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A questão das intervenções humanitárias diante da nova ordem internacional

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As intervenções sempre terão inclinações políticas, mas, neste ponto, o humanitarismo deve preponderar sobre elas. Intervir para salvar os direitos humanos é a plena recomendação quando a sociedade mundial se depara diante de calamidades generalizadas.

RESUMO

Em meio às intempéries do complexo de relacionamentos internacionais, principalmente após o alvorecer da globalização e da nova ordem mundial, é comum que haja lacunas em meio ao tratamento recíproco dos Estados estrangeiros. Essa questão aufere valor ainda mais importante quando põe em jogo os direitos essenciais intrínsecos a cada ser humano. O temor por reviver os horrores dos conflitos mundiais fez o homem repensar estratégias para o futuro. Criaram-se, assim, a ONU e a Declaração Universal de Direitos Humanos para zelar pelos direitos fundamentais fragilizados diante da selvageria de um mundo sem fronteiras. As intervenções humanitárias incidentes sobre Estados desatentos à dignidade humana surgem como alternativa para prática deste fito internacional. Contudo, as ações intervencionistas têm descartado sua ideia primordial, à medida que encobrem interesses mercantilistas, consagrando-se num verdadeiro tabu para a lógica das interligações político-sociais. Quais os aspectos do intervencionismo num cenário marcado por incessantes mudanças de opinião, onde a derrocada dos Estados cede espaço ao brilhantismo dos direitos atrelados aos indivíduos? Como se colocam as intervenções perante a nova hierarquia universal, condensada na vulnerabilidade da soberania em prol da defesa dos direitos humanos? Qual o limite de atuação estabelecido para os agentes interventores, de forma que se previna um caos geopolítico no globo? A solução de tantas dialéticas parece derivar da dosimetria real dos sentimentos por trás dos esforços depositados, uma vez que a indignação contra injustiças generalizadas pauta todo manifesto humanitário. Persistir nesta empreitada consiste em mais um dos inúmeros desafios a serem enfrentados pela humanidade.

Palavras-chave: Direito Internacional. Direitos humanos. Soberania. Intervenções humanitárias.

ABSTRACT

Among the storms of complex international relationships, especially after the dawn of globalization and new world order, it is common that there are gaps in the middle of the reciprocal treatment of foreign states. This question receives value even more important when put into play the essential rights inherent to every human being. The fear of reliving the horrors of world wars caused man to rethink strategies for the future. Were created, so the UN and the Universal Declaration of Human Rights to ensure fundamental rights hit in the savagery of a world without borders. Humanitarian interventions imposed on inattentive States to human dignity are an alternative to practice this international aim. However, interventionist actions have discarded their primary idea, as they have hid mercantilist interests, becoming to a real taboo to the political logic and social interconnections. Which aspects of the interventionism in a setting marked by incessant changes of opinion, where the collapse of states gives way to the brilliance of the rights linked to individuals? How to put interventions before the new universal hierarchy, condensed on the vulnerability of sovereignty in favor of human rights? What is the limit of performance set for the intervening agents, in way to prevent a geopolitical chaos in the world? The solution seems to derive as many dialectical real dosimetry feelings behind the effort deposited, since the widespread indignation against injustice manifest all humanitarian staff. To persist in this endeavor is another of the many challenges faced by humanity.

Keywords: International Law. Human rights. Sovereignty. Humanitarian interventions.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ORGANOGRAMA 1: Ilustração sobre a reflexão que cerca as intervenções

ORGANOGRAMA 2: Ilustração da típica relação de intervenção

LISTA DE TABELAS

TABELA 1: Tipos de justificativas das intervenções segundo o realismo e o globalismo

TABELA 2: Diferentes momentos do vínculo "direitos humanos versus responsabilidade de proteger" no Sistema Internacional de Estados (SIE)

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO .1 O MININUM DAS GARANTIAS DO HOMEM: DIREITOS HUMANOS.1.1 NOÇÕES BÁSICAS DE DIREITOS HUMANOS .1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA .1.3 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS DE 1948.1.4 CARACTERÍSTICAS, GERAÇÕES E SISTEMAS DE PROTEÇÃO.1.5 PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO .1.6 PERSPECTIVAS.1.7 DIREITOS HUMANOS COMO OBJETO DE INTERVENÇÕES .2 SOBERANIA: UMA REGALIA DO POVO PARA O ESTADO.2.1 REFLEXÕES PRELIMINARES .2.2 TITULARIDADE DO PODER SOBERANO. 2.3 CORRENTES FUNDAMENTAIS .2.4 SOBERANIA E GLOBALIZAÇÃO .2.5 LIMITAÇÃO DA SOBERANIA ESTATAL. 3 INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS: OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS?.3.1 O DIREITO DE INTERVIR. 3.2 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL. 3.3 PARADIGMAS DO INTERVENCIONISMO: GLOBALISMO E REALISMO. 3.4 O PAPEL DA ONU E DO SEU CONSELHO DE SEGURANÇA. 3.5 A RELAÇÃO INTERVENCIONISTA. 3.5.1 Pólos da relação. 3.5.2 Legitimidade. 3.5.3 Situações de emergência humanitária. 3.5.4 Procedimento. 3.6 OCORRÊNCIAS DE INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS. 3.6.1 O caso de Ruanda. 3.6.2 O caso de Kosovo. 3.6.3 O caso do Timor Leste. 3.6.4 O caso da Somália. 3.6.5 O recente caso da Líbia. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

Desde sua origem, uma série de ações contínuas levou o homem a se tronar personagem desbravador do mundo em que vive. Sua completa inércia significaria não só a ausência de uma interação, de uma sociedade e de todas as suas formas de cultura, mas também a extinção da própria espécie. Como se arquiteta um homem? Através do seu complexo de atividades incessantes, que modificam o habitat e que delineiam paulatinamente a escrita da história.

O comportamento humano vem determinado por valores auferidos em meio ao contexto exterior. Cada ação é lapidada conforme os anseios, os interesses, as necessidades de cada ser. A justiça, matéria-prima de toda labuta do Direito, adentra nesse foco como um dos valores cruciais à harmônica convivência interpessoal dos homens.

Sob a égide do preceito suum cuique tribuere [01], vem à tona a concepção tradicional de justiça, sistematicamente arraigada em amplos setores da sociedade hodierna. O justo é visto como algo benéfico que se coaduna com o equilíbrio social e deve ser considerado como um ideal a ser seguido por todos. Este pensamento já está fincado sobre a racionalidade dos povos, sendo tomado, a certo ponto, como um modelo erga omnes. A virtude da justiça impõe-se como padrão elementar para o relacionamento cordial num plano onde despontam as mais instáveis emoções. Orientado por vetores éticos e morais, todo homem deve ordenar sua linha comportamental de acordo com os ditames da justiça. Muitas vezes, os homens abdicam de condutas naturais em prol dos valores que são atribuídos aos seus atos.

Assim, torna-se inerente ao homem a aversão a situações em que se sobressaia alguma forma de injustiça. Diante do espectro do injusto, o indivíduo racional, detentor dos valores supracitados, é tomado por um sentimento de repulsa ou de indignação, manifestando-se contrário a tal prática. Esta é uma reação normal e típica de qualquer um, é uma manifestação previsível dentro dos patamares da normalidade.

