Capa da publicação Portador de deficiência: a igualdade no mercado de trabalho e o dever do Município
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O dever constitucional do Município em garantir, ao trabalhador portador de deficiência, as prestações materiais necessárias para exercício do direito de igual oportunidade no mercado de trabalho

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11/12/2011 às 13:22
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Notas

  1. Entenda-se como tal a Biologia, a Psicologia e a Medicina.
  2. BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas, p. 103 – 104. O autor não desconhece a controvérsia existente sobre a utilização da noção de direito subjetivo, neste campo. Todavia, considera que "inexiste qualquer fundamento doutrinário que impeça a aplicação plena dos elementos e atributos do conceito clássico de direitos subjetivos ao Direito Constitucional", p. 104.
  3. Não obstante a grande divergência terminológica referida à pessoa deficiente, adotamos a presente, uma vez que a mesma consta do Texto Constitucional de 1988.
  4. ARAUJO, Luiz Alberto David et all. Curso de Direito Constitucional, 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 272.
  5. Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, p. 151.
  6. Idem, ibdem, p. 151.
  7. Idem, ibdem, p. 1121.
  8. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p. 274.
  9. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, p. 532.
  10. Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:(...) XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; (...)
  11. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 47.
  12. Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006.
  13. Pinçou-se apenas este objetivo, dentre os elencados nos demais incisos do art. 203, da CF/88, em função de sua referência direta ao objeto do presente trabalho.
  14. Ressalte-se que, para fins de criação de fontes de custeio diversas das prescritas no art. 195, não se pode perder de vista o § 4° do mesmo artigo, que faz remissão ao art. 154, I, da CF/88, cujo texto atribui a competência tributária residual à União Federal. Assim, toda nova fonte de custeio especificamente destinada para as ações de assistência social, primeiramente, deverá ter a natureza jurídica de contribuição social (sob pena de incidência do art. 167, IV, 1ª parte, da CF/88) e ainda, deverá ser criada pela União. Estas diretrizes, todavia, não afasta a possibilidade de utilização, pelos vários entes federativos, de recurso orçamentário de natureza diversa e sem destinação legal específica para as ações de assistência social, dentre elas a de habilitação e reabilitação de pessoa portadora de deficiência.
  15. Ressalte-se, que o direito à saúde também se encontra sob a estrutura da seguridade social e prescrita no art. 196, da CF/88. Na decisão prolatada nos autos do AgRE 271.286-8/RS, o STF entendeu que o art. 196 da CF/88 tem aplicabilidade imediata, pois obriga o Poder Público a tomar as providências necessárias para que seja plenamente viabilizado o direito à saúde. No mesmo sentido, a decisão proferida no AI 238.328/RS, o STF entendeu que o acórdão agravado pelo Município estava em consonância com o art. 196, da CF/88, uma vez que este impõe responsabilidade ao Município para as prestações à saúde. Na decisão em tela, entendeu-se que o termo Estado constante do art. 196 abrange todos os entes federados, inclusive o Município. O reconhecimento do direito subjetivo à saúde supõe afirmar que as pessoas podem exigir o reconhecimento judicial do mesmo, perante o Poder Judiciário.
  16. Indaga-se: por meio de políticas públicas – assim entendidas como um "padrão de conduta (standard) queassinalauma meta a alcançar" (cfr.BUCCI, Maria Paulo Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 253) ou a qualquer tempo e de modo não condicionado à formulação daquelas? Parece acertado entender que, imposto o dever de cumprimento pelo Estado, a ele cabe identificar a melhor e mais racional forma de prestação do referido dever. Certamente que, por meio de políticas públicas, o Estado planificará o atendimento e alocará os recursos de maneira racional. Todavia, esta prestação coletiva, se não implementada pelo Poder Público, não pode ser impeditivo para a exigência individual do direito à prestação, perante o Poder Judiciário. O mesmo raciocínio aplica-se às garantias para as pessoas portadoras de deficiências, o Estado – aí incluído o município – tem o dever de prestá-la. A forma por meio da qual adimplirá o dever não condiciona o exercício do direito por seu titular. Certamente que a melhor forma é a formulação de um programa de ação que planifique o agir, racionalize a aplicação de recursos humanos e materiais, diminua custos, etc. Mas, a ausência deste programa de ação estatal não pode impedir que o indivíduo bata às portas do Poder Judiciário frente a uma situação de inadimplemento do dever constitucional.

