SUMÁRIO: Introdução; 1 Pausa excursiva: prescrição ou decadência?; 2 A infração administrativa continuada no Direito espanhol, peruano, mexicano e português; 3 Os sistemas do conhecimento do ato e consumação do ato: Estatutos Funcionais da União e dos Estados-membros brasileiros; Considerações finais; Referências.
Resumo: Este artigo jurídico extrai balizas sobre a infração administrativa continuada (colhidas do Direito espanhol, peruano, mexicano e português) e examina os sistemas adotados pelos Estatutos dos Servidores Públicos da União e dos Estados-membros brasileiros para a contagem do prazo para o exercício da potestade disciplinar, a fim de realizar sugestões ao legislador pátrio de aperfeiçoamento da disciplinar jurídica da infração administrativa continuada e do dies a quo do ilícito administrativo.
Palavras-chaves: infração administrativa continuada; prazo decadencial; sistema do conhecimento do ato; sistema da consumação do ato.
Abstract: This article examines thecontinued administrative infraction in the Spanish, Peruvian and Mexican legislation, besides analyzing it in the light of the Portuguese administrative case law. This article also examines the systems adopted by the Brazilian Federal and States Civil Service Laws concerning the date in which begins the period for the exercise of the administrative disciplinary power. This article thereby seeks to make suggestions to the Brazilian legislatures for the improvement of legal regulation related to the continued administrative infraction and the dies a quo of the administrative offense.
Keywords: continued administrative infraction; decay period; knowledge of the act system; consummation of the act system.
Introdução
O presente artigo jurídico intenciona propiciar ao legislador brasileiro e à nossa comunidade jurídica parâmetros sobre a infração administrativa continuada (colhidos do Direito espanhol, peruano, mexicano e português), como semente de reflexão para o aprimoramento da legislação pátria de Direito Administrativo Sancionador e Disciplinar concernente ao ilícito continuado e a análise de determinadas nuanças relacionadas a essa espécie de infração administrativa.
Ao mesmo tempo, esta pesquisa jurídica realiza o estudo comparado dos Estatutos dos Servidores Públicos da União e dos Estados-membros brasileiros, com vistas a aferir qual tem sido a disciplina jurídica adotada por tais entes estatais relativamente à contagem do dies a quo da infração disciplinar e, desse modo, almeja verificar qual seria o paradigma legislativo mais apropriado ao aperfeiçoamento desse aspecto da legislação do pessoal estatutário.
1 Pausa excursiva: prescrição ou decadência?
Nas páginas seguintes, utilizam-se aspas ao se reportar ao instituto da prescrição, quando invocado, pela linguagem legislativa, em referência ao esgotamento do prazo para o exercício da potestade sancionadora ou disciplinar da Administração Pública, uma vez que, sob o prisma estritamente da Ciência do Direito Administrativo (óptica escoimada de necessária vinculação à terminologia empregada pelo Direito Administrativo Positivo, diluída na pluralidade de legislações do processo administrativo e de pessoal, insertas no ordenamento jurídico pátrio e das ordens jurídicas estrangeiras), a prescrição administrativa concerne à perda, por decurso do prazo legal, da pretensão da Administração Pública ou do administrado (em face da violação de direito subjetivo [01] e material [02] de que é titular) de obter a prestação descumprida a que faz jus e de exigi-la de quem a descumpriu, na qualidade de sua contraparte em dada relação jurídica (a exemplo de uma relação jurídica entre as Administrações Públicas de entes estatais diversos ou de uma relação jurídica entre a Administração Pública de determinado ente estatal e um agente público a serviço dela ou, ainda, entre aquela e particular por ela contratado mediante procedimento licitatório ou de contratação direta, via dispensa ou inexigibilidade de licitação), ao passo que a decadência administrativa se relaciona à perda, também por decurso do prazo (inércia), quer da possibilidade da Administração Pública exercer seu dever jurídico de intervir, de modo unilateral, na esfera jurídica de outrem, sujeitando o sujeito passivo da ação administrativa a uma imposição que este tem de suportar independente da sua vontade e sem que tal conduta estatal ocorra por força do inadimplemento de prestação devida à Administração Pública (em caso de decadência, não há prestação pendente de cumprimento pelo polo passivo), quer da perda, igualmente por decurso temporal, da possibilidade do administrado exercer, a título de faculdade, o ato unilateral de impugnar atos da Administração Pública que repute contrário a seus interesses, bens e direitos.
