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Os crimes “das fraudes em certames de interesse público”

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A Lei nº 12.550/2011 estabelece novos novos crimes que ofendem a fé pública, a confiança ou a credibilidade necessária dos concursos públicos, vestibulares e exames seletivos de interesse público.

O presente artigo visa a tratar de uma lei recente, a Lei n. 12.550, de 15.12.2011, publicada no Diário Oficial da União do dia 16.12.2011, de vigência imediata, criada para autorizar o Poder Executivo a criar a empresa pública denomina Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), mas aproveitou para inovar no Código Penal e criou o Capítulo V do Título X da sua Parte Especial.

Da forma que ficou na lei, os novos crimes ofendem a fé pública, ou seja, tem por objeto jurídico (o bem do Direito ou o objeto tutelado pelo Direito) imediato, a confiança ou a credibilidade necessária dos concursos públicos, vestibulares e exames seletivos de interesse público. Porém, ainda que mediatamente, a administração pública será sujeito passivo de tais delitos, mormente quando envolverem resultado.

Com a nova lei, o Código Penal foi acrescido do seguinte:

"CAPÍTULO V

das fraudes em certames de interesse público

Fraudes em certames de interesse público

Art. 311-A. Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:

I - concurso público;

II - avaliação ou exame públicos;

III - processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou

IV - exame ou processo seletivo previstos em lei:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput.

§ 2º Se da ação ou omissão resulta dano à administração pública:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 3º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o fato é cometido por funcionário público".

É um crime de tipo anormal porque contém um elemento subjetivo, um especial fim de agir ou um dolo específico em si, que é "com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame". Outrossim, atento ao art. 18, parágrafo único, do Código Penal, posso afirmar que se trata de crime doloso, pois não há a previsão da modalidade negligente. Desse modo, a simples falta de zelo, a omissão ao dever de cuidado, não será suficiente para transformar a conduta em relevante para o aspecto jurídico-criminal, embora possa ter relevâncias jurídicas para outros ramos do Direito (laboral, civil, administrativo etc.).

Há um elemento normativo no tipo, que é o "indevidamente", o que reforça a anormalidade do tipo. Aliás, já afirmei alhures que a classificação dos tipos em normais e anormais é um equívoco, sendo que, por oportuno, transcrevo um pouco da crítica:

"O excesso de classificações, às vezes, ao contrário de levar a algum resultado proveitoso, apenas confunde, razão pela qual considero excessiva a concepção apresentada em muitos manuais acerca da classificação quanto à completude da norma, o que obrigaria a falar em tipo fechado (norma fechada), tipo aberto (norma aberta), norma em branco em sentido estrito e norma em branco em sentido amplo, pois existem aqueles que pretendem encontrar distinções inconciliáveis entre tais espécies, quando se pode verificar que a diferença está apenas na perspectiva de quem faz a classificação". [01]

O elemento normativo do tipo é aquele que exige a análise de outra norma jurídica para a sua compreensão. Desse modo, como todo tipo exigirá, ante o caso concreto, analisar a conduta – se dolosa ou negligente -, bem como complementação normativa. Digo que todo tipo, a rigor, será anormal e toda norma será em branco. [02]

O núcleo do tipo – aquilo que exprime a conduta proibida – é composto e alternativo, ou seja, o crime poderá ser praticado por mais de uma conduta típica (existem dois verbos que exprimem as condutas proibidas), mas não se exigirá as duas condutas para a sua concretização, bastando uma delas.

É um crime comissivo, embora possa ser praticado por conduta omissiva de garante (art. 13, § 2º, do Código Penal). O dispositivo legal nupercitado, em regra, não precisará ser examinado porque tratar-se-á de crime formal, ou seja, de consumação antecipada ou precipitada. Assim, ante o caso concreto, a consumação estará no momento da conduta, independentemente de resultado.

Os vestibulares e processos seletivos para ingressos em cursos de pós-graduação, ainda que não venham a ser realizados por instituições públicas, estarão abrangidos pelo dispositivo legal (incs. III e IV), haja vista que não se trata de crime contra a administração pública em sentido estrito.

Para não deixar dúvida de que qualquer cumplicidade para prejudicar a credibilidade de certames de interesse público será punível, foi criada a conduta equiparada do § 1º do art. 311-A do Código Penal. Em tal parágrafo está previsto "permitir" ou "facilitar", que induz à conduta comissiva, nada obstando a inclusão da omissão do garante.

O dano à administração pública não representará necessariamente exaurimento, ou seja, o agente retirar vantagem do delito. O dano será desnecessário para a concretização do crime, eis que, conforme exposto, tratar-se-á de delito formal. De qualquer modo, havendo dano para a administração pública, o crime será qualificado pelo resultado (§ 2º).

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A redação não dá margem a pensar em crime preterdoloso. Este não admitirá tentativa e o dano será sempre negligente, o qual irá além do dolo antecedente. Destarte, independentemente de o resultado danoso advir de dolo ou negligência, haverá a qualificadora do § 2º do art. 311-A do Código Penal.

Haverá a causa especial de aumento da pena do art. 311-A, § 3º, do Código Penal se o crime for praticado por funcionário público – que é aquele definido no art. 327 do Código Penal -, o que terá aplicação prática diversa da qualificadora do § 2º. Com efeito, a qualificadora será considerada na primeira fase do processo trifásico de dosimetria da pena (pena base), enquanto que a causa especial de aumento será considerada na 3ª fase. [03]

Concluindo esta breve análise, em um primeiro momento, entendo que, no caso de corrupção para a fraude a certame, o crime do art. 311-A deverá ser absorvido pela corrupção, aplicando-se o princípio da consunção, ao contrário de se falar em concurso formal imperfeito.


Notas

  1. MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Norma criminal no tempo, incluindo garantismo e norma criminal em branco. Brasília: Estudos Jurídicos e Filosóficos. Disponível em: <www.sidio.pro.br/Norma.Tempo.pdf>. Acesso em: 21.12.2011, às 9h10.
  2. Ibidem.
  3. Sobre a aplicação da pena: MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 276-310.
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Sobre o autor
Sidio Rosa de Mesquita Júnior

Procurador Federal e Professor Universitário. Graduado em Segurança Pública (1989) e em Direito (1994). Especialista Direito Penal e Criminologia (1996) e Metodologia do Ensino Superior (1999). Mestre em Direito (2002). Doutorando em Direito. Autor dos livros "Prescrição Penal"; "Execução Criminal: Teoria e Prática"; e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (todos da Editora Atlas).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. Os crimes “das fraudes em certames de interesse público”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3095, 22 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20691. Acesso em: 24 nov. 2024.

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