4 AS BENFEITORIAS VOLUPTUÁRIAS E O DIREITO AO LAZER: RELEITURA CONSTITUCIONAL A FAVOR DO INDIVÍDUO EM DETRIMENTO DA COISA
As benfeitorias, de modo geral, são as despesas e/os melhoramentos feitos para a conservação, benefício ou embelezamento de um bem e podem ser classificadas em três espécies: necessárias, úteis ou voluptuárias, conforme a utilidade a que se destinam. Assim, far-se-á abordagem referente ao conceito e classificação, bem como o exame da (im)penhorabilidade das benfeitorias voluptuárias com base no direito constitucional ao lazer e suas interconexões.
4.1 Conceito e classificação de benfeitorias
Benfeitoria pode ser conceituada como sendo a obra ou despesa realizada pela pessoa (proprietária, possuidora ou detentora), na estrutura da coisa principal (bem móvel ou imóvel), com o propósito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008). Portanto, por serem as benfeitorias obras decorrentes da ação humana em bem já existente, excluem-se de sua noção as acessões naturais, que são efetuadas por elementos da natureza, e as acessões artificiais (construções e plantações), pois são obras que criam coisa nova [04].
A classificação está expressa nos parágrafos do art. 96 do Código Civil (CC), em que as benfeitorias podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias, como seguem, aproveitando-se noções e exemplos de Gagliano e Pamplona Filho (2008), Lisboa (2009), Diniz (2005), Gonçalves (2007), Venosa (2006) e Rizzardo (2004):
a) benfeitorias necessárias: o § 3° do art. 96, do CC, dispõe que elas visam a conservar o bem ou evitar que se deteriore. São necessárias quando realizadas para evitar que o bem principal se danifique, ou ainda as realizadas para evitar um estrago iminente em relação ao bem; trata-se de um acréscimo essencial para a preservação do bem, como, por exemplo, obra de reforço de uma laje infiltrada do prédio, serviços realizados num alicerce da casa que cedeu, reconstrução de um assoalho que apodreceu, colocação de cerca de arame farpado para proteger uma plantação. Ao possuidor de má-fé no caso das benfeitorias necessárias reconhece-se a faculdade de ser reembolsado pelo seu valor; ao possuidor de boa-fé é reconhecido, além do direito de reembolso, o direito de retê-la até receber o valor pago pela benfeitoria.
b) benfeitorias úteis: o § 2° do art. 96, do CC, dispõe que elas são as que aumentam ou facilitam o uso do bem; são empreendidas com a finalidade de facilitar a utilização da coisa e/ou acrescentar valor, sem serem benfeitorias necessárias; acréscimo que permite uma melhor fruição da coisa e o proveito imediato para seu possuidor, como, por exemplo, a construção de mais um quarto em uma casa, uma melhoria proveitosa para os que nela residem, a instalação de aparelhos sanitários modernos ou a construção de uma garagem. Quanto ao direito de retenção, ao possuidor de má-fé, ao contrário do que se constata nas benfeitorias necessárias, não se aceita o reembolso do valor pago; já ao possuidor de boa-fé, como se entende no caso das necessárias, também tem o direito de ser indenizado e ainda o direito de retenção até ser ressarcido pelas despesas com o melhoramento feito.
c) benfeitorias voluptuárias: também chamadas de voluntárias ou voluptuosas, dispostas no CC, no art. 96, § 1°, como as de simples deleite, embelezamento ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor; possuem como característica principal a destinação ao lazer dos ocupantes do bem principal ou ainda para o seu aformoseamento, como, por exemplo, objetos de luxo e recreação, como ajardinamento, mirantes, fontes, cascatas artificiais em uma residência, bem como outras benfeitorias que não aumentem (ou o aumentem em proporção insignificante) o valor venal do bem no mercado em geral; colocação de quadros nas paredes; substituição de um piso comum de um apartamento por outro de mármore, mais sofisticado, que torne o bem mais bonito e agradável; construção de uma piscina ou quadra de tênis em uma residência para uso comum da família. Nessas benfeitorias, não há direito de indenização pelos gastos decorrentes da sua implantação, mas podem ser levantadas pelo possuidor de boa-fé desde que sua retirada não danifique a estrutura e a substância da coisa. Pode, ainda, o reivindicante preferir ficar com elas, indenizando seu valor ao possuidor de boa-fé, ou seja, a finalidade de garantir este direito é evitar o enriquecimento sem causa do proprietário pelas despesas então realizadas. Já o possuidor de má-fé não tem direito de levantar as benfeitorias voluptuárias, pois realizadas por ato ilícito (CC, art. 1.220).
