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Poder de fiscalização do CREF sobre a dança, a yoga e as artes marciais, à luz do ordenamento jurídico

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4. A posição do autor

Também concordamos que o sistema CONFEF/CREFs não pode fiscalizar a dança, a yoga e as artes marciais, pois essas atividades não foram expressamente contempladas na Lei nº 9696/98 e não possuem como atividade fim a educação corporal, não podendo o CONFEF, através de meras resoluções, abranger atividades não previstas na lei que regulamentou a profissão.

Devemos lembrar que alguns grandes mestres de artes marciais não eram formados em Educação Física e formaram várias gerações de grandes atletas e professores e seria lastimável se esses mestres não tivessem repassado o seu conhecimento.

O que seria de nossas artes marciais sem Bruce Lee (Kung Fu), a família Grace (Jiu-Jitsu), Jigoro Kano (Judô), Funakoshi (Karatê Shotokan), Shinzato (Karatê Shorin Ryu), Mestre Pastinha (Capoeira), Mestre Bimba (Capoeira) etc.

Não se formam mestres de artes marciais com um ou dois semestres de "Metodologia das Lutas" nas faculdades de Educação Física, sendo necessário um mínimo de cinco anos para se formar um faixa-preta (na maioria das artes marciais) e décadas para se formar um mestre.

É claro que seria melhor para os clientes e para a saúde pública que os professores de artes marciais fossem formados em Educação Física.

Ficaríamos mais tranqüilos se nossos filhos estivessem treinando com um profissional formado na área, por várias razões:

  1. o professor de artes marciais lida com crianças e adultos, devendo ter um mínimo de conhecimento didático-pedagógico para ministrar aulas ou exercícios distintos;

  2. as artes marciais lidam com exercícios moderados e intensos, devendo o professor ter um mínimo de conhecimento sobre Fisiologia para perceber as alterações cardiovasculares e dosar a intensidade do exercício;

  3. é importante que o professor tenha um mínimo de conhecimento de Anatomia e primeiros socorros para prevenir lesões em seus alunos, que são frequentes em qualquer arte marcial;

Acredito, assim, que seria uma boa idéia a exigência da formação em Educação Física para os professores de artes marciais.

Ocorre que nem todos os grandes mestres de artes marciais, por razões várias (falta de interesse, de tempo, de oportunidade etc.), cursariam uma faculdade de Educação Física, o que nos leva à seguinte indagação: a sociedade ganharia um professor de artes marciais com mais conhecimento teórico sobre corpo humano e educação (Anatomia, Fisiologia, Primeiros Socorros, Didática, Pedagogia, Psicologia etc.), mas esse professor possuiria maior técnica na sua arte marcial? É claro que nem sempre!

Mas essa é realmente uma questão bastante complexa, filosófica e de alta indagação!

Entretanto, para que o professor de artes marciais, dança ou yoga seja obrigado a se graduar em Educação Física e a se inscrever no CREF é necessária uma alteração na Lei nº 9696/98.


5. A proteção do livre exercício profissional

Se de um lado a regulamentação da profissão beneficia uma reserva de mercado, prejudica o livre exercício da profissão dos demais.

Discute-se no Congresso Nacional 10 a necessidade de regulamentação de várias profissões, como a de professor de dança, de artes marciais e até a de garçom.

Se regulamentássemos, por exemplo, a profissão de garçom ou a de professor de dança, ficaria mais difícil para certas pessoas exerceram estas profissões.

Uma parte dos parlamentares só concorda com a regulamentação de uma profissão quando for exigido um certo conhecimento teórico ou técnico para o exercício daquela profissão ou quando esta profissão oferecer risco à saúde ou a à segurança (como é o caso do médico, do engenheiro etc.).

Por estas razões, não creio, a princípio, que seja razoável a regulamentação da profissão do professor de dança, pois é mínimo o risco à saúde pública, desde que, é claro, a dança não esteja sendo praticada como atividade física, ou seja, com a finalidade exclusiva de praticar uma atividade aeróbica, emagrecer, cultuar ou modelar o corpo etc., mas tão somente, como uma forma de sentir prazer ou adquirir cultura.

Dessa forma, a regulamentação de qualquer profissão deve ocorrer excepcionalmente, isto é, apenas quando estritamente necessária, sob pena de violar o direito constitucional do livre exercício da profissão.


6. A solução jurídica

O que deve fazer o sistema CONFEF/CREFs se quiser fiscalizar essas profissões (dança, yoga e artes marciais)?

Vimos que não adianta editar resoluções com o intuito de fiscalizar profissões não abrangidas expressamente pela Lei nº 9696/998, sob pena de serem consideradas ilegais pelo Poder Judiciário.

Cabe ao sistema CONFEF/CREFs, primeiramente, estar bem assessorado, ou seja, possuir bons advogados e recorrer até a última instância, no caso, o Supremo Tribunal Federal.