Ademais, essa questão ganha relevante proporção, quando a injustiça praticada equivale a uma ofensa a direitos fundamentais à existência do indivíduo, popularmente conhecidos estes como direitos humanos (DHs), direitos essenciais ou direitos dos homens. As atividades prejudiciais à estabilidade de direitos humanos viram alvo do repúdio da sociedade, que move mecanismos apropriados para a sua devida expurgação. Os direitos humanos recebem essa especial proteção em razão da extrema necessidade deles para a sobrevivência e a perpetuação do homem. Condicionam-se a prerrogativas atreladas à espécie, estipuladas pela dogmática jusnaturalista. Mister se faz recordar que esses direitos escapam às antigas concepções e partem para uma visualização mais ampla e geral.

Vislumbra-se aqui a universalidade dos direitos humanos, fator que retrata a sua realidade nos dias de hoje e que será mais abordado adiante.

O que se fazer ante uma injusta agressão aos direitos humanos de outrem? Dentro da lógica, seria preciso intervir sobre o fato a fim de sanear o problema. Para tanto, valer-se-ia de meios apropriados para cessar a injustiça, como forma eficaz destinada a manter o equilíbrio dos direitos fundamentais. A imediata intervenção, dessa maneira, é tida como instrumento hábil para a satisfação do impasse, pois quando se impede diretamente a continuidade da ofensa, não só se tutela os direitos básicos ao ser humano como também se evita a propagação da injustiça.

A política de intervenção para combater injustiças aos direitos humanos vem constantemente sendo adotada como prática da comunidade internacional. A proteção aos direitos naturais consolida uma preocupação comum a todos no âmbito universal, engajando tanto entes individuais como Estados Nacionais na empreitada humanitária.

Eis aqui o foco principal deste labor científico: o tratamento das intervenções humanitárias na atualidade, sobretudo com ênfase aos seus aspectos sociais, históricos e jurídicos. Assim, o intento maior desse estudo é explanar os dados sobre a legalidade dos movimentos intervencionistas, junto com os fundamentos teóricos e as recentes tendências acerca do tema. É cabível salientar, ainda sobre esse esquema, a importância, para o desenvolvimento da análise, da dosimetria das novas aporias que advém do embate entre princípios clássicos e recentes, como os do poder soberano dos Estados e da projetividade dos direitos humanos.

Em si, os trabalhos aqui empenhados se dividem em três partes principais: na primeira, dentro de uma esfera mais restrita, a abordagem entrelaça a visualização dos direitos fundamentais de cada ser; na segunda etapa, partindo para um quadro mais abrangente, o intento consiste na apreciação das muitas roupagens que envolvem a soberania dos Estados; em terceiro tempo, apogeu de todo o itinerário transcorrido, ressalta-se a invocação das intervenções internacionais como método de diluir os choques entre os dois pólos anteriores, trabalhando sutilmente a respeito desta conflitividade. Não sobrestando aqui, é ideal salientar que os dois primeiros pontos servem como uma consequente introdução ao terceiro, que se posiciona como a flama-chave de todas as atenções. Tal prospecção obterá sua característica primordial a partir deste instante.

Ab initio, o alvo desta indução recai sobre o celeiro dos direitos humanos e de suas peculiaridades determinantes. Mediante as novas exigências da comunidade de países, notoriamente influenciada pela onda de globalização do sistema internacional, evidencia-se como apanágio dos direitos essenciais o rompimento de fronteiras e a partida para o panorama universal de tratamento dos mesmos, o que viabiliza a construção da nova Ordem Mundial. Tal projeção adquire concretude através da vigência da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 [02], onde são expostas as condições de respeito à dignidade humana a serem observadas por todas as nações pactuantes das exposições expressas minuciosamente em seu texto.

Logo em seguida, procura-se enfatizar o arquétipo da soberania, poderio supremo cedido pela sociedade ao Estado, como entidade apta para o seu devido regimento. Corresponde a uma delegação oriunda das massas populares, fundada na cessão da força legitimatio à figura do Estado maior.

O conceito de soberania vem se mistificando cada vez mais, resultado de uma pertinente evolução de cunho político-histórico, que perdura desde antes mesmo do Século das Luzes [03] (ganhando neste os seus mais aprimorados contornos) até os dias de hoje. Neste ponto, será, propositalmente, desencadeado um gênero de paridade entre a atribuição soberana e os direitos essenciais dos atribuidores, à medida que, assim como os direitos humanos necessitam de especial proteção, a soberania também precisa ser defendida para que o Estado desempenhe as suas ações típicas com perfeição.

Diante das questões anteriores, vislumbra-se, sem mais delongas, a oportunidade mister de situar o nosso raciocínio em vias da intervenção humanitária, dispondo desses dois valores (soberania e direitos humanos) frente a frente nesta polêmica temática do âmbito internacional.

Somente partindo da prerrogativa intervencionista, é possível chegar a um aspecto muito discutido atualmente: a relativização da soberania estatal. Isso se dá em razão do refinamento das teorias políticas, que, influenciadas por correntes humanitárias, passam a enxergar a imagem da soberania não mais como algo absoluto, superior, inatingível aos outros. A contrario sensu, os Estados Soberanos não são mais vistos como exclusivamente independentes, tornando-se vulneráveis quando se promove a tutela dos direitos essenciais dos homens. Destarte, em meio às recentes posições, a soberania vem sendo colocada em segundo plano, porque, antes mesmo de invocar o respeito a um Estado soberano, tem-se que haver respeito aos direitos básicos dos integrantes individuais que compõem aquele Estado.

Historicamente, a vertente da supremacia dos direitos humanos sobre as imposições estatais se destaca a partir da crise nas estruturas democráticas e das catástrofes advindas da experiência com o totalitarismo [04] no século XX, cuja missão era conferir um caráter absoluto, total (daí a denominação) à soberania dos Estados. Estes poderiam praticar atos apenas de acordo com as suas conveniências, o fazendo de modo arbitrário, afetando diretamente a vida em sociedade.

Nesse contexto, o despontar da Segunda Guerra Mundial foi o ápice para a fixação de um alerta máximo a toda a comunidade internacional. De fato, os desmandos totalitaristas trouxeram uma amarga herança para todo o planeta: o holocausto serviu como demonstração a todos sobre a importância da sobreposição dos direitos do homem à vontade do Estado. Com este ensinamento emblemático, passaram a ser criadas normas globais, de eficácia universal, para que não acontecessem novamente tais ofensas aos direitos fundamentais dos seres humanos. Dentre tais medidas, destacam-se a elaboração de mecanismos internacionais especializados para tanto (como a Organização das Nações Unidas [05], a Anistia Internacional [06], o Human Rights Watch International [07] e a Declaração de Direitos Humanos). Igualmente, as intervenções humanitárias podem ser vistas como um desses mecanismos, pois se constitui num meio para a plena defesa do equilíbrio humanitário.

