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Homologação de sentença arbitral estrangeira

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6. REQUISITOS NEGATIVOS DA HOMOLOGAÇÃO

Os Estados signatários se comprometem a acatar obrigatoriamente todas as hipóteses obstativas de homologação, seja por impugnação das partes, seja oficiosamente. A convenção autoriza, contudo, certa discricionariedade quanto a forma de implementar tais hipóteses impeditivas.

Notar que as hipóteses de nulidade da sentença arbitral previstas no artigo 32 da lei de arbitragem valem tão somente para sentenças nacionais, isto é, proferidas no território brasileiro. Para as sentenças arbitrais estrangeiras só podem ser arguidas as mesmas matérias passíveis de descontituição da sentença estrangeira, ou seja, as enumeradas no artigo 741 do CPC, em sede de embargos à execução. [28]

6.1 EXCEÇOES AO PLEITO HOMOLOGATÓRIO

6.1.1 INCAPACIDADE DAS PARTES

O artigo 1º do Código Civil brasileiro reza que "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil." Não obstante, como bem leciona Caio Mário Da Silva:

Se a capacidade de direito é determinada com a personalidade, de que naturalmente decorre, a capacidade de fato ou de exercício nem sempre coincide com a primeira, porque algumas pessoas, sem perderem os atributos da personalidade, não têm a faculdade do exercício pessoal e direto dos direitos civis. [29]

Sendo assim, tais individuos, porque despidos da capacidade de exercer pessoalmente seus direitos civis, não podem validamente firmar convenção de arbitragem.

Dito isto, ao iniciar uma arbitragem internacional compete ao árbitro verificar a capacidade dos contratantes. Embora a lei de arbitragem não diga qual será a lei parâmetro para aferir a capacidade das partes, a Convenção de Nova Iorque o faz, porém de maneira confusa. Nesse esteio, oportuno o comentário de Carlos Alberto Carmona, para quem "nada dizer (como se fez no Brasil) e dizer um pouco de tudo (como se fez em Nova Iorque) conduz o interprete às mesmas dúvidas."

Com efeito, a mencionada convenção oferece três opções ao magistrado: a lei aplicável às partes, a lei escolhida pelas mesmas ou, na ausência de escolha, a lei do local em que for proferida a sentença arbitral.

Segundo Carmona, já que a convenção não explicita como o árbitro fará para concluir qual a lei aplicável às partes, deve-se tomar por base a lei escolhida pelas partes.

Diversamente, Lauro da Gama e Souza Junior entende que

"No direito internacional privado, a capacidade da pessoa natural é, via de regra, aferida segundo sua lei pessoal, isto é, a lei do Estado em que possui domicílio ou a lei do Estado de sua nacionalidade e é, portanto em conformidade com esta lei – e nao com a lei aplicável ao acordo de arbitragem – que deverá ser examinada a capacidade da parte, à luz do texto legal." [30]

Este parece ser o entendimento mais acertado, pois não se pode permitir que as partes usem a autonomia da vontade como pretexto para se subtraírem a incidência de normas de ordem pública, como é o caso das regras que regem a capacidade das pessoas.

Segundo este entendimento, um brasileiro residente na França teria sua capacidade avaliada segundo a legislação francesa, porquanto no Brasil vige o ius domicilii. [31]Ocorre que a lei francesa adota o critério da nacionalidade, o que reenvia a questão à lei nacional. Contudo, a Lei de Introdução ao código civil obsta expressamente o reevio consoante dicção do artigo 16, verbis:

Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar qualquer remissão por ela feita a outra lei.

No que concerne a capacidade das pessoas jurídicas existem dois critérios predominantes: o do local de constituição da pessoa jurídica e o da sede efetiva da administração principal.

Nesse esteio, Lauro da Gama Junior aventa a hipótese de uma determinada sociedade alegar a própria incapacidade no momento da pactuação da convenção de arbitragem a fim de impugnar a homologação da sentença arbitral. O autor sustenta que esta alegação tipificaria a conduta venire contra factum proprium, que impede a parte de invocar a nulidade a que voluntariamente deu causa.

