CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil (assim como o mundo) vive um momento de mudanças no direito administrativo, principalmente após a Magna Carta de 1988. O Estado, na condição de administrador do patrimônio público e dos serviços públicos, tem sido cada vez mais pressionado pela sociedade e até mesmo por organismos internacionais, que têm exigido um Estado mais justo e eficiente.
No final do século XIX tem-se o marco da primeira reforma administrativa, quando foi encerrado o ciclo da Administração Pública Patrimonialista, própria de um governo absolutista, no qual o patrimônio do Estado se confundia com o patrimônio do rei, assim como os servidores públicos o eram também da coroa. Doravante surgiu a Administração Pública Burocrática, adequada a um Estado Liberal, marcada pelo autorreferenciamento. A burocracia estaria encarregada de manter a racionalidade, a combater a corrupção, o nepotismo e práticas semelhantes. Para se contrastar ao regime anterior, cujo referencial era a vontade do rei, a administração burocrática se pautava no formalismo, rigidez e rigor dos procedimentos. O problema é que isso tudo não garantia que os cidadãos teriam uma vida melhor.
Na segunda metade do século XX tem início a segunda reforma administrativa, nascendo a Administração Pública Gerencial, que passa a ter como referência, não o governante, nem os procedimentos, mas o cidadão. Este é reconhecido como cliente de toda ação administrativa, e que tudo o que era feito deveria tornar a vida daquele melhor. Esse é o fim último da Administração. A Administração Pública Gerencial se preocupa com os resultados, com as estatísticas de desempenho. Nisso reside a busca mais específica pela eficiência.
Nesse contexto é que são verificadas várias medidas para se alcançar esta eficiência, tais como a adoção de princípios próprios da ciência da administração, descentralização, a flexibilização das formas, criação de agências, a terceirização de serviços e mãos-de-obra, controle social, exigência de respeito a princípios e valores democráticos pela Administração e tantas outras coisas.
É interessante observar os caminhos trilhados pelo gerencialismo no Brasil. Alguns dos maiores escândalos de corrupção já ocorridos no País, o foram nos últimos oito anos. O Governo persegue a estabilidade da moeda e o controle da inflação. Conclusão: tanto a atual Presidenta da República, quanto seu antecessor, gozam da simpatia da sociedade, tendo em vista os resultados na área econômica.
Assim, mecanismos modernos e inovadores têm sido lançados e utilizados pela Administração Pública para alcançar resultados. Um deles foi o registro de preços, previsto no art. 15. da Lei 8.666/93, através do qual a Administração Pública obtém um cadastro de fornecedores e preços de determinados bens ou serviços conforme especificações de um edital, sendo este procedimento literalmente compensatório, pois não carece de previsão orçamentária, atende à eventuais surpresas do consumo, permite a manutenção de estoques de volume reduzido, exige certo planejamento do órgão tendo em vista a existência de prazo de vigência da ata, reduz o número de licitações e confere celeridade às contratações. Portanto, não há dúvida de que se trata de instrumento idôneo a ser utilizado pela Administração Pública.
Apoiado na inovação do registro de preços, através do Decreto n°3.931/01, surgiu a possibilidade de adesão ao registro de preços por órgão não-participante da licitação. Utilizando-se de licitação já realizada por determinado órgão, qualquer órgão do País poderia contratar, desde que demonstrasse a vantagem.
O problema é que a adesão à ata de registro de preços de outro órgão atenta contra o princípio da obrigatoriedade da licitação e vinculação ao instrumento convocatório. Ignora a exigência de imparcialidade, impessoalidade, isonomia e concorrência entre os fornecedores, por ter o vencedor a prerrogativa de realizar centenas de contratações com o Poder Público não previstas inicialmente e pelas quais os demais fornecedores não tiveram oportunidade de fazer propostas. O Carona é um golpe nas contas públicas, na economicidade, visto que, a maior quantidade de aquisições, que deveria ser motivo de maiores vantagens para o erário público, é transferida para o fornecedor, que, pelo preço comum para quantidade determinada, pode vir a fornecer quantidade muitíssimo superior. A adesão à ata de registro de preços abre a possibilidade para os órgãos escolherem determinadas marcas para contratação, ou mesmo escolherem determinadas empresas para contratação. A discricionariedade do agente público com o carona torna esse procedimento muito exposto à corrupção.
Como se não bastasse os vícios já expostos, o carona padece de um vício de legalidade, pois cria uma forma de dispensa de licitação, quando somente a lei, ato oriundo do processo legislativo, poderia tê-lo feito.
Por fim, mesmo que o carona fosse instituído por lei, mesmo que um Projeto de Lei o inserisse no mundo jurídico, ainda sim permaneceriam vícios constitucionais e legais insanáveis.
A Administração Pública e a sociedade não podem achar que a eficiência é um fim em si mesma, que se trata de um princípio a ser alcançado a qualquer preço. O Brasil tem vivido momento em que, para alcançar objetivos intermediários, princípios seculares ou disposições constitucionais têm sido simplesmente ignorados. É o mesmo que demolir uma casa por causa de uma janela. É o que acontece com o procedimento do carona, o qual usa do argumento da eficiência, mas que na verdade não está tão próximo a ela.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública: foco nas instituições e ações governamentais. 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2010.
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed., São Paulo, Malheiros, 2006.
Notas
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www.grandesconstrucoes.com.br
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www.noticias.uol.com.br
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TC 019.708/90-4, DOU de 22/10/91, p. 23.181.
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Carona em sistema de registro de preços: uma opção inteligente para redução de custos e controle. Disponível em: <https://www.jacoby.pro.br/Carona.pdf>. Acesso em: 10 set 2011.