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Locke e a propriedade como direito fundamental

18/12/2011 às 13:26
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Aponta-se a semelhança entre os conceitos de contrato social e poder constituinte originário e a tese em Locke da inalienabilidade dos direitos inerentes a liberdade e propriedade.

Resumo: O presente trabalho procura demonstrar alguns pontos de contato entre conceitos criados pela doutrina filosófico-política do contratualismo e o aproveitamento destes conceitos (idéias) pelo constitucionalismo que floresce na Europa e América nos séculos XVII e XVIII. Os reflexos do ideário contratualista encontram-se não só na doutrina constitucionalista, mas também positivados em vários textos constitucionais, nacionais e estrangeiros. As questões aqui suscitadas são pontuais, não tendo o objetivo de esgotar o assunto.

Palavras-Chave: Locke e propriedade e direito fundamental.

Sumário. 1. Concepção dos Direitos fundamentais enquanto "cláusulas de bloqueio". 2. Contratualismo e constitucionalismo. 3. Locke e o direito à propriedade. 4. O direito de propriedade e os reflexos no constitucionalismo. 5. Conclusão. 6. Bibliografia.


1. Concepção dos Direitos fundamentais enquanto "cláusulas de bloqueio"

Dentre os vários contornos que ganham os direitos fundamentais, um é de amplo reconhecimento, justamente aquele que faz com os mesmos sejam enxergados como componentes ou garantias mínimas de que deve gozar o indivíduo enquanto ser politicamente inserido. Sob este particular aspecto, eles dão garantia a personalidade individual, que não pode ser suprimida pela sociedade politicamente organizada em estruturas de poder.

De certa maneira, os direitos fundamentais, principalmente os individuais, colocam o indivíduo em posição de antagonismo com o Estado, dão a ele a particularidade necessária para o desenvolvimento de sua personalidade. Exemplo disso é a necessidade de se gozar da mais ampla possível possibilidade de exprimir suas idéias, por meios variados. Por isso, é parte essencial na organização do modelo constitucional não só a previsão da estrutura fundamental do Estado, mas também a previsão de garantias do indivíduo que se insere naquela estrutura.

Por conta desta característica, visivelmente vislumbrada nos direitos fundamentais individuais, justamente a característica que lhes dá a feição de constituírem garantia do indivíduo contra o próprio poder do Estado, o eminente Gilmar Ferreira Mendes os denomina de "cláusulas de bloqueio". [01]Como se formassem uma estrutura envolvente do indivíduo e não permitissem a interferência do poder do Estado em relação àquilo que apenas diz respeito ao titular daquelas prerrogativas. Como se estabelecessem os limites da individualidade.

Na obra já mencionada, o mesmo Gilmar Ferreira Mendes, assevera:

"Essa concepção de direitos fundamentais – apesar de ser pacífico na doutrina o reconhecimento de diversas outras – ainda continua ocupando lugar de destaque na aplicação dos direitos fundamentais. Essa concepção, sobretudo, objetiva a limitação do poder estatal a fim de assegurar ao indivíduo uma esfera de liberdade. Para tanto, outorga ao indivíduo um direito subjetivo que lhe permite evitar interferências indevidas no âmbito de proteção do direito fundamental ou mesmo a eliminação de agressões que esteja sofrendo em sua esfera de autonomia pessoal. " [02]

A intangibilidade deve ser acrescida a já reconhecida universalidade, imanência e incondicionamento dos direitos fundamentais. É característica própria sua, se considerarmos que os mesmos não podem ser violados nem mesmo pelo poder do Estado.

Esse é o sentido da expressão "invioláveis" constante do caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988. Vida, liberdade, propriedade privada, igualdade e segurança jurídica, constituem direitos e garantias individuais que necessariamente devem ser observados pelo poder estatal quando o mesmo está sendo exercitado. Essa observação é estritamente necessária, pois essa modalidade de direitos constituem verdadeiros limites ao poder do Estado.

