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O diálogo entre a liberdade religiosa e o direito à diversidade na jurisprudência da Corte Constitucional da África do Sul

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13/11/2011 às 07:56
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4 Caso CCT 36/00 (Prince v Law Society of the Cape of Good Hope)

Em 25 de janeiro de 2002, no caso CCT 36/00 (Prince v Law Society of the Cape of Good Hope),o Justice Sandile Ngcobo (acompanhando dos Justices Yvonne Mokgoro e Albie Sachs, bem como do Acting Justice Mbuyiseli Madlanga) representou o pensamento minoritário da Corte Constitucional da África do Sul, ao propor fosse declarada inconstitucional a seção 4(b) c/c parágrafo primeiro da Parte III do Anexo 2 da Lei de Drogas e Tráficos de Drogas de 1992 (Drugs and Drug Trafficking Act 140 of 1992) e a seção 22A(10)(a) c/c Anexo 8 da Lei de Controle de Substâncias Medicinais e Correlatas de 1965 (Medicines and Related Substances Control Act 101 of 1965), no que tange à vedação do uso e da posse de Cannabis (maconha, conhecida na África do Sul como dagga [46]), no contexto da prática (de boa-fé) da religião rastafári, por adeptos desse credo (acórdão definitivo do caso CCT 36/00, §§ 90, a, e 91, de 25 de janeiro de 2002 [47]) [48].

Ngcobo se posicionou pela suspensão da vigência [49] da declaração de inconstitucionalidade por 12 (doze) meses, anelando proporcionar ao Parlamento a oportunidade de reformar ambos os diplomas legislativos, no que se revelaram, no contexto em questão, incompatíveis com a ordem constitucional de 1996 (acórdão definitivo do caso CCT 36/00, §§ 90, b, de 25 de janeiro de 2002) [50].

Ambas as disposições legais mostraram-se, aos olhos de Ngcobo, desarrazoadas e desproporcionais para o alcance da legítima finalidade de interesse governamental ("legitimate government interest") da qual foram imbuídas pelo legislador sul-africano (prevenir o consumo e o tráfico de drogas psicoativas capazes de gerar dependência física, química ou psicológica), por não consubstanciarem medidas legislativas de intervenção mínima (interveniência estatal adstrita à medida do indispensável) na liberdade religiosa dos adeptos da religião rastafári (acórdão definitivo do caso CCT 36/00, §§ 26, 52 a 53, 77, 81 a 83 e 86, de 25 de janeiro de 2002) [51].

Ngcobo argumentou que tais dispositivos legais afrontam a dignidade humana e retiram a proteção estatal aos praticantes da religião rastafári, dado o seu conteúdo genérico em demasia (de abrangência excessivamente ampla), a criminalizar todas as hipóteses de consumo religioso da cânabis (feito somente por sacerdotes e determinados fiéis do sexo masculino, excluídas as mulheres e os menores de idade), inclusive as circunstâncias em que o uso restrito, no âmbito do culto rastafári no lar ou no templo, poderia, a exemplo da sua utilização para fins medicinais, de análise acadêmica e de pesquisa científica,ser objeto de efetivo controle pela Administração Pública, sem que representasse (comprovada ou necessariamente) risco inaceitável à saúde coletiva nem individual, ou, a depender da circunstância, risco sanitário nenhum (nesse último caso, mencionou-se, a título exemplificativo, no âmbito dessa tessitura sacra, o tradicionalmente esporádico e módico fumo de cânabis em liturgias, a queima da maconha — em cerimônias religiosas no lar ou no templo —, para convertê-la em incenso, o emprego da Cannabis em banhos sagrados — no lar — e o rito de se curvar perante uma planta cânabe — vegetal sagrado e de função fulcral na religião rastafári —, em ato de oração), desde que os requisitos para a utilização religiosa da maconha (incluindo-se o modo de obtenção, a finalidade, a quantidade e o local de consumo) sejam esculpidos em lei formal [52] (statute) e haja a apropriada regulamentação e infraestrutura administrativa de autorização e fiscalização estatais (acórdão definitivo do caso CCT 36/00, §§ 18 a 21, 26, 51, 55, 58 a 64, 66 a 70, 73 a 74, 77 a 79, 81 a 83 e 87, de 25 de janeiro de 2002) [53].

