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O magistrado e o deputado

24/10/2011 às 08:22
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Os Tribunais e as Casas Legislativas guardam alguns traços em comum, e também várias diferenças.

Os Tribunais e as Casas Legislativas guardam alguns traços em comum.

A magistratura é formada por bacharéis em direito que se submetem a concurso de provas e títulos; os Tribunais são compostos, inicialmente, pela promoção de juízes, inserido ainda um quinto das vagas, reservadas para promotores e advogados, escolhidos pelas respectivas classes e nomeados como magistrados pelos Governadores e Presidente da República. Trata-se do chamado quinto constitucional.

Ao concurso público de provas e títulos exige-se o requisito de conclusão do curso de bacharel em direito, apesar de muita influência política na nomeação de magistrados para os Tribunais superiores.

Os Tribunais dos Estados são compostos pelos juízes promovidos e a lei criou nova classe de magistrados, constituída de advogados e promotores; estes não se submetem a concurso e muito menos à experiência da arte de julgar nas Comarcas; são simplesmente elevados ao cargo de final de carreira, Desembargador ou Ministro, sem ter sido juiz.

O STJ e o STF também são constituídos por magistrados, advogados e membros do ministério público, de escolha do Presidente da República com aprovação do Senado Federal. A exigência de "notável saber jurídico e reputação ilibada", anotada na Constituição não se torna fundamento para a escolha de bons juízes, porque maior peso a indicação política.

A despeito das diferenças, tanto uns quanto os outros, necessariamente são graduados, ou seja, passam pelos bancos escolares e concluem o curso superior de Ciências Jurídicas. Considera-se, portanto, que os Tribunais são constituídos por profissionais graduados em universidades.

O número de juízes, desembargadores e ministros é, como os deputados, variável, de acordo com o crescimento da população, mas quase nunca se observa esse requisito para aumentar o número de magistrados. É que falta verba, espaço físico e outras dificuldades.

O Congresso Nacional, diferentemente dos Tribunais, não é composto por cidadãos que passam pelos bancos escolares. Não se exige formação mínima, mas suficiente a alfabetização e a votação dos eleitores. São requisitos: ser brasileiro nato ou naturalizado, estar no gozo de seus direitos políticos, indicado pela convenção do partido e idade mínima de 21, se deputado, e 35 anos, se senador, sem se importar com a idade máxima. Não se exige formação nem preparação alguma; só não pode ser analfabeto; interessante é que o analfabeto não pode ser eleito, mas pode votar.

Em tese, os parlamentares não precisam comprovar conhecimentos teóricos dessa ou daquela ciência. Os partidos políticos não promovem qualquer noção básica de administração, de direito ou de cidadania para os futuros legisladores, diferentemente dos magistrados que, atualmente, passam por curso de preparação e estágio.

Os deputados e senadores não são vitalícios, porque se submetem à vontade popular a cada quatro ou oito anos.

O número de deputados varia de acordo com a população, mas a lei fixa em setenta (70) o número máximo e oito (8) o mínimo para cada Estado.

A grande diferença entre o Judiciário e o Legislativo reside no fato de que não há votação popular para escolha dos magistrados, enquanto é indispensável a consulta do povo para se tornar deputado ou senador.

A função dos magistrados é aplicar as leis para solução dos conflitos, enquanto os parlamentares têm o encargo fundamental de criar o direito positivo que deverá ser observado pelos julgadores.

Os membros do Judiciário possuem certas garantias inerentes à função, a exemplo da vitaliciedade, ou seja, desde que nomeados não perdem o cargo, salvo através de processo com ampla defesa; outra situação singular é que, os magistrados, incluídos nesse caso, como funcionário público, são forçados a aposentarem quando completam a idade de setenta (70) anos, porque a lei considera incapazes para o trabalho e impõe compulsoriamente a aposentadoria. Se há presteza para a "expulsória" dos experientes magistrados, não se tem maiores cuidados para o ingresso na carreira. A OAB exige o "exame da ordem" para exercer a profissão, enquanto para se tornar juiz dispensável tal exame. Até bem pouco tempo, o formando saia dos bancos escolares, prestava concurso para juiz de direito e recebia o encargo de julgar, contando apenas vinte e quatro (24) anos de idade. Atualmente, a partir de vinte e seis (26) ou vinte e sete (27) anos, o bacharel pode receber a missão de julgar mais adequada para pessoas com experiência de vida. A classe conta com muitos jovens em função dessa permissão altamente comprometedora.

