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Contributos para compreender a fronteira entre o dolo eventual e a culpa consciente

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27/10/2011 às 13:08
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Estudam-se as principais diferenças traçadas pela doutrina nacional e, principalmente, internacional, na busca de uma consideração capaz de compreender e identificar as diferenças entre o dolo eventual e a culpa consciente, quando expostos a casos reais.

Resumo

O presente trabalho caminha pelas principais fronteiras traçadas pela doutrina nacional e, principalmente, internacional, na busca de uma consideração capaz de compreender e identificar as diferenças entre o dolo eventual e a culpa consciente, quando expostos estes a casos reais, ou seja, quando extraídos da análise pontualmente teórica e expostos à realidade complexa do cotidiano humano. Igualmente, anotando considerações dos grandes doutrinadores especializados da área, identificar divergências e harmonias, para, assim, contribuir com o objetivo traçado no presente estudo, qual seja, a delimitação de uma fronteira franca entre a culpa consciente e o dolo eventual. Tal objetivo está imbricado na própria questão, uma vez que fatos dolosos e culposos, desde sua concepção, merecem, por parte do Estado, reações diferentes contra o autor do fato, a salientar, na mensuração da pena a ser aplicada.

Palavras-Chave: Direito penal; dolo eventual; culpa consciente; teorias diferenciadoras.


Considerações Iniciais

Uma das principais questões que envolvem o estudo do dolo eventual e da culpa consciente, ao contrário do senso lógico, não se constitui em apresentar seus conceitos doutrinários ou manualísticos, mas em enfrentar maneiras capazes de identificar, frente a casos reais e complexos, os limites fronteiriços entre o bom emprego de um ou do outro instituto. Observa-se que, tanto a figura do dolo, como do próprio sentido de culpa, não apresentam em um primeiro momento maiores dificuldades. Situações diversas ocorrem quando se particulariza o estudo do dolo eventual e da culpa consciente.

A importância em aprofundar estas matérias evidencia-se quando o Direito Penal, por meio de uma disposição geral relativa aos preceitos penais, expressa que o comportamento doloso é punível e o culposo não o é, salvo quando a este está cominada expressamente uma pena [01]. Desta maneira, compreender e trabalhar uma distinção concreta entre ambos equivale a elucidar a não imposição ou a imposição de uma pena, e neste caso, ainda, mensurar em qual magnitude. Se, em uma leitura rasa, a distinção entre as condutas dolosas e culposas estariam facilmente enfrentadas em seus conceitos universais, quando confrontadas com casos práticos, a distinção perde facilmente seus contornos, se confundindo e se imbricando, tanto que é "en esta zona gris donde la localización de la frontera entre dolo eventual e imprudencia consciente adquire sus verdaderas dimensions" [02]. Entre os diversos exemplos presentes nas doutrinas contemporâneas, quatro deles são emblemáticos para analisar a plenitude da discussão, sendo o primeiro, talvez, o mais corriqueiro na jurisprudência dos Tribunais e, mesmo assim, inconstante em suas interpretações. Refere-se às famosas apostas, com velocidades elevadas, envolvendo veículos no trânsito urbano:

A, aceitando uma aposta com B, decide conduzir seu carro em grande velocidade por um autopista, sendo que, em determinado momento, acaba por colidir em outro veículo C, o qual conduzia seu veículo corretamente. Com o acidente o motorista C falece.

O segundo exemplo expõe, de forma mais aguda, a complexidade da matéria, principalmente pelos valores confrontados:

Ana é mãe de uma filha de 15 dias. Entre as seis da manhã e às duas da tarde, dá para a filha beber uma quantidade de leite não determinada. E às três horas da tarde uma mamadeira de 200 gramas, provocando sintomas da asfixia na filha. Sendo-lhe indiferente um resultado fatal, por volta das 17 horas chama um médico, quando vem a menina a falecer. A autópsia indica que o bebê veio a óbito por asfixia [03].

