6. Jurisprudência
No STF, as decisões que enfrentam o tema de forma mais direta o continuam sendo as que, monocraticamente, foram proferidas pelo Min. Gilmar Mendes, enquanto Presidente, a exemplo do que ocorreu no MS 25025 MC/DF [35], sem embargo de outras, proferidas fora da Presidência, como ocorreu no AI 849.958/AL.
Outros Ministros, monocrática ou colegiadamente, também se pronunciaram favoravelmente ao reconhecimento da "prescrição administrativa" (entendida pelo STF como decadência), com prazo fixado em 5 (cinco) anos, rejeitando a analogia com as normas de Direito Civil, a exemplo do MS 26393/DF [36] - Rel. Carmem Lúcia, MS 26353/DF - Rel. Marco Aurélio, MS 26782/DF [37] – Rel. Cesar Peluzo e MS 24448/DF - Rel. Carlos Britto.
Por fim, ainda em sede de jurisprudência da Suprema Corte é necessário destacar o MS 26.210/DF, que tem sido tomado como a pá de cal sobre a polêmica interpretação do art. 37, § 5º, CF. Eis a ementa:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. BOLSISTA DO CNPq. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE RETORNAR AO PAÍS APÓS TÉRMINO DA CONCESSÃO DE BOLSA PARA ESTUDO NO EXTERIOR. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. I - O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder Público, não pode alegar desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor. II - Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau. III - Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no tocante à alegada prescrição. IV - Segurança denegada.
(MS 26210, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/2008, DJe-192 DIVULG 09-10-2008 PUBLIC 10-10-2008 EMENT VOL-02336-01 PP-00170 RTJ VOL-00207-02 PP-00634 RT v. 98, n. 879, 2009, p. 170-176 RF v. 104, n. 400, 2008, p. 351-358 LEXSTF v. 31, n. 361, 2009, p. 148-159)
Destaca-se os seguintes trechos do julgamento:
"Considerando-se ser a Tomada de Contas Especial um processo administrativo que visa identificar a identificar os responsáveis por danos causados ao erário, e determinar o ressarcimento do prejuízo apurado, entendo aplicável ao caso sob exame a parte final do referido dispositivo constitucional." (Rel. Min. Ricardo Lewandowiski)
"Esta norma estabelece claramente uma exceção – eu diria, exceção marcante – em relação a princípio jurídico universal: o princípio de limitação do prazo de exercício de todas as pretensões, porque é este requisito de segurança jurídica. Há larga discussão em doutrina sobre as ações declaratórias, para saber se seriam ou não imprescritíveis, mas a regra geral, como princípio universal, formulada em benefício da paz social e da segurança jurídica, é que todas as pretensões estão sujeitas a prescrição, e alguns direitos, sujeitos à decadência. Então, em se tratando de exceção a uma regra de tão amplo alcance, teria de ser interpretada, já desse ponto de vista, estritamente.
Em segundo lugar, o que me parece claro dessa regra – com o devido respeito – é que se trata de uma exceção à previsão de prescrição para ilícitos, ou seja, há aqui segunda exceção, normativa, uma exceção de segundo grau, que é de abrir ressalva à prescritibilidade em relação aos ilícitos praticados por qualquer agente, que, seja servidor ou não, cause prejuízo ao erário.
Isso significa, no meu entender, que em primeiro lugar, a hipótese excepcional não é de qualquer ilícito, sobretudo não é de ilícito civil. Aliás, o próprio Tribunal de Contas da União, ao prestar informações, invoca acertada doutrina que, provavelmente citada nos seus acórdãos, diz o seguinte:
"A Constituição Federal colocou fora do campo de normatização da Lei o prazo prescricional da ação de ressarcimento referente a prejuízos causados ao erário, só podendo a lei estabelecer o prazo prescricional para os ilícitos, como tal podendo-se entender os crimes."