Na prescrição administrativa, estando a Administração Pública "no polo ativo ou passivo da relação jurídica" — preleciona Raquel Melo Urbano de Carvalho [03] —, existe "o direito de uma parte de ver cumprida determinada obrigação pela outra parte da relação". "No momento seguinte ao do inadimplemento, pelo devedor, em face do credor, começa a correr o prazo prescricional previsto no ordenamento" — prossegue Carvalho [04] —, ao término do qual "prescrito estará o poder de o credor exigir o cumprimento do direito subjetivo violado".
A administrativista mineira indica o ilustrativo exemplo [05] da prescrição administrativa relativa ao (a) "prazo para um dado servidor requerer a retificação do valor de determinada vantagem remuneratória deferida e paga a menor pelo Estado", bem como daquela relacionada (b) ao "prazo para que a Administração Pública requeira o cumprimento de determinada obrigação contratual assumida por uma empresa que, após firmar contrato administrativo com o Estado, se recuse a cumprir a prestação a que se obrigara".
Já na decadência administrativa existe a perda do prazo para que a Administração Pública, observadas as balizas jurídicas aplicáveis ao contexto, exercite determinado direito potestativo (desdobramento da conjugação dos princípios da juridicidade, legalidade, supremacia e indisponibilidade do interesse público e autotutela administrativa), potestade por meio da qual submete terceiros ao seu poder, em face do seu dever de preservar o ordenamento jurídico, a paz pública e o interesse público [06]. Em outras palavras, aduz Carvalho:
Nestes casos, a Administração limita-se a, cumpridas algumas exigências, exercer um direito potestativo que lhe é reconhecido pela ordem jurídica no prazo previsto na regra legal vigente. [...]
No caso do exercício da autotutela administrativa, p. ex., tem-se direito potestativo do Estado. Restará aos terceiros (servidores, particulares, etc.) apenas a sujeição ao exercício do poder-dever da Administração de manter a juridicidade. Não há pretensão, sendo inadmissível falar-se em prescrição. Tem, aqui, prazos de decadência previstos na ordem jurídica. [07]
Na decadência administrativa também se inserem as hipóteses em que terceiros exercem o direito de praticar atos unilaterais voltados a impugnar decisões e procedimentos da Administração Pública, sem que, para tanto, haja a necessidade de prévia e expressa anuência do Estado-Administração. Pontifica Carvalho:
Vislumbram-se como direitos potestativos que o ordenamento jurídico reconhece a terceiros em face da Administração as prerrogativas recursais na via administrativa, bem como o acesso ao Poder Judiciário por meio, v.g., de ações constitucionais. O direito de um cidadão interpor o recurso da reclamação na via administrativa, p. ex., consubstancia ato unilateral do interessado em impugnar a decisão estatal que não depende de autorização do Poder Público. O mesmo pode-se afirmar do direito de impetrar mandado de segurança diante de ofensa a direito líquido e certo, por abuso de poder econômico. [...]
Cabe à Administração submeter-se à reclamação ou ao mandado de segurança impetrado, apreciando-lhe as razões ou prestando informações, respectivamente. Afigura-se despicienda qualquer concordância preliminar, por parte do Poder Público, no tocante à adoção de quaisquer das medidas. [08]
Nesse diapasão, este trabalho acolhe o entendimento de que o poder punitivo estatal de cunho administrativo não espelha uma pretensão nem resulta da violação de um direito material da Administração Pública, mas, isto sim, representa o desempenho da potestade administrativa, que traduz a atribuição, pelo Direito Legislado e de forma expressa, prévia e restrita, de poder à Administração Pública, de modo que esta, a fim de dar consecução a finalidades legais de interesse público, interfira sobre a esfera jurídica de pessoas físicas e jurídicas, independemente da vontade destas e sem que a estas corresponda uma prestação negativa ou positiva. [09]
2 A infração administrativa continuada no Direito espanhol, peruano, mexicano e português
Ato normativo a regulamentar o disposto no Título IX (Da Potestade Sancionadora) da Lei 30/1992, de 26 de novembro (a Lei espanhola do Regime Jurídico das Administrações Públicas e do Procedimento Administrativo Comum) e, portanto, a disciplina jurídica do exercício da potestade sancionadora pela Administração Pública da Espanha, o Decreto Real 1398/1993, de 4 de agosto, no parágrafo primeiro do seu art. 4.6º, divisou a ocorrência de infração continuada na pluralidade de ações ou omissões a infringirem o mesmo ou semelhantes preceitos administrativos, (a) durante a execução de plano preconcebido ou (b) quando o autor (sem, inicialmente, ter se planejado a lançar mão da continuidade infracional) aproveita ocasião idêntica, para praticar ilícito administrativo igual ou similar.