O terceiro exemplo retrata um caso paradigmático da jurisprudência alemã:

X e Y decidem praticar roubo contra Z, apertando um cinto de couro no pescoço da vítima para fazê-la desmaiar e cessar a resistência, mas a representação da possível morte de Z com o emprego desse meio leva à substituição do cinto de couro por um pequeno saco de areia, em tecido de pano e forma cilíndrica, com que pretendem golpear a cabeça de Z. Na execução do plano alternativo rompe-se o saco de areia e, por isso, os autores retomam o plano original (o cinto de couro), fazendo cessar a resistência da vítima e subtraindo os valores. Então, desafivelam o cinto do pescoço da vítima que, desacordada, tentam reanimá-la, sem êxito [04].

Por fim o quarto exemplo, nomeado caso lecmann, tornou-se uma legitima ilustração de manual:

Uma pessoa, motivada por uma aposta, diz ser capaz de acertar um vaso segurado por uma moça a distância. Ainda que o sujeito aceite a possibilidade de acertar a outra pessoa, não o deseja, tanto que do contrário não apostaria. Ocorre de ferir a mulher [05].

Os casos de dolo eventual caracterizam-se, antes de tudo, pela circunstância de a realização do tipo objetivo do ilícito ser representada pelo agente apenas como possível, ou seja, uma conseqüência provável da conduta [06]. Neste sentido, há o dolo eventual quando o agente assume o risco de produzir o resultado (delito), significa dizer, prevê o resultado como admissível e continua atuando, aceita como possível a superveniência do delito [07]. Tão próximo a este conceito está o de culpa consciente, pela qual o agente reconhece a possibilidade de produção do resultado, mas não acredita em seu acontecimento, e por conseqüência não se resigna a ela como necessária [08]. Contudo, deve-se distinguir confiança de esperança, por exemplo, "confia que não ocorrerá" de "espera que não ocorrerá" tal fato. Isto, pois, quem confia em um desenlace tranqüilo não acredita seriamente na realização do tipo (resultado ilícito possível) e, portanto, não atua dolosamente. Por outro lado, quem age tendo por possível a realização do tipo e não confia que tudo terminará bem, mesmo que tenha uma esperança, esta não excluiria o dolo [09].

De sorte a ilustrar a problemática da questão envolvendo a delimitação do dolo eventual frente à culpa consciente, perante a doutrina e os importantes reflexos práticos, muito corroboram as anotações de ROXIN, o qual sustenta que a denominação dolo eventual, ou condicionado, está incorreta, referindo ser "el dolo, como voluntad de acción realizadora del plan, precisamente no es ‘eventual o condincionado’, sino, por el contrario, incondicional, puesto que el sujeto quiere ejecutar su proyecto incluso al precio de la realización del tipo" [10]. Logo, complementa o autor, somente a produção do resultado depende de eventualidades ou condições incertas, "sería por tanto más correcto hablar de un dolo sobre la base de hechos de cuya inseguridad se es consciente" [11]. WESSELS igualmente considera a expressão infeliz, uma vez que há dolo eventual quando o autor tem seriamente como possível e se conforma com isso (sua conduta leva à realização do tipo), isto, pois, não necessariamente eventual ou condicionado, quando o "autor já se tenha decidido firmemente pelo fato [12]".

Outra ressalva se faz sobre a tentativa dos finalistas, que buscaram configurar a conduta conforme um plano, pelo qual o dolo eventual existe para quem realiza uma conduta típica ilícita prevista naquele (final), diferenciando da culpa consciente daquele que não o incluiu em seus resultados e o produz por imprudência. Observa ROXIN que "um concepto de finalidad ontológico, que se fije en el puro saber causal, entonces deberia contemplarse también la imprudencia consciente como acción final" [13]. Nesta linha, o pensamento de DIAS complementa as restrições em trabalhar com o finalismo, pois este, enquanto conceito puramente conseqüencial, encobre outras categorias lógicas e teleológicas, as quais produzem resultados coincidentes, "tornando-se assim ‘finalidade’ só um outro nome para aquilo que se considerar dolo do tipo"; por outro meio, ainda, a finalidade "tem de considerar-se como resultante da acção com mera representação de um resultado como possível, caso que o conceito se torna imprestável para a distinção aqui buscada [14]".