Essa característica dos direitos fundamentais ficou bem caracterizada na Constituição Federal de 1998, já que foi a primeira constituição brasileira que antes de organizar vertical e horizontalmente o poder, fez antecipar em seu corpo direitos e garantias inerentes ao indivíduo, considerado em seu aspecto particular ou socialmente inserido.

Temos no art. 5º da Constituição direitos, que na quase totalidade, dizem respeito ao indivíduo particularmente considerado, do art. 6º ao art. 11, direitos que garantem um mínimo ao indivíduo, nesse caso, considerado como um ser economicamente ativo, no art. 12 direito fundamental a nacionalidade, sob pena de se abrir a possibilidade de se relegar o indivíduo à apratria e, nos arts. 14-17 a previsão dos direitos políticos, que dão aos indivíduos os fundamentos elementares da cidadania. Apenas a partir do art. 18 é que a Constituição passa a organizar o Estado brasileiro (organização federativa e organização dos poderes). Como se a Constituição dissesse: "antes do Estado, seus elementos mínimos."


2.Contratualismo e constitucionalismo

Em 1641 Thomas Hobbes publica o "De Cive", obra prematura, pois lhe precedem logicamente o "De Corpore" e o "De Homine", mas que cronologicamente vieram depois. A situação do momento teria determinado a inversão das publicações.

Hobbes, como muitos outros na época, foi um teorizador do Estado moderno nascente. Em sua obra o foco principal estava na organização da sociedade e, na estrutura de poder necessária para tanto.

Como Maquiavel, viveu em um momento político conturbado em seu país e, também, como o florentino tinha uma grande preocupação com a estabilidade do poder político. Essa preocupação foi de tal maneira maximizada em sua obra, que pelo método matemático por ele adotado, se chegava a seguinte conclusão: quanto menos poder concentrado no Estado, mais desordem e caos civil/social e, de modo contrário, quanto mais poder, mais ordem. A aplicação desta premissa não podia resultar senão no Estado Leviatã, que para muitos é o símbolo dos Estados Absolutistas europeus do Ancien Regimen.

Inobstante esta questão pontual da obra de Hobbes, concepção que não costuma angariar muitos adeptos, temos um ponto que se tornou lugar comum nas obras de John Locke e J-J Rousseau, além de outros contratualistas. É que Hobbes foi o primeiro a desdizer, para utilizarmos um neologismo, a concepção aristotélica da formação da sociedade, que até a publicação do "De Cive" não encontrava fortes opositores.

Para o grande pensador grego, a formação da sociedade derivava de um impulso inato da alma humana, que é a aptidão natural que o homem tem de viver em sociedade, de agregar-se politicamente. Daí ser intitulado de animal político. De modo que a formação da sociedade é natural, reflete apenas uma condição existente na alma humana, como também é histórica, pois a sociedade política, a Polis (autarquia), é fruto de organizações sociais precedentes historicamente e mais simples (família, tribos e aldeias).

Para o pensador inglês a premissa de Aristóteles era falsa, pois os homens, de acordo com seus ímpetos ou impulsos naturais, nunca tenderiam a agregarem-se politicamente, mas ao contrário, em sua condição natural tenderiam ao a disputa, resultando na guerra de todos com todos. Essa situação é descrita em um estado denominado de "estado de natureza", uma situação hipotética, lógica, a-histórica, onde as pessoas viveriam e agiriam calcadas apenas em seus impulsos naturais, sem qualquer tipo organização social dotada de coerção política. De modo que, apenas por um artifício da vontade, os homens poderiam sair daquela situação natural, do estado de natureza e, ingressarem no que o próprio Hobbes denominou de Sociedade Civil (organização estatal). Apenas por um acordo de todos com todos os homens poderiam construir ou constituir a sociedade política. A formação do Estado seria, por assim dizer, um processo da cultura e não da natureza.