É importante salientar que essa classificação tem caráter relativo, já que uma mesma benfeitoria pode ser inserida em uma ou em outra espécie, como, por exemplo, dependendo das circunstâncias, uma piscina pode ser considerada benfeitoria necessária numa escola de natação, mas voluptuária numa residência.
4.2 A (im)penhorabilidade das benfeitorias voluptuárias com base no direito social constitucional ao lazer e suas interconexões
Para melhor compreensão deste item, se faz necessário primeiro entender o instituto da penhora. Segundo a clássica definição de Liebman (1980, p. 124), "a penhora é o ato pelo qual o órgão judiciário submete a seu poder imediato determinados bens do executado, fixando sobre eles a destinação de servirem à satisfação do direito do exequente". Trata-se, pois, de ato de natureza executória.
Como regra, são penhoráveis os bens do devedor que possuam liquidez e que possam ser rapidamente expropriados. De acordo com o art. 655, do Código de Processo Civil (CPC), a penhora observará preferencialmente a ordem decrescente de liquidez e celeridade na expropriação dos bens relacionados no artigo. Assim, são penhoráveis os bens móveis e imóveis do devedor que contenham conteúdo econômico, desde que respeitadas as exceções do art. 649 do CPC.
As situações de impenhorabilidade devem ser tratadas como situações excepcionais, e são três as categorias: bens absolutamente impenhoráveis, bens relativamente impenhoráveis e bens de residência. Redondo e Lojo (2009, p 82) esclarecem a diferença entre elas:
Diz-se absoluta quando a impenhorabilidade constitui vedação integral à execução dos bens (art. 649 do CPC). Relativa, quando é vedada a execução de determinados bens se houver outros bens com livre penhorabilidade (art. 650). Finalmente, a impenhorabilidade do bem de residência também é absoluta, mas é regulada por outro diploma legal (Lei 8.009/90).
A Lei 8.009/90 versa sobre a impenhorabilidade do bem de família que abrange o imóvel, bem como os bens móveis que o guarnecem. Esclarece Destefenni (2009) que o bem deve ser utilizado por uma entidade familiar, ou por um devedor, para fins residenciais, sendo que o art. 5° da referida lei considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Isso significa que, ao se tratar de norma de ordem pública e de interesse social, está revelando o princípio da dignidade da pessoa humana e entendendo-se que a preservação da família vem antes da satisfação do credor. Do mesmo modo entendem Redondo e Lojo (2007, p. 81) quando esclarecem que, "por meio da impenhorabilidade, limita-se o âmbito patrimonial do devedor, suscetível de intervenção do Estado executor. Trata-se, portanto, de consagração do princípio da reserva do mínimo necessário à salvaguarda da dignidade humana".
Dentre os bens absolutamente impenhoráveis destacam-se os relacionados no inc. ll do art. 649 do CPC, complementado pelo parágrafo único do art. 1° e pelo art. 2° da Lei 8.009/90, que se referem aos bens móveis que guarnecem a residência do executado, desde que quitados, com ressalva aos de elevado valor ou que excedam as necessidades a um médio padrão de vida. Destaca-se a subjetividade presente nos conceitos de "elevado valor" e "necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida", conforme Redondo e Lojo (2007, p. 88), portanto:
[...] deverá o magistrado, superando os métodos tradicionais de interpretação, participar da formação da regra para o caso concreto, utilizando-se da ponderação de bens e valores, da proporcionalidade e da razoabilidade. Dessarte, deverá dar concretude à norma abstrata, adequando os meios e os fins, [...] na hipótese da análise concreta da condição econômica das partes e da situação daquela região do País.
Por conseguinte, nos termos de Czajkowski (2001, p. 109), "móveis e utensílios [...] são impenhoráveis na medida em que permitam ao devedor e sua família, não apenas a sobrevida, mas a convivência digna no meio em que se inserem". Ainda, ressalva, "o necessário para a vida, portanto, não pode ser compreendido como uma draconiana redução ao pão e à água. A convivência social é o pressuposto da dignidade do cidadão" (p. 115).