Quando se cuida das intervenções, in casu, a defesa dos direitos essenciais representa uma tarefa naturalmente árdua, que toma dinâmicos rumos à medida do passar do tempo. Em verdade, bastante inconstante é o fluxo desse questionamento, mormente num ambiente que altera suas fronteiras conforme o tracejar dos novos tempos de globalização. Muitas são as discussões levantadas com relação a tal complexidade. Como exemplo disso, há o importante requisito da legitimidade do ato de intervir, alvo de choques materiais entre duas correntes de pensamento: a Teoria Relativista (que atribui latentes intenções colonialistas ao movimento intervencionista) e a Teoria Universalista (que prega a justa legitimação das intervenções que almejem a garantia efetiva dos direitos humanos). Estes e mais outros pontos serão devidamente versados mais adiante, contemplando o melhor desenvolvimento desta análise.

Complementa-se o estudo com as expectativas referentes à admissão das intervenções humanitárias em face da inconstância que acentua o sincretismo da sociedade internacional nos últimos anos. Este fator se torna ainda mais desafiante em virtude do crescente contato internacional, incentivado por relações de ordem econômica, social ou cultural, que é uma fatídica realidade do mundo moderno. De tal contato defluem os mais variados comportamentos, que podem ou não ser nocivos aos direitos essenciais de alguém. Se nocivos, constituem, de certa forma, uma ofensa à humanidade, ficando passíveis de serem interferidos por terceiros.

Todo esse ensejo é de suma necessidade perante os complexos desafios dos novos tempos, haja vista que, antes de pensarmos no bem estar do Estado soberano, deve ser assegurado o mínimo de condições existenciais (especialmente respeito à dignidade) a cada um dos seus súditos.


1 O MINIMUM DAS GARANTIAS DO HOMEM: DIREITOS HUMANOS

Que obra-prima, o homem! Quão nobre pela razão! Quão infinito pelas faculdades! Como é significativo e admirável na forma e nos movimentos! Nos atos, quão semelhante aos anjos! Na apreensão, como se aproxima dos deuses, adorno do mundo, modelo das criaturas! [08]

Nem só de um simples diálogo de Hamlet, produto ímpar da literatura shakespeariana, se faz um homem. É preciso mais que palavras comuns para defini-lo porque a sua fórmula é incomum. Sua existência vai além das fronteiras do Renascimento europeu [09] ou de qualquer outra vertente dantes já criada. A essência que o compõe foge às linhas do papel e salta aos olhares carnais, surpreendendo-os com sua excelência. É um ser fascinante, movido por conhecimentos e vontades inconstantes, feito da mais pura matéria e delineado com os mais tênues esboços. Tem criação remota e contestável, mas, com certeza, consiste na maior das invenções de que se têm notícia. É uma criatura descomunal que domina o mundo em que vive, dando-lhe sentido próprio.

Visto por muitos como a mais áurea das ideias, jamais vislumbrada por sábios do porte de Da Vinci ou Gutenberg, o homem é dotado de personalidade que lhe é inerente e caracterizadora, a qual se resume num universo particular, incomensurável, relacionado à sua identidade diante do meio. A personalidade humana sempre se mostrou atraente e enigmática. Sobretudo, o homem não passa de um enigma: quanto mais se procura o seu sentido, mais surgem dificuldades para tanto. O homem é parte de um todo e também pode reunir esse todo em si mesmo. Cada indivíduo protagoniza sua própria história e se torna coadjuvante das demais. É algo contraditório e, ao mesmo tempo harmônico. A odisseia do homem em seu espaço é simplesmente incrível e digna de tantos méritos. O interesse em desvendar tais mistérios chega a ser secular.

A razão compreende uma das dádivas imprescindíveis da natureza humana. Ela é a grandeza da espécie, aquela que manipula os juízos auferidos e que fica responsável por diferenciar o homem dos demais seres vivos. De tão ligados que estão a razão e o homem, não raramente, chega-se até a confundi-los, pois não é possível conceber um sem o outro. Quando raciocina, o indivíduo navega dentro de si, interagindo consigo mesmo e mais nada. Não é à toa que o famoso O Pensador [10] de Rodin alude tanto ao monólogo interior. O racionalismo organiza sentimentos, experiências e outros elementos subjetivos do ser humano. Sem a orientação da razão, o homem deixaria de ser único, visto que ela perfaz-se num conteúdo potencial para ele. Seria, assim, provavelmente um animal como outro qualquer. Um animal sem os atributos que o engrandecem.

É sob a luz da razão que podem ser dispostos, de forma prática, esses atributos atrelados à existência humana. Apenas através da observação racional, chega-se até a um consenso sobre a extrema essencialidade dos atributos humanos, quaisquer que sejam eles: a liberdade, a igualdade, a paz, o progresso, o ambiente, a integridade ou até mesmo a vida. A supressão de alguns desses caracteres inerentes à pessoa humana simboliza um ultraje à própria espécie e um atraso no caminhar do equilíbrio entre os povos.

Daí a importância da proteção aos atributos naturais do homem. Todos eles precisam ser defendidos, impugnando as violações que lhes acometam, pois equivalem à particularidade humana e respaldam a sobrevivência dos homens em um meio repleto de perigos. Portanto, é de se admitir que os direitos mais básicos de cada pessoa devem sempre estar socialmente assegurados, sobretudo aquelas que envolvem a sua dignidade, como forma de promover o pleno desenvolvimento da humanidade. Tais prerrogativas são recrutadas numa seleta classe de direitos muito debatidos nos dias atuais: o grupo dos direitos humanos fundamentais.

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Sobre esta temática preliminar, estão expostas melhores considerações mais a seguir.

1.1 NOÇÕES BÁSICAS DE DIREITOS HUMANOS

O encargo de conceituar os direitos humanos não é um intento nada simples. Estes adquirem conceitos diversos devido à sua ampla historicidade e abrangente incidência em diversos campos de atuação. São direitos que escapam do terreno estritamente jurídico, atingindo também outros pontos de vista, tais como o cultural, o histórico, o filosófico, o político, o moral, o sociológico, dentre outros. Sic, para a obtenção de um conceito mais completo de direitos humanos, é necessário recorrer a estas áreas para apurar a proposição firmada por cada uma delas. Os mais consideráveis destes conceitos serão disponibilizados a partir de agora.

Neste panorama, a opinião dos filósofos jusnaturalistas reside na ideia de que os direitos humanos são todos aqueles que se encontram incutidos à natureza do ser humano. São direitos naturais, imutáveis e absolutos, porque não dependem de qualquer outra circunstância (tempo, lugar, etnia, etc.) para existirem.

Em se tratando do ponto de vista histórico, eles são todos aqueles privilégios natos ao homem e que lhe foram adquiridos ao longo do decorrer do tempo e constituídos por meio de seus incessantes conflitos interpessoais.

Por outro lado, o modelo político institui o conceito de que direitos humanos são os frutos da democracia e da igualdade que se unem ao homem para garantir, a este, certa expressão em meio à coletividade, prevalecendo sempre como padrão de dignidade básica no processo de manifestação da vontade. São boas restrições e ressalvas ao poder de comando dos governantes sobre os seus governados.

