga Tributária Atinge 40,01%" – sem autoria definida – disponível as 01/08/2004 as 23:20h no site http://noticias.correioweb.com.br/ultimas.htm?codigo=2607701

Delmanto, Celso – "Código Penal Comentado" – 6a Ed. atul. e ampl. – RJ; Renovar, 2002.

Texto "Flanelinhas"

http://www.carsale.uol.com.br/noticias/ed101not2606.shtml acessado em 01/08/04 as 23:00h sem autoria definida.

Texto "Penalização dos flanelinhas" de autoria de Anderson Nazário

http://www.marcocezar.com.br/gente_nazario.php3 acessado em 01/08/2004 as 23:20h.

Notas

  1. Texto "Carga Tributária Atinge 40,01%" disponível no site
http://noticias.correioweb.com.br/ultimas.htm?codigo=2607701 as 01/08/2004 as 23:20h.
  • Sento-Sé, Jairo Lins de Albuquerque – "A globalização da economia e a sua influência no Direito do Trabalho" disponível no site
  • www.direitoufba.net as 22:00 do dia 01/08/2004.
  • Texto "Carga Tributária Atinge 40,01%" disponível no site
  • http://noticias.correioweb.com.br/ultimas.htm?codigo=2607701 as 01/08/2004 as 23:20h.
  • Jornal "O Estadão" disponível em
  • http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2002/09/27/cid024.html as 22:00 do dia 01/08/2004.
  • CP at, 247, IV.
  • DL 3688/41 – Lei das Contravenções Penais – art. 59 e 60.
  • http://www.celsorussomano.com.br/guardadores.htm acessado em 01/08/04 as 23:00h.
  • Delmanto, Celso – "Código Penal Comentado" – 6ª Ed. atul. e ampl. – RJ; Renovar, 2002.
  • http://www.carsale.uol.com.br/noticias/ed101not2606.shtml acessado em 01/08/04 as 23:00h.
  • http://www.marcocezar.com.br/gente_nazario.php3 acessado em 01/08/2004 as 23:20h.
  • http://www.carsale.uol.com.br/noticias/ed101not2606.shtml acessado em 01/08/04 as 23:00h.
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    Sobre o autor
    Renato Amoedo Nadier Rodrigues

    Graduado em Direito (UFBA) e Engenharia de Produção Civil (UNEB); Mestre em Direito Privado e Econômico (UFBA); e doutorando do Programa de Pós Graduação em Administração (Finanças Estratégicas) da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    RODRIGUES, Renato Amoedo Nadier. Criminalização dos flanelinhas: ato consumado ou necessidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3029, 17 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20256. Acesso em: 22 nov. 2024.

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