Eis a dicção literal do art. 4.6º do Decreto Real 1398/1993, in verbis (tradução nossa): [10]
Artigo 4. Regime, aplicação e eficácia das sanções administrativas.
[...] 6. Não se poderão iniciar novos procedimentos sancionadores por fatos e condutas tipificadas como infrações cuja comissão o infrator persista de forma continuada, enquanto não houver recaído uma primeira resolução sancionadora sobre os mesmos [fatos e condutas tipificados], em caráter executivo.
Outrossim, será sancionável, como infração continuada, a realização de uma pluralidade de ações ou omissões que infrinjam o mesmo ou semelhantes preceitos administrativos, na execução de um plano preconcebido ou se aproveitando idêntica ocasião. (grifo original)
Em pioneiro estudo monográfico brasileiro relativo ao Direito Administrativo Sancionador, Fábio Medina Osório esposa entendimento em harmonia com o art. 4.6º do Decreto Real 1398/1993, quando o jurista gaúcho obtempera que tal instituto concerne à "realização de ações ou omissões que infrinjam o mesmo ou semelhantes preceitos administrativos, em execução de um plano concebido ou aproveitando idêntica ocasião" [11].
Desse modo, o Decreto Real 1398/1993, ao delinear os pressupostos da infração administrativa continuada, refere-se (cumulativamente) seja a um pressuposto objetivo ou externo (a pluralidade de atos comissivos ou omissivos), seja a um pressuposto subjetivo ou psíquico (a unidade de desígnios, por meio de conduta preordenada ao fim ilícito, ou pluralidade de desígnios, mediante a iniciativa do agente de praticar outros atos ilícitos, iguais ou semelhantes, ao se deparar com uma inesperada oportunidade de assim proceder).
Ao positivar pressuposto subjetivo que contempla tanto a unidade quanto a pluralidade de desígnios, o Decreto Real 1398/1993 afastou de sua órbita uma objeção doutrinária (colhida da dogmática penal, ao tratar da ficção jurídica análoga do crime continuado) de que o requisito subjetivo, porque adstrito à unidade de desígnios, premiaria a audácia de quem efetua "um plano único previamente engendrado" [12], ao passo que excluiria do benefício (favor rei [13]) aqueles "que atuam sem prévia deliberação, mas que, diante das oportunidades surgidas, não resistem à tentação de delinquir" [14].
Na interpretação da Quinta Seção da Sala do Contencioso Administrativo da Audiencia Nacional de España [15], exposta emacórdão de 6 de outubro de 2009, o supracitado primeiro parágrafo do art. 4.6º do Decreto Real 1398/1993, de 4 de agosto, condiciona o advento de novos procedimentos sancionadores sobre a mesma infração ao prévio advento de uma decisão administrativa definitiva sobre o caráter ilícito ou não dos atos idênticos ou semelhantes que já se encontram em apuração [16], de modo que o administrado possui o direito de permanecer a praticar atos iguais ou similares ao que se encontra sob investigação, até a eventual decisão da Administração Pública de que o comportamento investigado constitui, de fato, conduta ilícita.
No ordenamento jurídico espanhol, destaca-se, na legislação da Comunidade Autônoma do País Basco, a segunda parte do art. 22.2 da Lei 2/1998, de 20 de fevereiro, diploma legislativo a reger a potestade administrativa sancionadora, no âmbito da Administração Pública basca.
Tal dispositivo, em sede de infração administrativa continuada, determina a contagem do prazo "prescricional" (a) desde o dia em que se realizou o último fato constitutivo da infração ou (b) desde quando se eliminou a situação ilícita ("En los casos de infracción realizada de forma continuada, tal plazo se comenzará a contar desde el día en que se realizó el último hecho constitutivo de la infracción o desde que se eliminó la situación ilícita" [17]).
No Direito Positivo do Peru, de acordo com a parte final do art. 233.1 da Lei n. 27444, de 21 de março de 2001, a Lei do Procedimento Administrativo Geral, em caso de ação continuada, conta-se o prazo "prescricional" de 5 (cinco) anos a partir do momento em que cessou a prática do ilícito ("En caso de no estar determinado, prescribirá en cinco años computados a partir de la fecha en que se cometió la infracción o desde que cesó, si fuera una acción continuada." [18]).
