Artigo Destaque dos editores

A compra pública sem licitação: adesão ao registro de preços.

Uma análise de legalidade e conveniência

Exibindo página 3 de 3
30/12/2011 às 15:57
Leia nesta página:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil (assim como o mundo) vive um momento de mudanças no direito administrativo, principalmente após a Magna Carta de 1988. O Estado, na condição de administrador do patrimônio público e dos serviços públicos, tem sido cada vez mais pressionado pela sociedade e até mesmo por organismos internacionais, que têm exigido um Estado mais justo e eficiente.

No final do século XIX tem-se o marco da primeira reforma administrativa, quando foi encerrado o ciclo da Administração Pública Patrimonialista, própria de um governo absolutista, no qual o patrimônio do Estado se confundia com o patrimônio do rei, assim como os servidores públicos o eram também da coroa. Doravante surgiu a Administração Pública Burocrática, adequada a um Estado Liberal, marcada pelo autorreferenciamento. A burocracia estaria encarregada de manter a racionalidade, a combater a corrupção, o nepotismo e práticas semelhantes. Para se contrastar ao regime anterior, cujo referencial era a vontade do rei, a administração burocrática se pautava no formalismo, rigidez e rigor dos procedimentos. O problema é que isso tudo não garantia que os cidadãos teriam uma vida melhor.

Na segunda metade do século XX tem início a segunda reforma administrativa, nascendo a Administração Pública Gerencial, que passa a ter como referência, não o governante, nem os procedimentos, mas o cidadão. Este é reconhecido como cliente de toda ação administrativa, e que tudo o que era feito deveria tornar a vida daquele melhor. Esse é o fim último da Administração. A Administração Pública Gerencial se preocupa com os resultados, com as estatísticas de desempenho. Nisso reside a busca mais específica pela eficiência.

Nesse contexto é que são verificadas várias medidas para se alcançar esta eficiência, tais como a adoção de princípios próprios da ciência da administração, descentralização, a flexibilização das formas, criação de agências, a terceirização de serviços e mãos-de-obra, controle social, exigência de respeito a princípios e valores democráticos pela Administração e tantas outras coisas.

É interessante observar os caminhos trilhados pelo gerencialismo no Brasil. Alguns dos maiores escândalos de corrupção já ocorridos no País, o foram nos últimos oito anos. O Governo persegue a estabilidade da moeda e o controle da inflação. Conclusão: tanto a atual Presidenta da República, quanto seu antecessor, gozam da simpatia da sociedade, tendo em vista os resultados na área econômica.

Assim, mecanismos modernos e inovadores têm sido lançados e utilizados pela Administração Pública para alcançar resultados. Um deles foi o registro de preços, previsto no art. 15 da Lei 8.666/93, através do qual a Administração Pública obtém um cadastro de fornecedores e preços de determinados bens ou serviços conforme especificações de um edital, sendo este procedimento literalmente compensatório, pois não carece de previsão orçamentária, atende à eventuais surpresas do consumo, permite a manutenção de estoques de volume reduzido, exige certo planejamento do órgão tendo em vista a existência de prazo de vigência da ata, reduz o número de licitações e confere celeridade às contratações. Portanto, não há dúvida de que se trata de instrumento idôneo a ser utilizado pela Administração Pública.

Apoiado na inovação do registro de preços, através do Decreto n°3.931/01, surgiu a possibilidade de adesão ao registro de preços por órgão não-participante da licitação. Utilizando-se de licitação já realizada por determinado órgão, qualquer órgão do País poderia contratar, desde que demonstrasse a vantagem.

O problema é que a adesão à ata de registro de preços de outro órgão atenta contra o princípio da obrigatoriedade da licitação e vinculação ao instrumento convocatório. Ignora a exigência de imparcialidade, impessoalidade, isonomia e concorrência entre os fornecedores, por ter o vencedor a prerrogativa de realizar centenas de contratações com o Poder Público não previstas inicialmente e pelas quais os demais fornecedores não tiveram oportunidade de fazer propostas. O Carona é um golpe nas contas públicas, na economicidade, visto que, a maior quantidade de aquisições, que deveria ser motivo de maiores vantagens para o erário público, é transferida para o fornecedor, que, pelo preço comum para quantidade determinada, pode vir a fornecer quantidade muitíssimo superior. A adesão à ata de registro de preços abre a possibilidade para os órgãos escolherem determinadas marcas para contratação, ou mesmo escolherem determinadas empresas para contratação. A discricionariedade do agente público com o carona torna esse procedimento muito exposto à corrupção.

Como se não bastasse os vícios já expostos, o carona padece de um vício de legalidade, pois cria uma forma de dispensa de licitação, quando somente a lei, ato oriundo do processo legislativo, poderia tê-lo feito.

Por fim, mesmo que o carona fosse instituído por lei, mesmo que um Projeto de Lei o inserisse no mundo jurídico, ainda sim permaneceriam vícios constitucionais e legais insanáveis.

A Administração Pública e a sociedade não podem achar que a eficiência é um fim em si mesma, que se trata de um princípio a ser alcançado a qualquer preço. O Brasil tem vivido momento em que, para alcançar objetivos intermediários, princípios seculares ou disposições constitucionais têm sido simplesmente ignorados. É o mesmo que demolir uma casa por causa de uma janela. É o que acontece com o procedimento do carona, o qual usa do argumento da eficiência, mas que na verdade não está tão próximo a ela.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.

BRASIL. Decreto n° 3.931, de 19.9.2001 – Regulamenta o sistema de registro de preços.

BRSIL. Lei n° 8.666, de 21.6.1993 – Regulamenta o art. 37, XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª ed., São Paulo, Atlas, 2011.

MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública: foco nas instituições e ações governamentais. 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2010.

MELO, José Arteiro Vieira de. As contratações da Administração Pública mediante adesão aos registros de preços realizados por órgãos ou entidades diversos do contratante. Jus Navigand, Teresina, ano 16, n. 3001, 19 set 2011. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/20017. Acesso em: 11 out 2011.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27ª ed., São Paulo, Atlas, 2011.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas Licitações e Contratos. 9ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2002.

OLIVEIRA FILHO, Sérgio Veríssimo de. O sistema de registro de preços e o "carona". Jus Navigand. Teresina, ano 16, n. 2813, 15 mar 2011. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/18671. Acesso em: 11 out 2011.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª ed., São Paulo, Malheiros, 2006.


Notas

  1. www.grandesconstrucoes.com.br
  2. www.notícias.uol.com.br
  3. TC 019.708/90-4, DOU de 22/10/91, p. 23.181.
  4. Carona em sistema de registro de preços: uma opção inteligente para redução de custos e controle. Disponível em: <http://www.jacoby.pro.br/Carona.pdf>. Acesso em: 10 set 2011.
Assuntos relacionados
Sobre o autor
André Luís da Silva Gomes

Advogado em Ubá (MG). Professor de curso preparatório para concurso e em curso técnico profissionalizante na EVATA – Educação Avançada. Servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais – Campus Rio Pomba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, André Luís Silva. A compra pública sem licitação: adesão ao registro de preços.: Uma análise de legalidade e conveniência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3103, 30 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20749. Acesso em: 5 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos