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Fenecimento pragmático versus ressalva ética da tutela condenatória

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22/12/2011 às 10:49
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Defende-se a executividade do provimento judicial declaratório, quando delimitador dos caracteres pecuniários da dívida perquirida.

Sumário: Introdução. 1. Processo e cultura. 1.1. (Re)encontro teleológico do processo. 2. Fundamentos da titulação executiva do provimento declaratório. 2.1. Aspectos dogmáticos. 2.2. Caracteres axiológicos. 2.2.1. Nexo de imputação deontológico: sentença como técnica sincrônica de modificação da realidade. Conclusão: ressalva ética condenatória.

Summary: Introduction. 1. Process and culture. 1.1. Final appointment of process. 2. Fundamentals of executive objective declaratory provision. 2.1. Dogmatic aspects. 2.2. Cultural characters. 2.2.1. Principle nexus of imputation: the sentence as a technique for synchronous modifying of the reality. Conclusion: Ethics except conviction.

Resumo: Há razoável período, nosso ordenamento permite a prática de atos materiais subsequentes ao provimento jurisdicional declaratório, que acerta os lindes pecuniários da relação obrigacional. Do contrário, tal sentença culminaria menor eficácia concreta que o título executivo extrajudicial, arrefecendo tanto o princípio da eficiência dos atos públicos como a própria expectativa comunitária postulada ao Estado Constitucional. A nova redação do art. 475N, I, do CPC, amalgamou, expressa e dogmaticamente, poderes material-satisfativos à tutela declaratória. Haure-se disso o fenecimento pragmático da condenação, cuja sustentabilidade factível tornou-se despicienda – por normativamente similar à congênere –, em vista da maleabilidade das técnicas abstratamente predispostas à realização da finalidade processual: a consolidação da justiça e a pacificação social. Antitética a esta realidade, supõe-se que a sobrevida do liame condenatório sufraga-se apenas pela natureza ética da reprovação culturalmente arraigada.

Abstract: There is a reasonable period, our legal system allows the practice of the filling material acts subsequent court declaratory, that hits the pecuniary limits of obligatory relationships. Otherwise, such a sentence would culminate less concrete effective that an extrajudicial execution, cooling both the principle of efficiency of public acts as the popular expectation claimed for the Constitutional State. The new wording of art. 475N, I, CPC, reinforced, expressed and dogmatically, power equipment that could satisfy the declaratory sentence. In this way, we come to the pragmatic fading of condemnatory sentence, whose strength become quite insignificant – because similar to its counterpart – in view of the malleability of the predisposed generics techniques to carry out the purpose of procedure: the consolidation of peace and social justice. On the other wise of this reality, it is supposed that the condemnation only survives by a kink of ethical culturally disapproval.

Palavras-chave: processo civil; tutela declaratória; condenatória; execução; fundamentos.

Keywords: civil procedure; declaratory guardianship; condemnatory; satisfaction; fundamentals.


INTRODUÇÃO

A tutela condenatória é criação de eminência processual. Trata-se de provimento justicial que se generalizou pela influência da escola sistemática do século XIX – tempo no qual fora divulgada a teoria ternária das ações (ano de 1885, por Adolf Wach). Naquele quadrante histórico formal-positivista do Estado Liberal, dúplices caracteres científicos evidenciam a tendência narcísica do processo enquanto departamento conceitualista autônomo/autossuficiente: inicialmente, inseriu-se no "tipo condenação" as decisões de cunho executivo e mandamental, sublimando-se toda gama dos deveres à natureza obrigacional (assim, da obligatio, gerar-se-iam a actio e, por decorrência, a condemnatio generalizante); finalmente, verificou-se que a consideração fenomenológica do mundo dos fatos não era afetada pela técnica meramente cognitiva condenatória, mas tão-somente por seu consectário lógico exsurgente – a ação executiva. Isto é, a condenação morre por consumação e não resolve, efetivamente, a problemática social afunilada na pretensão material; unicamente, refere Ovídio, "gera outra ação, esta sim a ação executória, realizadora da pretensão de direito material" [01].

Sufragada a fase autonomista do processo civil (sem dúvida, oportunidade evolutiva responsável pela conquista da independência deste departamento científico em relação ao direito material) na cronologia do Estado Social de Direito, inexistem fundamentos à manutenção da teoria ternária. O gênio de Pontes de Miranda escansionou as necessidades eficaciais das decisões judiciais nos moldes patrocinados pela escola quinária, demovendo da condenação sobrecarga tutelar adstrita aos novos moldes executivos e mandamentais então alinhavados. Ou seja, o provimento condenatório contemporâneo, face as recentes inovações dos arts. 461 e 461A, do CPC (de antemão visionadas em doutrina de Pontes), adstringiu-se às obrigações pecuniárias. Hoje, pragmaticamente, condenação tornou-se um acidente satisfativo das dívidas de dinheiro – vale dizer ainda mais, dentre as espécies de provimentos, apenas à ela remanesceu o caractere de sentença ‘não bastante em si’ [02]: a depender de nova demanda executiva para realização do direito.

Todavia, não somente a decisão puramente condenatória possibilita configuração de título executivo pressuposto da ação de execução/cumprimento. Sopesado o movimento neoinstitucionalista pós-positivo, diversos fatores subsidiam a sentença declaratória [03] como um acertamento/comando oficial apto a formatar título judicial plausível de ser executado; inclusive, fatores dogmáticos, explícitos na própria sistemática processual, denotam a vetorização normativa ora culminada pela letra do art. 475N, I, do CPC. O presente ensaio reflete algumas considerações que defende a executividade do provimento judicial declaratório, quando delimitador dos caracteres pecuniários da dívida perquirida. Por decorrência epistêmica, questiona-se a ressalva (ética) da tutela condenatória no atual processo civil – à vista de que a outrora eficácia universalizante/generalizadora da conversão dos direitos de diversas naturezas a questões meramente obrigacionais, hoje resiste ao desprezo, pela mera técnica, em contraposição ao seu iminente fenecimento pragmático que grassa a larga evidência.


1. PROCESSO E CULTURA

O direito (e o departamento processo) é fato social. Trata-se de duas realidades interativas, cuja fenomenologia atua circularmente: enquanto a topologia comunitária elege suas diretrizes precípuas, gravando normativamente tais disposições, o direito devolve força cogente/atributiva às relações subjacentes, num devir contraposto que influencia e promove modificações no plano social. Ora, se no direito/processo o pensamento do grupo, hábitos, símbolos e comportamentos fazem-se sentir, clarividente a conexão espaço-temporal da pluridiversidade cultural ao respectivo sistema processual. Natural avultar-se dinâmica pressuposta da abertura dialética dos membros do grupo em relação ao todo e face à convergência dos demais fatores de influências institucionalizados.

A visão teleológica do processo ostenta significativo amadurecimento, justamente, pela consolidação da crítica [04] evolutiva dos aspectos histórico-culturais que remontam a epistemologia jusfilosófica. A problematização dos sobressaltos teóricos à desenfreada procura duma estabilidade (provisória e/ou utópica) harmonizadora das antinomias inerentes ao ser humano tem sido o palco das contemporâneas reformas normativas, com a atual assunção do caráter instrumental do lócus processual à vista da efetividade dos resultados escalados: a realização da justiça e a pacificação social.

Em conferência pronunciada no ano de 1961, Galeno Lacerda arremata que o processo "há de traduzir, evidentemente, o modo de ser, de viver e de sentir do respectivo meio social. O método de ação das personagens do processo implica em ritos e formas exteriores, ao sabor da ideia que a comunidade faça da função do processo e do valor intrínseco do rito. E o juiz é o representante do grupo social, que imprimirá naturalmente na sentença o mandamento da vontade geral, que é a lei" [05]. A cultura recolhe o conjunto de vivências metafísicas e materiais que singularizam as sociedades numa determinada época. Reflete o grau de civilização dos povos; e o processo, como parcela dinâmico-científica desse quadrante, presta-se de índice parcelar dessa evolução social – fator estimulante do reencontro finalístico desta ciência.

1.1. (Re)encontro teleológico do processo

No início do século XX, o filósofo austríaco Franz Brentano [06] diferenciou os fenômenos meramente físicos dos psíquicos. Nestes últimos (resultantes da intencionalidade), todas manifestações apontam para algum objeto: querer é querer algo; pensar é pensar algo; e assim por diante. Corolário dessa reflexão, imbrica-se a visualização de finalidades pela racionalidade – e dentre elas, os desforços das ciências humanas e jurídicas. Hoje, evidente que o desenvolvimento burocrático do processo não se resume apenas a um formalismo desprovido de seus objetos. Certamente, polariza-se às finalidades que legitimam as próprias existências dinâmicas. A eleição das finalidades que norteiam as ciências humanas varia na relação espaço-tempo, sendo conatural à diversidade dos compromissos sociais assumidos pelas políticas realizadoras das necessidades comunais. Considerações subjacentes de expressão ética, econômica, política ou ideológicas determinam a contingência orgânica relativizável de premissas em diuturna tensão. A noção do processo como instrumento – meio para atingimento dessas dinâmicas vivenciadas – remete-lhe a significado de filtro à concreção dos propósitos escolhidos e, a partir daí, também o vetoriza pelas estruturas sócio-culturais imanentes a quaisquer objetos de conhecimento racional.

Refere Alvaro de Oliveira: "a noção de fim entrelaça-se, necessariamente, com o valor ou valores a serem idealmente atingidos por meio do processo. Impõe-se, portanto, a análise dos valores mais importantes para o processo: por um lado, a realização de justiça material e a paz social, por outro, a efetividade, a segurança e a organização interna justa do próprio processo. Os dois primeiros estão mais vinculados aos fins do processo, os três últimos ostentam uma face instrumental em relação àqueles" [07]. Posteriormente, o autor infere como sobreprincípios as noções da efetividade e segurança. E de fato, valor trata do ‘ótimo’ que é melhor ao grupo, sendo indisponível por natureza; princípio relaciona-se ao que ‘deve ser’, um mandado imediatamente finalístico, porém, relativizável. Mister a separação entre finalidades e funções [08]. As primeiras indicam o resultado da chegada: a justiça e a paz social; os segundos, alguns caminhos a serem percorridos: a efetividade e a segurança como ‘entre-lugares’ instrumentais, fazendo a ligação do Direito com os fins. O próprio Alvaro de Oliveira deixa implícita semelhante conclusão.

Com efeito, o processo não cuida meramente de adaptação técnica soterrada na própria organicidade. Sua estrutura depende dos valores oriundos das opções políticas do Estado. Na atualidade, repudia-se a filosofia dos fins limitados [09], pretendendo-se, dentro da relativização coarctada à dinamicidade da vida pós-moderna, chegar-se ao valor ‘homem’ através do culto à ‘justiça’ substancial e efetiva. Consoante Dinamarco: "Todo sistema processual tem como principal fator legitimante a sua compatibilidade com a carga de valores amparados pela ordem sócio-político-constitucional do país. Mas, como a legitimidade em si é fato social e não jurídico (não se confunde com a mera legalidade), não se trata de confrontar somente o processo com a Constituição, mas de projetar esse confronto até à própria realidade axiológica subjacente a esta. Por outro lado, tratando-se de fenômeno sociológico, a legitimidade manifesta-se na aceitação geral do poder pela população (que não se confunde com a aceitação, ou conformismo, com decisões particularizadas). E, além disso, a legitimidade que aqui se examina é a do sistema em seu funcionamento em dado lugar e momento considerados" [10].

O desenvolvimento da consciência do homem – na sua individualidade – trafega aos sobressaltos, em face de suas relações como o meio [11] e por ser produto das íntimas aflições psíquicas. Logo, se cada pessoa também opera uma modificação na sua realidade exterior por ocasião de suas atividades, suposto que o grupo – resultado do somatório gregário – influencie-se por este construtivismo evolucionista. Nesse diálogo integrativo dos discursos sócio-individuais, entremeiam-se desejos, objetivos tópicos e valores-sínteses, acarretando uma revelação cultural vinculada espaço-temporalmente nas vertentes históricas acumuladas. Inegável a precipitação da carga axiológica no ordenamento jurídico de cada sociedade e, conseqüentemente, na configuração sistêmica do processo, observada a natureza cultural deste ramo e do próprio Direito, que reflete o conjunto de vivências de ordem espiritual e material vivenciada pela comunidade. Não apenas as diretrizes abstrato-dogmáticas transmitem-se nas sucessivas gerações. Da mesma sorte, o trabalho dos operadores que o concretizam casuisticamente se respalda nas diferentes maneiras do sentir social. Daí ser preciosa a vontade política dos intérpretes para a efetivação das normas em sua totalidade, pena da cristalização simbólico-positiva dos programas estatuídos nas legislações. Célebre o brocardo sintetizado pelo magistrado Hughes, no julgamento do caso William Marbury versus James Madison: "we are under a Constitution, but the Constitution is what the judges say it is" [12].

Nosso ordenamento ostenta legado vivo de institutos tipificados que, desprotegidos da vontade jus-política efetivadora, feneceram por consumação retórica. O art. 5º., LXXI, da CRFB estabelece o mandado de injunção para tutelar o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, sempre que a falta de norma regulamentadora os tornem inviáveis. Por suposto, a significação do termo ‘mandado’ e a força normativa da Constituição não reservariam dúvidas apriorísticas à efetivação desse importante mister fundamental. Todavia, o sentido emplacado ao instituto, desde 1988, imputou-lhe singelo caráter programático-declaratório, tendo o STF se utilizado da posição ‘não concretista’ [13]. Isto é, dispunha-se de inédito mecanismo processual propulsor da sorte dos direitos fundamentais; em contrapartida, sua casuísta neutralização lhe retirava a força mandamental, subjugando-o à condição clássica da eficácia declaratória. Recentemente, o Tribunal Máximo conferiu efetividade ao mandado de injunção, adotando a posição concretista individual [14] para solução dessas contendas. O Judiciário conferiu sentido efetivador ao mandado de injunção que, de estranho desconhecido, em cada caso concreto, passou a suprir a lacuna legislativa e aplicar solução cabível à situação material – ultrapassados quase vinte anos, o instituto aflorou de natimorto à fase adulta.