A dificuldade em delimitar a fronteira entre o dolo eventual e a culpa consciente baseia-se na própria estrutura dos dois institutos, uma vez que, para ambos, a presença do delito é possível. Mais além, evidencia-se que, tanto na culpa consciente quanto no dolo eventual, seus conceitos prevêem que o sujeito não deseja o resultado, no entanto, em ambos o autor reconhece a possibilidade deste existir. [15] Por isso, a dificuldade de reproduzir lingüisticamente de maneira adequada um fenômeno psicológico muito sutil e freqüentemente guiado por tendências irracionais e somente relativamente conscientes, para afirmar que um resultado ou qualquer outra circunstância foi assumido na vontade de quem atua, sendo as dissertações verbais nada mais que aproximações [16]. Desta maneira, estando à distinção e a fronteira entre a culpa consciente e o dolo eventual em uma região cinzenta e incerta, é fundamental que se estabeleça, com a melhor determinação possível, os limites desta proximidade.


Das diversas teorias enfrentadas pela doutrina para delimitar a fronteira entre dolo eventual e culpa consciente

Existem diversas teorias criadas pela doutrina na tentativa de encontrar uma fórmula geral e única para distinguir o dolo eventual da culpa consciente. Não obstante a busca por uma diferença teórica do injusto, a advertência figura em encontrar uma resposta segura e definitiva em face das consequências jurídicas. Por certo que se está a tratar de diferenças de culpabilidade, que relevam penalizações diferentes. Enquanto no dolo eventual a pena a ser aplicada corresponde ao delito doloso, pela magnitude hostil do fato frente ao bem protegido, por sua vez, a culpa consciente, por ser modalidade de menor reprovação, terá as penas assinaladas para a modalidade culposa, ou seja, sempre mais levianas, quando não afastam a aplicação de qualquer penalidade.

Os quatro exemplos expostos inicialmente neste estudo retratam a dificuldade em distinguir o dolo eventual da culpa consciente nos casos concretos, pois, categoricamente, as interpretações variam sensivelmente em cada caso, ora se aplicando como doloso, ora outra aplicação como culposa. Observe que, a leitura pode ser feita, nos quatro episódios, das seguintes maneiras: a) O autor do delito não se deixou dissuadir da execução do fato pela possibilidade próxima da ocorrência do resultado e sua conduta justifica a assertiva de que ele, por causa do fim pretendido, se tenha conformado com o risco da realização do tipo; ou, b) o autor do delito confiava que tudo se encaminhava bem e que conseguiria evitar a ocorrência iminente do evento, sendo este indesejado. Assim, concluída a leitura dos exemplos e confrontados com os dois itens, se entender o leitor que o agente preenche o requisito do item ‘a’, estar-se-á frente ao dolo eventual, contudo, após a leitura, convence-se que a optativa ‘b’ preenche o caso analisado, então, ter-se-á a culpa consciente. Ao analisar a jurisprudência mais abaixo, ficará mais evidente o que se pretende demonstrar.

Neste sentido, buscando um critério sólido de discernimento da matéria, surgiram diversas teorias diferenciadoras, as quais buscam delimitar a fronteira entre o dolo eventual e a culpa consciente. Fundadas em diversos aspectos, entre estes, na vontadeou na representação do autor [17] e, até mesmo, em teorias unificadoras que propõem a abolição dos critérios diferenciadores, resulta que, conforme anteriormente advertido, muitas vezes estas teorias podem-se tornar enganosas, ou que encubram, nos variados casos, situações puramente semânticas [18].