Noutras palavras, as ações relativas a crimes são prescritíveis, não, porém, as respectivas ações de ressarcimento. Respectivas do quê? Dos crimes, isto é, ações tendentes a reparar os prejuízos oriundos da prática de crime danoso ao Erário. Este o sentido lógico do adjetivo "respectivos". Não se trata, portanto, de qualquer ação de ressarcimento, senão apenas das ações de ressarcimento de danos oriundos de ilícitos de caráter criminal. Aí se entende, então, o caráter excepcional da regra da imprescritibilidade. Por quê? Porque é caso do ilícito mais grave na ordem jurídica. E a Constituição, por razões soberanas, entendeu que, nesse caso, cuidando-se dos delitos, no sentido criminal da palavra, as respectivas ações de ressarcimento não prescrevem, conquanto prescrevam as demais ações nascidas do ilícito penal." (trecho do voto do Min. Cesar Peluso) [38]
Desta forma, entende-se que a imprescritibilidade das ações de ressarcimento está assegurada, mas o STF ainda não assentou o que realmente significa "ação de ressarcimento", nem a extensão da ressalva constitucional da parte final do art. 37, § 5º.
O STJ tem jurisprudência assentada pela aplicação da imprescritibilidade das ações de ressarcimento (Resp 1067561, Resp 1056256, Resp 801846, entre outros) e pela aplicabilidade da prescrição administrativa quinquenal (Resp 1046376, AgRg no Resp 805349, RMS 25652, entre outros).
7. Arts. 68 e 69 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe
O art. 68 da Lei Complementar nº 205/2011 traz comando genérico que, em suma, consagra a aplicação do instituto da "prescrição administrativa" nos processos de contas de sua competência, na forma da legislação aplicável.
A expressão "legislação aplicável", a que se refere, só se pode ser entendida, por ora [39], como "legislação (federal) aplicável", vez que prescrição (e a decadência) é instituto jurídico de Direito Civil, portanto, matéria de competência privativa da União, segundo o art. 22, I da Constituição Federal.
Assim, os parágrafos primeiro e segundo do mencionado artigo, presumivelmente constitucionais, só se conservam nesta qualidade se a eles for emprestada interpretação conforme.
Interpretá-los conforme a Constituição significa excluir da expressão "disciplinar", inserta no parágrafo primeiro, qualquer interpretação que extrapole a função de "regulamentar" o instituto, nos estritos limites da lei federal ou nacional, sem criar, modificar ou extinguir direito.
Interpretar o parágrafo segundo conforme a Constituição significa adotar, por ora [40], a teoria da transcendência dos motivos determinantes da ratio decidendi (RE 197.917), num claro processo de objetivação e abstrativização de decisões do STF (REsp 763.812/RS, REsp 828.106/SP, ADI 4071), para aplicar no Tribunal de Contas a regra da prescritibilidade (MS 20.069 – STF) e a exceção da imprescritibilidade da Tomada de Contas Especial (MS 26.210 – STF).
Objetivar e abstrativizar os mandados de segurança 20.069 e 20.210 significa:
a) rejeitar a tese do TCU de que os processos de contas são meios para se alcançar o ressarcimento e, portanto, em regra, imprescritíveis;
b) rejeitar a tese do TCU de, em caso de superação da parte final do § 5º do art. 37, aplicar, analogicamente, o Código Civil. O STF e o STJ adotaram a analogia proposta por Hely Lopes e Celso Antônio Bandeira de Mello (cinco anos);
c) interpretar restritivamente a parte final do § 5º do art. 37, para, nos processos de contas, abranger tão somente o processo de tomada de contas especial;
d) excluir da prescritibilidade os atos da Corte de natureza meramente declaratórios (RMS 29.972/RJ-STJ e MS 26.210 – STF [41]);
e) respeitar a legislação infraconstitucional (federal) quanto à configuração como prescrição (art. 1º da Lei 9.873/99) ou decadência (art. 54 da Lei 9.784/99), inclusive quanto à possibilidade de interrupção e suspensão, bem como em relação aos termos a quo e ad quem.
Veja que o raciocínio acima desenvolvido partiu da premissa de que cabe apenas à União legislar sobre "prescrição administrativa" e da necessidade de transcendência dos motivos determinantes das decisões do STF, sejam elas proferidas em processos abstratos ou concretos.
Isso significa dizer que o prazo de cinco anos foi obtido por analogia, conforme autorização doutrinária, acatada jurisprudencialmente, em processos que foram aqui abstrativizados.
Reconheça-se que, se houve aplicação da analogia quanto à prescrição administrativa, é porque há vácuo legislativo federal, em que pese não haja vácuo jurídico.
Desta forma, se a União não legislou (em sentido estrito) sobre o prazo, caberia ao legislador estadual fixá-lo como fez no art. 69? A resposta imediata é não.
Trata-se, contudo, de "norma ainda inconstitucional", cuja admissibilidade (inconstitucionalidade circunstancial) ainda não foi reconhecida pelo STF como fez com as "normas ainda constitucionais" (HC 70.514) porque a ADI 4068 ainda pende de julgamento.
