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O direito de greve e a responsabilidade face aos serviços essenciais no Brasil

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4.3 A Responsabilidade Penal

O Art. 15 da Lei de Greve trouxe explicitamente que os atos ilícitos penais terão suas responsabilidades apuradas pelo Código Penal brasileiro. Dito isto, é preciso salientar que o sindicato não comete delitos, somente o trabalhador e os dirigentes, visto que a responsabilidade criminal tem caráter individual. Todavia, o cometimento de um delito não afasta o sindicato de uma possível responsabilização na esfera cível.

Entretanto, é preciso relembrar que o Código Penal de 1940 nasceu sob a influência das Constituição de 1937, que no parágrafo único do Art. 139 considerava a greve e o lockout recursos antissociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional. Como já fora exposto neste estudo, algumas Constituições taxaram a Greve como delito e talvez por associarem este movimento à situações de cerceamento de liberdade dos trabalhadores, atos violentos, manobras e especialmente a não representação dos interesses estatais, ou seja, dos governantes, parece lógica a criação de um título alusivo aos crimes contra a organização do trabalho, o Título IV.

O caráter penal da greve ganhou força nas constituições e legislações seguintes: em 1964 fora instituída a Lei 4.330, aprovada durante a ditadura militar, que trazia em seu artigo 29º de forma inflexível: “Além dos previstos no Título IV da Parte Especial do Código Penal, constituem crime contra organização do trabalho […]”. O Decreto-Lei nº 1.632 de 1978 proibiu a greve nas atividades essenciais, ainda no período da ditadura, reforçando mais uma vez as sanções penais em seu artigo 3º. A Constituição de 1988, embora tenha reforçado a liberdade sindical, o livre direito de greve, somente existindo a proibição expressa para as Forças Militares, deixou claro que os abusos sujeitam os responsáveis às penas da lei. Para Arouca (2008, p.47), a greve foi delito; hoje é quase direito potencializado pela Constituição, mas restringido duramente pela Justiça do Trabalho, que, na leitura do art. 14 da Lei nº 7.783, impõe sua cessação, com o julgamento do dissídio, ainda que não resolva o conflito coletivo.

O Título IV do Código Penal prevê alguns delitos que, em geral, se relacionam com a greve, segundo Süssekind (2001, p.491): Art. 197 – atendado contra a liberdade de trabalho; Art. 200 – paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem; Art. 202 – invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola ou sabotagem.

O art. 200 do Código Penal tipificava como crime contra a organização do trabalho “participar de suspensão ou abandono do trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa”; delito, também, “participar de suspensão ou abandono coletivo do trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo”; da mesma forma, “invadir ou ocupar estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com o mesmo fim de danificar estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor” (AROUCA, 2008, p. 46).


4.4 A Responsabilidade nos Serviços Essenciais

Como observado por todo estudo, a greve perante os serviços essenciais ganha uma certa notoriedade devido seu alto grau de relevância face a sociedade, devendo aqueles serem assegurados, tal forma que o abuso de greve nesta situação pode conduzir à paralisação da vida socioeconômica, quando não expõe a vida dos cidadãos ao perigo ou condições vexatórias, ferindo o princípio da dignidade humana.

Os serviços considerados essenciais não podem ser totalmente paralisados, pois envolvem diretamente a garantia de direitos civis. São eles: transportes públicos, hospitais, empresas de energia elétrica, saneamento básico, assim como policias e bombeiros, entre outros. Ao aderir a este tipo de movimento, de forma total ou em desacordo com a lei, os trabalhadores podem incorrer em abuso do direito de greve, trazendo à coletividade prejuízos, muitas vezes irreparáveis. (SOARES, 2010, p.1).

O Comitê de Liberdade Sindical da OIT tem considerado legítima a proibição da greve nos serviços políticos, nos hospitais, nos serviços de abastecimento de água, nos serviços de controle de vôo e nos serviços de segurança industrial. Contudo observa-se em seu verbete 396 que “quando o direito de greve haja sido limitado ou suprimido em empresas ou serviços considerados essenciais, os trabalhadores devem gozar de uma proteção adequada”, o que aduz a necessidade de compensar os trabalhadores pelas restrições impostas à sua liberdade de ação durante os conflitos ocorridos nesses serviços ou empresas.

Esta compensação não se vislumbra no direito brasileiro, como também esta rigorosa proibição de serviços. No Brasil o que prevalece é uma maior rigidez de procedimento para instaurar um movimento grevista face as atividades ou serviços essenciais. Ademais, a realidade sócio-econômica não tem contribuído para as categorias de trabalhadores efetivamente se submeterem aos limites impostos por lei para a greve, a exemplo da supracitada paralisação dos Policiais Militares de forma a pressionar o Governo Federal a aprovar uma PEC, mesmo sendo aqueles proibidos de exercer este direito; como não tem sido oportunizado aos trabalhadores naqueles serviços inseridos uma maior proteção como orienta o Comitê de Liberdade Sindical.

Portanto, a medida para a responsabilização perante os serviços essenciais no Brasil está direcionada a uma maior rigidez e apuração do procedimento legal, dando margem para a decretação da abusividade da greve na menor falha cometida pelo sindicato e pela categoria para deflagrar uma greve.