Haure-se disso a necessidade de observação dos novos institutos sob a coloração dos anseios culturais vigentes. A constitucionalização do processo (como ferramenta publicista indispensável à realização da justiça e à pacificação) enseja um encorajamento transformador da realidade, aproximativo e específico ao Direito subjacente, pena de fazer letra morta à própria CRFB. Face a riqueza inestimável das situações da vida real, despiciendo imaginar, utopicamente, que tudo esteja regrado em lei – ou que a lei vigente é, necessariamente, substancialmente válida. A solução casuísta-epistemológica se operacionaliza pelos princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, sobretudo sem dispensar o premente diálogo das fontes (horizontal e vertical) de molde a não compartimentalizar o Direito a categorias narcisicamente incomunicáveis. Se filosófica, dinâmica e historicamente a ciência jurídica já não assume os lindes bicolores das regras, certamente o caráter dogmático da juridicidade também é de ser revisto na totalidade da transdisciplinariedade, tanto quanto medida-limite como em função do conteúdo-fundante de suas premissas. Alhures comentei: "O poder que outrora criava o Direito-conceito, simbolicamente estatuído como limite de seu genitor, agora se adstringe funcionalmente aos indisponíveis marcos normativos insuscetíveis de regresso autofágico, mas tendentes à satisfação social de todos e de cada qual de seus integrantes. Definitivamente, essa concepção, em diuturna mutação construtiva, reproduz o diálogo permanente no qual se ponderam os interesses conflitantes e reserva à legalidade estática uma distante recordação histórica" [15].

As ciências jurídicas são humanas por natureza. Vale dizer, o social e o jurídico remontam elos de coordenado percurso evolutivo identificado pelos sobressaltos históricos momentâneos. O social faz surgir e influencia o jurídico; este, além de acompanhar aqueles valores imanentes, devolve significativa carga axio-deontológica e determinadora de novos movimentos fático-comunitários. Reflexo disso, em apertada digressão, serão abordadas algumas linhas pelas quais fundamento a executividade da sentença de eficácia preponderantemente declaratória que reconhece os lindes da relação obrigacional e o respectivo descumprimento (mas não meramente declaratória, previstas nos incisos do art. 4º, do CPC, consoante dissensão de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira), na pendularidade e/ou estabilização provisória da metodologia processual pós-moderna, de molde a se evitar a malferição da Constituição na diretriz realizadora de direitos e, núltima análise, a própria dogmática técnica prevista abstratamente pelo legislador.


2. FUNDAMENTOS DA TITULAÇÃO EXECUTIVA DO PROVIMENTO DECLARATÓRIO

Na psicologia [16], o ‘ego’ protege-se por diversos mecanismos de neutralização das intempéries externas aflitivas. Dentre tantos, o procedimento da ‘intelectualização’ [17] amargura noção de refugo/escapismo, numa perspicácia de transmutar emoções a conceitos racionais e cerebrinamente sensíveis, de molde à tentativa de congelamento fático-reativo. À medida que as rupturas sociais, nas plurivocidades palpáveis às totalidades comunais, refletem o somatório [18] das demandas individualizáveis que lhe são completantes, observo similar precaução defensiva nas ciências humanas.

Com efeito, o legalismo absenteísta do século XIX estipulou condição limitativa regrada do poder. Para melhormente obnubilar a crescente ordem de mazelas sociais reclamadas, o liberalismo positivista divulgou-se ‘neutro’, pautando-se pela própria estraneidade em relação à tendência concreta subjacente que lhe postulava socorro. Essa postura anti-ideológica, assegura Clarissa Dri, de angariar "um direito pretensamente puro, que não se indaga sobre a noção de justiça, presta-se a qualquer tipo de autoritarismo político, pois exerce precisamente a função ideológica de ocultar as contradições sociais intrínsecas ao Estado liberal" [19].

O tecnicismo processual avassalado no mesmo período cronológico é sintomático dessas considerações psíquico-sociais. Apesar de ter culminado na perfeita delimitação do processo enquanto ciência autônoma, suas diretrizes foram alavancadas às últimas conseqüências, mitigando a ambição da ‘finalidade’ do processo (realização dos direitos materiais) e perdendo-se em classificações normativas mais imaginárias que reais. Merece louvores a diagramação ternária (do longínquo ano de 1885) de avultamento generalizante da condenação – pelo fato da consolidação do departamento científico processual –; todavia, a manutenção dessa estrutura não passa de reles assoreamento histórico, ou melhor, do mecanismo de ‘intelectualização’ protetiva duma escansão técnica que, atualmente, pretende (re)encontrar seu télos – uma vez que a independência do processo afirmou-se.

No presente, a tutela declaratória (não meramente declaratória, dos incisos do art. 4º, do CPC!) também poderá desempenhar função normativa outrora adstrita à condenação: pressupor título para o desencadeamento executivo. E diversos fundamentos sufragam indigitado desdobramento eficacial – dentre os quais, aspectos dogmáticos e caracteres axio-sociológicos. Peculiaridades maleáveis conexas à atipicidade das técnicas engendradas em beneplácito da efetividade do processo.

2.1. Aspectos dogmáticos

O Código de Processo de 1973 ordinarizou os meios executórios, ontoligizando-se num tecnicismo pouco efetivo, apanágio da tipicidade das técnicas adotadas. Tão-somente, escansionaram-se os documentos legitimadores da fase postulatória da ação executiva numa postura formalista: os títulos executivos, em diferentes dispositivos, poderiam ser judiciais ou extrajudiciais. Dessa bipartição [20], outrora aparente, a reforma tratou de efetivar standards diferenciadores em termos sociais, conferindo mais valia aos títulos institucionais/judiciais. Impende consignar que referida bivalência pragmático-satisfativa frutificou-se da segmentação histórica das origens da executividade, reafirmando ideologia medieval da autossuficiência privilegiadora do comando justicial.

Ultrapassada a fase contratual da litis contestatio [21], o processo romano assumiu caráter eminentemente publicista com a presidência do magistrado e seu poder de imperium do início ao final. Entretanto, o legado da fase dúplice do direito formulário – a actio iudicati [22] – permaneceu como instrumento para o vitorioso pleitear execução da decisão. O direito romano clássico nunca admitiu a sentença como título executivo, daí se consagrando a persistência da actio iudicati (mesmo sem motivos para esta bipartição legada do regime formulário) até os tempos do Império, por inércia histórica. A invasão bárbara dos germanos, nos séculos IV e V, proporcionou a fusão de duas concepções jurídicas antitéticas: de um lado, o respeito ao processo arraigado na matriz romana; doutro, a prática dos atos invasivos privados, caracteres ‘rudes’ e qualificativos, semanticamente, do batismo ‘bárbaro’. Segundo Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, "o título executivo se apresenta, na realidade, como uma criação dos juristas do direito intermédio italiano e corresponde a um compromisso entre as tendências opostas do direito romano e do direito germânico, aquele exigindo uma escrupulosa verificação prévia do crédito e este permitindo a satisfação das pretensões sem necessidade da demonstração prévia de sua procedência" [23].