Dá para afirmar, no entanto, que seria ao menos o típico caso de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade (ADI 2240).
Malgrado esta discussão jurídica, certo é que o prazo a ser aplicado é de cinco anos, seja com fundamento no art. 69 da LC nº 205/2011, seja com fundamento nas decisões dos Tribunais Superiores.
Um outro aspecto da nova Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe ainda nos chama a atenção. É o fato de a mesma não regular o prazo decadencial que fulmina o seu direito potestativo de agir, independentemente da conduta de seu jurisdicionado, mas regular o prazo prescricional de sua pretensão punitiva, quando a maioria da doutrina prefere afirmar que o Tribunal de Contas não se submete ao regime da prescrição, mas da decadência (vide Hely Lopes e Celso Antônio Bandeira de Mello).
O silêncio da Lei Orgânica não significa dizer que os poderes potestativos da Corte de Contas não decaem, pelo contrário, decairiam ainda que a LC nº 205/2011 dissesse o contrário, conforme lições e jurisprudência acima expostas.
Mas o silêncio da LC nº 205/2011 quanto à decadência tem ainda outro impacto, qual seja, o de afastar as regras do § 1º, I, II e §§ 2º e 3º do art. 69 para os direitos potestativos do Tribunal de Contas, vez que incompatíveis com o art. 54 da Lei 9.784/1999.
A regra do art. 69, § 1º, III se aplica indistintamente aos casos de prescrição e decadência porque compatível com a regra do art. 54 da Lei 9.784/1999 e com o art. 1º da Lei 9.873/99.
Tendo em vista a regra geral de que a decadência não se suspende ou se interrompe, salvo disposição legal expressa, os demais parágrafos também foram afastados.
Enquanto válido o art. 69 da LC nº 205/2011, até porque parcialmente compatível materialmente com o art. 1º da Lei 9.873/99, temos que qualquer punição a ser imposta pelo Tribunal ao seu jurisdicionado, fora do processo de tomada de contas especial [42], se submete ao prazo prescricional de cinco anos.
O impasse é o termo a quo do prazo. É que os incisos I e II do § 1º do art. 69, além de formalmente inconstitucionais, são ainda, do ponto de vista material, flagrantemente inconstitucionais, ou querendo, "circunstancialmente inconstitucionais" ou mesmo "ainda inconstitucionais", na medida em que não computam o prazo prescricional a partir da prática do ato ilícito como prevê a lei federal.
Enquanto não sobrevier decisão, judicial, legislativa ou administrativa quanto ao tema, sugere-se aplicar a lei federal sem prejuízo da Lei Complementar Estadual vez que o ato ilícito será, de regra, anterior a autuação do processo de sua apuração.
Nos casos de resistência a atuação fiscalizatória da Corte, não atendimento injustificado de diligências e citações, entre outros fatos que podem ocorrer no curso dos processos de contas, não há forma de compatibilização da regra, quando então deve-se adotar integralmente a lei federal.
Pensar o contrário seria obrigar o Tribunal a autuar cada fato passível de punição como processo novo, ainda que incidental. Não haveria, pois, incidentes nos processos, mas tão somente processos incidentais.
O § 2º do mesmo artigo, na medida em que cria direito novo também é inconstitucional e não tem como ser aplicado.
Circunscrita aos casos em que o Tribunal for penalizar o jurisdicionado, o § 3º, I é perfeitamente aplicável (art. 2º, I da Lei 9.873/99).
O inciso II do mesmo parágrafo não tem a mesma sorte. É que o recurso não pode dá causa a uma nova interrupção da prescrição já efetuada por meio da notificação válida que o precedeu, vez que a interrupção de prescrição só pode ocorrer uma vez (art. 202, CC/02).
O efeito que o recurso terá sobre a prescrição é o de impedir a ocorrência do termo ad quem do prazo prescricional que seria obtido por meio da decisão irrecorrível. O recurso apenas prolonga o estado de litispendência.
8. Conclusão
A expressão prescrição administrativa não ajuda a compreensão do tema porque engloba realidades distintas sob um mesmo rótulo.
Assim, para efeitos conclusivos, passar-se-á a chamar a decadência aplicada no direito administrativo de ‘decadência administrativa’ e a prescrição aplicada ao direito administrativo, para os que a admitem, de ‘prescrição administrativa’.