Estado de natureza e Sociedade Civil ou Política, esta premissa é a base argumentativa nas obras de Hobbes e Locke. Os homens saem do estado de natureza e ingressam na sociedade civil por um acordo, pelo menos da maioria.

"Em sentido muito amplo o Contratualismo compreende todas aquelas teorias políticas que vêem a origem da sociedade e o fundamento do poder político (chamado, quando em quando, potestas, imperium, Governo, soberania, Estado) num contrato, isto é, num acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos, acordo que assinalaria o fim do estado natural e o início do estado social e político." [03]

O desenvolvimento do contratualismo será aproveitado pelo movimento constitucionalista em vários pontos conceituais. Há um lugar comum entre vários dos conceitos empregados pelas duas correntes do pensamento.

O movimento constitucionalista, deflagrado pelas duas Revoluções Inglesas do séc. XVII, a "Puritana" e a "Gloriosa", pela independência e posterior organização do Estado norte-americano e pela Revolução Francesa, tem inegáveis pontos de contato com o movimento contratualista lançado por Thomas Hobbes na Europa.

Alguns conceitos estruturantes do constitucionalismo podem, muito bem, ser explicados a partir de conceitos criados, ou pelo menos trabalhados, pelo contratualismo.

Como exemplo destes pontos de proximidade temos o Contrato Social no contratualismo, que seria o pacto de união necessário para retirar os indivíduos do estado de natureza e introduzir-lhes na comunidade civil e o denominado Poder Constituinte Originário, que seria aquele capaz de criar uma nova constituição, estruturando o Estado, por meio da previsão de seus "centros" de poder ou autoridade. As duas expressões reportam-se a fenômenos similares.

Para citar apenas dois dos pensadores que participaram destes dois movimentos da cultura ocidental.

De um lado Hobbes, sobre o conceito de contrato social:

"Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.

...

Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum." [04]

De outra, Lassalle, acerca do conceito de constituição que nasce do denominado poder constituinte originário:

"Se fizesse esta pergunta a um jurista, ele me responderia seguramente em termos parecidos com estes: ´a Constituição é um pacto jurado entre os rei e o povo, que estabelece os princípios básicos da legislação e do governo dentro de um país.` Ou em termos um pouco mais gerais, posto que também houve e há Constituições republicanas: "A Constituição é a lei fundamental proclamada no país, na qual se lançam os cimentos para a organização do direito público desta nação." [05]

Nas duas citações os autores referem-se a mesma situação de fato, ao mesmo fenômeno. [06]

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Este é apenas um dos pontos de contato entre as duas correntes do pensamento [07]. Outro ponto de contato entre elas, é o que nos parece, está na geração da concepção acerca dos denominados direitos fundamentais de primeira geração, notadamente o direito a liberdade e a propriedade privada.


3.Locke e o direito à propriedade

Hobbes, como Maquiavel, ainda estava preocupado com a estabilização do poder, o que era necessário para a formação dos Estados modernos. Por isso, a proposta de Contrato Social por ele reivindicada admite apenas a hipótese de um pacto entre todos os súditos, por meio do qual, todos eles, transferissem todos os seus "direitos" [08] e prerrogativas naturais para o "soberano", de modo que, após a transferência a uma necessária sujeição dos súditos em relação ao soberano. Todos os seus comandos seriam legitimados em decorrência desta transferência total e irrestrita de direitos/prerrogativas naturais.

John Locke irá escrever em um momento posterior a Hobbes, quando já estava muito mais impregnada na sociedade inglesa as reivindicações burguesas, principalmente como classe que almeja o poder político. Os Dois Tratados Sobre o Governo são editados no mesmo ano da Revolução Gloriosa (1689), mesmo ano da edição do Bill of Rights, documento constitucional que garante ao sujeito que não mais poderia ser tributado sem prévia autorização de lei editada pelo parlamento.