Outro ponto que merece atenção particular concerne à capacidade do Estado e suas emanações para validamente firmar uma convenção de arbitragem. Para tanto, a doutrina se vale da tradicional distinção entre atos de gestão e atos de império. Assim, entende-se plenamente possível o recurso à arbitragem pela Administração quando esta pratica atos de natureza privada, equiparando-se aos particulares. Ainda assim, parte da doutrina sujeita a possibilidade de submissão de contratos firmados pelo Poder Público a duas condições: que a avença seja regida pelo direito privado e que haja autorizacão legal para recorrer à arbitragem.

No que tange à autorização legal, Emilio Nunes Pinto argumenta que esta existe e está estampada no artigo 1° da Lei de arbitragem. O doutrinador prossegue afirmando que a existência de leis especiais que contêm essa autorização – como é o caso da lei 8.987/95 sobre concessão e prestação de serviços públicos – não significa que apenas em tais hipóteses admite-se o recurso a juízo arbitral, mas tão somente que, em tais contratos a cláusula compromissória constitui requisito essencial de validade:

Parece-nos evidente que a questão relativa à inarbitrabilidade subjetiva nos contratos com o Estado não seja de natureza a permitir que se possa superá-la para determinadas áreas em detrimento de outras. A prevalecer o entendimento corrente, somos obrigados a admitir a inconsistência lógica, já que o sujeito da arbitragem seria o mesmo Estado ou qualquer de suas empresas controladas

[...]

Portanto, entendemos que, a despeito de respeitáveis opiniões, não se possa tratar como exceção a matéria da arbitrabilidade subjetiva nos contratos com o Estado. Assim sendo, somos de opinião que inexiste qualquer princípio geral que, per se, impeça o Estado e suas empresas de participar de procedimentos arbitrais. Superado este obstáculo, entendemos, entretanto, que, por força do princípio da legalidade, a arbitrabilidade subjetiva esteja a depender de autorização legal. Finalmente, entendemos que essa autorização geral existe e está presente no texto do artigo 1º da Lei de Arbitragem. [32]

Gustavo Henrique Tepedino [33] perfilhando-se a este posicionamento defende que, tendo em vista que a Lei de Arbitragem não faz qualquer referência à natureza do contrato, se público ou privado, basta a capacidade de contratar e a disponibilidade dos direitos patrimoniais, para que seja possível a submissão ao juizo arbitral. Acrescenta que, pertine a esta temática tão-somente avaliar a natureza dos interesses, bens e direitos relativos ao contrato firmado pela Administração.

Diante do exposto, conclui-se que, hodiernamente, defender a inarbitrabilidade de litígios envolvendo a Administração é negar uma realidade econômica na qual o Estado, paralelamente à iniciativa privada, exerce papel fundamental. Mais recentemente, esses dois atores do domínio econômico têm atuado conjuntamente através das parcerias público-privadas, espécie de contrato administrativo disciplinado pela lei federal 11.079/04.

Esta nova forma de contratualização administrativa contribuiu para afastar o entedimento da inarbitrabilidade de controvérsias envolvendo contratos administrativos, na medida em que a referida lei admite expressamente o recurso à arbitragem para a solução de litígios entre o parceiro público e o privado. Nesse sentido, dispõe o artigo 11, inciso III do aludido diploma legal:

O emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil, em língua portuguesa, nos termos da lei 9.307 de 2 de setembr de 1996 para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.

Registre-se ainda a rejeição da proposta de Emenda Constitucional nº 29 que visava a inclusão de um inciso ao artigo 98 da Constiuição Federal vedando a utilização de arbitragem para resolução de conflitos envolvendo entes de direito público.