Mesmo que necessário avançar sobre as teorias existentes de diferenciação, existe a necessidade de sempre ter em reflexão que os esforços teóricos são aproximações, sendo que as teorias apresentam-se como norteadoras, mas não fórmulas de absoluta aplicação. Neste liame, conceitos como "tomar a sério", "resignar-se a", não representam, necessariamente, definições conceituais de dolo eventual, senão, assim como os demais elementos trabalhados, circunstâncias, indícios, com capacidade expressiva sobre a sua ocorrência, com a qual se pode deduzir uma decisão pela possível lesão de bens jurídicos [19].

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Ante o pretendido, passa-se a apresentar as principais teorias suscitadas pelos doutrinadores de Direito Penal, caminhando pela história e por fórmulas diferenciadoras, em sua maioria, admoestadas e supridas por outras, igualmente criticadas, de sorte a alimentar a discussão jurídica ora sugerida.

As fórmulas de Frank

Por se tratar de uma das mais usuais formas de distinção da culpa consciente do dolo eventual nos manuais e nas doutrinas nacionais, assim como nas internacionais, justifica-se explanar primeiramente sobre a fórmula de Frank. Neste sentido, a equação responde como o autor se comporta frente ao conhecimento da realização do delito, sendo que há dolo eventual quando o agente diz a si mesmo: "seja assim ou de outra maneira, suceda isto ou aquilo, em qualquer caso, agirei", revelando a indiferença do agente em relação ao resultado [20]. Logo, por meio desta questão tem-se uma forma de observar se diante da possibilidade ou probabilidade de realização de um crime houve, por parte do agente, a vontade de sua efetivação, ressalvando que:

"tem procedência a crítica de que se a comprovação do dolo já constitui uma operação delicada, mais difícil torna-se se a sua verificação depende de raciocínios hipotéticos, de como seria o comportamento se o conteúdo da representação fosse outro". [21]

A segunda fórmula de Frank, nem tão retrata em virtude de críticas mais severas, parte da pergunta de como haveria atuado o agente, se desde o princípio estava seguro da realização do resultado delituoso: "se se chega à conclusão de que o mesmo havia atuado também no caso de possuir conhecimento preciso, então tem que se afirmar o dolo; contudo, chegando à conclusão de que havia omitido a ação em caso de possuir conhecimento preciso, então há que se afastar o dolo". Mesmo que em um primeiro momento apresente-se condizente o esquema, verifica-se que nos casos de culpa consciente o agente não necessariamente deixa de agir quando tem o conhecimento preciso, pois acredita que o mesmo não ocorrerá. Em outras palavras, ROXIN expressa que

Es correcto que hay que apreciar en todo o caso el dolo cuando el sujeto habría actuado tambiém en caso de conciencia segura de la produción del resultado - la única cuestión es cómo se probaría eso; pues no existe razón alguna para que el sujeto se pronuncie respecto de este problema cuando considera muy incerta la produción del resultado.

Teorias da aprovação ou do consentimento

Entre as diversas teorias, destaca-se a teoria do consentimento ou da aprovação, pela qual o dolo eventual diferencia-se da culpa consciente quando o autor consente com a possibilidade do resultado, no sentido que o aprova. Assim, nesta teoria o dolo eventual configura-se pela atitude de aprovaçãodo resultado típico, previsto como possível e que agradaao autor [22]. Se aprovar não significa mais do que o sujeito incluir em seu plano do fato o possível resultado, e nessa medida assume em sua vontade, existe acordo, certamente não terminológico, mas desde logo sobre o autentico alcance do dolo eventual [23].

Ainda sobre a teoria do consentimento, destaca-se que:

Mas el ‘consentir’ en la posibilidad del resultado aprobándolo, supone algo más que el ‘querer’ el resultado. Para ‘querer’ no es preciso ‘aprobar’. En el uso del lenguaje también ‘quiere’ quien ‘acepta’, aunque sea a disgusto, como forma de ‘conformarse’ o ‘resignarse’. La ‘aprobación’ que exige la teoría del consentimiento viene, pues, a distinguir el dolo eventual de la culpa consciente en base no a um momento estrictamente volitivo, sino a una actitud interna del autor que exige más que la voluntad [24].