Locke irá "beber" em Hobbes, pois adota premissas próximas daquelas lançadas pelo seu antecessor, mas diferentemente de Hobbes, Locke não vê no Contrato Social a possibilidade de os indivíduos transferirem todos os seus "direitos" ou prerrogativas para o Estado (Soberano) que será formado por meio dele.

Isso porque os indivíduos, no estado de natureza, têm alguns direitos que apenas podem ser confirmados pelo Estado e, esses direitos não podem ser alienados pelos indivíduos, já que os mesmos, para Locke, seriam inalienáveis. Direitos inalienáveis não podem ser transferidos por meio de qualquer tipo de pacto, contratos, acordos de vontade.

No livro do Tratado no capítulo V, cujo título é Da propriedade, Locke a primeira premissa de seu argumento: "quer consideremos a razão natural – que nos diz que os homens, uma vez nascidos, têm direito à sua preservação e, portanto, à comida, bebida e a tudo quanto a natureza lhes fornece para sua subsistência – ou a revelação – que nos relata as concessões que Deus fez do mundo para Adão, Noé e seus filhos -, é perfeitamente claro que Deus, como diz o rei Davi (SL 115,61), deu a terra aos filhos dos homens, deu-a para a humanidade em comum." [09]

Há dois fundamentos para a sua primeira premissa acerca do direito de propriedade: um de ordem biológica, pelo qual é uma constante na natureza humana a busca pela sobrevivência, fundamento, aliás muito defendido por Hobbes e, um outro de ordem teológica, baseado em trechos da sagrada escritura e a pesar de gozarem de natureza diversa, os dois fundamentos não se excluem.

A necessidade da razão natural ou o legado divino, apesar de uma primeira comunidade, poderão ser apropriados pelos homens em particular: "...contudo, necessário, por terem sido essas coisas dadas para uso dos homens, haver um meio de apropriar parte delas de um modo ou de outro para que possam ser de alguma utilidade ou benefício para qualquer homem em particular. O fruto ou a caça que alimenta o índio selvagem, que desconhece o que seja um lote e é ainda possuidor em comum, deve ser dele, e de tal modo dele , ou seja, parte dele, que outro não tenha direito algum a tais alimentos, para que lhe possam ser de qualquer utilidade no sustento de sua vida." [10]

E, embora a terra, em um primeiro momento seja comum a todos os homens, deve existir uma base racional para a justificação da apropriação dos bens necessários a sobrevivência e, essa justificativa vem logo a seguir e está no trabalho: "embora a Terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa. A esta ninguém tem direito algum além dele mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos, pode-se dizer, são propriamente dele." [11]

De modo que, tudo quanto seja retirado pelo homem de seu estado natural e aperfeiçoado pelo seu trabalho, a ele pertence, como sendo sua legítima propriedade. E, essa apropriação não depende do consentimento de qualquer outra pessoa. A justificativa disso é a razão natural, que determina a todos procurarem a manutenção de sua sobrevivência. Ou seja, Locke faz ligar um fato natural, necessidade de sobreviver, a uma questão jurídica, atinente a manutenção da propriedade. Como a vida demanda um mínimo de bens apropriáveis, estes passam a integra o próprio conceito de vida.

Quando passa a justificar a instituição do poder político e a tratar de suas finalidades, fica bem claro que o governo é instituído principalmente para a manutenção da vida e da propriedade das pessoas. [12]

E, posteriormente, quando trata dos limites do poder instituído pelo pacto de união, Locke é peremptório ao afirmar que:

"Pois, sendo ele apenas o poder conjunto de cada membro da sociedade, concedido à pessoa ou assembléia que legisla, não pode exceder o poder que tinham essas pessoas no estado de natureza, antes de entrarem em sociedade e cederem-no à comunidade. Pois ninguém pode transferir a outrem mais poder do que ele próprio possui; e ninguém dispõe de um poder arbitrário absoluto sobre si mesmo, ou sobre quem quer que seja, para destruir sua própria vida ou tomar a vida ou a propriedade de outrem." [13]

Nessa passagem fica clara a ligação entre o pensamento de Locke e primeira questão primeira deste trabalho, justamente a concepção dos direitos fundamentais constituindo uma barreira de proteção do indivíduo contra o próprio poder do Estado. Na obra de Locke esse caráter do direito de propriedade e liberdade, é justificado pela sua impossibilidade de transferência ou alienação para o poder político quando do pacto de união.