Conforme fundamentação no Agravo de Instrumento n° 70028309565 da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, compreende-se que a intenção do legislador ao modificar o art. 649, ll do CPC, por meio da Lei 11.382/06 foi, segundo as palavras do Relator Des. Romeu Marques Ribeiro Filho, "garantir a manutenção do lar e o bem-estar da família, mediante a utilização daqueles bens que lhe ofereçam lazer, cultura e informação, desde que não se caracterizem como objetos de luxo, dando aos seus integrantes o mínimo de dignidade".
O art. 3° da Lei 8.009/90 evidencia algumas hipóteses da penhorabilidade restrita do bem de família. Todavia, Czajkowski (2001, p. 148) lembra que "a ocorrência de qualquer uma das hipóteses aí elencadas não torna o imóvel residencial e os móveis que o guarnecem plenamente penhoráveis", visto que a penhorabilidade prevista neste artigo favorece unicamente o credor ou o crédito mencionado em um dos incisos.
Pelo exposto, percebe-se que, de regra, as benfeitorias voluptuárias não estariam protegidas pela legislação, sendo possível a sua penhora como garantia de execução de uma dívida em face de um credor.
Porém, da análise da Lei 8.009/90, art. 1°, § único, que dispõe: "a impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados" (grifo nosso), percebe-se que este estende a abrangência da impenhorabilidade sobre as acessões e benfeitorias, bem como os móveis que guarnecem a residência. Czajkowski (2001) ressalta que a referência legal é genérica, sem ser exaustiva, dando margem a interpretações divergentes.
A expressão legal "de qualquer natureza", segundo o doutrinador, sugere que o benefício compreende todas as modalidades de benfeitorias, quais sejam: voluptuárias, úteis ou necessárias. No entanto, esclarece que, pela acessoriedade em relação à coisa principal, é compreensível associar que se estende a impenhorabilidade às benfeitorias úteis e necessárias; porém, levanta uma dúvida em relação às voluptuárias, pelo fato de a doutrina caracterizá-las como obras de arte e adornos suntuosos. A dúvida paira sobre a questão de estarem ou não essas benfeitorias excluídas do benefício conferido pela Lei 8.009/90 por força do caput do art. 2°, que dispõe: "excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos".
O que se verifica em parte da jurisprudência é que as benfeitorias voluptuárias estão abarcadas pela expressão "de qualquer natureza". Veja-se o julgado a seguir:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. A teor do disposto parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 8.009/90, a impenhorabilidade do imóvel residencial abrange as benfeitorias de qualquer natureza que nele existam. Nessa abrangência ampla de benfeitorias, ainda que não se trate de bem indispensável à entidade familiar, insere-se a piscina cuja remoção certamente causaria danos à sua estrutura e demandaria gastos demasiadamente elevados em especial se confrontados com o quantum exeqüendo e com o valor do bem. AGRAVO PROVIDO. (Agravo de instrumento n° 70014104475, 5ª Câmara Cível Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Ana Maria Nedel Scalzilli, julgado em 05 abr. 2006) (grifo nosso).
Nesse sentido também é o voto do Relator Des.Osvaldo Stefanello, da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível n° 70000875831, julgado em 17 de outubro de 2001:
Na minha ótica, a piscina realizada no imóvel enquadra-se como benfeitoria e assim torna-se impenhorável, nos termos do art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.009, de 29.3.1990. É de notar que esse dispositivo determina a impenhorabilidade do imóvel bem como das benfeitorias de qualquer natureza, incluindo portanto até as voluptuárias ou suntuárias, isto é, as que tornam a coisa mais agradável ou a embelezam. Basta que se trate de benfeitoria, cujo conceito é estabelecido pela doutrina como sendo as despesas e obras com a conservação, melhoramento ou aformoseamento de uma coisa (ver, por todos, Orlando Gomes, Introdução ao Direito Civil, 10ª. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1988, nº 150, p. 243-244). Inconfundível, pois, a espécie com a exclusão determinada no art. 2º da mencionada Lei 8.009/90, a respeito dos adornos suntuosos, que são objetos independentes do imóvel, e que podem tornar mais agradável ou bela a vida dos habitantes do prédio, mas não a própria coisa (grifo nosso).