Porém, na circunstância em debate, o posicionamento majoritário da Corte de Johannesburgo foi capitaneado pela dissidência aberta pelo voto conjunto do Chief Justice Arthur Chaskalson e dos Justices Lourens Ackermann e Johann Kriegler, aderida pelos Justices Richard Goldstone e Zak Yacoob, apertada maioria dissidente (5 contra 4) [54] que considerou constitucional a incidência da restrição legal e genérica ao uso e à posse da cânabis sobre adeptos da religião rastafári, ante a impossibilidade fática (inexequibilidade) de se formular meio-termo (solução de permeio) que, de um lado, contemplasse a eficaz fiscalização (pelo Poder Público sul-africano e pelas autoridades religiosas rastafáris) do consumo controlado de maconha, para fins estritamente religiosos (no lar e em cerimônias religiosas coletivas, em uma comunidade religiosa tradicionalmente difusa e descentralizada, com organização institucional incipiente), e, de outra banda, não consubstanciasse exceção que, pela via oblíqua (reflexamente), (a) incentivasse o narcotráfico, (b) enfraquecesse a eficácia social da legislação antitóxico, (c) potencializasse riscos à saúde de seguidores da religião rastafári, (d) estabelecesse injustificável tratamento diferenciado entre os usuários da Cannabis adeptos da religião rastafári e os consumidores de maconha não adeptos do referido credo, (e) e, ao determinar fossem controlados o uso e a posse de cânabis por praticantes da religião rastafári, impusesse restrição excessiva à liberdade religiosa, por meio da supervisão estatal das práticas espirituais rastafáris relacionadas à Cannabis (acórdão definitivo do caso CCT 36/00, §§ 101, 111, 118, 127 e 130 a 142, de 25 de janeiro de 2002) [55].


5 Caso CCT 40/03 (Juleiga Daniels v Robin Grieve Campbell N.O. and Others)

Em 11 de março de 2004, no caso CCT 40/03 (Juleiga Daniels v Robin Grieve Campbell N.O. and Others),a Corte Constitucional da África do Sul, estribada no voto do Justice Albie Sachs (acompanhado do Chief Justice Arthur Chaskalson e do Deputy Chief Justice Pius Langa, bem como dos Justices Lourens Ackermann, Yvonne Mokgoro, Sandile Ngcobo, Kate O'Regan e Zak Yacoob), perfilhou interpretação extensiva da legislação sucessória, de modo que os conceitos de cônjuge (spouse) adotado pela Lei da Sucessão Legítima [56] de 1987 (Intestate Succession Act 81 of 1987) e de sobrevivente (survivor) abraçado pela Lei de Sustento dos Cônjuges Sobreviventes (Maintenance of Surviving Spouses Act 27 of 1990) abrangessem o consorte sobrevivente (cônjuge supérstite) de matrimônio islâmico monogâmico (acórdão do caso CCT 40/03, § 40, nº 1, a e b) [57].

Desse modo, almejou a Corte de Johannesburgo prestigiar conceito amplo de cônjuge, à luz da acepção acolhida pelo senso comum e pelo princípio da justiça ("in terms of common sense and justice"), consentâneo com os valores constitucionais da igualdade, da tolerância e do respeito à diversidade ("equality, tolerance and respect for diversity"), inclusive em harmonia com a promoção da igualdade substancial entre homens e mulheres e com o combate à hegemonia cultural e racial, escoimando a exegese de tais disposições legais de ressaibos discriminatórios do passado recente da África do Sul, em linha de coerência com a progressiva tendência inclusiva das leis sul-africanas ? não apenas da legislação já formulada sob a influência da Era da Democracia Constitucional como também de atos legislativos precursores da ordem constitucional de 1996, concebidos antes do término do regime de segregação racial (apartheid) ? de conferir expresso reconhecimento e resguardo legal aos matrimônios muçulmanos (acórdão do caso CCT 40/03, §§ 19, 21, 22, 25 e 27) [58].

Além disso, o Pretório Excelso austro-africano intencionou também homenagear a finalidade precípua de ambos os diplomas legislativos impugnados: proporcionar à viúva hipossuficiente (em estado de vulnerabilidade socioeconômica) o amparo mínimo, em face da morte do consorte monogâmico, visando a evitar que corra o risco de ser futuramente despejada do imóvel em que morou durante parcela expressiva do casamento, e almejando assegurar a ela a renda oriunda de quinhão que, pelo menos, tenha valor correspondente ao quinhão de filho (acórdão do caso CCT 40/03, §§ 5º, 22 e 23) [59].