Partindo da premissa de que a Corte de Contas não exerce jurisdição, mas equivalente jurisdicional, e da premissa de que, ao aplicar uma penalidade a um gestor público, o Tribunal não está reagindo à violação de um direito seu, mas simplesmente atuando no exercício de sua competência, filia-se à tese dos administrativistas clássicos, no sentido que não se deve falar em ‘prescrição administrativa’, mas de ‘decadência administrativa’.
Falar em pretensão punitiva seria falar em direito subjetivo do Estado (não do Tribunal de Contas), que reage contra a violação de um direito público, encontrando na Corte de Contas um terceiro imparcial que teria a atribuição de dizer o direito de modo imperativo e definitivo, mediante um processo. Seria, pois, falar em jurisdição do Tribunal de Contas.
Acaso seja esse o entendimento, cabe falar em ‘prescrição administrativa’.
Prescrição e decadência não se confundem. Veja o quadro esquemático que buscou o máximo de compatibilidade entre o regramento privado e público (fins didáticos):
PRESCRIÇÃO |
DECADÊNCIA |
Extingue a pretensão |
Extingue o direito potestativo |
Depende da violação de um direito |
Independe da violação de um direito |
Interrompe-se e suspende-se o prazo |
Não se interrompe ou suspende (regra) |
Pode ser renunciada |
Não pode ser renunciada (a legal) |
Há fixação genérica de prazo |
Não há fixação genérica de prazo |
Atinge ações condenatórias |
Atinge ações (dês)constitutivas |
Como é perceptível a decadência tem mais pontos em comum com o regime de direito público a que se submete o Tribunal de Contas.
Não há previsão geral nacional de prazo para a ‘decadência administrativa’ ou mesmo para a ‘prescrição administrativa, de forma que é necessário recorrer à analogia como forma de integração do direito, mas, como apontou Celso Antônio Bandeira de Mello, não é viável fazer analogia com normas de direito privado, mas com normas de direito público.
As normas de direito público, de uma forma geral, vêm impondo o prazo de cinco anos para o exercício de alguns direitos do administrado perante o Poder Público, de forma que não teria sentido fixar prazo diferente para o Poder Público puni-lo.
A fixação de prazos, ainda que por analogia, é necessária para a estabilização das relações jurídicas, para a paz social e para a segurança jurídica enquanto postulado constitucional, de forma que a ausência de prazo para a convalidação de atos administrativos (sejam eles nulos ou anuláveis) corresponde a uma violação constitucional.
Na ausência de outro prazo fixado na lei, o prazo da ‘decadência administrativa’ é de 5 (cinco) anos, contados da data do nascimento do direito potestativo ou, no caso da ‘prescrição administrativa’, da prática do ato.
Há, contudo, direitos subjetivos imprescritíveis, quais sejam, aqueles afeitos a serem invocados por meio de ações meramente declaratórias ou ainda (des)constitutivas insuscetíveis de limitação temporal em razão da natureza do direito invocado, como as que tutelam direitos da personalidade.
A Constituição Federal incluiu o direito à reparação de lesão ao Erário - que se dá, entre outras, pela ação de ressarcimento -, como imprescritível (parte final do § 5º do art. 37).
Interessa notar que há ações de ressarcimento que se fundam em fatos e/ou títulos que se formaram sem a participação dos Tribunais de Contas, a exemplo das ações civis públicas fundadas em elementos colhidos em inquéritos civis públicos.
Há também ações que se fundam em títulos executivos extrajudiciais constituídos pelos Tribunais de Contas em processos destinados a apurar e liquidar lesões ao Erário, bem como apontar responsáveis.
Para o autor deste artigo, o Tribunal de Contas tem um prazo decadencial de cinco anos para exercer seu poder de fiscalização e para, neste prazo, constituir títulos executivos extrajudiciais (suas decisões) que identifiquem responsáveis e desfalques em recursos públicos.
Constituído, tempestivamente, o título executivo extrajudicial pelo Tribunal de Contas, onde conste lesão ao Erário, seja esta lesão decorrente ou não de um crime, tem a Advocacia Pública ou o Ministério Público em suas mãos a ação de ressarcimento, que, segundo o art. 37, § 5º, da Constituição Federal, é imprescritível.
Nesta óptica, todos os processos de contas seriam passíveis de decadência ou, noutra versão terminológica, prescritíveis, sem exceção.