As vertentes sociológicas, por sua vez, afirmam que eles correspondem a uma cláusula peculiar do relacionamento das pessoas em sociedade, haja vista que os direitos humanos proporcionam o respeitoso tratamento dos indivíduos entre si e entre estes e os Estados. Constituem pontos a serem observados por todos sem restrições, independentemente de raça, sexo, religião, nacionalidade ou nível financeiro.

Para a Escola Universalista, os direitos humanos se estabelecem como o conjunto de fundamentos essenciais pertencente a todo e qualquer indivíduo sem distinções. Dessa maneira, qualquer pessoa é legítima detentora desses direitos e ainda digna de todos os meios para a sua devida proteção. Tal conceituação encontra barreiras no tocante ao pensamento culturalista, questão que analisaremos mais adiante.

Já de acordo com a perspectiva jurídica, os direitos humanos consistem na gama de normas ou regras, de valor internacional e de natureza garantista, que tratam da tutela das suas necessidades básicas. No mais das vezes, eles são positivados no texto de Cartas Constitucionais, estruturantes do Estado de Direito, com o status de direitos fundamentais, como o caso da Constituição Brasileira de 1988, onde, em determinado trecho do seu corpo, se enuncia claramente que:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II – prevalência dos direitos humanos. [11]

Não bastasse apontar o valor dos direitos humanos como um dos mais importantes princípios constitucionais, a Constituição Federal também cuida de garantias fundamentais em seu Título II, mais precisamente no Capítulo I (art. 5º). Daí muitos apontarem essa vertente legalista do conceito de direitos humanos como também chamada de constitucionalista.

Outrossim, alguns estudiosos dessa área oferecem definições importantes para os direitos humanos, que corroboram as afirmativas levantadas a posteriori. Seguindo os moldes legalistas, Alexandre de Moraes confirma que:

[...] os Direitos Humanos colocam-se como uma das previsões absolutamente necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana [12].

Partindo de outras linhas pensantes, o mestre João Baptista Herkenhoff aduz o seguinte:

Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir. [13] (grifo nosso)

Em suma, reunindo os preeminentes traços de cada uma dessas correntes, elabora-se o amplo conceito no qual os direitos humanos são um complexo de prerrogativas fundamentais que asseguram, incondicionalmente, a existência de cada pessoa e a defesa de qualquer abuso de poder e demais ofensas que possam afetá-la, sendo previamente expressas em diplomas legais. Destes últimos, o mais primoroso é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 10 de dezembro de 1948.

É sublime ressaltar ainda, neste mesmo diapasão, o teor da finalidade precípua dos direitos humanos sobre a esfera internacional. Esse objetivo maior se abriga no ideal de proteção à dignidade humana de modo geral. Ou seja, os direitos humanos asseguram a todos os indivíduos de qualquer nacionalidade (inclusive aqueles tidos como apátridas ou cosmopolitas), não importando a jurisdição a que estejam submetidos, o respeito mínimo às condições existenciais de cada ser, ostentando meios de repelir excessos de poder e tantas outras modalidades de lesões.

Quanto à normatização de tal intento, encontra-se a competência de um ramo jurídico especializado: o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), campo que regula leis, tratados, procedimentos e instituições para a promoção dos direitos humanos em todos os países, podendo ficar a comunidade internacional com o papel de se opor a transgressões desses preceitos. Tem autonomia como disciplina jurídica e atribui, pela primeira vez, a cada pessoa humana a condição de sujeito de direito internacional.

O DIDH diferencia-se do Direito Internacional Humanitário (DIH) por diversos fatores, dentre os quais se sobressaem os seguintes: enquanto o DIH refere-se à assistência às pessoas vítimas de guerras e conflitos armados (feridos, doentes, prisioneiros, etc.), o DIDH ampara os indivíduos em qualquer situação, sem qualquer discriminação a determinados casos; o DIH nunca pode ser passível de derrogação ou suspensão, ao passo que, no DIDH, alguns direitos podem ser derrogados ou suspensos, como in exemplis suspensões dos direitos de locomoção e de comunicação durante a vigência do estado de sítio; além disso, o DIH acata medidas nacionais para repreensão das violações aos seus ditames, ao tempo que, para o DIDH, tais atitudes somente serão aceitas se provenientes de entidades internacionais. O Direito Internacional Humanitário contrai a sua materialidade através da atuação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha [14] (CICV), que recentemente é o seu maior guardião.

Diante de todo exposto, podemos sustentar o seguinte:

[...] verifica-se a grande importância dos Direitos Humanos na atual conjuntura internacional, principalmente nesse último meio século de intensa evolução da Declaração Universal dos Direitos Humanos e criação de mecanismos cada vez mais efetivos para a atuação nessa área, com o Direito Internacional dos Direitos Humanos afirmando-se como ramo autônomo da ciência jurídica contemporânea e destacando a proteção do homem, enquanto indivíduo, frente aos Estados ou frente a qualquer outro sujeito do Direito Internacional que venha a praticar atos nocivos à sua figura, ou condenáveis perante a Sociedade Internacional. [15]

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O percurso dos direitos humanos ao longo da história não se restringe apenas a um determinado espaço de tempo. Muito pelo contrário, os direitos humanos, da forma como são ostentados hoje em dia, nada mais são do que o resultado de um longo processo de evolução histórica, onde cada momento da humanidade serviu como peça para a sua consolidação.

Nos primeiros tempos, a Antiguidade demonstrou um juízo muito primitivo e imaturo no que concerne aos direitos humanos. Eles eram vistos pelo homem antigo como qualquer dos direitos pertencentes ao homem, incluindo aí todos os tipos de direitos que os indivíduos pudessem ter. Destarte, nos primórdios, o homem não soube atribuir essencialidade aos seus direitos vitais, ficando estes a mercê de um arcaico sistema jurídico. Há resquícios de previsões remotas dos direitos humanos no Código de Hamurabi, em A República de Platão e no Cilindro de Ciro [16] (considerado a primeira declaração de direitos dos homens).

A precária estrutura política desse período também deu sua parcela de contribuição para tal entendimento. Malgrado Sócrates, Aristóteles e outros nomes catedráticos da época estivessem formulando as prematuras noções sobre o universo, ainda não se vislumbrava o fenômeno da limitação do poder do Estado, o qual só veio a surgir posteriormente. A Grécia Antiga foi berço da democracia e da filosofia política em si, porém o poder da polis [17]não poderia ser contestado por qualquer indivíduo. Inexistiam normas de oposição dos direitos básicos do homem ao poder do Estado. Assim, os direitos humanos ficavam legalmente desamparados, somente sendo respeitados de acordo com a discricionariedade dos governantes. Até mesmo o Direito Romano, com suas inovadoras compilações de matéria jurídica, padecia deste vício. Mesmo assim, as civilizações antigas deixaram um legado importante acerca das primeiras pontuações a esse respeito.

Foi na Idade Média, com a ascensão teológica do Cristianismo, que o direito natural passou a auferir moderado realce. Por influxo da doutrina cristã, os homens passaram a olhar a si mesmo de um jeito diferente em busca da dignidade e da igualdade concedidas pelas providências divinas. Entretanto, os dogmas cristãos não promoveram a equiparação desses direitos humanos aos direitos do Estado. Pelo contrário, a Igreja impôs sua própria supremacia ao comando dos reis e imperadores medievais. A competência para interferência na vida social era exercida por Deus e por seus representantes terrenos.