Cuida-se de profilaxia a poupar a viúva de depender da boa vontade da família de lhe assistir (acórdão do caso CCT 40/03, §§ 23 e 3º) [60], prevenindo-se ou se atenuando (exemplo hipotético nosso) eventuais conflitos entre a viúva e a família constituída pelo de cujus antes de se casar com a que seria a sua futura viúva.

Tem-se como pano de fundo cultural a tradição patriarcal sul-africana (vigorosa na comunidade muçulmana) de que o marido, na qualidade de "chefe de família", seja o "provedor do lar", em nome do qual se registra o patrimônio do casal, sem que a esposa, ao longo do matrimônio, adquira a autonomia financeira para se sustentar às próprias expensas (acórdão do caso CCT 40/03, § 22) [61].

A Corte Constitucional sul-africana ressalvou que o acórdão em análise não deveria ser interpretado como espécie de reconhecimento geral dos efeitos jurídicos do matrimônio islamita. Caberia à discricionariedade legislativa definir quais outros aspectos do Direito muçulmano (Shari’a ou Sharia) seriam admissíveis no ordenamento jurídico da África do Sul (acórdão do caso CCT 40/03, § 26) [62].


6 Casos CCT 60/04 e CCT 10/05 (Minister of Home Affairs and Another v Fourie and Another)

Em 1º de dezembro de 2005, nos casos CCT 60/04 e CCT 10/05 (Minister of Home Affairs and Another v Fourie and Another) ? julgados em conjunto ?,a Corte Constitucional da África do Sul, novamente esteada no voto do Justice Albie Sachs (a que aderiram o Chief Justice Pius Langa e o Deputy Chief Justice Dikgang Moseneke, bem como os Justices Yvonne Mokgoro, Sandile Ngcobo, Thembile Skweyiya, Johann van der Westhuizen e Zak Yacoob), teve por incompatível com a seção 9(3) Constituição sul-africana de 1996 (em que se proscrevem diversas espécies de discriminações injustas, dentre elas a que se baseia na orientação sexual) o conceito de matrimônio haurido do common law clássico,sedimentado na jurisprudência tradicional da África do Sul, pois que tal construção pretoriana obsta casais homossexuais de desfrutarem do mesmo regime jurídico, direitos e deveres conferidos aos casais heterossexuais (acórdão dos casos CCT 60/04 e CCT 10/05,§ 162, nº 2, alínea b, c/c §§ 3º, 4º, 118, 120 e 122) [63].

Ao mesmo tempo, declarou inconstitucional a acepção restritiva de marido (husband) e cônjuge (spouse) acolhida pela seção 30(1) da Lei Matrimonial de 1961 (Marriage Act 25 of 1961), porquanto o indicado diploma legislativo incumbira à autoridade matrimonial celebrar o casamento valendo-se da fórmula clássica dessa cerimônia, em que se indaga ao nubente (sexo masculino) se aceita a nubente (sexo feminino) como sua esposa e se esta (sexo feminino) aceita aquele (sexo masculino) como seu marido, sem que fosse contemplada em tal formalidade a hipótese de se perguntar de um(a) nubente se este(a) aceitaria casar com outro(a) nubente do mesmo sexo e, portanto, sem se prever a possibilidade de que a cerimônia matrimonial redundasse no advento de um casamento monogâmico constituído por dois maridos ou por duas esposas (acórdão dos casos CCT 60/04 e CCT 10/05,§ 162, nº 1, alínea c, e nº 2, alíneas b e c, c/c §§ 3º, 4º, 117 a 118 e 120) [64].

