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Prescrição em matéria de benefício previdenciário

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6.2 A REGULAÇÃO INFRALEGAL

Sem poder inovar as normas legais, os instrumentos normativos tentaram repetir de forma mais clarificante os dispositivos dos diplomas legais ou de força de lei. Todavia, devido à reinante confusão acerca dos institutos, as normas abaixo das leis (infralegais) ampliaram ainda mais a tumultuosa e equivocada disciplina sobre o tema.

Quanto aos regulamentos já revogados, os quais eram veiculados mediante decretos do Presidente da República, cumpre destacar o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, o qual era o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, sendo teoricamente subordinado às normas da Lei nº 3.807/90 com alterações posteriores, a qual formava a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS).

Como a Previdência era dividida em urbana e rural, existia tratamento específico, quanto à prescrição e à decadência, para benefício previdenciário urbano e rural. Assim, existiam duas passagens, no corpo do Decreto, cuidando do tema prescricional. Dessa maneira, havia a parte dos artigos 270 a 273 tratando de prescrição de benefícios referentes à Previdência Urbana. Já o artigo 330 e parágrafos ocupavam-se de prescrição de benefícios de natureza rural.

Convém transcrever os artigos 270 a 273, os quais dão uma noção clara de como a matéria era disciplinada:

Art. 270. Aplicam-se ao INPS os prazos de prescrição de que goza a União, ressalvado o disposto nos artigos seguintes.

Art. 271. Não prescreve o direito do beneficiário as prestações, observado o disposto no artigo 11.

Art. 272. Prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data em que começaram a ser devidas, as mensalidades ou os benefícios de pagamento único.

Parágrafo único. Não prescreve o direito a aposentadoria ou pensão para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, mesmo após a perda da qualidade de segurado.

Art. 273. A prescrição deve ser declarada, em qualquer instância, pelo órgão julgador que a verifique, não podendo, uma vez declarada, ser relevada.

Como visto, esse regulamento apresentava uma inovação à LOPS, porquanto corretamente asseverava, em seu artigo 270, que se aplicava “ao INPS os prazos de prescrição de que goza a União”, fazendo algumas ressalvas. Todavia, essas exceções à regra geral incorriam nos erros referidos nos tópicos anteriores, não se fazendo o devido tratamento técnico sobre a matéria. Tudo retornava à obscuridade de antanho. Com efeito, os artigos 271 e 272, apesar de aludir à prescrição, do ponto de vista técnico-jurídico, cuidavam de decadência.

De fato, o artigo 271 asseverava: “Não prescreve o direito do beneficiário às prestações, observado o disposto no artigo 11”. Por seu turno, esse artigo 11 dizia: “A perda da qualidade de segurado importa na caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade”. Nota-se aí, mais uma vez, a confusão, a não distinção, a indiferença entre prescrição e decadência, pois o termo caducidade é sinônimo de decadência, que, a bem da verdade, no dispositivo acima mencionado, não traduz, não significa, não equivale nem à prescrição nem à decadência, visto que se erige requisito para configuração de um direito, não tendo nada que ver com a perda de um direito ou de uma pretensão à reforma do ato administrativo pela inação do interessado.

Por outra banda, no que diz respeito à Previdência Rural, o tema era tratado pelo mencionado artigo 330, o qual rezava o seguinte:

Art. 330. O direito aos benefícios não prescreve, mas prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data em que começaram a ser devidos, as mensalidades ou o pagamento único dos benefícios.

§ 1º A aposentadoria e a pensão do segurado empregador rural para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos não estão sujeitas a prescrição, mesmo após ter o empregador rural perdido a qualidade de segurado.

§ 2º A prescrição deve ser declarada, em qualquer instância, pelo órgão julgador que a verifica, não podendo, uma vez declarada, ser relevada.

Aqui todo o disciplinamento era decadencial, apesar de, repita-se mais uma vez, a norma falar em prescrição.


6.2.1 O DECRETO Nº 3.048, DE 6 DE MAIO DE 1999

O atual tratamento regulamentar de matéria de benefício previdenciário é dado pelo decreto em epígrafe. Pois bem, no que tange a benefícios decorrentes de acidente de trabalho, o artigo 35 repete, sem nada acrescentar, as disposições da Lei nº 8.213/91, de lamentável elaboração.

Já os artigos 347 a 349 trazem algumas novidades, além da repetição das disposições normativas da Lei nº 8.213/91. O preceito do artigo 37, §2º, embora implicitamente, chancela o instituto da coisa julgada administrativa, o qual é diretamente imbricado com o da prescrição. Com efeito, tal preceptivo regulamentar tem a seguinte redação: “Não é considerado pedido de revisão de decisão indeferitória definitiva, mas de novo pedido de benefício, o que vier acompanhado de outros documentos além dos já existentes no processo”. Portanto, o dispositivo passa a ideia de uma decisão final imodificável.