Percebe-se, pois, que é feita distinção entre os institutos, e conforme argumenta Czajkowski (2001, p. 107), há de se fazer essa diferenciação, uma vez que as obras de arte e adornos suntuosos serão penhoráveis quando considerados "de grande luxo, pomposos, ostensivamente caros". Nesse sentido, não há de se confundir com benfeitorias voluptuárias. Em suma, explica que obra de arte é "toda manifestação do intelecto e da criatividade do ser humano, produzida e valorizada em face da originalidade e da personalidade do autor" (p. 106). O autor completa que se estas obras – e aqui se entende serem as artes plásticas como pinturas e esculturas – estão desvinculadas do imóvel, ou seja, podem ser retiradas sem causar prejuízo do conteúdo e integridade do bem principal, então sobrevém a exceção do art. 2º, caput. No entanto:
[...] quando obras de arte desta natureza são concebidas a partir da própria construção e estejam intimamente associadas a ela, ou são elaboradas de modo a não permitir a sua remoção, salvo se destruídas; aí, além de obras de arte serão benfeitorias voluptuárias, impenhoráveis juntamente com o imóvel residencial por força de invencível acessoriedade. É o caso, por exemplo, de um mural, pintado por artista famoso sobre parede ou sobre azulejos já aplicados (CZAJKOWSKI, 2001, p. 106).
Quanto ao "adorno", define-o como enfeite ou decoração, cujos elementos normalmente não aderem ao imóvel, não se tornam acessório dele, mas apenas o complementam funcional e esteticamente e são, de modo geral, peças luxuosas e ostensivamente caras. Neste caso, afirma o autor, aplica-se a regra do caput do art. 2°, nada tendo de ver com as benfeitorias mencionadas no art. 1°, § único. Podem coexistir, contudo, adornos suntuosos que aderem permanentemente à construção, como é o exemplo citado de azulejos que não podem ser removidos sem ocorrerem danos durante o processo, os quais passam a ser, concomitantemente, adornos suntuosos e benfeitorias voluptuárias, impenhoráveis por força da acessoriedade. Entretanto, cabe ao julgador fazer uso de prudente arbítrio na análise de tais conceitos, uma vez que "há grau de subjetividade muito grande no entendimento do que seja obra de arte, suficientemente valiosa para receber tal denominação a ter alguma utilidade a penhora; ou do que seja ‘suntuoso’ em face das condições econômicas das partes e do próprio Juiz" (CZAJKOWSKI, 2001, p. 107).
Afirma, também, que, para definir o que é supérfluo ou suntuoso, para se encaixar na exceção do art. 2°, caput, da Lei 8.009/90, é necessário utilizar a razoabilidade em relação aos valores em conflito:
A par da distinção preliminar que se fez, de que convivência é algo mais do que sobrevida para caracterização da dignidade, outra premissa, portanto, também deve ser levada em conta como norteadora de definições nesta matéria: a comparação ética entre os valores em jogo. Numa perspectiva, cumpre avaliar a natureza do crédito, se alimentar ou meramente financeiro, a sua origem, o seu montante, a transcendência do seu recebimento para o credor. Noutra perspectiva, a posição do devedor: os limites éticos para o argumento da dignidade, as razões do inadimplemento (nem sempre justificativas eximentes), a conjuntura socioeconômica em que se encontra. É neste exame, com certeza mais profundo que o lacônico texto da lei, que faz com que um simples televisor às vezes seja considerado impenhorável, às vezes não (CZAJKOWSKI, 2001, p. 110).