A Corte de Johannesburgo suspendeu por 12 (doze) meses a entrada em vigência da declaração de inconstitucionalidade da Lei Matrimonial de 1961, com vistas a franquear ao Parlamento a oportunidade de reformar o apontado diploma legislativo, sob pena da Corte, encerrado tal interstício, impor a adoção de interpretação extensiva da seção 30(1) da aludida Lei Matrimonial, com o propósito de que a fórmula matrimonial agasalhada em tal dispositivo legal abarque o casamento civil entre pessoas naturais do mesmo gênero. Ressaltou-se que essa exegese ampliativa traria impacto orçamentário mínimo, preservaria os mecanismos institucionais já consolidados, engrandeceria a proteção jurídica à família, não imporia às autoridades e instituições eclesiásticas a adoção, no âmbito religioso, do casamento homoafetivo, não obstaria casais heterossexuais de se casarem conforme suas convicções religiosas e consoante o procedimento jurídico que reputarem o mais adequado, e permitiria às autoridades matrimoniais se absterem de celebrar a cerimônia de consórcio homoafetivo, em caso de escusa de consciência (acórdão dos casos CCT 60/04 e CCT 10/05,§ 162, nº 2, alíneas d e e, c/c §§ 11, 122, 156 e 159) [65].

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O aresto em referência teve como principal antecedente, no âmbito da própria Corte Constitucional da África do Sul, o decisum relativo ao caso CCT 11/98 (National Coalition for Gay and Lesbian Equality and Another v Minister of Justice and Others), julgado em 9 de outubro de 1998, oportunidade em que a Corte de Johannesburgo, capitaneada pelo voto do Justice Lourens Ackermann (acompanhado pelo Presidente Arthur Chaskalson e pelo Vice-Presidente Pius Langa, bem como pelos Justices Richard Goldstone, Johann Kriegler, Yvonne Mokgoro, Kate O’Regan and Zak Yacoob), decretou a inconstitucionalidade da legislação sul-africana a criminalizar relações sexuais consensuais e privadas entre pessoas do gênero masculino, estribada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, assim como no direito à vida privada e na histórica situação social de desvantagem e preconceito em que se encontram os homossexuais masculinos, discriminados e punidos por força da orientação sexual que lhes é aspecto ínsito (indissociável) de sua condição e vivência humana (acórdão do caso CCT 11/98, § 106 c/c §§ 22 a 32) [66].

No presente aresto, o Pretório Excelso sul-africano sustentou a juridicidade e a constitucionalidade de se proceder à positivação, de preferência pela via legislativa, do direito ao matrimônio homoafetivo. Entendeu que a regulação do casamento homoafetivo, por intermédio de lei formal,rende aplauso quer à legitimidade do Parlamento, colhida do voto popular [67], para enfrentar e, se for o caso, normatizar, de maneira perene, matérias polêmicas e sensíveis (cabendo, nesse contexto, o primado revitalizador da lei formal sobre aspectos inconstitucionais e antiquados do common law, Direito Consuetudinário de forte repercussão jurisprudencial nos ordenamentos filiados ao sistema de matriz anglo-saxônica ou a uma variante híbrida, que matiza a influência anglófona, em menor ou maior grau, com elementos jurídicos de procedência de outras culturas jurídicas, a exemplo do que ocorre na África do Sul [68], na Índia [69], nas Filipinas [70] e em Israel [71]), quer à segurança e à estabilidade jurídicas [72], sem prejuízo da observância, pelo Poder Legislativo, das balizas jurídicas delineadas pela Corte de Johannesburgo no julgado em comento, inclusive quanto à necessidade da Casa Parlamentar não procrastinar a adoção da medida legislativa cabível (acórdão dos casos CCT 60/04 e CCT 10/05,§§ 122, 136, 138, 139, 147, 155 e 156) [73].

Dentre os fundamentos invocados na circunstância vertente pelo Tribunal Constitucional da África do Sul, além dos supracitados, destacam-se estes:

(a) A crescente pluralidade de formações familiares na coletividade sul-africana hodierna (espelho de conjuntura cada vez mais global e do direito de ser diferente quanto ao funcionamento da mecânica familiar), o imperativo constitucional de se reconhecer a histórica, injusta e ainda ponderosa discriminação (não somente sul-africana como também plurinacional) contra homossexuais (da qual provêm as restrições ao casamento homoafetivo encastoadas, a contrario sensu e de forma velada, no Direito Positivo interno, o qual, de modo omissivo, por meio do silêncio da lei, contribui para se marginalizarem tais uniões e deixá-las invisíveis à luz da legislação do Direito da Família, o que incentiva a eficaz manutenção de tais ranços sociais), a premência de se positivarem abrangentes marcos jurídicos reguladores dos direitos familiares de homossexuais e a evolução legislativo-jurisprudencial sul-africana em torno da progressiva (conquanto lenta) ampliação do reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas, a ecoar a tendência legislativa de crescente combate às discriminações em geral e a servir de reflexo jurídico da conjuntura planetária contemporânea, singrada pela paulatina aceitação da existência fática de relacionamentos afetivo-sexuais duradouros entre pessoas naturais do mesmo sexo e da integridade de tais relações interpessoais, na qualidade de uniões amorosas credoras da mesma deferência que se credita aos casamentos e às uniões estáveis heteroafetivas (acórdão dos casos CCT 60/04 e CCT 10/05, §§ 57, 59, 76, 78 a 82, 108, 113, 115, 116 e 156) [74].