6.2.2 DEMAIS NORMAS DE MENOR HIERARQUIA

As normas previdenciárias são expressas por arsenal muito vasto de preceitos inferiores hierarquicamente ao Decreto nº 3048/99, havendo portarias ministeriais, memorandos-circulares, orientações normativas e instruções normativas, além de pareceres e notas específicos.

No entanto, instrumento normativo de grande utilização no INSS são as instruções normativas, que atualmente vêm consolidadas numa só, incorporando todo o disciplinamento infrarregulamentar. Na verdade, esse é o manual do servidor do INSS, que o utiliza em suas decisões do dia-a-dia.

Atualmente, tem vigência a Instrução Normativa nº 45, de 6 de agosto de 2010, publicada no Diário Oficial da União em 11 de agosto de 2010, a qual já sofreu modificações por instruções normativas posteriores, podendo ser vista consolidada no sítio eletrônico <http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/inss-pres/2010/45.htm>. Nesse instrumento normativo, o tema prescricional e também decadencial é tratado de forma orgânica nos artigos 517 a 520, havendo também várias disposições esparsas sobre a matéria.

Nessa parte orgânica ou sistemática, a mencionada instrução normativa consagra regra de imprescritibilidade, ao dizer, em seu artigo 441, que até 27/6/1997 não havia prazo para o administrado ajuizar ação judicial almejando rever os critérios de concessão de um benefício previdenciário. Desse modo, se uma pensão houvesse sido concedida em 1967, o beneficiário poderia, até 2007, pedir a revisão do ato de concessão para, por exemplo, tentar majorar a renda inicial do benefício. Portanto, embora tivesse passado quase meio século, poder-se-ia contestar um ato administrativo de quatro décadas. Tudo isso haurido de decisões jurisprudenciais que albergavam o dogma da imprescritibilidade em matéria de benefício previdenciário.

Tal entendimento vai de encontro, evidentemente, aos mais basilares princípios da Ciência Jurídica, como o da segurança, o da estabilização das relações jurídica e no próprio sentido de justiça, haja vista que volver fatos ocorridos há mais de quarenta anos pode retratar realidade totalmente diversa da que realmente ocorreu.


6.3 A INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL

O clamor social para concessão de benefício previdenciário, traduzido pelo brocardo in dubio pro misero, tem feito com que a jurisprudência tenha a propensão de conferir interpretação mais favorável ao segurado ou beneficiário do Regime Geral de Previdência.

Vários tribunais firmaram posição adotando a imprescritibilidade. Como interessante exemplo, menciona-se o do Tribunal Federal da Quinta Região, sediado em Recife/PE, o qual esboçou a pacificação de sua jurisprudência, plasmando o seguinte entendimento, consoante se nota na ementa do julgamento da Apelação e do Reexame Necessário nº 1049/PE - 2008.83.00.011225-1 (BRASIL, 2010):

Em se tratando de prestações de trato sucessivo, o prazo prescricional renova-se a cada mês pela omissão do pagamento, não começa a correr da data do ato ou fato que originou o direito, a prescrição só abrange as parcelas anteriores ao lustro anterior à data do ajuizamento da demanda.

O argumento do não pagamento foi generalizado naquele tribunal para justificar a imprescritibilidade, em vários julgados, de pretensão a benefício previdenciário. A bem da verdade, aquela corte de justiça asseverava a prescritibilidade da pretensão à reforma do ato de indeferimento, mas tal nunca se configurava, porquanto mês a mês o prazo era reiniciado pelo não pagamento, que era a lesão ao direito do interessado.

Dessa maneira, o raciocínio era o seguinte: como a maioria dos benefícios previdenciários implica pagamento de parcelas, mês a mês, a lesão ao direito do demandante reside justamente na ausência de pagamento. Logo, todo mês, o prazo prescricional se iniciaria, pois haveria lesão a direito do interessado.

Esse argumento, concessa venia, não tem sustentação, do ponto de vista da lógica jurídica. A questão, sob o enfoque lógico e mesmo hermenêutico, deveria ser feita da seguinte maneira: havendo ato administrativo desfavorável, qual o prazo que o administrado tem para revertê-lo no âmbito judicial?

Ora, há um prazo determinado, após o seu término, prescreve a pretensão para a reversão. Não se discute o não pagamento ou pagamento a menor, mas o ato administrativo que negou o benefício ou que calculou a renda do benefício de maneira diversa do entendimento do requerente. Uma coisa não se confunde com a outra. Um ato administrativo, perfeitamente delimitado no tempo, é a causa do não pagamento ou do pagamento a menor, e não o contrário. E esse ato administrativo é a decisão final do processo administrativo, onde são feitas essas conclusões.

De fato, não existe fundamento sério para considerar o não pagamento ou pagamento a menor como início do prazo prescricional. O início do prazo de prescrição acontece com a ciência do indeferimento do benefício ou do cálculo equivocado da renda mensal inicial4, e não com a ausência do pagamento ou pagamento a menor. O não pagamento ou pagamento a menor é mero efeito do ato administrativo que teria calculado erroneamente o valor a ser pago. Não tem nenhuma relação com prazo de prescrição.