4.O direito de propriedade e os reflexos no constitucionalismo

Não há dúvidas que o constitucionalismo moderno, aquele surgido em oposição ao absolutismo real nos Estados europeus, teve seus primeiros e fundamentais impulsos dados pelas revoluções inglesas do século XVII, pela Revolução Francesa e pela Independência norte americana. Das revoluções inglesas brotou, principalmente, o Bill of Rights, da Revolução Francesa uma declaração universal dos direitos do homem e uma constituição pós-revolucionária, da independência das treze colônias inglesas, algumas constituições dos novos Estados independes e por fim, a Constituição americana de 1787.

Como primeira garantia da propriedade contra os abusos do poder estatal, podemos mencionar a existência nos novos textos constitucionais que traziam limitações ao poder de tributar, garantia esta, que ainda hoje, constitui parte fundamental de várias constituições.

No Bill of Rights temos previsto expressamente: "que a cobrança de impostos para uso da Coroa, a título de prerrogativa, sem a autorização do Parlamento e por um período mais longo ou por modo diferente do autorizado pelo Parlamento, é ilegal." [14]

A Constituição da Virgínia foi a que trouxe o preceito mais próximo da obra de Locke, como se tivesse inspiração direta dela. O texto era o seguinte e foi apresentado na Convenção da Filadélfia: "1. todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto, privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruição da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de procurar e obter a felicidade e a segurança."

Os termos legais, efetivamente, aproximam-se muito da teoria lavrada por John Locke no Segundo Tratado.

Houve reflexos no constitucionalismo brasileiro, mesmo na Constituição do Império, de nítido feitio centralista em torno da figura do imperador, não escapou ao constituinte originário a previsão de direitos individuais, fato que, aliás, é um dos mais enaltecidos em se tratando da Constituição do Império.

No art. 179 da carta monárquica, vinha previsto que: "a inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:" [15]

Expressões semelhantes ocorreram na Constituição de 1891, em seu art. 72; na de 1934, em seu art. 113; a Constituição de 1937 omitiu no caput do art. 122 a expressão "invioláveis"; a expressão ressuscita no art. 141 da Constituição de 1946; também no art. 153 da Constituição de 1967; na "emenda" de 1969, mantém-se a redação original do art. 153 da Constituição de 1967 e, também a expressão vem consignada no art. 5º, caput da Constituição Federal de 1988.

Em todos esses documentos constitucionais mencionados parece que a inviolabilidade dos direitos individuais decorre de sua inalienabilidade, de modo a excluí-los da discricionariedade do poder público.

Na Constituição de 1988 a mensagem é ainda mais nítida, pois foi a primeira constituição brasileira que antes de organizar os poderes públicos e, logo após a menção aos princípios fundamentais, inaugura suas disposições com aquele previsão constante do caput do art. 5º. É, pois, a mais individualista de nossas constituições e, talvez, a mais social, ao mesmo tempo.


5.Conclusão

Da comparação entre algumas idéias dos contratualistas, aqui utilizando principalmente Locke e Hobbes e, dos conceitos sufragados pelo constitucionalismo, podemos notar alguns pontos de contato conceituais, ou melhor, a idéia de fatos e situações que levam a conceitos semelhantes.