Fala-se até que a magistratura tornou-se um bom emprego!

Uma das principais funções do Congresso Nacional é elaborar leis; os Deputados apresentam projeto de lei ordinária ou complementar, decreto legislativo ou resolução, proposta de Emenda à Constituição, além de indicações e requerimentos.

Se uma lei é descumprida, surge a necessidade de interferência do Judiciário, que acontece através do ingresso de uma ação. As decisões judiciais forçam todos a respeitar as leis criadas pelo legislador. Assim, a imperfeição de uma lei prejudica o trabalho do julgador, pois além de bons juízes precisa-se também de boas leis.

O Judiciário é o único dos três poderes que não se mostra presente nos municípios. Existem as Casas Legislativas em todos os municípios brasileiros, representados pelos vereadores; nos Estados, estão os deputados estaduais, e, na União, os deputados federais e senadores. O Judiciário, inexplicavelmente, só se encontra nos Estados e na União.

No Congresso Nacional não há a alegada oxigenação, existente na magistratura, quando profissionais de outra área, sem concurso e sem experiência alguma para julgar, integram a classe no final da carreira. A singularidade do quinto constitucional na magistratura não se encontra no meio parlamentar.

É legislador somente por meio do voto; torna-se magistrado por concurso e por indicação política.

Deputados e Senadores não são descartados da função por terem completado a idade de setenta (70) ou setenta e cinco (75) anos; no meio político é comum a militância de senadores, deputados, vereadores com mais de setenta (70) anos. Aliás, no Congresso Nacional contam-se deputados e senadores com mais de 80 anos; o senador Garibaldi Alves, PMDB/RN, que também é ministro da Previdência Social, tem 87 anos; o deputado Vicente Arruda, PR/CE, tem 81 anos. O requisito legal é de ter um mínimo de idade para ser parlamentar, sem considerar incapazes os maiores de setenta (70) ou setenta e cinco (75) anos.

Os Tribunais prestam-se para apreciar as decisões dos juízes e tem competência para julgar originariamente certas demandas. A ação é proposta por uma parte; ouve-se a outra, passa-se à instrução e termina com a sentença pelo juiz, acórdão, pelo Tribunal; a decisão do juiz se sujeita a recurso para o Tribunal do Estado e daí pode ir ao STJ ou ao STF, em Brasília.

As leis, sobre as quais se debruçam os juízes para solucionar as demandas, são elaboradas pelos parlamentares, e passam por várias etapas: proposição, leitura em plenário, publicação, Comissão de Constituição e Justiça, podendo seguir ainda para outras Comissões. Entra, então, na ordem do dia, para discussão em Plenário; se aprovada, vai para sanção do Executivo que tem o poder de veto; nesse caso retorna à Câmara. As leis internas explicam a forma como se procede para transformar um projeto em lei que, normalmente, será sancionada pelo Executivo.

Uma ação judicial, nos tribunais, ou um projeto de lei, no Congresso, sofre morosidade para serem concluídos. A entrada em pauta de um processo depende de dia de julgamento pedido pelo relator; a proposição, depois de passada pela Mesa, pelas comissões e publicada no Diário do Congresso Nacional será distribuída aos parlamentares, às lideranças e às comissões. Em regra, as proposições são arquivadas, no enceramento da legislatura na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Tanto a ação como o recurso judicial, assim como o projeto de lei podem sofrer morosidade com os pedidos de vista por parte dos outros julgadores ou congressistas. Dessa forma, uns e outros, através do uso permissivo das regras regimentais, podem segurar as decisões por semanas, meses ou anos.

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O lobby atua entre os congressistas para que as leis sejam elaboradas para favorecer tal ou qual grupo, e entre os magistrados a fim de que o julgamento beneficie a esta ou aquela parte. Os lobistas promovem maiores estragos aos menos favorecidos, principalmente porque o lobby no Congresso ou nos Tribunais não é regulamentado no Brasil e, portanto, é atividade extralegal.