Apenas com o despontar da modernidade ocidental, a história dos direitos humanos passou a ganhar contornos significativos. A partir deste momento, o homem pincelou uma (até então) nova impressão sobre seus direitos típicos. Inclusive, alguns historiadores e juristas acreditam na tese de que o nascimento dos direitos humanos (pelo menos, do modo que são hodiernamente) se ensejou durante este contexto. De fato, as mais robustas compreensões acerca da matéria humanística começaram a ser confeccionadas deste ponto em diante.

É no seio da Era Moderna que o homem expurga a sua singularidade e começa a procurar mais reconhecimento. Houve uma grande revolução social, encaminhada através da permuta do feudalismo pelos requintes do regime capitalista. O homem feudal, submisso aos seus senhores e ao seu Deus, transforma seu modo de pensar, ao passo que centra suas preocupações em si mesmo. Aperfeiçoa-se aí a ideia de exaltar os direitos que cada um detém intrinsecamente, decisão que acarreta um desligamento com o pensamento das culturas antigas.

Do século XVI até o XVIII, o homem assume papel de relevante significância em relação a outros poderes, que viram personagens secundários. O mundo moderno é marcado por essa verdadeira odisseia da mentalidade humana. Nesse interstício, edificam-se os moldes contemporâneos dos direitos fundamentais. A primeira declaração de direitos humanos da época moderna foi a Declaração de Direitos da Virgínia (1776), que respaldou o diploma de independência dos Estados Unidos da América. Todavia, é na França que situamos a maior importância sobre o tema.

Como ápice da propagação do senso humanitário está a queda do Antigo Regime [18] francês já nos derradeiros instantes da Idade Moderna (século XVII) e que funcionou como ferramenta de transição da mesma para uma nova Era. Revoltada com os desmandos dos monarcas absolutistas, a burguesia francesa lutou ferrenhamente contra tais arbitrariedades, reivindicando seus direitos básicos que precisavam ser respeitados. A revolução na França estava assim formada. Os populares procederam à tomada da Bastilha [19], mas, somente em 26 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional Constituinte aprovou a célebre Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, inspirada na Revolução Americana de 1776 e na filosofia iluminista (a qual se deve o desenvolvimento das teorias do direito natural), trazendo à tona uma trilogia retumbante dos princípios "Liberdade, Igualdade e Fraternidade". Este foi um marco crucial no histórico dos direitos humanos, porque representou a plena divulgação deles para amplos lugares do globo.

Serviu de base a Declaração Universal oriunda da Revolução Francesa para as legislações que lhe sucederam. Depois dela, outros numerosos documentos referentes à exaltação dos direitos do homem foram surgindo já na fase histórica atual.

Diante da calamidade causada pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o mundo foi sacudido por uma onda de prevenção dos direitos humanos. Os atos pungentes cometidos pelos nazistas, todos praticados em nome do Estado, deixou toda a humanidade em alerta para os excessos estatais sobre a individualidade das pessoas.

Tanto que ainda em 1945, por meio da assinatura da Carta das Nações Unidas, fundou-se a ONU, organismo responsável pela conservação da paz, da solidariedade e da tolerância internacional. À ONU restou o dever de elaborar uma declaração humanitária conforme o anseio urgente do Pós-Guerra, assim o fazendo em 1948.

Enquanto isso, no Brasil, a história dos direitos humanos sempre se viu intimamente ligada ao seguimento da evolução constitucional. A Constituição Imperial de 1824 e as demais Republicanas (1891, 1934, 1937, 1946 e 1988), no que consiste ao trato desses direitos, foram pilares nacionais de mera conscientização (de costume, produzidos como elemento preambular e/ou introdutório), coadunados às práticas e manifestações exteriores. Breve exemplo da afirmativa anterior é o fato gerador da promulgação da Lei Maria da Penha [20].

Consoante este entendimento, data vênia, o apego ao constitucionalismo é registro concreto da influência dos direitos essenciais sobre o ordenamento jurídico brasileiro. Quanto esse aspecto presente na Carta Magna em vigor, diz-se que:

A Constituição de 1988 veio para proteger, talvez tardiamente, os direitos do homem. Tardiamente, porque isso poderia ter se efetivado na Constituição de 1946, que foi uma bela Constituição, mas que, logo em seguida foi derrubada, com a ditadura. É por isso que Ulisses Guimarães afirmava que a Constituição de 1988 era uma "Constituição cidadã", porque ela mostrou que o homem tem uma dignidade, dignidade esta que precisa ser resgatada e que se expressa, politicamente, como cidadania. [21]

Por hora, é prudente recordar que o mais importante e mais recente artefato de defesa dos direitos humanos contemporâneo, em status mundial, é a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.

1.3 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS DE 1948

Teve como sujeito precursor a Carta de São Francisco [22], de 1945, mais conhecida como a Carta das Nações Unidas. Esta Carta destacou-se pelo pioneirismo na fixação do DIDH e na fundação da ONU, além de ser-lhe creditada a dádiva da colocação dos direitos fundamentais como máxima no jus gentium. Colaborou através da preparação do terreno para maiores reflexões do DIDH, efetivou a elaboração da norma proibitiva de guerra [23] e participa também como integrante da Carta de Direitos Humanos das Nações Unidas (juntamente com a Declaração de Direitos Humanos de 1948 e os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos e Culturais de 1966).

Três anos depois do advento da Carta, em 1948, é aclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a contemporânea Declaração Universal dos Direitos Humanos, versão modernizada de documentos anteriores (como a Declaração da França em 1789, da Inglaterra em 1689 e dos EUA em 1791), atendendo aos requisitos humanitários da atualidade. Concedeu sólida autonomia jurídica à questão dos direitos do homem, sendo citada, algumas vezes, sob alcunha de "libelo contra o totalitarismo". [24]

Acerca do seu texto, é salutar o engate da proposição de Rezek, quando preceitua que seu conteúdo "exprime de modo amplo – e um tanto precoce – as normas substantivas pertinentes ao tema, e no qual as convenções supervenientes encontrariam seu princípio e sua inspiração". [25] A Declaração carrega em si uma metodologia revolucionária para o manejo dos direitos humanos.

Há divergências quanto à natureza desse documento. Muitos acreditam se tratar de tratado multilateral ou mera interpretação do conceito de direitos humanos, devido ao seu teor. Apesar de tamanho apreço, a Declaração Universal tem aspecto não-convencional, visto que ela não exala propriamente obrigações para os Estados signatários, e sim determinadas recomendações e definições. Portanto, não corresponde exatamente a uma modalidade de tratado. O mais sensato é que a imputem forma de resolução.