Neste tocante, muito bem alerta MIR PUIG, frente a um direito democrático e não autoritário, inadmissível penalizar a esfera íntima do autor, somente seus atos externados [25]. Por isso, compreende-se que a teoria da aprovação teve diversos entendimentos, os quais mudam conforme a interpretação. Porém, conforme ROXIN expõe, existiu no pós-guerra uma definição cabível de defesa, pela qual o ‘aceitar’ (aprovar) na terminologia jurídica, seria dizer que ao autor, desejando alcançar o objetivo perseguido, sem poder fazer de outra maneira, se resigna que sua ação também produza o resultado em si indesejado e, portanto, o quer produzido no caso concreto [26].

Teoria da probabilidade

A teoria da probabilidade se baseia numa escala mensurando maior ou menor probabilidade pela qual o autor espera a realização do tipo [27]. Ainda que em um primeiro momento possa parecer uma boa proposta, frente à possibilidade de o agente considerar mais ou menos provável a produção do resultado, tendo em vista que de fato é um indício essencial tomar por sério uma possibilidade e de contar com ela. O discutível é a seriedade de contar que o resultado seja sempre um prognóstico puramente intelectual de probabilidade. Isto já não seria possível, pelo simples fato de que poucos sujeitos refletem sobre graus determinados de probabilidade [28]. Existe contra esta teoria o fato de que a maior ou menor probabilidade de realização do tipo não proporciona nenhuma fronteira sólida entre ambas as formas de culpabilidade (dolo eventual e culpa consciente) [29].

Teoria da indiferença

Por sua vez, a teoria da indiferença prescreve que há dolo eventual quando o autor dá por possível ou recebe com indiferença as conseqüências acessórias negativas meramente possíveis, e não quando considera indesejáveis essas conseqüências e tem por elas a esperança que não aconteçam [30]. Uma vez estando o autor do fato indiferente com os resultados, presente está um indício seguro de ter agido dolosamente. Porém, não é acertável para ROXIN que a sua apreciação inversa, de que a falta de indiferença, no sentido do caráter não desejado do resultado, exclua sempre o dolo. [31]

Teoria da representação ou da possibilidade

A teoria da possibilidade evita a insegurança da teoria da probabilidade e aceita o dolo eventual quando o autor somente valora a realização do tipo como algo que é em concreto possível. Assim, com o reconhecimento da consciência da possibilidade como critério exclusivo do dolo se desloca demasiadamente o limite deste ao âmbito da culpa consciente [32]. Logo, resulta em dedução lógica, que a não-representação dessa possibilidade de realização do tipo constituiria culpa(inconsciente). A crítica fala do intelectualismoda teoria, que reduz o dolo ao componente intelectual, sem qualquer conteúdo volitivo, mas seus resultados práticos seriam semelhantes aos da teoria dominante, embora mais rigorosos, porque admite dolo eventual em situações definíveis como culpa consciente, entre estes ROXIN [33].

Teoria do risco

Em razão de discutir-se muito sobre o risco na atualidade, em todas as suas formas, interessante fazer algumas considerações sobre a teoria do risco. Às vezes classificada como variante da teoria da possibilidade, esta teoria define o dolo pelo conhecimentoda conduta típica, excluindo do objeto do dolo o resultado típico, isto porque a ação de conhecer não pode ter por objeto realidades aindainexistentes no momento da ação [34]. Em que pese algumas considerações doutrinárias, pode-se extrair que a crítica se concentra na questão do objeto do dolo: a ausência do elemento volitivo tornaria artificiosa a atitude do autor. Além do mais, seria inaceitável um dolo sem conhecimento das circunstâncias de fato, especialmente do resultado típico, definido pela teoria como mero prognóstico. Segundo a teoria do risco o dolo existe quando o sujeito se decide por sua ação havendo valorado completamente o risco (aqui intolerável) ligado a ação [35].