E ainda que o STF negue o recurso dos CREFs, isso não impede que os Conselhos Regionais e o Conselho Federal de Educação Física continuem acionando o Poder Judiciário, até que o STF edite uma súmula vinculante, a qual, no entanto, pode ser revista ou cancelada em algumas situações.

Esta solução, todavia, é custosa, pois o sistema CONFEF/CREFs arcará com honorários advocatícios (próprios 11 e sucumbenciais 12) e custais processuais.


7. A solução política

Solução mais fácil, mas igualmente demorada e custosa, é o lobby dos profissionais de Educação Física junto aos parlamentares do Congresso Nacional para, através da promulgação de lei, incluir no âmbito da fiscalização do sistema CONFEF/CREFs as atividades de dança, yoga e artes marciais.

Essa solução traria maior segurança jurídica, pois a anterior (tentar reverter as decisões judiciais) oferece o risco de os tribunais mudaram o seu entendimento, de acordo com as circunstâncias políticas ou devido à mudança de sua composição (renovação dos membros dos tribunais em decorrência de aposentadoria etc.).

Assim, poderia o CONFEF encaminhar um anteprojeto de lei ao Congresso Nacional para alcançar aquelas profissões que deseja fiscalizar e, em seguida, solicitar audiência com os parlamentares, através de uma comissão do CONFEF, promover campanhas na mídia, conscientizar a população etc.

Sabemos que essa solução, ou seja, a aprovação de um projeto ou anteprojeto de lei, é demorada e depende de influência política ou da força do lobby.


8. A solução ética

Enquanto não sancionada uma lei que exija a fiscalização da dança, da yoga e das artes marciais pelo sistema CONFEF/CREFs e enquanto os tribunais não mudarem de posição, cabe aos CREFs, através de campanhas, palestras, apelo à mídia etc., conscientizar a população a procurar sempre um profissional formado em Educação Física, seja de dança, yoga ou artes marciais; facilitar o ingresso desses últimos nos cursos de graduação em Educação Física, através de entendimento com as universidades; alertar os professores de dança, yoga e artes marciais sobre a ética, sobre os riscos à saúde pública, sobre a formação didático-pedagógica adequada para as crianças etc.

Esta última solução, porém, é de pouca eficácia e surtiria efeito a longo prazo, ou seja, apenas quando a sociedade parasse de procurar professores sem a devida formação em Educação Física e inscrição nos CREFs.


9. CONCLUSÃO

Atualmente, a Lei nº 9.696/98, que regulamentou o exercício da profissão do profissional de Educação Física, não exige que os professores de dança, yoga e artes marciais sejam formados em Educação Física e inscritos nos CREFs, assim como não há qualquer outra lei que faça essa exigência.

Este também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e de todos os Tribunais Regionais Federais do país.

A resolução nº 042/2002 do CONFEF é ilegal na parte em que abrange em seu campo de atuação os professores de dança, yoga e artes marciais, pois estas últimas profissões não foram abrangidas pela Lei nº 9696/98, porquanto, segundo a Constituição Federal, é livre o exercício de qualquer profissão, só a lei podendo restringi-la.

As atividades de dança, yoga e artes marciais não possuem como atividade fim a cultura do corpo ou a educação corporal, mas a busca do prazer, da cultura, de um estilo de vida "relaxado" ou a defesa pessoal.

Deve o sistema CONFEF/CREFs continuar na batalha judicial até esgotar todas as instâncias; encaminhar ao Congresso Nacional anteprojeto de lei objetivando fiscalizar as citadas profissões; promover campanhas para conscientizar a sociedade acerca da importância de se contratar um profissional formado em Educação Física e inscrito no CREF; e procurar, junto às universidades, facilitar o acesso dos professores de dança, yoga e artes marciais aos cursos de Educação Física.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 06/10/2011.

BRASIL. Lei nº 9.696/98. Disponível em: <www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 06/10/2011.

BRASIL. CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. Resolução nº 042, de 18 de fevereiro de 2002. Disponível em: <www.confef.org.br/extra/resolucoes>. Acesso em: 06/10/2011.