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No século XI, os juristas da idade média conceberam a execução da sentença per officium, num esboço de sincretismo, afastando a actio iudicati (autônoma/independente), mas salvaguardando a legitimação pelo procedimento em contraditório. Ou seja, cumprir a sentença no bojo do mesmo processo no qual fora proferida e sem necessidade de nova demanda, consoante Athos Gusmão [24], significava organismo inédito às épocas anteriores, apanágio inerente à tal sententia habet paratam executionem. Mais tarde, idêntica força executiva conferida à sentença também o fora individualizada nos instrumenta guarantigiata – documentos particulares que incorporavam dívidas [25]. Com efeito, por vários séculos, coexistiram duas formas executivas decorrentes desta segmentação praxista: per officium, para as sentenças condenatórias; e a actio iudicati, para satisfação dos instrumentos extrajudiciais.

A influência francesa – individualista por essência cultural e historicamente patrimonialista pela energia fungibilizadora [26] das obrigações em causa –, nos primórdios do século XIX, com a florescência do Estado Liberal Clássico, operou ruptura epistemológica que inverteu os valores até então conjurados desde o entendimento romano (prevalência da decisão oficial sobre a cártula transestatal). O padrão executivo modificou-se: ao invés da sentença, a principal legitimidade pressuposta à execução passou a ser as lettres obligatoires. Resultou na unificação do processo executivo sob a pecha da nulla executio sine titulo [27], com equiparação da sentença aos títulos extrajudiciais, e não contrário (!), como de outrance havia originariamente se firmado. Isso culminou na prevalência e/ou independência absoluta da fase satisfativa sobre a cognitiva, à medida que o título – seja público/privado, judicial/extra-oficial – similarizavam-se nos seus desdobramentos para todos fins sociais, tipificando-os como mecanismos ordinarizantes dos procedimentos executivos.

Não somente em perspectiva da sistematização técnico-classificatória dos títulos executivos, o desdobramento histórico dos institutos colaborou para equiparar os pressupostos de legitimação satisfativa. Também sob o paradigma gnosiológico, acerca da compreensão dos objetos à guisa dos sujeitos de direito, padronizaram-se as técnicas processuais de tutela dos direitos. Com efeito, o direito romano coarctava os institutos da actio à obligatio e à condemnatio. De outro lado, a vindicatio estava afeta à tutela das pretensões reais; o sucumbente, nestas demandas, não era tratado/condenado como devedor, apenas sofria os efeitos do dever de respeito ao patrimônio alheio, pela respectiva execução interdital privada (auxiliada pelo pretor). A doutrina da personificação das relações jurídicas de Kant [28], bem como a teorização acerca da pretensão em Windscheid [29], contribuíram para aproximação da vindicatio à actio. Consoante Marinoni e Arenhart, o "direito moderno transformou a vindicatio em actio, isto é, fez como que a actio passasse a ser a ação cabível para a tutela dos direitos reais. Isto decorreu do desvirtuamento do conceito de obrigação, que, de sua raiz entrelaçada originariamente apenas com o contrato e com o dano, estendeu-se a todas as relações jurídicas" [30]. Referida teoria ‘personalista’, que grassou nos séculos XIX e XX pelos desforços da pandectística, alargaram o conceito de obrigação, levando aos desdobramentos processuais as respectivas vicissitudes condenatórias generalizantes. Isto é, se para compreender a relação jurídico-real fora necessário considerável artificialismo em adequar a pretensão windscheidiana ao tráfego intersubjetivo, por decorrência sistêmico-institucional, alargou-se o manejo da tutela condenatória às demandas reipersecutórias. Mais: o único movimento sentencial capaz, nesta compreensão clássica, de fomentar o pleito executivo pós-cognitivo, seria o juízo condenatório. Tudo, previamente à fase satisfativa, desvirtuou-se em condenação. Insisto, a única decisão geradora de atos materiais pós-cognitivos seria a comdemnatio.

O esboço compreensivo da evolução jusfilosófica do título executivo desmitifica sua força eficacial premente. Sendo a base pressuposta da demanda satisfativa estatal, impende consignar o conteúdo deste fator de legitimação da execução: trata-se da representação documentada da norma jurídica individualizada, a regra do caso concreto topicamente delimitador da relação jurídica subjacente. Consequentemente, mais que a natureza (declaratória ou, no máximo, ética) da ‘sanção’ culturalmente predisposta no bojo da condenação, imprescindível a caracterização do título como sensível materialização da norma jurídica. Cediço que as classificações delimitam a realidade dos objetos para a finalidade técnica de se autojustificarem; logo, a sinalização ternária wachiniana [31], que propalou o desvirtuamento amplificado do direito obrigacional e o maciço emprego multifuncional da condenação para diversos e inefetivos fins, reflete a impropriedade da adstrição do título executivo judicial à tutela condenatória; quando as sentenças declaratórias regulam a relação obrigacional e o respectivo descumprimento do dever, também está presente a individualização concretista da norma! Logo, igualmente poder-se-á pressupor ação executiva, oriundo mais da cogência normativa que da natureza do provimento em espeque.

Desde o século XIX, o conceito de direito subjetivo encontra significativos fundamentos na jusfilosofia kantiana. Elaborou-se, dessa orientação, a concepção ‘lógica’ de que a coerção deduzia-se da própria concretude individualizada do direito – após subsunção do abstrato ao evento particularizado. Em suma, direito e competência para empregar coerção significariam únicas e idênticas forças. Tal vertente epistemológica relacionava a liberdade dos indivíduos sob o prisma da não contrariedade às normas: as ações justas compatibilizam-se às liberdades de todos perante as leis universais, na medida da possibilidade das coexistências recíprocas nesse multiverso enfeixado de diretrizes; a resistência de alguns setores obstaculizava a liberdade alheia, contra si, sofreria implicações coercitivas para respeitar o livre tráfego das condutas, salvaguardando-se o feixe das leis universais como um todo (que amalgama as liberdades de cada qual dos indivíduos e do próprio conjunto tutelado).

Segundo Kant (1724-1804), "pode-se localizar o conceito do direito diretamente na possibilidade de vincular coerção recíproca universal com a liberdade de todos, isto é, tal como o direito geralmente tem como seu objeto somente o que é externo nas ações, o direito estrito – a saber, aquele que não está combinado com nada ético – requer apenas fundamentos externos para determinar a escolha, pois somente então é ele puro e não mesclado a quaisquer preceitos da virtude" [32]. E, justamente, pelo caráter ‘estrito’ (alheia às intempéries absolutas da consciência interna do indivíduo) dessa exogenia/externidade, que se emprega a ressalva coercitiva do direito. A liberdade e igualdade das pessoas depende sobremaneira da possibilidade da utilização suprema do constrangimento externo para salvaguarda da própria realidade [33] conjetural. Panorama jusfilosófico reproduzido materialmente na titulação da cártula sentencial declaratória.