Apesar de não ser possível concordar com os argumentos do Tribunal da Quinta Região, relativamente a ter o não pagamento como causa incessante de lesão5 ao direito do segurado, é imperioso deixar claro que tal jurisprudência tem um ponto técnico, que é considerar uma lesão como início do prazo prescricional.

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Já o Tribunal Federal da Primeira Região tem afirmado que há imprescritibilidade de benefício previdenciário. Contudo não fundamenta tal posição, somente assevera que há prescrição quinquenal, talvez entendendo que isso seja suficiente para justificar por que não haveria prescrição do “fundo de direito”. Apenas diz que há prescrição das parcelas. São muitos julgados nesse sentido, o que poderia fundamentar a edição de uma súmula naquela corte. A ementa do julgamento do Recurso de Apelação Cível 2008.01.99.063293-6/MG (BRASIL, Tribunal Regional Federal da Primeira Região, 2009) dá uma precisa ideia desse entendimento:

PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. PRESCRIÇÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. IDADE MÍNIMA. TERMO A QUO. TUTELA ANTECIPADA DEVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. VERBA HONORÁRIA.

1. Tendo a ação sido ajuizada depois de passados mais de cinco anos do indeferimento do benefício, houve a ocorrência de prescrição qüinqüenal.

2. Demonstração simultânea do início de prova material e da prova testemunhal acerca do exercício das atividades rurícolas da parte autora.

3. Atendidos os requisitos indispensáveis à concessão do benefício previdenciário - início de prova material apta a demonstrar a condição de rurícola e faixa etária -, é devido o benefício de aposentadoria por idade (arts. 55, § 3º, e 143 da Lei 8.213/91).

4. Havendo nos autos prova da existência de prévia postulação administrativa, e estando satisfeitos os requisitos para a concessão do benefício já naquela data, tal deve ser o seu termo inicial.

5. Correta a sentença no que se refere à antecipação da tutela requerida, pois se vislumbram, na hipótese, nos termos do art. 273 do CPC, a verossimilhança das alegações e, ainda, o fundado receio de dano irreparável, por se tratar de verba de caráter alimentar, considerando que restou comprovado pela autora o seu direito à aposentadoria.

6. Correção monetária aplicada nos termos da Lei n° 6.899/81, observando-se os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, incidindo desde o momento em que cada prestação se tornou devida.

7. Juros de mora mantidos em 1% ao mês, a partir da citação quanto às prestações a ela anteriores, em sendo o caso, e da data dos respectivos vencimentos no tocante às posteriormente vencidas.

8. Verba honorária mantida em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, incidindo somente sobre as parcelas vencidas até o momento da prolação da sentença (Súmula 111/STJ).

9. Apelação provida.

10. Remessa oficial parcialmente provida

Por seu turno, o STJ não tem enfrentado diretamente a questão, porquanto a Procuradoria do próprio INSS já se dobrou a tal compreensão, havendo no bojo de peças padrões apenas indicação de argumentos atinentes à famosa prescrição quinquenal. Daí por que a matéria não é suscitada em sede de Recurso Especial àquele tribunal, responsável pela uniformização da interpretação da legislação federal. Todavia, veem-se alguns julgados, de datas mais remotas, dando pela imprescritibilidade com fundamento na Súmula 163 do extinto Tribunal Federal de Recursos, a qual deu origem à Súmula 85.

Já o Supremo Tribunal Federal (STF), manifestando-se em julgados anteriores à Carta de 1988, havia adotado posição em defesa da prescritibilidade. Nota-se isso pela ementa do Recurso Extraordinário nº 111.965-9 – Rio de Janeiro, cujo voto vencedor não conheceu do recurso por entender que o julgamento de origem, prolatado pela Oitava Câmara do Tribunal de Alçada Cível do Estado do Rio de Janeiro, o qual decretou a prescrição da ação que visava à conversão da aposentadoria previdenciária em acidentária, não contrariava a Súmula 230 do próprio STF. Essa Súmula, como já transcrita alhures, dizia que a prescrição da ação de acidente do trabalho conta-se do exame pericial. A singela ementa (BRASIL, 1987) desse julgado é a seguinte: “Ementa: - Conversão da aposentadoria previdenciária em acidentária. Prescrição. Relevância rejeitada. Inocorrência de divergência com a Súmula 230. Recurso extraordinário não conhecido”.

Impende destacar que a edição da própria Súmula 230 definia a posição do STF pela prescritibilidade.

Os demais Tribunais adotam a imprescritibilidade com fundamento na Súmula 85 do STJ, bem como no contraste entre prescrição de fundo de direito e prescrição de parcelas, que será objeto de discussão à frente.

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Sobre o autor
Raimundo Evandro Ximenes Martins

Procurador Federal em Sobral (CE). Especialista em Direito Público com enfoque em Direito Previdenciário pela UnB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Raimundo Evandro Ximenes. Prescrição em matéria de benefício previdenciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3080, 7 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20572. Acesso em: 25 abr. 2024.

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