Artigo 233. - Prescrição
233.1 A faculdade da autoridade para determinar a existência de infrações administrativas prescreve no prazo que estabeleçam as leis especiais, sem prejuízo dos prazos para a prescrição das demais responsabilidades que a infração possa ensejar. Caso não esteja determinado, prescreverá em cinco anos, computador a partir da data em que se cometeu a infração ou desde que cessou, se foi uma ação continuada. [19] (grifo nosso)
Similar disposição acolhe o Direito Positivo do México, por meio do art. 79 da Lei do Procedimento Federal Administrativo, de 14 de julho de 2000, ipsis verbis:
Artigo 79. – A faculdade da autoridade para impor sanções administrativas prescreve em cinco anos. Os términos da prescrição serão contínuos e se contarão desde o dia em que se cometeu a falta ou infração administrativa, se foi consumada, ou desde que cessou, se foi contínua. [20] (grifo nosso)
Nesse diapasão, a Justiça Administrativa de Portugal, de modo reiterado, valendo-se da aplicação subsidiária da legislação penal à legislação disciplinar administrativa (tal como o faz a Justiça Cível lusitana, quanto à legislação disciplinar trabalhista), tem enfatizado que, no tocante à infração disciplinar continuada, principia a contagem do prazo "prescricional" a partir do fim da execução do ilícito.
Em outras palavras, "o início do prazo da prescrição, por aplicação analógica da al. b) do n. 2 do art. 118° do CPenal/82 (ou do art. 119º do CPenal/95) foi fixado na cessação da execução, ou seja, na prática do último ato [21] que integra a continuação" [22], frisou a Primeira Subseção da Seção de Contencioso Administrativo (CA) do Supremo Tribunal Administrativo (STA) português, ao motivar o Acórdão de 16 de janeiro de 2003 (Processo n. 0604/02), sob a relatoria do Juiz Conselheiro João Cordeiro. Em mesmo sentido, esta ensinança jurisprudencial portuguesa: "[...] Nos casos de infração continuada, que se prolongam ininterruptamente no tempo, o prazo de prescrição não começa a correr enquanto não cessar a conduta faltosa." [23] (Acórdão TCAS de 16 de julho de 2005.)
Por motivos didáticos (almejando-se expor, com mais acuidade, o contexto jurídico português), cumpre trazer à colação o relevante retrospecto assim alinhavado pelo STA no Acórdão de 16 de Janeiro de 2003 (Processo n. 0604/02):
A problemática da infração criminal continuada, desenvolvida, inicialmente, entre nós, pelo Prof. Eduardo Correia, na sua tese de doutoramento (Unidade e Pluralidade de Infrações - Coimbra 1945) e depois, nas suas lições (Lições de Direito Criminal, pg. 208 e ss.), foi ganhando apoio jurisprudencial, vindo a obter consagração legislativa no art. 30º do CPena1/82, onde se define o crime continuado como "a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogênea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente".
Prescindindo-se, para já, de outras precisões e discussões, em relação a um outro aspecto debatidos na doutrina e na jurisprudência criminal, o que interessa referir é que este conceito de infração continuada veio a ser aceite na jurisprudência em relação ao procedimento disciplinar, quer no âmbito do direito disciplinar de trabalho, quer no domínio do procedimento disciplinar administrativo.
Desta forma, no ac. da Secção Social do STJ de 14-5-97 - rec. 96S217 concluiu-se que "a lei laboral não estabelece um conceito de infração disciplinar continuada, pelo que deverão aplicar-se no âmbito do direito disciplinar do trabalho, por analogia, os princípios de direito penal quanto àquela figura, ou seja, nomeadamente, o art. 30º do C. Penal" (No mesmo sentido e do mesmo tribunal, cf. acs. STJ de 26-1-98 - rec. 99S297 ; de 14-1-98 - rec. 97S110; de 22-6-98 - rec. 98S361; de 23-2-95- rec. 47647; de 29-3-00- rec. 99S297 e de 3-10-90- BMJ 400, 240).
Na jurisprudência administrativa a figura da infracção disciplinar continuada começando por não merecer aceitação (Ver, v. g .ac. STA de 29-3-90 - rec. 25.187.) acaba, também por ser aceite nos acórdãos de 27-9-00, confirmado pelo ac. Pleno de 9-7-92 ambos no rec. 20.399; de 20-10-92 e do Pleno de 19-12-95 ambos proferidos no pº 27026; do Pleno de 25-1-96- rec. 16.526; de 21-1-97- rec. 37.360.
Em qualquer das jurisdições consideradas, o início do prazo da prescrição, por aplicação analógica da al. b) do n. 2 do art. 118° do CPenal/82 (ou do art. 119º do CPenal/95) foi fixado na cessação da execução, ou seja, na prática do último ato que integra a continuação. [24] (Acórdão STA de 16 de janeiro de 2003.)