Deveras, essa força autoritativa do direito e o respectivo fenômeno de atuação das normas, apesar da célere dinamicidade do tráfego social, pode ser escansionado em três níveis logicamente distintos, na leitura do Prof. Teori Zavascki [34]: primeiro, elabora-se o preceito normativo no plano abstrato (função legislativa); segundo, identifica-se a norma do caso concreto, individualizando-a; finalmente, cumpre-se o comando exarado do ditame obrigatório da incidência. Além das crises de legitimidade na elaboração das leis (constitucionalidade e/ou crise de legalidade das normas), em geral, desenvolvem-se espontaneamente o atendimento dos dizeres normativos. Havendo discussões acerca da incidência (cognição para solver a crise de identificação da norma do caso) ou cumprimento (execução a fim de resolução da crise de satisfatividade da norma) dos preceitos, de regra, aí sim impende a intervenção do monopólio jurisdicional para efetivação dos conceitos normativos.

O terceiro momento, estudado pelas luzes da teoria egológica [35] do direito e retro sintetizadas, salvaguardam o cerne dos comandos realizadores das obrigações não cumpridas de pagar quantia no plano das relações sociais. Ora, fazer vigorar o direito, dar-lhe eficácia em plenitude, é tarefa adstrita ao monopólio estatal e depende, legítima-procedimentalmente, da ação executiva. Esta a demanda que, no derradeiro momento processual – pós-cognitivo ou subsequente à verificação extrínseca do título executivo extrajudicial – sufraga a força coercitiva da heteronomia das normas jurídicas. Referida ação de execução não é apanágio adstrito à sentença condenatória; também após o acertamento meramente declaratório, torna-se passível a continuidade exasperadora do feito executivo. Aliás, pode-se entender que a condenação reserva dupla declaração: individualização da norma + declaração da sanção; o juízo de valor da reprovabilidade decorre da norma e não da sentença.

Ad captandam benevolentiam, parece-me que a teoria do direito penal, por depreender juízos ético-dogmáticos mais internalizados e doutrinariamente assumidos, melhormente assumiu o caráter da reprovabilidade ao estudar a ‘sancionalibidade’ exarada das normas. Com efeito, o tema ‘culpabilidade’ [36]link valorativo de conexão entre a teoria do crime e da pena –, à vista de seus fundamentos (culpabilidade material), reserva considerações analítico-normativas que se imbricam ao presente objeto. Principal opositor dos critérios do livre arbítrio e do respectivo consectário retributivo da concepção material welzeliana da culpabilidade, desenvolveu-se a corrente do ‘dever de motivar-se pela norma’. A culpabilidade não seria mera reprovação, mas estaria afeta às finalidades motivadoras da pena. A sanção, segundo Gimbernat Ordeig, assume a função de prevenir delitos: "el legislador amenaza con una pena aquellos comportamientos que – por la grave perturbación que suponen para la vida social – quiere evitar, confiando en que la mayoría de los ciudadanos, para no sufrir el mal anunciado, se abstendrán de realizar el hecho prohibido" [37]. A pena (e co-respectiva sanção dela decorrente) representa temibilidade motivacional ao indivíduo: quem tem capacidade de entendimento, ao receber o comando normativo com a respectiva ameaça da sanção, ajusta seu comportamento às expectativas do ordenamento. Caso não explique completamente, o cotejo da norma às condutas, pelo menos fomenta a origem da sancionabilidade: floresce da ordem jurídica e derradeiro exame ponderativo de valor, mas não da natureza eficacial intrínseca da sentença; esta, apenas individualiza/instrumentaliza o comando normativo sobrejacente.

Com efeito, a sentença declaratória reproduz os comandos normativos previstos imperativamente às partes da relação obrigacional. Clarividente o art. 4º., parágrafo único, do CPC: "é admissível a ação declaratória ainda que tenha ocorrido a violação do direito". Arremata o Ministro Teori: "ao assim estabelecer, dá ensejo a que a sentença, agora, possa fazer juízo, não apenas sobre o preceito da endonorma (mandato primário não transgredido), mas também sobre o da perinorma (mandato sancionatório), permitindo, nesse último caso, juízo de definição inclusive a respeito da exigibilidade da prestação devida. Sentença de tal conteúdo representa, sem dúvida, um comprometimento do padrão clássico de tutela puramente declaratória (como tutela tipicamente preventiva), circunstância que não pode ser desconsiderada pelo intérprete" [38]. À imanente cognição aferidora da obrigação e seu descumprimento, nalguns casos em que observado o contraditório inerente a tais questões, preserva-se ao credor a execução material para retornar ao status quo anterior à situação de ilicitude.

‘Executar’ denota atuar faticamente a vontade concreta da lei, situação que implica violenta agressão à esfera jurídica alheia. Nessa perspectiva, remetendo às lições de Liebman e Carnelutti, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira [39] salienta a origem do título executivo como pressuposto do procedimento executivo, prova legal do crédito e ato jurídico culminante na prática adequação das medidas de execução para atuação da coerção normativa. Particularidade aproximativa das realidades técnicas: a sentença declaratória recolhe conteúdo e requisitos similares (para não dizer idênticos ou, quiçá, mais verossímeis) ao previstos nos títulos extrajudiciais. Somente por delimitar norma jurídica individualizada/concreta, o título executivo empresta-se da atributividade legal (lato sensu) do comando preceituado, daí lhe decorrendo a força cogente, com o respectivo reconhecimento da contrariedade ao direito (ilícito) e a sanção corolária (art. 4º, § único, do CPC). Insta dizer que o próprio o direito material pressupõe imperatividade à declaração que reconhece exigibilidade obrigacional. O art. 394, do Código Civil, considera em mora o devedor que não efetuar pagamento nas circunstâncias estabelecidas pela convenção ou lei. Ora, o comando sentencial acertador da ‘violação do direito’ pecuniário (art. 4º, § único), no cotejo da matéria fática topologicamente apresentada e roborada pela acepção do sistema normativo, meramente concretiza a implicação ponderativa da lei substantiva – daí exsurge (a simbologia ritualística do) título judicial passível de satisfação pós-sentencial.

Na contrapartida desse reconhecimento (quiçá implícito, para alguns glosadores) da força executiva do comando declaratório, propõe-se pontual remodelação da classificação quinária das tutelas, pelo fenecimento dogmático (e pragmático! – por chegar a mitigar a rigidez do princípio da congruência) do provimento condenatório. Plêiade acadêmica considera que a demanda condenatória pura, pela atual sistemática, não suporia apenas eficácia declaratória (ao afirmar a existência da contrariedade do direito e a respectiva imposição de prestação ao réu, para recomposição do status quo) tampouco conteúdo constitutivo (caracterizando a ‘novidade’ do título executivo pré-sentencialmente inexistente). Com Athos Gusmão, pela ordem da Lei 11.232, o art. 475J passou a revestir a reprovação condenatória de imediata eficácia executiva, autorizando "por si só o emprego, a simples requerimento da parte credora, dos meios executórios necessários à sua efetiva ‘satisfação’, sem que se faça necessário o ajuizamento de nenhum outro sucessivo processo" [40]. Vale considerar, ainda, como salientei noutro estudo [41], a possível natureza ‘mandamental’ diagramada pelo dispositivo, caractere precípuo da ordem justicial de entrega de objeto ao vencedor.