[...] observa-se que havendo greve envolvendo serviços ou atividades essenciais e nesta não forem obedecidas as regras concernentes a continuidade das atividades essenciais e necessárias à sociedade, deverá ser a greve considerada abusiva e, portanto ilegal, dando azo à contratação por parte do empregador de força laboral suplementar para atender serviços necessários à garantia da continuidade dos serviços e atividades de interesse publico consideradas essenciais, sob pena, de o Poder Público intervir, por força do disposto no art. 12 da Lei de Greve (N. MARTINS, 2008, p.2).

Basicamente, a responsabilização ocorre de forma similar aos serviços comuns, no entanto a rigorosidade assevera-se, visto que os artigos 9º e 11º da Lei 7.783 exigem o manutenção destas atividades mesmo com a greve seja deflagrada em conformidade com os procedimentos legais e estatutários.

A Lei supracitada traz duas situações de serviços inadiáveis: aqueles cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, especialmente daqueles necessários para a retomada das atividades da empresa quando cessada a greve; aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, ou seja, os que não atendidos, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, de acordo com Süssekind (2001, p.471).

Como cediço, o fato de serem serviços inadiáveis, até pelo atendimento do principio da continuidade, que diz respeito a Administração Pública, não importam em vedação do direito de greve, devendo o sindicato e os trabalhadores assegurarem o funcionamento daqueles em turnos emergenciais.

A Lei nº 7.783, no art. 11, foi incisiva: “ Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir durante a greve a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, que a teor do parágrafo único são aquelas que sendo desatendidas colocam perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”. Os serviços e atividades inadiáveis foram traçados num rol exaustivo constante do art. 10, constituindo responsabilidade comum do sindicato profissional e dos empregadores ou de sua entidade de classe. Consequência do dissenso, segundo o art. 12 da lei, é a atuação do Poder Público, que assegurará a prestação dos serviços (AROUCA, 2008, p.48).


5. CONCLUSÃO

É fundamental reconhecer que o direito de greve é um patrimônio inegável dos trabalhadores, é uma garantia expressa na Constituição Federal, visando, desde sua origem histórica, proporcionar chances às partes hipossuficientes de pleitearem por melhores condições de trabalho. Todavia, como fora visto no decorrer deste estudo, a greve passou de autotutela para direito fundamental, ganhou “status” constitucional e ganhou expressa regulamentação na iniciativa privada, que sempre fora efetiva empregadora, portanto palco de longos embates. Entretanto, com o surgimento do Estado Democrático de Direito e as inúmeras constituições ao longo do globo, uma gama de serviços foram tomados pelo Estado e este passou a ter uma maior intervenção na ordem social, absorvendo diversas obrigações, além do poder coercitivo e de sanção, tornando-se, sem dúvida, o maior empregador existente, instaurando o funcionalismo público, cujo direito de greve surgiu de forma bastante tímida e continua assim.

É cediço que com a evolução do próprio Estado e da própria Administração e o crescimento das sociedades, diversas atividades passaram a ser consideradas estritamente essenciais, a exemplo do poder de polícia e da segurança pública, quando a ausência de qualquer uma destas poderia provocar uma situação de caos imensurável, bastando, a título de exemplo, imaginar, hoje, uma cidade sem iluminação por apenas alguns dias, levando-se a um alto grau de insegurança social, depois a uma comoção e por fim um conflito direto, visto que o Estado, que tomou para si, seria o responsável por manter sem pausas este serviço, cobrando inclusive taxas, sem aqui adentrar nas temáticas pertencentes ao Direito Tributário e Administrativo.

E desta mistura de greve, oriunda da relação de emprego, Estado como maior empregador e as atividades essenciais, protegidas pelo princípio da continuidade e do maior interesse coletivo, somado ao funcionalismo público, com seu tímido direito, não restaria dúvidas que tornaria-se uma das maiores controvérsias quer doutrinária, quer jurisprudencial, mas acima de tudo prática, presente e nos holofotes de qualquer sociedade civilizada, mencionando ainda a questão de responsabilidade pelo abuso ou cometimento de atos ilícitos perante o exercício do direito de greve.

Contudo, a situação ganhou proporções maiores quando a máquina, o Estado, começou a inchar, perdendo o controle sobre as atividades que exerce, criando disparidades remuneratórias, dentre outras consequências, a ponto de ver-se obrigado a permitir que a iniciativa privada adentrasse em seu véu de obrigações, envolvendo-a, também, nesta lide, por assim dizer.

Dentre os grandes pontos divergidos, este trabalho se manteve focado na ilegalidade dos movimentos grevistas em face das atividades essenciais, que, em tese, eram exercidas pelos funcionários ou empregados públicos, até que a iniciativa privada adentrasse, como observado no parágrafo anterior.