No entanto, toda e qualquer ação de ressarcimento seria imprescritível.
Costumamos falar que, neste sistema, fecha-se totalmente [43] na entrada e abre-se totalmente [44] na saída. O STJ caminha nesta direção.
O STF tem dito que apenas o processo de Tomada de Contas Especial não se submete a prazo decadencial (os demais continuam submetidos) e caminha para restringir as ações imprescritíveis àquelas decorrentes dos crimes (ação civil ex delicto).
Por enquanto, é certo que a Tomada de Contas Especial e a ação de ressarcimento nela fundada são "imprescritíveis", as demais são todas "prescritíveis".
Do ponto de vista processual, o reconhecimento da decadência ou da prescrição dá origem ao julgamento do processo com resolução de mérito e devem ser arquivados e, na forma da lei, fará coisa julgada administrativa.
Pela própria natureza da coisa julgada administrativa, na forma da lei, respeitada a Súmula 473 do STF, um processo de contas arquivado em razão da decadência ou da prescrição pode ser objeto de investigação específica, por meio de Tomada de Contas Especial, que é imprescritível.
Exemplo: o Tribunal de Contas demora dez anos sem fazer a qualquer análise nas Contas Anuais tempestivamente prestadas por uma determinada Câmara Municipal. Obviamente, o Tribunal perdeu seu direito de atuar neste processo e deve arquivá-lo. Essa é a regra. Após o arquivamento, ou mesmo durante o processo de arquivamento, pode surgir fato novo, que indique ao menos indiciariamente, que houve lesão ao erário. Essa circunstância deve ser exposta fundamentadamente e originar a abertura de uma Tomada de Contas Especial (TCE), que é imprescritível. Contudo, alerte-se. Tal qual ocorre no inquérito policial, não é razoável que a abertura de TCE se transforme em regra. Sua abertura tem de ser fundamentada para que se respeite o devido processo legal.
A medida ora defendida está, inclusive, consentânea com o art. 5º, LXXVIII da CF/88 (princípio da duração razoável do processo).
Perceba-se, em acréscimo, que os incisos I e II do § 1º do art. 69, interpretados isoladamente, têm carga valorativa que colide com o princípio referido na medida em que basta a citação válida para garantir a frustração da decadência (ou da prescrição) e, por conseguinte, do princípio da segurança jurídica.
Uma interpretação sistemática leva a crer que a parte final do art. 68 da Lei Complementar nº 205/2011 autoriza a aplicação do § 1º do art. 1º da Lei 9.873/99 que diz:
Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
§ 1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
Aplicadas as regras acima postas e respeitados os princípios constitucionais relacionados perde importância decidir se se trata de prescrição ou decadência. Aplica-se o princípio da operabilidade.
Dando concretude a este princípio, todos os casos que derem origem a punição se aplica os arts. 68 e 69 da LC nº 205/2011. Quando não se tratar de punição, aplica-se o art. 54 da Lei 9.784/99.
Os prazos para recursos não se submetem ao regime aqui comentado, precluem.
As contas dos chefes do Poder Executivo Estadual e dos chefes do Poder Executivo municipal também não se submetem radicalmente à decadência, vez que a participação da Corte de Contas neste caso é meramente opinativa, embora obrigatória (art. 71, I, CF/88). O Tribunal de Contas é o braço técnico do Legislativo no processo complexo de julgamento dessas contas.
Mas, o que deve acontecer com as Contas Anuais dos Chefes do Poder Executivo que figurarem na Corte de Contas sem qualquer análise por mais de 180 dias (art. 68, I e XII, da Constituição Estadual)?
O Tribunal deve emitir parecer prévio com instrução mínima, tomando-se por base a presunção de legitimidade do ato administrativo e deve encaminhar ao Legislativo para que este decida se quer julgar no estado em que se encontra ou se pretende requerer diligências ou esclarecimentos técnicos.
E o que deve acontecer com as mesmas Contas se o prazo constitucional for desrespeitado, mas o processo esteja em análise, nele constando citação válida do interessado?
Neste caso, devem ser aplicadas mesmas regras relativas à decadência administrativa com alteração apenas quanto ao resultado final, que não será o arquivamento com resolução de mérito, mas a inclusão imediata em pauta de julgamento com emissão de parecer prévio com a instrução que tiver sido produzida nos autos, seguindo-se, a partir daí, o procedimento posto na resposta à indagação anterior.