Finalmente, como bem assinala Eros Roberto Grau, para quem o verdadeiro preconceito estabelecido em relação à arbitragem na qual a Administração é parte, tem haver com o erro de vincular a ideia da indisponibilidade a tudo que diga respeito, direta ou indiretamente ou Estado. [34]

6.1.2 INVALIDADE DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM

O exame da validade formal do da convenção de arbitragem, segundo doutrina majoritária, se dá em conformidade com as normas escolhidas pelas partes para reger a convenção de arbitragem. Assim que segundo a doutrina, podem as partes escolher, indiferentemente, tanto regras provenientes de uma legislação doméstica, como um tratado ou ainda o regulamento de uma instituição de arbitragem.

Em caso de silêncio no tocante a lei de regência do acordo arbitral entende-se aplicável, para fins de averiguar a validade do acordo, a lei do país no qual se prolatou a sentença. Trata-se de critério subsidiário para aferição da juridicidade do convênio arbitral.

Critica-se este critério secundário porquanto é frequente no campo da arbitragem internacional a escolha de foro neutro, isto é, sem qualquer ligação com a controvérsia. É o que acontece quando as partes decidem submeter suas questões a um centro de arbitragem, como a Câmara de Comércio Internacional sediada em Paris, no caso em que a causa não apresenta ligação alguma com o sistema juridico ou território francês.

Note-se que o exame da validade material da convenção de arbitragem conduz a questão da arbitrabilidade objetiva do litigo, hipótese de objeção ao pleito homologatório e, portanto, será tratada no momento oportuno.

Isto posto, passa-se ao exame das fontes do processo homologatório, e em seguida, à análise da jurisprudência relativa ao tema.

A Lei de Arbitragem condiciona a validade da cláusula arbitral à forma escrita, consoante comando exarado pelo artigo 4°, §1°, que a seguir se transcreve:

"A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira."

Outrossim, a Convenção de Nova Iorque determina a forma escrita como requisito de validade da cláusula compromissória ao estabelecer que "Cada estado deverá reconhecer o acordo escrito pelo qual as partes se comprometem a submeter à arbitragem todas as divergências que tenham surgido ou venham a surgir entre si ...

Esta exigência é, contudo, mitigada pela regra insculpida no item seguinte da Convenção que, tendo em vista os usos e costumes do comércio internacional, considera como válida a cláusula contida em troca de cartas ou telegramas.

A jurisprudência brasileira, por sua vez, tem alternado seu posicionamento quanto à validade formal da cláusula, ora exigindo forma escrita e aceitação expressa, ora aceitando como válida a cláusula compromissória tácita, isto é, não assinada pelas partes.

Com efeito, é possível encontrar decisões que indeferiram o pleito homologatório por falta de assinatura nos contratos celebrados entre as partes, avenças estas que continham cláusula compromissória. Nesse esteio, cumpre trazer à baila o julgado da SEC 967, de 15 de fevereiro de 2006, in verbis:

Na hipótese em exame, consoante o registrado nos autos, não restou caracterizada a manifestação ou a vontade da requerida no tocante à eleição do Juízo arbitral, uma vez que não consta a sua assinatura nos contratos nos quais se estabeleceu a cláusula arbitral.

[...]

A inequívoca demonstração da manifestação de vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta princípio insculpido em nosso ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes por submeterem a solução dos conflitos surgidos nos negócios jurídicos contratuais privados arbitragem.

Entendimento semelhante foi corroborado no julgamento da SEC 866 em 17 de maio de 2006, em que se indeferiu o pleito homologatório, não obstante a existência de telex trocados pelas partes, a fim de convalidar as operações de compra e venda, que continham cláusula compromissória. Data máxima vênia, o julgado ignora o mandamento exarado pelo artigo 34 da Lei de 9.307/96, que ao estabelecer a primazia dos tratados internacionais, determina a aplicação direta da Convenção de Nova Iorque e, portanto a validade do acordo contido em troca de correspondências ou telegramas.