  17. A dependência do exercício do direito fundamental à igualdade de oportunidade para o acesso ao trabalho, pelo trabalhador portador de deficiências, às garantias que deverão ser viabilizadas pelo Município e demais entes federativos somente reafirma o contido na Declaração de Viena (1993), em seu parágrafo quinto, in verbis: "5. Todos os Direitos do homem são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional tem de considerar globalmente os Direitos do homem, de forma justa e equitativa e com igual ênfase. Embora se devam ter sempre presente o significado das especificidades nacionais e regionais e os antecedentes históricos, culturais e religiosos, compete aos Estados, independentemente dos seus sistemas político, económico e cultural, promover e proteger todos os Direitos do homem e liberdades fundamentais." (destaques nossos). Sobre a interdependência dos direitos humanos de liberdade e de igualdade, consultar: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 2000.
  18. Note-se que Loeweinstein alerta que: "La clasificación de una constitución como normativa, nominal o semántica no podrá ser hecha a partir del texto (…)se hace necesario en cada caso adentrarse en la realidad del proceso del poder" (LOEWENSTEIN, Kart. Teoría de la Constitución. p. 219)
  19. Karl Loewenstein considera que "el criterio del analisis ontológico radica en la concordancia de las normas constitucionales con la realidad del proceso del poder. Su punto de partida es la tesis de que una constitución escrita no funciona por sí misma una vez que haya sido adoptada por el pueblo, sino que una constitución es lo que los detentadores y destinatarios del poder hacen de ella en la práctica" ( Idem, p.217)
  20. Particularmente entendemos que o caso seria de eficácia e não de validade, mas este último foi o critério utilizado pelo autor, no texto.
  21. LOEWENSTEIN, Kart. Teoría de la Constitución, p. 223.
  22. Ibdem, p. 227.
  23. Segundo Konrad Hesse, "A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada presente ser concretizada na realidade. Essa pretensão de eficácia (Geltungsanspruch) não pode ser separada das condições históricas de sua realização, que estão, de diferentes formas, numa relação de interdependência, criando regras próprias que não podem ser desconsideradas. Devem ser contempladas aqui as condições naturais, técnicas, econômicas e sociais. A pretensão de eficácia da norma jurídica somente será realizada se levar em conta essas condições. Há de ser, igualmente, contemplado o substrato espiritual que se consubstancia num determinado povo, isto é, as concepções sociais concretas e o baldrame axiológico que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas. Mas, - esse aspecto afigura-se decisivo – a pretensão de eficácia de uma norma constitucional não se confunde com as condições de sua realização; a pretensão de eficácia associa-se a essas condições como elemento autônomo. A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que um simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente das forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social" ( pp. 14-5). E continua o autor: "A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia" (HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição (Die Normative Kraft der Verfassung). Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed. 1991, p. 16).
  24. No acórdão do RE 198265 constam as seguintes considerações do Ministro Celso de Mello: "O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional."
  25. "A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado."(...)

    "O sentido de fundamentalidade do direito à saúde – que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.

    "Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais - que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, Poder Constituinte e Poder Popular, p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) -, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição."

    "Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante."

    Ressalte-se que, especialmente tratando de direitos fundamentais relativos à saúde, o STF, em ações individuais, faz pouca aplicação da teoria da reserva do possível. Na Petição 1246, o Ministro Celso de Mello assevera: "Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida". No RE 342413/ PR, a Relatora, Ministra Ellen Gracie assevera que "obstáculo de ordem burocrática ou orçamentária (...) não podem ser entraves ao cumprimento constitucional que garante o direito à vida". No mesmo sentido, a decisão proferida no RE 195192/ RS, na qual o Ministro Marco Aurélio considera que "problemas orçamentários não podem obstaculizar o implemento do que previsto constitucionalmente". No AI 537237/PE, o Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, decidiu que "a falta de prévia dotação orçamentária não serve como justificativa para inviabilizar o direito".

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    Na ADPF n. 45, não obstante ter sido considerada prejudicada por perda do objeto, o direito à saúde foi afirmado, mas o Ministro Celso de Mello fez uma análise sobre a "reserva do possível", a limitação de recursos e dos custos dos direitos, bem como o controle judicial sempre condicionado ao inadimplemento do direito. Sobre a forma de decidir e fundamentar as decisões relativas a direitos fundamentais de educação e saúde, consultar: LIANG WANG, Daniel Wei. Escasses de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In site: http://repositories.cdlib.or/bple/alacde/050207-16, consultado em 21/11/08.

  26. Montesquieu. O espírito das leis. Apresentação de Renato Janine Ribeiro; tradução de Cristina Murachco. 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 196, 170, 131, 75, 39.
  27. Cfr. PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. 2ª ed., São Paulo: RT, 2003.
  28. MOUSINHO, Ileana Neiva. Efetivação dos direitos fundamentais mediante ação civil pública para implementar políticas públicas. In O MPT como promotor dos direitos fundamentais. Coord. Sebastião Caixeta el all. São Paulo: LTr, 2006.
  29. KRELL, Andréas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Ed. 2002, p. 22-23.
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Sobre a autora
Dâmares Ferreira

Advogada. Professora universitária. Mestre em Direito e doutoranda em Direito Constitucional pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Dâmares. O dever constitucional do Município em garantir, ao trabalhador portador de deficiência, as prestações materiais necessárias para exercício do direito de igual oportunidade no mercado de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3084, 11 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20577. Acesso em: 26 abr. 2024.

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