O conceito de um parlamentar é auferido pelo número de votos obtidos nas eleições; esse é o atestado da legitimidade de seu cargo. Com o magistrado a situação é diferente, pois a característica maior reside no respeito e na confiança depositada pelo povo, originada fundamentalmente da independência e responsabilidade do cargo.

A investigação e punição de eventuais denúncias contra magistrados e parlamentares guardam semelhanças, pois tanto nas Cortes judiciais quanto nas Casas legislativas o corporativismo se mostra forte para dificultar apuração e punição. Na área judiciária, antes da atuação do CNJ, era comum a demora do processamento de sindicâncias ou processos disciplinares. Depois da instalação do órgão externo, muitos Tribunais dos estados preferiram abdicar de suas competências e remetem tais processos para o CNJ.

Em 2009, o CNJ apurou que 39 processos disciplinares contra juízes e desembargadores estavam parados no gabinete do Corregedor Geral da Justiça do Amazonas, motivando a punição de afastamento do próprio Corregedor. As vendas de sentenças, apesar da gravidade, é uma realidade, ainda que limitada e localizada; muitos magistrados, inclusive desembargadores e ministro, foram punidos mercê da interferência do CNJ. Sem sombra de dúvida o órgão externo contribui para punir e diminuir os deslizes funcionais dos membros do Judiciário.

No Legislativo, a situação é mais caótica que no Judiciário, pois naquela Casa não existe órgão externo para apuração de falhas funcionais de seus membros; qualquer denúncia será apurada pelos próprios deputados ou senadores, onde o corporativismo é mais acentuado, como se viu, recentemente, no Conselho de Ética da Câmara que decidiu não investigar as denúncias contra o deputado Valdemar Costa Neto ou no Plenário da Câmara dos Deputados, quando foi absolvida a deputada Jaqueline Roriz, acusada de participar do chamado mensalão do DEM.

A cassação do mandato do deputado e do senador só acontece após votação secreta dos membros da Casa, art. 55, § 2º da Constituição; os magistrados não têm a mesma regalia, pois qualquer punição se dará por meio de votação aberta, art. 93, IX e X.

A diferença que favorece a magistratura reside exatamente na atuação do CNJ, órgão externo do ambiente do julgador que recebeu a incumbência de também punir.

No que se refere às férias e ou recesso há similitude entre as ausências ao trabalho do magistrado e dos congressistas. Os magistrados têm em torno de dezoito (18) dias de recesso, no fim do ano, mais sessenta (60) dias de férias, além de alguns feriados da classe; os parlamentares dispõem, de acordo com a Emenda Constitucional n. 50 de 14/02/2006, de recesso entre os dias 18 e 31 de julho e 23 de dezembro até 31 de janeiro, tendo assim, um máximo de 55 dias. Na verdade, deputados e senadores ausentam-se das Casas Legislativas, muito mais tempo que os magistrados.

Antes dessa Emenda, o Regimento do Senado e da Câmara estabelecia recesso de 90 dias por ano.

No setor de produtividade enorme é o horizonte de um e outro; o magistrado é obrigado a apresentar resultado de seu trabalho, através de audiências, despachos e sentenças ou acórdãos; os parlamentares, boa parte deles, passam meses e até anos sem criar qualquer projeto de lei, resolução, Emenda, indicação ou requerimento; limitam sua atividade no comparecimento a algumas sessões.

Os magistrados somente poderão ser presos, através de ordem escrita do Tribunal, salvo em flagrante de crime inafiançável, art. 33, inc. II da LOMAN; os membros do Congresso Nacional também não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Além disso, os deputados e magistrados têm foro especial para apuração de crimes cometidos; uns são julgados pelo próprio Tribunal, outros, os deputados e senadores, respondem a processo na cúpula do Judiciário, no STF.

Nesse particular, os parlamentares têm grande vantagem, pois a Casa Legislativa pode suspender o andamento da ação penal, se a denúncia for recebida pelo STF, art. 53, §3º da Constituição. É mais uma vez a força do corporativismo.

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Sobre o autor
Antonio Pessoa Cardoso

Ex-Corregedor das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça da Bahia. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Antonio Pessoa. O magistrado e o deputado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3036, 24 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20277. Acesso em: 22 dez. 2024.

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