Filosoficamente, o dinheiro não dispõe de valor intrínseco (salvo caso de colecionadores de moedas raras). Trata-se, segundo Kant [42], de ‘coisa’ passível de utilização através da auto-alienação. Pecúnia é energia, objeto de circulação de riqueza, engenho calculado pela racionalidade por naturais questões de logísticas. Sequer por isto arrefece seu caráter palpável – até porque, no quadrante da atual civilização, inclusive riquezas virtuais, autorais ou da inerentes à propriedade industrial são passíveis da tutela que estranha à condenação – em termos relativos [43] do tráfego social, tais perspectivas cerebrinamente construídas não refogem às peculiaridades sensíveis (ou não, v. g. dinheiro eletrônico, títulos societários custodiados em bolsas de valores, etc.) do dinheiro. Fatores peremptórios à consideração da sentença outrora condenatória, à vista do preceptivo do art. 475J, serem reputadas de carga ‘essencialmente mandamental’ [44] da obrigação de pagar.

Utilizando-se do fator procedimental-sincrético como técnica de coarcção do dictum ao factum, Barbosa Moreira enquadra o provimento do art. 475J na classe da tutela executiva: "o julgamento da causa e a respectiva efetivação mediante atos concretos estarão agregados num só processo, a que calha a designação de ‘sincrético’. Quem quiser negar a qualificação de ‘executiva’ à sentença em foco terá por força de desprezar o critério discretivo baseado na unidade ou dualidade de processo e adotar outro que prescinda desse traço". Na realidade, dois são os critérios da caracterização da decisão executiva: o primeiro, utilizado pelo mestre, respalda-se no liame procedimental sincrético, forte na ‘eficiência’ dos mecanismos predispostos à realização dos direitos em sua concretude; outro, inerente à natureza das questões postas na causa, sufraga-se no princípio da efetividade (contenedor da tempestividade, adequação procedimental e especificidade do provimento), uma vez que a sentença executiva modificaria, de plano, a linha discriminativa [45] da legitimação do objeto em poder do réu (no caso, a pecúnia), passando o demandado a estar na posse da coisa contrariamente ao direito – situação que transcende os lindes da fungibilidade máxima ao se tratar de dinheiro. Com a vênia do professor, analisando coordenadamente ambos caracteres da força executiva (outrora denominada lato sensu), entendo que o dispositivo em análise previu tutela de essência mandamental – fatores que, se não retiram da declaração a possibilidade do exasperamento executório ulterior, explicitam o fenecimento pragmático da condenação como título executivo judicial; ao reproche condenatório remanesceu categoria melhormente identificável às lides penais: nestas, o caldo ético intrínseco avulta explicitamente.

De qualquer sorte, (a) parece-me insustentável se afirmar que a sentença declaratória jamais permite desdobramento executivo. Outrossim, na atual sistemática normativa do processo civil brasileiro, chego a (b) duvidar da necessidade da manutenção dogmática do provimento condenatório puro – a sanção, reprovação, juízo de valor ou nota ponderativa de cunho pejorativo, etc., que sempre fora a bandeira de tal eficácia sentencial, não configura apanágio restrito desta categoria; tudo é juízo de valor (ou nada mais é juízo de valor…)!

2.1.1. Pré-existência dogmática de efeitos executivos da tutela declaratória

Mesmo antes da reforma operada pelo art. 475I, do CPC, a sistemática processual disponibilizava, expressamente, provimentos declaratórios com força executiva. O Prof. Teori [46] apresenta peculiares exemplos do acertamento ‘não bastante em si’ [47]: o caso do art. 76, quando o juiz, ao julgar a denunciação da lide, "declara" o direito do evicto; no julgamento da ação consignatória, na espécie do art. 899, §2º, do CPC, oportunidade na qual o juiz "determina" o montante da insuficiência depositada; quando na prestação de contas, prevista no art. 918, o juiz "declarar" o montante do saldo credor. Além disso, cediço que as sentenças de improcedência são todas declaratórias [48] (da improcedência); acabam por ressalvar/assegurar o regime jurídico do réu, manifestado anteriormente à sorte da demanda ajuizada. Daí resulta eficácia dúplice do provimento que restaura a situação do executado provisoriamente, forte nos arts. 475O, I e 273, §3º, do CPC. A manutenção, ou melhor, retro operatividade indenizatória ao patrimônio jurídico do réu, permanece tutelada pela eficácia declaratória reformadora da decisão em execução provisória.

Nenhum ato estatal é digno do desperdício, mormente ao se cuidar da sentença – ato de inteligência e vontade. Assim, transparece o caráter dúplice da tutela declaratória. Alexandre Pimentel [49] exemplifica a improcedência da demanda que postula a inexistência de certa dívida. No mais das vezes, dispensado o ajuizamento da reconvenção [50] para postular a satisfação do débito, à medida que o reconhecimento da relação jurídica e da mora – com a improcedência do pedido – configura título executivo bastante à persecução executiva. Tanto que o próprio Código permitia, no art. 570, a execução ‘invertida’; ademais, a retro operação provimental encetada no art. 811 vigente denota o caráter sinalagmático do juízo declaratório, de acertamento da relação e consignação dos efeitos moratórios implícitos.

No direito das sucessões [51], tradicionalmente se dispunha da executividade subsequente à declaração. A regra, atualmente elencada no art. 475N, VII, do CPC, arrola o formal de partilha na condição de título executivo – mesmo tal instrumento transcendendo quaisquer peias obrigacionais. Consoante Ovídio: "Explica-se, no entanto, a opção do legislador em conceber o formal de partilha como mero título executivo, equiparado à execução que a lei reconhece aos credores, em razão da natureza peculiar da ação de inventário e partilha que, embora sendo demanda contenciosa, contém traços muito visíveis de ação de procedimento voluntário, circunstância que aconselha a que se exclua dela uma fase terminal executória. Mesmo assim, é importante esclarecer que o herdeiro munido de formal de partilha, quando reclame a posse de bens, que lhe foram partilhados, contra terceiros, exercerá ação petitória real, reivindicatória ou outra qualquer de natureza semelhante" [52]. Em virtude do princípio da saisine, com o falecimento do autor da herança, ato contínuo o patrimônio transmite-se aos herdeiros (art. 1784, do CC). Logo, os co-herdeiros conectam-se reciprocamente por vínculo fundado em direito real, de co-propriedade que, na ocasião do ‘julgamento’ da partilha, instrumentaliza-se através do título executivo judicial. Agora, sabe-se que a ‘sentença’ de partilha não condena tampouco manda os interessados dividirem os bens; tão-somente, declara-se a situação patrimonial dos beneficiários, acertando-se a situação divisória do monte partilhável – não raro, reles homologação. A peculiaridade é que, mesmo ao se definir a sorte percentual de valores líquidos (dinheiro em espécie, conta bancária, etc.), o provimento jurisdicional apenas declara o dever pré-existente da divisão – exemplo a infirmar tese da unívoca executividade da tutela condenatória.

Aliter, vale referir o novel art. 387, IV, do CPP, frutificado em recente alteração, que inseriu o ‘mínimo indenizatório’ [53] no bojo daquele Código. Estabelece que o juiz "fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido". De cristalino, o caráter da ‘fixação’ do valor estimado assume natureza declaratória, observadas as peculiaridades travadas no decorrer do processo criminal. A condenação – imediata eficácia de reproche do ilícito – adstringe-se ao cerne da questão litigada, remanescendo como efeito anexo a declaração do montante mínimo pendente de ressarcimento.