(b) A ruptura, pela Constituição da República da África do Sul de 1996, com o passado sul-africano de intolerância, de exclusão, de discriminação, de autoritarismo e de repressão (acórdão dos casos CCT 60/04 e CCT 10/05, § 59) [75].

(c) Por mais respeitáveis, ponderáveis e representativas do pensamento social majoritário que sejam determinadas crenças religiosas, tais convicções e dogmas não podem presidir a interpretação constitucional do Poder Judiciário, sob pena de que, caso assim proceda, a magistratura — além de ofender a diversidade cultural sul-africana — substitua (indevidamente) o clérigo na dicção de normas religiosas e na análise de controvérsias teológicas, e catalise injustas discriminações da maioria contra minoria(s), em vez de garantir a coexistência respeitosa entre as esferas secular e religiosa e os múltiplos matizes ideológicos que vicejam na sociedade. O estudo dos preconceitos nutridos pela corrente majoritária do corpo social contra filamentos minoritários da coletividade pode servir de subsídio para se buscarem soluções de compromisso que preservem ou promovam os direitos da minoria com o maior apoio possível da maioria, mas não é admissível que os preconceitos do mainstream sirvam de eixo argumentativo para o Estado privar segmentos minoritários da sociedade de direitos fundamentais ínsitos à condição de pessoas humanas (acórdão dos casos CCT 60/04 e CCT 10/05, §§ 88 a 98 e 113) [76].

(d) A necessidade, promanada do espírito da Constituição sul-africana de 1996, quer de unir e fortalecer a África do Sul (por meio do apreço pela diversidade e pelo pluralismo nacionais, assim como pela acomodação e administração, de maneira justa e razoável, de intensas e profundas diferenças de visões de mundo, de estilos de vida e de concepções sobre a natureza humana a grassarem entre diversos componentes do corpo social), quer de promover a igualdade, a liberdade e a dignidade de todas as pessoas humanas, aperfeiçoar os direitos humanos e as liberdades fundamentais, impulsionar o desenvolvimento de uma sociedade democrática, aberta, universalista, solidária e igualitária, que reconhece a diversidade humana (genética, social, linguística, cultural, religiosa e sexual), acolhe os seres humanos tais como são e aceita todas as diferenças entre os componentes da espécie homo sapiens sapiens, partindo-se do pressuposto de que todas as pessoas humanas merecem igual respeito, consideração, tratamento digno e proteção jurídica, sendo também passíveis de iguais deveres e responsabilidades, vedadas as práticas de homogeneização ou inferiorização cultural, de preponderância de um seguimento da sociedade sobre outras parcelas do corpo social, bem assim de exclusão, marginalização e estigmatização (acórdão dos casos CCT 60/04 e CCT 10/05, §§ 48, 60, 61, 75, 95 e 149) [77].

(e) A indispensabilidade de salvaguardar os casais homossexuais da excessiva interveniência do Estado em sua vida privada (prevenindo-se, nessa vereda, sanções jurídicas pautadas na orientação sexual e procedimentos estatais que fortaleçam preconceitos sociais) e, mais do que isso, a imprescindibilidade de lhes contemplar o anseio de que possam sair da clandestinidade, trazer a lume, sob o sol do meio-dia, de forma livre de repressão e aberta ao olhar público, a vida comum, sem se escamotearem os plenos contornos dessa união afetivo-sexual, assegurando-lhes que sejam tratados como iguais (em relação às pessoas heterossexuais e uniões heteroafetivas) e acolhidos com igual dignidade pela ordem legal, conferindo-lhes tratamento isonômico no tocante aos casais heterossexuais, sob os ângulos dos direitos e também dos deveres, a fim de não serem estatuídas novas desigualdades, agora em sentido contrário, fonte de inevitável ressentimento e tensão sociais (acórdão dos casos CCT 60/04 e CCT 10/05, §§ 78, 137 e 149) [78].