O julgamento mínimo de Contas de Chefes do Poder Executivo não impede que, havendo motivos justificados, mesmo após o encaminhamento das mesmas para o Legislativo, possa abrir TCE (art. 47, § 5º, LC nº 205/2011).
Ao art. 68, § 1º da LC nº 205/2011 deve ser dada interpretação conforme a Constituição para excluir da expressão "disciplinar" qualquer interpretação que extrapole a função de "regulamentar" o instituto, nos estritos limites da lei federal ou nacional, sem criar, modificar ou extinguir direito.
Ao art. 68, § 2º também deve ser dado interpretação conforme a Constituição para aplicar no Tribunal de Contas a regra geral da prescritibilidade (MS 20.069 – STF) e a exceção da imprescritibilidade da Tomada de Contas Especial (MS 26.210 – STF).
A regra do art. 69, por inovar no plano jurídico, usurpa de maneira sui generis a competência da União.
Trata-se, contudo, de "norma ainda inconstitucional", cuja admissibilidade enquanto inconstitucionalidade circunstancial ainda não foi reconhecida pelo STF como fez com as "normas ainda constitucionais" (HC 70.514) porque a ADI 4068, ajuizada pela OAB, ainda pende de julgamento.
Dá para afirmar, no entanto, que seria ao menos o típico caso de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade (ADI 2240).
Malgrado esta discussão jurídica, certo é que o prazo a ser aplicado é de cinco anos, seja com fundamento no art. 69 da LC nº 205/2011, seja com fundamento nas decisões dos Tribunais Superiores.
O silêncio da LC nº 205/2011 quanto à decadência afasta as regras do § 1º, I, II e §§ 2º e 3º do art. 69 para os direitos potestativos do Tribunal de Contas, vez que incompatíveis com o art. 54 da Lei 9.784/1999.
A regra do art. 69, § 1º, III se aplica indistintamente aos casos de prescrição e decadência porque compatível com a regra do art. 54 da Lei 9.784/1999 e com o art. 1º da Lei 9.873/99.
Tendo em vista a regra geral de que a decadência não se suspende ou se interrompe, salvo disposição legal expressa, os demais parágrafos têm aplicação restrita ao perecimento das punições ou da pretensão punitiva.
Enquanto válido, o art. 69 da LC nº 205/2011, até porque parcialmente compatível materialmente com o art. 1º da Lei 9.873/99, temos que qualquer punição a ser imposta pelo Tribunal ao seu jurisdicionado, fora do processo de tomada de contas especial [45], se submete ao prazo prescricional de cinco anos.
O impasse é o termo a quo do prazo. É que os incisos I e II do § 1º do art. 69, além de formalmente inconstitucionais, são ainda, do ponto de vista material, flagrantemente inconstitucionais, ou querendo, "circunstancialmente inconstitucionais" ou mesmo "ainda inconstitucionais", na medida em que não computam o prazo prescricional a partir da prática do ato ilícito como prevê a lei federal.
Enquanto não sobrevier decisão, judicial, legislativa ou administrativa quanto ao tema, sugere-se aplicar a lei federal sem prejuízo da Lei Complementar Estadual vez que o ato ilícito será, de regra, anterior a autuação do processo de sua apuração.
Nos casos de resistência a atuação fiscalizatória da Corte, não atendimento injustificado de diligências e citações, entre outros fatos que podem ocorrer no curso dos processos de contas, não há forma de compatibilização da regra, quando então se deve adotar integralmente a lei federal.
Pensar o contrário seria obrigar o Tribunal a autuar cada fato passível de punição como processo novo, ainda que incidental. Não haveria, pois, incidentes nos processos, mas tão somente processos incidentais.
O § 2º do mesmo artigo, na medida em que cria direito novo também é inconstitucional e não tem como ser aplicado.
Circunscrita aos casos em que o Tribunal for penalizar o jurisdicionado, o § 3º, I é perfeitamente aplicável (art. 2º, I da Lei 9.873/99).
O inciso II do mesmo parágrafo não tem a mesma sorte. É que o recurso não pode dá causa a uma nova interrupção da prescrição já efetuada por meio da notificação válida que o precedeu, vez que a interrupção de prescrição só pode ocorrer uma vez (art. 202, CC/02).
O efeito que o recurso terá sobre a prescrição é o de impedir a ocorrência do termo ad quem do prazo prescricional que seria obtido por meio da decisão irrecorrível. O recurso apenas prolonga o estado de litispendência.