Nesse sentido, entende-se que as benfeitorias voluptuárias destinadas ao lazer do indivíduo e da sua família, com a finalidade de proporcionar uma vida digna e saudável, como direito social constitucionalmente garantido, conforme explicado anteriormente, não devem ser penhoradas, sob pena de ferir tais direitos. Tal alegação encontra respaldo em parte da jurisprudência:
PENHORA – Incidência sobre parte do imóvel – alegação de bem de família – Inconformismo acolhido – Hipótese em que houve a unificação de lotes, com construções de benfeitorias voltadas ao lazer e ao abrigo de carros – ausência de discussão sobre a destinação do bem – Formalização da pretensão de unificação e término das obras antes da propositura da execução – Dolo de furtar-se da responsabilidade patrimonial não evidenciado – Irrelevância da possibilidade de desmembramento – Inteligência do art. 1° da Lei 8.009 de 29.03.1990 – decisão reformada – Recurso provido (Agravo de Instrumento n° 1.340.888-3, Comarca de São Carlos, Nona Câmara do extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo; participaram do julgamento Des. Willian Marinho e José Cardoso Neto; julgado em 26 jan. 2005). (grifo nosso).
Lembram os Desembargadores do julgado anterior que "sendo indiscutível que a residência tem fim de uso da família, a unificação, com a construção de área de lazer, apenas acresceu maiores e melhores condições de moradia e habitação". Ademais, ressaltam que o "fato de ser possível o desmembramento não altera a natureza do imóvel e tampouco implica descaracterização de seu uso". Ainda, com relação à natureza das benfeitorias construídas, destacam que "o próprio texto legal disciplinador da matéria estabelece que a impenhorabilidade compreende o imóvel e ‘as benfeitorias de qualquer natureza’ (Lei n° 8009/90 - art. 1°, § único), vale dizer, não leva em conta o tipo de benfeitoria e/ou sua destinação, desde que de uso da unidade familiar", como também se observa da ementa abaixo, do Tribunal paulista:
EMBARGOS À EXECUÇÃO - Bem de família - Penhora incidente sobre bem imóvel, no qual residem o embargante e sua família, incluindo-se a área útil e de lazer a ela ligada - Imóvel de entidade familiar que é impenhorável - Lei 8.009/90 que não impede que a residência tenha área de lazer - Penhora anulada - Recurso provido em parte para esse fim. (Apelação Cível n. 0006314-39.2004.8.26.0319, 23ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Relator: Rizzatto Nunes. Julgamento: 11 ago. 2010). (grifo nosso).
De outro lado, é importante referir que o julgador, em casos concretos, deverá também levar em conta o lado do credor, no sentido de, ao indeferir a penhora de benfeitorias voluptuárias do devedor, evitar deixar o credor desprotegido de princípios vitais da dignidade humana, como, por exemplo, no caso de alimentos.
Ante o atual contexto de grandes mudanças sociais e tecnológicas, boa parcela das pessoas dedica a maior parte do seu dia ao trabalho e acaba seguindo comportamentos menos adequados à manutenção da saúde e da qualidade de vida. Nesse sentido, entende Nahas (2008, texto digital) a importância do lazer na vida das pessoas, pois é ele que "promove a saúde e o bem-estar, possibilitando aos indivíduos escolherem atividades que sejam adequadas aos seus interesses e necessidades. É, pois, no lazer, que se materializam os momentos mais significativos e dignificantes para o ser humano". Por isso, é necessário, além de hábitos alimentares equilibrados e da prática de exercícios, ter momentos de lazer, individualmente ou na companhia de amigos ou de familiares.
Nesse sentido, no mês de maio de 2010, a ONU, por meio de pesquisa inédita realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), revelou que a violência apavora os gaúchos e modifica os hábitos da população, ou seja, que a violência tem aumentado e assusta 92٪ dos gaúchos e que mais de 22٪ das pessoas pesquisadas já modificou o seu quotidiano, como sair à noite, além de ter desenvolvido dificuldade para dormir, sendo que o tipo de violência que mais incomoda é a perpetrada pelos bandidos (52٪). Por isso, em relação ao tempo de lazer satisfeito no ambiente familiar, Gonzatto (2010) constata que a mudança de hábito da população percebida atualmente é devido aos índices de violência que vêm aumentando continuamente, ou seja, as pessoas estão preferindo permanecer em casa como medida de segurança, em vez de fazer atividades de lazer fora de suas residências. E essa situação não é diferente em outras regiões do país.
Portanto, nos termos de Chemin (2003), o direito social ao lazer pode e deve ser um meio para atingir o fim, que é a dignidade da pessoa humana, inclusive na ocorrência de benfeitorias voluptuárias como bens impenhoráveis do indivíduo e sua família.