Consoante se infere dos trechos acima colacionados do Acórdão STA de 16 de janeiro de 2003, a Suprema Corte administrativa portuguesa, em tal precedente, recordou, de modo sucinto, a evolução do pensamento jurisprudencial lusitano a respeito da adoção subsidiária das balizas penais à moldura da infração disciplinar continuada.
Cuida-se de construção jurisprudência elaborada em razão de o ilícito administrativo-disciplinar continuado não possuir, na legislação lusitana (a exemplo do que ocorre em parcela expressiva da legislação dos entes estatais brasileiros), expressa disciplina legal, sobretudo porque silente a respeito o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local de Portugal (ED/84), aprovado pelo Decreto-Lei n. 24/84, de 16 de janeiro. Nessa vereda, assinalam estes ensinos jurisprudenciais portugueses:
[...] Embora não especialmente prevista no ED/84, a figura da infração continuada é de admitir no direito disciplinar, designadamente no direito disciplinar administrativo, aplicando-se, aqui, subsidiariamente a norma do art. 300 do C Penal. [25] (Acórdão STA de 16 de janeiro de 2003.)
[...] Na falta de qualquer indicação no Estatuto Disciplinar quanto à estrutura da infração continuada e da infração permanente e às suas repercussões sobre o instituto da prescrição, deverão aplicar-se, a título supletivo, os princípios do direito penal dados os termos essencialmente análogos em que se conjugam, nestes dois ramos do direito, os valores ou pontos de vista que intervêm no desenho destas figuras jurídicas. [26] (Acórdão STA de 16 de abril de 1997.)
Ao se compulsar o repertório jurisprudencial da Justiça Administrativa de Portugal, percebe-se, como exemplo ilustrativo da relevância prática, em tal ordenamento jurídico, da discussão em torno do início da contagem do prazo "prescricional" da infração disciplinar continuada, as circunstâncias em que o servidor público se ausenta, de forma ininterrupta, de comparecer à sua ambiência funcional e do consequente exercício de seu múnus público (várias faltas ao serviço vislumbradas, a título de infração continuada, como uma conduta faltosa única):
Deste modo, e tendo-se em conta que a ARS Norte notificou a Recorrente em 19/05/97, em 6/12/97 e em Dezembro de 1998 para retomar funções no B... e que esta nunca o fez nem justificou as suas faltas e que faltou ao serviço, ininterrupta e continuadamente, até 4/11/99 é forçoso concluir que o mencionado prazo prescricional não se tinha esgotado quando, em 2/12/99, lhe foi instaurado o procedimento disciplinar (vd. pontos 4 e 5 da matéria de fato). [27] (Acórdão STA de 8 de outubro de 2009.)
[...] Não se verifica a prescrição do procedimento disciplinar, quando se considerou a infração continuada até 04-11-99. Na verdade, a arguida começou a faltar ao serviço, a partir de 07-02-97, ininterruptamente, até 04-11-99, sem apresentar qualquer justificação, constituindo, por conseguinte, uma infração continuada, cujo prazo de prescrição não começa a correr, enquanto não cessar a conduta faltosa. [28] (Acórdão TCAS de 20 de janeiro de 2005. Em mesmo sentido: Acórdão TCAS de 11 de dezembro de 2008. [29])
Ora, no caso concreto, como se nota no Relatório Final do processo disciplinar, "O arguido começou a faltar ao serviço a partir de 7 de Fevereiro de 1997, ininterruptamente, até 4 de Novembro de 1999 ... sem apresentar qualquer justificação, constituindo, por conseguinte, uma infração continuada, cujo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não cessar a conduta faltosa (cfr. Ac. STA de 30.06-98).
Ora, o auto por faltas injustificadas, datado de 21.10.99, foi instaurado dentro do período em que ainda ocorria a dita infração continuada, portanto atempadamente. [30] (Acórdão TCAS de 16 de julho de 2005.)
O Pleno da Seção de Contencioso Administrativa do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, no aludido Acórdão de 16 de abril de 1997 (Relator, Juiz Conselheiro Azevedo Moreira), assim diferenciou as infrações administrativas continuadas das infrações administrativas permanentes:
Na infração continuada temos uma pluralidade de atos singulares unificada pela mesma disposição exterior das circunstâncias que determina a diminuição da culpa do agente, na infração permanente uma omissão duradoura do cumprimento do dever de restaurar a situação de legalidade perturbada por um ato ilícito inicial do mesmo agente. [31] (Acórdão STA de 16 de abril de 1997.)