O art. 475N, I, do CPC, gravou sem margens a dúvidas, dogmaticamente, a possibilidade da titulação executiva do provimento declaratório. Situação consolidada na jurisprudência do STJ, de acordo com julgado veiculado recentemente no Informativo n. 422, de fevereiro/2010: "Repetitivo. Sentença declaratória. Indébito tributário. Eficácia executiva. A Seção, ao julgar o recurso sob o regime do art. 543-C do CPC c/c a Res. n. 8/2008-STJ (recurso repetitivo), reafirmou seu entendimento de que a sentença declaratória que, para fins de compensação tributária, certifica o direito de crédito do contribuinte que recolheu indevidamente o tributo contém juízo de certeza e de definição exaustiva a respeito de todos os elementos da relação jurídica questionada e, como tal, é título executivo para a ação visando à satisfação, em dinheiro, do valor devido. Assim, cabe ao contribuinte fazer a opção entre a compensação, o recebimento do crédito por precatório ou a requisição de pequeno valor do indébito tributário, uma vez que todas as modalidades constituem formas de execução do julgado colocadas à disposição da parte quando procedente a ação que declarou o indébito" [54]. Certamente, se permanecer respaldado o pragmatismo executório da sentença condenatória, similar porfia também deverá ser conferida ao provimento declaratório.

2.2. Caracteres axiológicos

A sociedade dos riscos autoflagela-se pela aceleração desenfreada de seus compromissos. Inversamente proporcional à diminuição das distâncias espaço-temporais relativizadas por esta dinâmica e à pretensa estabilidade científica de outrora, as relações são emergenciais, urgentes, a ponto de se rarefazerem os conteúdos como meios utilitários para consecução das finalidades supostamente legítimas. O vínculo empregatício verticalizado/unilateralizado, a falta de tempo no convívio familiar, a fugacidade dos próprios lindes afetivos e mesmo a inconstância psíquica obsessivamente individualista [55] são reflexos exsurgentes da demanda impaciente do meio no qual temos subsistido. Demais disso, a velocidade dos acontecimentos concomitantemente divulgados mitiga a própria matéria, tornam líquidas nossas impressões sensíveis a ponto da virtualização da outrora aritmética relação espaço-tempo. Quem dispõe da possibilidade de aceleração, ou não, dos afazeres sociais, assevera Thums [56], apodera-se da prerrogativa decisória e influencia a totalidade comunitária em ricochete. Enfim, na contemporaneidade, toda matéria parece liquefazer-se na incerteza frenética da dromologia.

A globalização do mercado e das comunicações imediatas, até o momento, apenas deve lastro a proporcionar o teletransporte porque, de resto, a sociedade não espera ou não se permite aguardar instante algum para realizar seus reclames. Em suma, ninguém dispõe de tempo a perder. Nos ‘deuses’ mercado e comunicação, justamente, forjam-se os sustentáculos simbióticos desse paradigma dinâmico. Indica Alexandre Bizzotto que o "mercado necessita debilitar as relações humanas e suas instituições para conquistar plena e descompromissada liberdade. A comunicação, para sua expansão, precisa de investimentos para sobreviver. A fabricação de verdades interessa ao capital. A comunicação preenche tais exigências. Não é por acaso que a grande mídia está sob o domínio do grande capital" [57].

O processo não figura alheio a tais interesses aparentemente exógenos, por ser de cunho racionalista a inadmissão da morosidade, das suspensões ou das interrupções indetermináveis. A sociedade na qual vivemos é impaciente. Logo, os auspícios comunitários tendem a aceitar um julgamento falho, porém célere, ao invés de uma suposta consagração da ordinarização extrema em detrimento da velocidade (mais facilmente domesticada) e sensivelmente administrada pelas lentes massificadas da televisão. Isso confirma a natureza da vida do consumidor, da vida do consumo, na lição de Bauman, já que "não se refere à aquisição e posse. Tampouco tem a ver com se livrar do que foi adquirido anteontem e exibido com orgulho no dia seguinte. Refere-se, em vez disso, principalmente e acima de tudo, a estar em movimento" [58].

Esta fenomenologia sufraga a incompreensão da separação meramente normativa entre a cognição e a realização dos direitos. De fato, como explicar ao cidadão que, após certificada sua vitória em juízo, ainda deverá manejar malogro executivo?! Sequer o título extrajudicial – vide um reles cheque – carece desta via crucis justicial; desnecessário que um ato decisório, declaratório ou condenatório, certifique sua validade, à medida que satisfeitos os requisitos extrínsecos da cártula. A própria lei, de plano, confere-lhe executividade (art. 585, do CPC). Incompreensível: à atividade autorizada pelo sistema financeiro, dispõe-se da coercibilidade máxima em direito; em contrapartida, a sentença declaratória de valores a receber, apenas é coadjuvante do panorama normativo. Ora, é finalidade precípua do processo legitimar, pelo procedimento em contraditório, um julgamento justo, instrumentalizando-se a aplicabilidade de toda sorte de direitos fundamentais (constitucionais/humanos) que valorizam o indivíduo na sua coexistência dinâmica frente ao Estado. Por vetusta, atualmente se ultraja a condição do processo em singelo aplicador da sanção/exortamento pagador. No pós-positivismo vigente, a formalização valorativa deve ser garantidora das diretrizes supremas da ordem democrática consolidada.

Além disso, notório que o processo desatina e empobrece as partes. Sua temporalidade é diretamente proporcional à incerteza do enigma dali exsurgente. Não depende apenas da utópica verdade factual, mas do debate utilitariamente travado pelos litigantes. Consequentemente, reveste-se de caráter punitivo in re ipsa, de ambos litigantes, já que o Estado se apropria do tempo, da paciência e da dignidade dos contendores para lhes submeter à discricionária conclusão. Handel Dias salienta: "a longa relação jurídica processual representa prejuízos bastante indesejáveis, porquanto faz perdurarem os próprios e repudiáveis fatores anti-sociais que levaram o Estado a assumir o fado de resolver os conflitos interindividuais da sociedade e a impor um termo final no tempo processual. A dilação do processo implica prolongamento do conflito de interesses que lhe deu causa e de todas as suas consequências negativas, sobretudo a insegurança e a incerteza pelo quadro de indefinição acerca do direito litigioso e a insatisfação daquele que aguarda a tutela jurisdicional para ter assegurado um direito que entende seu" [59].

O equilíbrio das garantias segurança/efetividade cotejadas à aceleração processual (sócio-individualmente) almejada deve ser objeto tutelável em todas as esferas do poder. Não apenas o Judiciário (em seus frequentes malabarismos humanos deficitários da otimizadora modelagem técnico-logística), mas também o legislativo, com a previsão de expedientes verossímeis e não meras retóricas sedantes da opinião pública bem como o Executivo, hão de conjugar desforços ao mister constitucional. Nesse toar, a técnica esculpida no art. 475N, I, do CPC, propulsiona a atipicidade dos meios satisfativos das dívidas de valor, seja pela via da tutela condenatória ou declaratória. Ambas fornecem título suficiente à certificação do crédito e exequibilidade premente, a fim de sufragar executividade.