Dois pontos de contato foram aqui apontados: a semelhança entre os conceitos de contrato social e poder constituinte originário e, especialmente, a tese em Locke da inalienabilidade dos direitos inerentes a liberdade e propriedade, com o conseqüente aproveitamento na seara constitucional com a previsão da inviolabilidade destes direitos pelo poder do
Estado.

Esses pontos de contato podem ser encontrados na doutrina estrangeira e nacional acerca dos direitos fundamentais, como também nos textos constitucionais estrangeiros e nacionais.


BIBLIOGRAFIA:

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, São Paulo, Saraiva, 3º edição, 2000.

Constituições Brasileiras, 1824, Volume I/ Otávio Nogueira – Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001.

HOBBES, Thomas. Leviatã: trad. João Paulo Monteiro e Beatriz Nizza Silva, São Paulo, Nova Cultural, 1999.

LASSALLE, Ferdinand. O que é uma constituição? Trad. Hiltomar Martins de Oliveira,Belo horizonte, Editora Líder, 2001.

LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo: trad. Júlio Fischer, São Paulo Martins Fontes, 2ª edição, 2005.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: São Paulo, Saraiva, 3ª edição, 2004.

SCHIlCK, Moritz, Sentido e verificação: trad. Luís João Baraúna, , São Paulo, Abril Cultural, Vol. XLIV, 1ª edição, 1980.


Notas

  1. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: editora Saraiva, 3ª edição.
  2. Ob. cit. p. 4.
  3. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política: imprensa oficial SP, Editora UnB, 12ª edição, pg. 272.
  4. HOBBES, Thomas. Leviatã: trad. João Paulo Monteiro e Beatriz Nizza Silva, Nova Cultural, p. 144.
  5. LASSALLE, Ferdinand. O que é uma constituição?: Belo horizonte, 2004, Editora Líder, p. 37.
  6. Para melhor elucidação do que tentamos dizer, podemos citar um dos líderes do Círculo de Viena: "daqui concluímos que não existe nenhuma possibilidade de entender um sentido sem referir-nos em última análise a definições indicativas, o que implica, em um sentido óbvio, referência à ´experiência ` ou à ´possibilidade de verificação `." (Moritz Schlick, Sentido e verificação: Abril Cultural, Vol. XLIV, 1ª edição, p. 91). Ou seja, os dois conceitos referenciados reportam-se à mesma situação de fato.
  7. Conforme Fábio Konder Comparato: "à época, na Inglaterra, as noções de constituição e de lei fundamental eram de resto complementares. O libelo acusatório contra o rei Jaime II, apresentado na Câmara dos Comuns em 28 de janeiro de 1689, compreendia dois crimes. O primeiro era o de ´haver tentado abolir a Constituição do reino, ao romper o contrato original entre o rei e o povo`." Isso mostra que a visão contratualista estava impregnada nas mentes da época. (A afirmação histórica dos direitos humanos, São Paulo, Saraiva, 3º edição, p. 91.)
  8. Para Hobbes não há qualquer direito civil antes da formação do Estado, a não ser a defesa de sua própria vida. Ou podemos dizer que todos têm direito a tudo, o que constitui a própria negação do conceito de direito.
  9. LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo: trad. Júlio Fischer, Martins Fontes, 2ª edição, p. 405/406.
  10. Ob. Cit. p. 407.
  11. Ob. Cit. p. 407/409.
  12. Ob. Cit., § 134, p. 502. O parágrafo 134 é apenas um dentre vários onde o autor afirma ser a defesa da propriedade privada uma das principais finalidades do governo.
  13. Ob. Cit., § 135, p. 504.
  14. Fábio Konder Comparato, ob. Cit. , pg. 94.
  15. Constituições Brasileiras, 1824, Volume I/ Otávio Nogueira – Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001.
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Sobre o autor
Ricardo dos Reis Silveira

Advogado e professor universitário em Ribeirão Preto (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Ricardo Reis. Locke e a propriedade como direito fundamental . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3091, 18 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20625. Acesso em: 28 mar. 2024.

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