Teoria do perigo desprotegido

De Herzberg, classificada também como variante da teoria da probabilidade, igualmente retira o elemento volitivo do conteúdo do dolo – a principal característica da teoria da representação – e fundamenta a distinção entre dolo eventual e imprudência consciente com base na naturezado perigo. O fator decisivo está no entendimento de perigo desprotegido, neste sentido

Herzberg denomina "no cubierto o asegurado" a un peligro ‘cuando durante o después de la acción del sujeto han de intervinir la suerte y la causalidad solas o en una gran parte para que el tipo no se realice’. Un peligro cubierto o asegurado existe por el contrario ‘cuando el propio sujeto imprudente, el sujeto puesto em peligro o un tercero’ pueden evitar posiblemente la produción del resultado prestando atención [36].

Teorias combinadas

Merecem menção, pois, tais teorias, que conduziriam em diversas situações a resultados corretos frente aos casos práticos, no entanto, conforme alerta ROXIN "se debe ser consciente de que tales indicios no representan ya el proprio dolo, y sólo pueden ser valorados correctamente en su alcance cuando se los contempla desde el trasfondo de um principio rector tanto para el dolo en general (realización del plan) como también para el dolus eventualis en paricular (decisión por la posible lesión de bienes jurídicos) [37]". Por estas teorias se busca descrever o dolo eventual mediante uma combinação de variados princípios, pelos quais haveria o dolo quando o sujeito considera possível e aprova a realização do tipo; o considera provável; ou, lhe afronta com indiferença, ressalvando que inexiste dolo para aquele ao que resulta indesejável uma lesão do bem jurídico considerado possível [38].

O tratamento igualitário entre o dolo eventual e a culpa consciente

A dificuldade em delimitar dolo eventual da culpa consciente teria induzido a doutrina a desenvolver uma teoria pela qual se reuniriam ambos institutos em uma terceira forma específica de culpabilidade situada entre o dolo e a culpa [39]. Igualmente, DIAS reflete sobre a matéria e sugere, conforme ele mesmo afirma, "a grosso modo", ficando o dolo restringido ao dolo direto e a culpa restrita à culpa inconsciente, incluindo-se em uma terceira categoria os casos de dolo eventual e culpa consciente:

Em consideração o facto de na ‘sociedade do risco’ aumentarem significativamente as necessidades político-criminais de tutela de uma intensidade de condutas que situarão predominantemente no âmbito do dolo eventual e da culpa consciente, parece justificado deixar aqui pelo menos a questão de saber se à bipartição tipo de ilícito doloso / tipo de ilícito negligente, não deverá no futuro vir a substituir-se uma tripartição: dolo / negligência / temeridade. [40]

Neste caso, se por um lado ROXIN adverte que "igualaria también la diferencia cualitativa que existe entre la decisión en contra del bien jurídico protegido y la confianza negligente em su conservación, y por ello no es recomendable" [41], já está precavido DIAS, entendendo necessitar que o legislador crie molduras penais adequadas e determinar relativamente a que tipos de ilícitos objetivo deveria por esta ser punida [42]. Porém, desde já pode ser questionado, nos casos sugeridos, se não acabaria por se criar somente outra via de penalidade e, dificilmente, suprimir-se-ia, em seus lugares, o dolo eventual e a culpa consciente, os quais continuarem a ter parte no Direito Penal. Contudo, não cabe tal discussão no presente estudo.

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Sobre o autor
Frederico Cattani

* Sócio da Frederico Cattani Advocacia, que atua com foco no Direito Penal Econômico e Crimes Financeiros * Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS (Porto Alegre, RS) * Especialista em Direito Empresarial pela FSG (Caxias do Sul, RS) * Professor de Graduação e Pós-Graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CATTANI, Frederico. Contributos para compreender a fronteira entre o dolo eventual e a culpa consciente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3039, 27 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20309. Acesso em: 18 abr. 2024.

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