FERNANDES JÚNIOR, Ernani Leite. O direito do licenciado em Educação Física ao livre exercício da profissão em quaisquer das áreas de atuação profissional. Parte 2. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2892, 2 jun. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/19230/o-direito-do-licenciado-em-educacao-fisica-ao-livre-exercicio-da-profissao-em-quaisquer-das-areas-de-atuacao-profissional-parte-2>. Acesso em: 6 out. 2011.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 8ª ed., São Paulo, Atlas, 2000.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO, AMS 200638000200431, 7ª Turma, Des. Federal Catão Alves, e-DJF1 DATA:08/04/2011 PAGINA:291, unanimidade.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO, AG 200202010461326, Terceira Turma, Rela. Juíza Valeria Albuquerque, DJ de 02/09/2004.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO, Apelação em Mandado de Segurança 2002.51.01.005940-0/RJ, 5ª Turma Especializada, Des. Federal Antônio Cruz Neto, julgado por unanimidade, em 28 de fevereiro de 2007, publicado no DJ, de 12 de março de 2007, p. 260.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO, 3ª Turma, AC 200361000301798, Rel. JUIZ NERY JÚNIOR, DJF3 CJ1 DATA:28/01/2011 PÁGINA: 481.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, Apelação Cível nº 2003.70.00.003788-9/PR, Relatora Juíza Vânia Hack de Almeida, Publicado em 31.05.2007, unanimidade.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, AMS 2003.72.00.004707-3, 4ª Turma, Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior, publicado em 18/10/2006.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO, Apelação Cível 374785/PE, 3ª Turma, Rela. Desa. Federal GERMANA MORAES (Substituta), Relator Designado Desembargador Federal PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, J. 24.09.2009, DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - DATA: 13/11/2009 - PÁGINA: 81 - ANO: 2009, Decisão por maioria.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 1ª Turma, REsp 1012692 / RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 26.04.2011, DJe 16.05.2011.


Notas

  1. Disponível em: <https://www.confef.org.br/extra/resolucoes/conteudo.asp?cd_resol=82>. Acesso em: 06.10.2011.

  2. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 8ª ed., São Paulo, Atlas, 2000, p. 67.

  3. Cf. FERNANDES JÚNIOR, Ernani Leite. O direito do licenciado em Educação Física ao livre exercício da profissão em quaisquer das áreas de atuação profissional. Parte 2. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2892, 2 jun. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/19230/o-direito-do-licenciado-em-educacao-fisica-ao-livre-exercicio-da-profissao-em-quaisquer-das-areas-de-atuacao-profissional-parte-2>. Acesso em: 6 out. 2011.

  4. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8869539/apelacao-civel-ac-3788-pr-20037000003788-9-trf4/inteiro-teor>. Acesso em 30.03.2001.

  5. Idem.

  6. Idem.

  7. Disponível em:<https://bubishi2010.wordpress.com/2009/02/06/escola-de-artes-marciais-nao-precisa-de-registro-decisao-de-justicia/>. Acesso em: 30.03.2001.

  8. Idem.

  9. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=ARTESMARCIAISCONSELHOEDUCAÇÃOFÍSICA>. Acesso em 06.10.2011.

  10. Segundo matéria publicada no "Jornal Hoje" do dia 05.10.2011.

  11. Devidos aos advogados dos CREFs ou CONFEF.

  12. Devidos ao advogado da parte contrária, quando esta for a vencedora da causa.


Abstract: The objective of this study was to analyze the Federal Council of Physical Education's monitoring right on teachers of dance, yoga and martial arts. Based on the resolution No. 046/2002, from de Federal Council of Phisical Education, this Council insists monitor those professions. However, the resolution violates the Law No. 9.696/98 and the Brazil's Constitution because the Law No. 9696/98, which regulates the profession of physical education professional, did not expressly covered dance, yoga and martial arts in the professional field for physical education. The Law was very inaccurate, failing to specify the professions of dance, yoga and martial arts, offending the principle of legality, according to which the law must be clear, certain, objective, easily understood to their recipients. The Federal Constitution provides that any profession exercise must be free, according to low, that is, only the formal law (originated from de complex act produced by the Legislature and Government) may restrict the exercise of any profession. The Federal Council of Physical Education only may supervise the practice of a profession when it has as a core activity education body, which is not the case of dance, yoga and martial arts. If the Council of Physical Education wants to monitor these professions, should to send a low proposal to Congress and to campaign for the amendment of Law No. 9.696/98. In addition, the Federal Council of Physical Education should try to reverse judicial decisions requesting until the last of the judicial instance and at the same time educate the public to hire teachers of dance, yoga and martial arts graduates and enrolled in Council of Physical Education, warning society about the risks to the public health when the teaching’s service of dance, yoga and martial arts is not provided by a qualified professional.

Key words: dance, yoga, martial arts, professional activity, supervision and Federal Council of Physical Education.

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Sobre o autor
Ernani Leite Fernandes Júnior

Bacharel em Direito. Especialista lato sensu em Direito e Jurisdição pela ESMARN/UNP, com ênfase em Processo Administrativo Disciplinar. Assessor Jurídico do Juízo de Direito da 8ª Vara Criminal da Comarca de Natal. Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Ex-Professor de Direito Administrativo da Escola Penitenciária do Estado do Rio Grande do Norte. Ex-Delegado de Polícia Civil do Estado da Paraíba. Concluinte do Curso de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O autor possuiu artigos publicados no IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), na revista "L & C Revista de Direito e Administração Pública", Ed. Consulex, na revista da Procuradoria do Trabalho da XXI região e livro publicado pela Editora Universidade Potiguar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES JÚNIOR, Ernani Leite. Poder de fiscalização do CREF sobre a dança, a yoga e as artes marciais, à luz do ordenamento jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3092, 19 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20669. Acesso em: 3 dez. 2024.

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