(f) O amplo, intenso e real impacto negativo (não apenas de cunho prático como também de cunho simbólico, inclusive do ponto de vista da integridade moral e do sentimento de autodesvalor) sobre os casais do mesmo gênero, ante a ausência da chancela, pela ordem jurídica sul-africana, do casamento homoafetivo (acórdão dos casos CCT 60/04 e CCT 10/05, §§ 62, 63, 74, 78, 81, 122, 151 e 152) [79].

(g) A omissão legislativa em tela reforça, de forma dissimulada, crenças sociais discriminatórias de que os casais homossexuais, sob as ópticas biológica e moral, possuiriam (ou mereceriam estar em) situação de inferioridade, comparados aos seus homólogos heterossexuais (subestimando-se, assim, a capacidade dos homossexuais de agirem de forma amorosa, ética, comprometida e responsável, e se robustecendo, no âmago de tais pessoas, a perda de autoestima, em virtude da percepção de que, por força de sua orientação sexual, são desvalorizados e desrespeitados pelo corpo coletivo e ordenamento jurídico), e, por outro lado, priva-os seja de liberdades intrínsecas aos direitos de autodeterminação, de autodefinição e de escolha, seja da proteção isonômica ao seu relacionamento afetivo-sexual perene e dos benefícios inerentes à disciplina jurídica do matrimônio, incluindo-se os (1) direitos e deveres dos cônjuges — verbi gratia, de assistência mútua —, (2) o regime de bens e as disposições legais pertinentes à separação e ao divórcio (inclusive meação dos bens havidos na constância do casamento), (3) os efeitos sucessórios e previdenciários, (4) as cláusulas legais de salvaguarda ao cônjuge hipossuficiente, (5) a legitimidade que a formalização da união, sob o manto do matrimônio, confere ao casal, aos olhos não apenas dos próprios consortes e de suas famílias como também da sociedade e do Estado, (6) a maior facilidade (menores entraves burocráticos) que o vínculo matrimonial propicia à interação de ambos, na condição de casal, com a Administração Pública e com os prestadores de serviços de natureza privada — nesse último caso, relativamente, exempli gratiaaposentadoria conjunta, a plano de saúde e a seguro de vida (acórdão dos casos CCT 60/04 e CCT 10/05, §§ 63 a 73, 78 e 151) [80].

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Sobre o autor
Hidemberg Alves da Frota

Especialista em Psicanálise e Análise do Contemporâneo (PUCRS).Especialista em Relações Internacionais: Geopolítica e Defesa (UFRGS). Especialista em Psicologia Clínica Existencialista Sartriana (Instituto NUCAFE/UNIFATECPR). Especialista em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário (PUCRS). Especialista em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia (PUCRS). Especialista em Direitos Humanos (Curso CEI/Faculdade CERS). Especialista em Direito Internacional e Direitos Humanos (PUC Minas). Especialista em Direito Público (Escola Paulista de Direito - EDP). Especialista em Direito Penal e Criminologia (PUCRS). Especialista em Direitos Humanos e Questão Social (PUCPR). Especialista em Psicologia Positiva: Ciência do Bem-Estar e Autorrealização (PUCRS). Especialista em Direito e Processo do Trabalho (PUCRS). Especialista em Direito Tributário (PUC Minas). Agente Técnico-Jurídico (carreira jurídica de nível superior do Ministério Público do Estado do Amazonas - MP/AM). Autor da obra “O Princípio Tridimensional da Proporcionalidade no Direito Administrativo” (Rio de Janeiro: GZ, 2009). Participou das obras colegiadas “Derecho Municipal Comparado” (Caracas: Liber, 2009), “Doutrinas Essenciais: Direito Penal” (São Paulo: RT, 2010), “Direito Administrativo: Transformações e Tendências” (São Paulo: Almedina, 2014) e “Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador” (Novo Hamburgo: Proteção, 2018).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, Hidemberg Alves. O diálogo entre a liberdade religiosa e o direito à diversidade na jurisprudência da Corte Constitucional da África do Sul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3056, 13 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20399. Acesso em: 22 dez. 2024.

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