Assim, muito se falou sobre o direito de greve daquela categoria, perpassando este estudo sobre as questões da ausência de norma reguladora, auto aplicabilidade, a não permissão de exercer a greve até que a norma específica fosse editada, dentre outras barreiras que foram superadas quando se percebeu que estes trabalhadores não poderiam ser prejudicados pela morosidade legislativa, quando, então, o STF saneou temporariamente a questão com os votos sobre mandados de injunção propostos por sindicatos representativos dos servidores em foco. Como resultado passou-se a adotar a mesma lei de greve da iniciativa privada por analogia aos funcionários públicos. Desta feita, em tese, o funcionalismo público teve seu direito de greve formalizado desde que respeitasse parâmetros e procedimentos daquela lei sob pena de ilegalidade.

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Todavia, dentre todos os parâmetros previstos na legislação alguns especialmente protegem a continuidade das atividades e serviços essenciais, sendo a atenção a estes o mais contundente daqueles parâmetros. Pode-se observar um grande número de decisões, no sentido da ilegalidade dos movimentos, oriundas dos tribunais pelo país hodiernamente. Esta contundência é justamente outro grande ponto de divergência entre doutrinadores, juízes, tribunais e principalmente os servidores, pois, além da ausência de um consenso, o rol de atividades previstas na lei de greve é exemplificativo (art. 10º), abrindo espaço para que outros serviços, originalmente não essenciais, sejam entendidos como tal a depender da situação fática ou do interesse “coletivo” camuflado pelo da Administração.

Logo, critica-se quando um movimento é julgado abusivo de plano sem analisar as peculiaridades e motivos deste, enumerando sem maior aprofundamento atividades como essenciais, prendendo-se a mero formalismo, com claro intuito de cercear este direito em pró de interesses políticos, cantados como coletivos.

Por outra via, a questão do abuso de greve e da responsabilização por cometimento de atos ilícitos no decorrer de uma greve, seja face aos serviços essenciais ou não, torna-se cada vez mais importante, visto que o direito de greve não é absoluto, menos ainda parante esta atividades inadiáveis para o bom funcionamento da sociedade e da manutenção da ordem pública. É notório que por todo o trabalho de pesquisa fora defendido o exercício de greve para todas as categorias, seja privada ou pública, ora, desde que não afronte à paz social, a segurança, saúde e nem traga demasiado prejuízo para terceiros ou os próprios empregadores, pois o foco do movimento é a negociação. De que vale conquistar melhorias laborais se os atos expressam retorno à barbárie e violência, sendo que esta última configura-se grande e descontrolada num país como o Brasil.

Não resta dúvida que os trabalhadores continuam sendo a parte desfavorecida nesta medição de força, ao passo de que a greve continua não atingido seu real motivo de equalizar as negociações, provocando insatisfação com a legislação, logo algumas categorias provocam movimentos, remetendo-se mais uma vez a autotutela, como fizeram os militares e bombeiros em exemplo citado durante o texto, não levando em consideração se seriam ilegais ou não, como a única forma de pleitear direitos, ante as grandes disparidades remuneratórias do país. Desta feita não basta o fato de certos trabalhadores atuarem em atividades essenciais para que seja decretada a ilegalidade, deve o julgador analisar a situação como um todo, visando equilibrar direitos e princípios, utilizando-se do bom som e da proporcionalidade.

Em um país como o Brasil, devido suas extremas disparidades, não se pode simplesmente proibir a greve e responsabilizar o sindicato e os trabalhadores pela simples deflagração de um movimento perante uma atividade essencial, pois as questões de fato social por muitas vezes os colocam em situações de grande desvantagem que a dignidade humana dos mesmos é posta em prova. Este sopesamento é necessário até mesmo para decretar a responsabilidade daquela categoria, no que tange os aspectos trabalhistas e civis, não valendo este raciocínio para a esfera penal, visto que não parece razoável cometer um delito com fundamento na própria greve.

Portanto, é preciso reiterar a necessidade de se analisar o fato ensejado antes de decretar a greve ilegal, cabendo ao julgador um verdadeiro bom senso e uma interpretação sistemática da legislação, da realidade em si, visto a situação de extrema disparidade, de ordem especialmente remuneratória e de condições humanas de trabalho, no Brasil. Não se deseja sobrepor aqui o interesse privado sobre coletivo, oferecer força para um determinado princípio, colocar o direito de greve acima do bom funcionamento dos serviços inadiáveis, nem preferir o caos social acima do bem estar de um ou de outro grupo. A grande conclusão deste estudo se encontra na verdadeira necessidade de se balancear, equilibrar, forças e realmente o direito de greve cumprir o seu real objetivo, abrir espaço para negociações pacificas, ao passo que os abusos e atos ilícitos indesejáveis também sejam coibidos na forma da lei.

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Sobre o autor
Luiz Gustavo de Oliveira Ramos

Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FaSe, Faculdade Estácio de Sergipe, 2013, Aracaju (SE). Especialista em Docência no Ensino Superior pela FaSe, 2009. Graduado em Direito pela FaSe, 2011. Graduado em Sistemas de Informação pela UNIT, Universidade Tiradentes, 2005, Aracaju (SE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Luiz Gustavo Oliveira. O direito de greve e a responsabilidade face aos serviços essenciais no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3065, 22 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20474. Acesso em: 7 mai. 2024.

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