De modo que, neste tocante, dissente-se do posicionamento do E. Tribunal, esposando-se, por sua vez, aos argumentos suscitados pela Requerida/Embargante, que tinha por patrono o eminente jurista Arnoldo Wald:

"Estando presente nos autos documento comprobatório de acordo contido em troca de cartas ou telegramas, satisfeita está a condição inscrita no Artigo IV, nº 2, combinado com o Artigo II, nº 2, da Convenção de Nova York, presumindo-se, juris tantum, que a Embargada acedeu em submeter-se à solução arbitral das controvérsias contratuais" [35]

(negrito não original)

Curiosamente, julgados anteriores aos supracitados validam estes argumentos. É o caso, por exemplo, da SEC 856, de 27 de junho de 2005, em que o STJ deferiu o pedido homologatório a despeito da falta de concordância expressa da requerida. In casu, o E. Tribunal considerou que o fato de a requerida ter apresentado defesa perante o juízo arbitral, sem contestar a ausência de convenção arbitral foi suficiente para determinar a validade da convenção de arbitragem, consoante se depreende da ementa do julgado que a seguir se transcreve:

Tem-se como satisfeito o requisito da aceitação da convenção de arbitragem quando a parte requerida, de acordo com a prova dos autos, manifestou defesa no juízo arbitral, sem impugnar em nenhum momento a existência da cláusula compromissória.

Neste diapasão, cumpre transcrever trecho do voto do Relator o Exm. Sr. Ministro Alberto Carlos de Menezes Direito, ipsis litteris:

Em conclusão, considerando a prática internacional em contratos da espécie, que deve ser sempre relevada, não vejo como desqualificar a existência da convenção arbitral. A participação da requerida no processo, com a apresentação de razões e a intenção de nomear novo árbitro indica manifestação induvidosa sobre a existência acordada da cláusula compromissória"

Dessa forma, adotando uma pró-arbitragem, o STJ reconheceu a validade da chamada "cláusula compromissória tácita". Trata-se de aplicação do que a doutrina estangeira denomina interpretação "prática" ou determinada "por atos conclusivos".

Ademais, este entendimento parece se coadunar com o dispositivo do artigo 20 da Lei 9.307/96 segundo o qual: "a parte que pretende arguir questões relativas a competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou árbitro, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem".

De fato, seria uma afronta ao princípio da boa-fé permitir que a parte vencida na arbitragem, não impugnando tempestivamente a validade desta, venha a fazê-lo posteriormente com intuito de obstar o reconhecimento do laudo arbitral. Conduta esta repudiada pelo ordenamento brasileiro em face da vedação ao venire contra factum proprium.

Por fim, cumpre ressaltar que a invalidade do contrato principal não implica, necessariamente, a invalidade do acordo arbitral. É o princípio da autonomia da cláusula compromissória que institui a arbitragem em relação ao contrato que a contém. Nesse interím, impende trancrever trecho do "Arrêt Gosset" emitido pela Corte de Cassação em 1963 porquanto se tornou jurisprudência citada mundialmente:

En matière d’arbitrage international, l’accord compromissoire qu’il soit conclu séparément ou inclus dans l’acte juridique auquel il a trait, présent toujours, sauf circonstances exceptionnelles, une complète autonomie juridique, excluant qu’il puisse être affecté par une éventuelle invalidité de cet acte. [36]

A autonomia da convenção de arbitragem é reforçada pelo princípio da "competénce-competénce", segundo o qual cabe ao árbitro decidir sobre a validade da convenção de arbitragem, e como consectário sobre a própria competência. A Lei de arbitragem faz menção expressa a este princípio no parágrafo único do artigo 8º:

Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.

Note-se que, a autonomia da cláusula compromissória diz respeito também à lei aplicável ao contrato. Deste modo, se as partes assim o quiserem, a cláusula pode ser regida por lei diversa do restante do contrato.