A insegurança das relações sociais no atual paradigma sensível avulta a relevância da declaração judicial. Bauman [60] é pródigo ao enumerar os desafios que transformam nosso tempo num viveiro de incertezas: com a glocalidade dos organismos decisórios, separou-se o poder da política, mitigando-se as atuações estatais nos empreendimentos e gerando ‘terceirização’ das funções outrora próprias dos aparatos governamentais; a exposição dos indivíduos aos caprichos do mercado da mão-de-obra e do consumo arrefece a coesão comunal, gerando insegurança porque solapa os alicerces da solidariedade social; a velocidade e/ou indiferença às relações sociais de emprego/afetivas transtorna o pensamento, produz colapso no planejamento e na própria ideia de progresso das gentes, desmembrando a linearidade das histórias de vida outrora entendida como maturação; a virtude que se proclama é a flexibilidade – prontidão para mudar de estilo e abandonar compromissos e lealdades a fim de buscar oportunidades concordes à disponibilidade atual, volátil por experiência e indiferente por opção. Afinal, os tempos e nossa existência são líquidos. O sociólogo polonês sintetiza: "O medo é reconhecidamente o mais sinistro dos demônios que se aninham nas sociedades abertas de nossa época. Mas é a insegurança do presente e a incerteza do futuro que produzem e alimentam o medo mais apavorante e menos tolerável. Essa insegurança e essa incerteza, por sua vez, nascem de um sentimento de impotência: parecemos não estar mais no controle, seja individual, separada ou coletivamente, e, para piorar ainda mais as coisas, faltam-nos as ferramentas que possibilitariam alçar a política a um nível em que o poder já se estabeleceu, capacitando-nos assim a recuperar e reaver o controle sobre as forças que dão forma à condição que compartilhamos, enquanto estabelecem o âmbito de nossas possibilidades e os limites à nossa liberdade de escolha: um controle que agora escapou ou foi arrancado de nossas mãos. O demônio do medo não será exorcizado até encontrarmos (ou, mais precisamente, construirmos) tais ferramentes" [61].

Mais que nunca, o acertamento justicial propalado pela tutela declaratória recolhe intrínseca legitimação social: delimita o nicho de segurança almejado às relações perdidas. A partir disto, a decorrência executiva é mera concretização eticamente aguardada, dispensado o reproche talvez dogmático, quiçá tecnicista, da sancionabilidade condenatória. Numa sociedade ambientada sobre movediços objetivos, os sentimentos de insegurança existencial e os temores disseminados dos perigos generalizados são endêmicos. Contra esta obnubilação de fins a serem almejados, a técnica exsurge como paliativo sensível; pena da população, heterônoma por contingência e infeliz pela vulnerabilidade, abandonar a utopia da paz, à medida que dispensou os cuidados com adequada justiça.

2.2.1. Nexo de imputação deontológico: sentença como técnica [62] sincrônica de modificação da realidade

A realidade normativa estipulada pelo neoconstitucionalismo confere novas responsabilidades a todas funções estatais e, particularmente, à jurisdição constitucional. Dentre os aspectos da multifuncionalidade teórica contemporaneamente inovada, destacam-se as técnicas de interpretação da Constituição e, por decorrência hierárquica, (re)leitura de todos departamentos do direito à vista da ordem suprema. As especificidades deontológicas desta estrutura constitucional sistematizou princípios instrumentais peculiares que, somados aos critérios interpretativos clássicos [63], recondicionam a própria sorte das decisões judiciais.

No atual quadrante pós-positivo, testemunha-se rotação epistêmica que, além de abrir as discussões processuais a novas pretensões materiais, reclama à jurisdição inédito poder de ‘acertamento’, não apenas acerca dos fatos (como outrora), mas precipuamente do direito – agora cravejado de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, princípios e conflitos de incidência normativa. Mais que a reforma dos ordenamento, torna-se premente a mutação das valências predispostas à justicialidade. Realidade normativa cristalizada por Luis Roberto Barroso: "Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis" [64].

Evidentemente, nunca foram tão presentes as considerações kelsenianas de que "a decisão judicial não tem, como por vezes se supõe, um simples caráter declaratório" [65], pelo fato da outrora aritmética subsuntiva prevista por Montesquieu ter sido inexpugnavelmente permeada à ponderação, tanto em função das intempéries congênitas à própria ordem normativa maleável como à guisa da elevação da sentença à efetiva fonte do direito. Ovídio sintetiza: "A configuração contemporânea da premissa da separação de poderes, como essencial ao denominado Estado de Direito, revela duas questões fundamentais, que constituem modernamente objeto de intensa elaboração doutrinária: I) o problema da ‘plenitude do ordenamento jurídico’, que haveria de ser editado por um legislador tão sábio a ponto de dispensar a ‘criação jurisprudencial do direito’, dogma este que o pensamento jurídico contemporâneo decididamente recusa; II) a questão da jurisdição como atividade complementar da função legislativa e não, como a doutrina clássica a supunha, atividade mais próxima da função administrativa" [66]. Até por que, em seu último escrito finaliza o eterno mestre, "as ‘certezas’, que não existem nem mesmo nas ciências naturais, não são – nunca foram – critérios ou objetivos próprios do Direito. A justiça, para desgosto de nossos teóricos, não poderá ser normatizada. Haverá de ser descoberta laboriosamente em casa caso concreto" [67].

Sopesada esta inerente função criativa da sentença no plano sócio-jurídico, tem-se que o acertamento concreto da amplitude das normas à topologia fática, independentemente da preponderância eficacial do provimento, transforma a realidade. O trabalho do juiz, ao examinar a dialética processual e definir a compleição deontológica do caso é absolutamente crítico e aproximativo entre o ‘ser’ e o ‘devir’: à medida da reconstrução standardizada no contexto probatório, valoram-se as consequências programadas pelos valores/princípios democraticamente constituídos (justiça, efetividade, segurança, etc.). Em suma, decisão é juízo de valor. Logo, mesmo um provimento declaratório, quando observa a ocorrência da "violação do direito" (art. 4º, §único, do CPC), grassam caracteres cognitivos de reprovabilidade dos atos/fatos praticados – pura valoração. A sentença condenatória – ao aplicar, ou não, a ‘sanção’ – nada mais modifica, seja no plano fático ou normativo, que similar/idêntico juízo de valor, infirmando a independência pragmática das emanações declarativa e condenatória. Quiçá, remanescem apenas subsídios éticos a fomentarem o juízo condenatório. De resto, quaisquer provimentos sentenciais – a despeito da carga eficacial preponderante – refletem a finalidade almejada pela sociedade; isto é, concretizar os valores/princípios normativos sobrejacentes, assumindo a efetividade como pressuposto e a justiça por meta a ser atingida: nada além da congruência dogmatizada no sistema dos arts. 475I c/c 475N, ambos do CPC.

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Sobre o autor
Cássio Benvenutti de Castro

Juiz de Direito em Porto Alegre (RS). Especialista em Direito. Mestrando em Direito pela UFRGS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Cássio Benvenutti. Fenecimento pragmático versus ressalva ética da tutela condenatória . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3095, 22 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20693. Acesso em: 23 dez. 2024.

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