Para Noberto Bobbio, a Declaração Universal de Direitos Humanos retrata muito mais que uma simples resolução. Nela encontra-se embutida toda a expectativa das garantias mínimas para a incolumidade das sociedades futuras. É o que reparamos no seguinte trecho:

Com essa declaração, um sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em princípio, mas de fato, na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado. [...] Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica de que a humanidade – toda a humanidade – partilha alguns valores comuns; e podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente, mas subjetivamente acolhido pelo universo dos homens. [26](grifo nosso)

A Declaração de Direitos Humanos de 1948 condensou as súplicas de inúmeros oprimidos, alicerçou o DIDH, instaurou uma tendência política erga omnes, positivou os direitos da cidadania, respaldou a universalidade dos direitos essenciais, inspirou a redação de várias Constituições, serviu de pano de fundo para manifestações solidárias, etc.

Resgatando de 1789 os ideais de liberté, egalité e fraternité (transcritos já no seu primeiro artigo), a Declaração de Direitos Humanos de 1948 vai mais longe quando repele as discriminações de raça, cor, opinião, sexo e outras que assolam a dignidade dos seres humanos. Propõe que as condições de igualdade e liberdade acompanhem o homem por todas as etapas da sua vivência, proscrevendo quaisquer restrições nesse sentido. Inova ainda ao cuidar de casos de escravidão, servidão, tortura, liames familiares e exploração trabalhista de modo bem específico. Até mesmo o devido processo legal desponta como outra novidade nesse âmbito.

Sua ligação com o direito natural, estipulando este como requisito sine qua non para o equilíbrio humanitário, é mais um ponto a ser observado:

A declaração não esconde, desde o seu primeiro artigo, a referência e a homenagem à tradição dos direitos naturais: "Todas as pessoas nascem livres e iguais". Ela pode ser lida assim como uma "revanche histórica" do direito natural, uma exemplificação do "eterno retorno do direito natural", que não foi protagonizado pelos filósofos ou juristas, - uma vez que as principais correntes da filosofia do direito contemporânea (utilitarismo, positivismo, historicismo, marxismo), mesmo divergindo sobre vários assuntos, todas elas, com pouquíssimas exceções, concordavam quanto ao fato de que o jusnaturalismo pertencia ao passado; mas foi protagonizado pelos políticos e diplomatas, na tentativa de encontrar um "amparo" contra a volta da barbárie. [27]

Estruturalmente, a Declaração de 1948 se revela singela e concisa na divisão dos seus objetivos. De início, o preâmbulo ressalta a proteção aos direitos humanos em todas as suas expressões de liberdade. Ele também rejeita qualquer tipo de tirania e opressão, enaltecendo o desenvolvimento internacional e a cooperação mútua entre diversos Estados Nacionais. Afora isso, o diploma é composto por mais 30 (trinta) artigos, assim repartidos doutrinariamente, segundo José Augusto Lindgren Alves: direitos pessoais (arts. 3º ao 11); direitos das relações sociais (arts. 12 ao 17); direitos civis e políticos (arts. 18 a 21); direitos econômicos, sociais e culturais (arts. 22 a 27); e direitos da comunidade internacional (arts. 28 e 29). [28]

1.4 CARACTERÍSTICAS, GERAÇÕES E SISTEMAS DE PROTEÇÃO

Da maneira como são declarados culturalmente, os direitos humanos expõem uma série de qualidades que os diferenciam do restante dos direitos comuns. Tal distinção é de enorme importância, pois eleva os direitos humanos a um alto escalão hierárquico, onde se desfruta de proteção e notoriedade social. De cunho puramente doutrinário, os direitos humanos fundamentais revestem-se de determinadas características, dentre as quais cabe sublinhar: historicidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade, inviolabilidade, interdependência, efetividade, complementaridade, imprescritibilidade e universalidade. Tais condições são "universalmente válidas, a que se agrega o postulado antropológico, que vê no homem não um cidadão da Cidade de Deus ou (como no século XIX) do mundo histórico, mas um ser natural". [29]

De antemão, a historicidade é determinante que se apregoa não só aos direitos humanos como também a tantos outros direitos, uma vez que ambos perfazem todo um ciclo temporal próprio. Para exemplificar esse fato, os direitos do homem nascem em meio às oposições revolucionárias, sofrendo mutação com a sequencia da história e chegando ao nosso século da forma como os consultamos na Declaração Universal de 1948. Os direitos universais não podem ser objeto de abdicação, porquanto são irrenunciáveis a qualquer título. Alguns direitos fundamentais, como a liberdade de expressão ou de locomoção, podem até não serem exercidos efetivamente, mas jamais o indivíduo poderá abrir mão deles bem como colocá-los em disponibilidade. Por isso, são tidos, comumente, como inalienáveis, não-passíveis de negociações ou cessões, devido a seu caráter substancial. Terminantemente invioláveis por serem combatidas todas as transgressões contra suas premissas. Já são interdependentes esses direitosporque não se sujeitam a recursos para a sua real aplicabilidade. Consideram-se efetivos por haver mecanismos coercitivos para a garantia deles. A complementaridade provém da impossibilidade de isolamento interpretativo dos direitos humanos, isto é, o entendimento desses direitos deve ser complementado por um conjunto de apontamentos diversificados. Os direitos essenciais ainda são tidos como imprescritíveis, porque não desaparecem se deixarem de ser exercidos num certo decurso de prazo.

Particularmente, a característica da universalidade (que expande a abrangência dos direitos humanos a todos os indivíduos indiscriminadamente), uma das mais peculiares marcas dos direitos humanos, vem figurando como alvo de estridentes controvérsias.

Impacta com esse universalismo a vertente do relativismo cultural ou simplesmente do culturalismo, na qual se sugere a aceitação de motivações regionais sobre a influência exercida pelos direitos humanos, dirimindo, assim, a aplicação geral dos mesmos. Consoante o partido relativista, os direitos mínimos do homem não devem ser mantidos como universais, aplicáveis a toda e qualquer situação, mas sim contemplados de acordo com a variedade conceptiva de cada modelo de sociedade. Dessa forma, para os relativistas, os direitos dos homens ficam condicionados ao setor cultural de cada povo, podendo ser deduzidos distintamente em diversas partes da esfera internacional.

Alguns peritos imputam pretensões mercantilistas, cristãs e europeias disfarçadas pelo intento universalista, que, segundo eles, visa forçar as outras culturas a aceitar tradições que lhe são estranhas.

Os direitos humanos, em verdade, na luta pela afirmação de relações internacionais realmente pautadas pela afirmação dessa categoria de direitos, devem ser a expressão do front de reação ao localismo globalizado. Trata-se de pensar que, se tomados não no sentido universalista a eles atribuído pelo Ocidente, mas em seu sentido multicultural, podem servir de cultura contra-hegemônica em face dos desvarios dominadores dos ocidentais expansionistas de suas ideologias de seus mercados, de seus imperialismos. [30]

Eis aí o pano de fundo do dilema universalismo versus relativismo: os direitos humanos, efetivamente ocidentais, poderiam enquadrar também o Oriente em prol da universalidade? Deste ponto provém a polêmica sobre a tendência de homogeneização cultural: o Ocidente tenciona compelir, sob justificativas universalistas, as culturas orientais a acatar sua ideologia com propósitos humanitários ou globalizadores? Tal preocupação é paradoxal e dela derivam conflitos geopolíticos de grande magnitude, como os ataques de 11 de setembro de 2001 [31] e a incansável batalha norte-americana contra o terrorismo. Em resposta às dúvidas concernentes ao universalismo/relativismo, surpreende-nos o consenso e a ponderação:

Um grande obstáculo a ser superado, talvez o maior, para se conseguir uma mais ampla aceitação dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos, é o que se refere à assertiva de que, esta dialética humanística é uma concepção originariamente nascida no ocidente e, conseguintemente, não espelharia a realidade dos países orientais. Não há dúvida, é cediço, de que esta visão tutelar do ser humano tem como berço o mundo ocidental. A fonte única e primária das idéias de liberdade individual, democracia, direitos humanos bem como outras prerrogativas do gênero é, irretorquivelmente, o ocidente ou, mais precisamente, a Europa. Isto não permite se inferir, contudo, que as demais nações não devem adotá-las e reforçá-las apenas por este motivo. Este tipo de rivalidade e preconceito, infelizmente, tem sido muitas vezes o grande fator inibidor da adoção de um sistema cosmopolita de proteção ao ser humano que auferisse ressonância universal. O que demanda, conseqüentemente, sua incontinente eliminação, em prol da própria humanidade, que ruma para o terceiro milênio sequiosa da consolidação de um mundo mais justo, apoiado na harmonia entre os povos. [...] O que acarretará, é o que se espera, uma maior predisposição à tolerância por parte dos diferentes povos no que toca o ideal de proteção à dignidade humana em todas as suas facetas. Para que, enfim, possa ser estabelecido, definitivamente, um código comum de normas, que galgue aceitação em todas as nações, que viria a proporcionar uma proteção mais eficaz dos direitos inerentes à pessoa humana, independentemente de sua linhagem racial. [32](grifo nosso)

A partir dos processos de multiplicação e de diversificação (especificação) dos direitos humanos, teve origem uma nova divisão dessa estirpe de prerrogativas em gerações dimensionais. De tão decisivas que são essas gerações, elas orientaram até o loci estratégico de cada dispositivo da Declaração Universal, carregando sobre si impressões históricas e principiológicas (trilogia francesa anteriormente citada). Assim, a primeira geração dos direitos básicos equivale a direitos civis e políticos, onde "se diz que todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança" [33], que constituem os bens mais essenciais para a sua sobrevivência. Também denominada de gênero dos direitos humanos clássicos, a primeira geração resta sustentada por apoio iluminista-liberal. Em sede da segunda geração, estão os direitos econômicos, sociais e culturais, fundados por linhagens socialistas, tem a ver com o acesso à saúde, à educação, às ciências e ao bem estar no trabalho. A terceira geração, por seu turno, qualifica-se por tratar de direitos a uma nova ordem internacional, sugestão do período Pós-Segunda Guerra Mundial, roga por uma zona de contatos pacíficos e solidários entre os povos. Agrega os direitos ao desenvolvimento, ao patrimônio comum e ao meio ambiente. Por último vem uma nova categoria, produto da contemporaneidade, conhecida como a quarta geração de direitos das futuras sociedades, mais voltada para o avanço dos biodireitos e direitos tecnológicos.

É indubitável a vulnerabilidade que se impregna aos direitos do homem. Mesmo com os vastos atributos elencados logo atrás, os direitos humanos se demonstram frágeis e bem suscetíveis de violações. Com o fito de sanar esta lacuna, empregam-se meios capazes de sanar os riscos que recaem sobre eles. A proteção internacional dos direitos humanos incorpora forma de mecanismos globais e regionais. Eis uma exígua consideração sobre ambos:

A Proteção Internacional dos Direitos Humanos apresenta dois mecanismos de proteção: o global e os regionais. O global é o sistema da organização das Nações Unidas (ONU); os sistemas regionais são: o Sistema Africano (Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos – 1981), o Sistema Árabe (Carta Árabe dos Direitos Humanos – 1994, até o momento só ratificada pelo Iraque), o Sistema Europeu (Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais – 1950) e o Sistema Interamericano (Convenção Americana de Direitos Humanos – 1969). [34]

Em virtude disso, torna-se cediço o caráter descentralizado das medidas protetivas dos direitos humanos, de sorte que a implementação do sistema pode ocorrer por diversos métodos, dependendo do ponto de vista do órgão protetor. A estrutura de proteção global, de encargo da ONU, incorre sobre problemas de fluxo geral, ou seja, sobressai-se perante falhas que abalam genéricas extensões. Pari passu, os sistemas regionais perpetram ações voltadas para a localização exclusiva de onde deflui cada ofensa. Tanto um como o outro sistema tem atividade profícua, podendo se completar reciprocamente de acordo com cada circunstância.

1.5 PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO

Consiste numa propensão da moderna política atendida pelas correntes humanitárias. É marcha definitiva na história dos direitos humanos e de sua aceitação no terreno universal. Toma notabilidade com o declínio da antiquada (para não chamar de anacrônica) exclusividade estatal na personificação de sujeitos internacionais.

Através da admissão do ser humano como ente de direito internacional, adotou-se nova postura em face das relações externas. Isso não apenas significou a concessão da faculdade de litigância em nível mundial, mas ainda valorizou a frágil dignidade humana e impulsionou o motor da internacionalização. O término da Segunda Grande Guerra concomitante com as raízes da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 foram componentes importantes desse processo evolutivo. "Entre as principais características do processo de internacionalização dos direitos humanos, que se consolidou efetivamente após 1945, estão: 1) o estabelecimento do princípio da dignidade da pessoa humana como referencial axiológico a ser respeitado por todos os Estados; 2) a limitação da soberania estatal". [35]

Muitas vezes, o poderio do Estado é utilizado como justificativa para a prática de agressões aos direitos humanos da população. Clássica amostra desse fato é a violação do direito à vida de pessoas não-pertencentes à raça ariana, bruscamente cultuada pelas chefias nazistas da Alemanha. A equiparação do indivíduo humano num dos pólos da relação internacional, conferindo-lhe autonomia para tanto, serviu de artifício limitador das vontades do Estado soberano. Há um benéfico progresso nesse sentido, porquanto assegura a plena observância dos direitos ditos essenciais à humanidade.

Já não funciona como absoluta a soberania do aparelho estatal, uma vez que o respeito à dignidade pessoal serve de base para a fiscalização do desempenho dos Estados, ficando estes, inclusive, submetidos a medidas de responsabilização. Praticamente fica estatuído, portanto, que o Estado é agente zelador dos direitos básicos da sua respectiva sociedade, e não instituição suprema e opositora a tal campanha.

Melhor abordagem sobre a questão da internacionalização e da colocação de óbices à atuação do Estado será discorrida mais para frente. Até aqui, basta constatar todas as exposições anteriormente relatadas.

1.6 PERSPECTIVAS

De 1945 aos dias atuais, os direitos humanos têm vivido um incomparável progresso histórico, jamais antes imaginado em qualquer outra ocasião. A cada passagem do tempo, as questões que envolvem sua alçada vêm conquistando, sistematicamente, ainda mais espaço, à medida que aumenta a preocupação com a efetividade dos mesmos, seja esta formal (consubstanciada em aparato legal de garantias) ou material (reconhecimento popular dos direitos humanos no mundo prático).

A sociedade moderna pende a uma melhor agilidade na seara dos direitos humanos, pois se tornou comum a recorrência das massas às fórmulas de reivindicação dos seus direitos. A crescente disponibilidade de informações e a fertilidade da expressão popular, aliadas com o senso de justiça e a demanda por proteção, são fatores pontuais que prestigiam essa órbita dos direitos do homem. As bandeiras levantadas em nosso tempo acerca dos direitos à liberdade, à honra, à privacidade, ao lazer, à saúde e à educação são algumas das mais rotineiras provas de tal realidade.

Embora haja este avanço, concomitantemente persistem frequentes contestações à legítima concretude dos fins norteadores dos direitos humanos. Por mais que estes aparentem segura autenticidade, os manifestos "humanitários" deixam a desejar quando disfarçam intenções diferentes daquelas originariamente preceituadas. Isto é, quando encobrem proveitos estranhos à sua natureza, o usufruto dessas prerrogativas é tido como contrário à legalidade. Os direitos fundamentais não podem servir como escudo para práticas ilícitas, nem tampouco argumento para isentar ou reduzir responsabilidades alheias [36]. Há um déficit social que acentua o aspecto, qual seja:

O paradoxo da contemporaneidade é o paradoxo de uma sociedade obsessivamente preocupada em definir e proclamar uma lista crescente de direitos humanos, e impotente para fazer do plano de um formalismo abstrato e inoperante esses direitos e levá-los a uma efetivação concreta nas instituições e nas práticas sociais. [37]

Violações aos direitos humanos sempre existiram em todas as civilizações, de modo até vertiginoso, muito antes da aparição da própria Declaração Universal, porém sendo a partir dela tratadas como tais, em sede do uso de meios legais para sua adequada perquirição. Ao mesmo tempo em que se refina a opressão às violações humanitárias, posiciona-se o indivíduo como sujeito jurídico de direito internacional. Este é outro fato que merece ser repisado defronte do vantajoso passo dado nesta área. O insigne pensador Noberto Bobbio exprime parecer lenitivo a esse respeito, ipsis verbis:

É fato hoje inquestionável que a Declaração universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, colocou as premissas para transformar os indivíduos singulares, e não apenas os Estados, em sujeitos jurídicos de direito internacional, tendo assim, por conseguinte, iniciado a passagem para uma nova fase do direito internacional, a que torna esse direito não apenas o direito de todas as gentes, mas o direito de todos os indivíduos. Essa nova fase do direito internacional não poderia se chamar, em nome de Kant, de direito cosmopolita. [38]

Os direitos humanos compreendem metas a serem perseguidas em ânimo constante. São intermináveis os seus contrastes e as súplicas por seu auxílio. Sem titubearem, os mecanismos de proteção humanitária devem permanecer atuantes e se adaptar aos novos anseios que vão surgindo. Neste esforço, é preciso trabalhar a conscientização coletiva e a mobilização dos setores sociais. Devemos atentar para o futuro esperado pela humanidade, cuja pretensão sacia as garantias fundamentais de bem estar, conquanto o alcance deste rumo venha cercado de intensidade obstante. Fixar a cerne dos direitos humanos para pô-los em prática é um bom começo para isso.

Busca-se do mundo jurídico, quanto aos direitos humanos, não deixá-los isolados ou confinados na língua das leis, mas conduzi-los a uma perspectiva de materialização. Melhor dizendo, a uma efetividade prática dos Direitos Humanos e, para tanto, apontando, necessariamente, ao universal e popular, opondo-se a "todo caráter ideal abstrato". [39]

O fato é que, mesmo com tanta retórica em sua volta, não há ainda um consenso quanto à doutrinação dos direitos humanos, ficando estes, muitas vezes, restritos às entrelinhas do papel. Este é outro principal problema que precisa ser solucionados pelo direito internacional.

1.7 DIREITOS HUMANOS COMO OBJETO DE INTERVENÇÕES

Em momento anterior, frisamos que os direitos inatos ao homem se estendem a todos os povos indistintamente, sem resquícios de discricionariedade alguma. De fato, a vida humana em todos os seus petrechos é primada, com feição absoluta, pelo Direito, que estima métodos para um devido resguardo. Esta é uma verdade compactada pelas novas ondas que segmentam os compartimentos modelares dos Estados de Direito, cujos postulados remontam à honra da dignidade mínima dos indivíduos.

[...] se todo Direito – como afirmou Cícero – há de ser constituído por causa do homem, então, os princípios da juridicidade, do respeito à dignidade e liberdade humanas devem ser garantidos. Desse modo, onde quer que tudo isso seja cumprido, sempre poderemos encontrar um autêntico Estado de Direito. [40](grifo nosso)

A universalidade dos direitos humanos assume enorme relevância, uma vez que confirma que simples critérios de nacionalidade, antes de qualquer coisa, são subordinados ao estado da espécie. Por isso, esses direitos universais sobrepõem-se até aos símbolos maiores da soberania jurídica dos Estados: as suas Constituições ou leis que lhe sejam similares. Dessa forma, estas têm o condão de adequar seus respectivos ordenamentos jurídicos de acordo com a aragem dos diplomas de direitos humanos. O não cumprimento desse ajuste legal poderia acarretar ultraje à própria humanidade. O controle de constitucionalidade é um dos concretos efeitos do ajuste referido e deve se pautar à luz do princípio pro homine [41]. Neste sentido, o Estado Democrático de Direito terminou incorporando "na sua estrutura político-institucional os Direitos Fundamentais do Homem ao mesmo tempo em que os concebeu como elemento que o caracteriza como tal". [42]

Sob a ótica dessa premissa, os direitos humanos ultrapassaram as fronteiras dos Estados, partindo para um brioso grau de excelência. Na realidade, todo direito intrínseco ao homem é anterior às organizações políticas, não existindo em função do Estado [43]. A democracia compreende apenas uma condição preestabelecida para o respeito aos direitos humanos. É do contexto in focus que provém ações das intervenções interestatais para a perfeita execução da finalidade humanitária. Destarte, no mundo sem fronteiras da atualidade, onde os direitos humanos entram em maciço destaque, os limites soberanos dos Estados quedam-se maleáveis no tocante à realização de projetos maiores e mais necessários, assim como a consecução das prerrogativas individuais.

São, portanto, os direitos embutidos ao homem um objeto (ou até mesmo uma condição existencial) para os impulsos intervencionistas. A natureza humana fala mais alto que meros padrões limítrofes de soberania, quando se presencia um atentado grave contra pessoas inocentes. Será dada maior especificidade à matéria com o decorrer dos próximos capítulos.

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Sobre o autor
Wendell Carlos Guedes de Souza

Bacharel em Direito, Bacharelando em Administração, Auxiliar da Procuradoria Jurídica do Município de Rio Tinto/PB e ex-estagiário do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Wendell Carlos Guedes. A questão das intervenções humanitárias diante da nova ordem internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3064, 21 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20472. Acesso em: 23 dez. 2024.

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