6.1.3 FALTA DE NOTIFICACÃO E VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA.

Hipótese obstativa que tem por escopo assegurar o devido processo legal. Na lição de Ada Pellegrini Grinover, o postulado do due proces of law visa "garantir a tutela dos direitos afirmados, mediante a possibilidade de ambas as partes sustentarem suas razões, apresentarem suas provas, influírem sobre a formação do convencimento do juíz, através do contraditório." [37]

Do exposto, verifica-se que, o contraditório e ampla defesa constituem uma das facetas do devido processo legal e, devido a sua importância foram elevados à condição de garantias constitucionais, estampadas no artigo 5°, LV da Constituição Federal, in verbis:

Aos litigantes em processo judicial ou admnistrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Note-se que, a depender da gravidade da violação às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa restará configurada afronta à ordem pública nacional, fato passível, portanto, de conhecimento ex officio pelo juiz da homologação, como se verá em momento oportuno.

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Não sendo o caso de ofensa a ordem pública, o juiz só apreciará a questão da não observância do contraditório e da ampla defesa se suscitada pelo réu. Nesta hipótese, o juiz deve tomar por paradigma as normas processuais escolhidas pelas partes para reger a arbitragem.

Caso as partes tenham silenciado sobre a lei de regência entende-se aplicável a lei do país onde foi prolatada a sentença arbitral. Com efeito, se assim não fosse, a legitimidade do processo ficaria condicionada ao atendimento das normas processuais brasileiras atinentes ao modo, tempo e forma dos atos, o que anularia o princípio da autonomia da vontade das partes, no que tange à escolha das regras processuais aplicáveis à arbitragem. [38]

Tanto é assim que, o legislador pátrio optou pelo termo notificação ao invés de citação, traduzindo o propósito de afastar a aplicação da legislação nacional para privilegiar a critério da efetividade do ato citatório. Efetivamente, não é outra a ilação a que se chega diante da norma insculpida no artigo 39, parágrafo único, in verbis:

Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se , inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa.

Deste modo, pode-se concluir que, segundo a sistemática da Lei de Arbitragem, para a notificação ser válida basta que o réu tome conhecimento da existência do processo em tempo suficiente para se defender de forma adequada.

Neste tocante, parece que a jurisprudência pátria filia-se a esta interpretação. De fato, por ocasião do julgamento da SEC 507, 18 de outubro de 2006, o STJ afirmou que não há violação ao contraditório e à ampla defesa quando o réu, embora não notificado, comparece e apresenta defesa de mérito preenchendo-se assim o pressuposto da efetividade do ato citatório. Tais conclusões podem ser extraidas do aludido julgado, que a seguir se transcreve:

Não resta configurada a ofensa ao contraditório e à ampla defesa se as requeridas aderiram livremente aos contratos que continham expressamente a cláusula compromissória, bem como tiveram amplo conhecimento da instauração do procedimento arbitral, com a apresentação de considerações preliminares e defesa.

Nesse esteio, cumpre citar a SEC 874, de 15 de maio de 2006, em que se rejeitou a alegação da requerida de ausência de citação válida, já que pela análise dos autos verificou-se que a mesma fora notificada de todos os atos realizados pelo juízo arbitral. In casu, o STJ não levou em conta a revelia da requerida, tendo em vista que, o fator decisivo para avaliar a existência da causa obstativa em apreço não é a forma do ato citatório, mas sim aferir se foi dada às partes a oportunidade efetiva de influir na arbitragem. [39]

Neste diapasão, impende transcrever o voto proferido pelo Ministro Francisco Falcão, por ocasião do julgamento da supramencionada SEC, in verbis:

Diz-se que não houve citação por meio de carta rogatória. Todavia, ex vi do parágrafo único do art. 39 da Lei de Arbitragem brasileira, "não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa."

Na hipótese em exame, é farto o conjunto probatório, a demonstrar que a requerida recebeu, pela via postal, não somente a citação, como também intimações objetivando o seu comparecimento às audiências que foram realizadas, afinal, à sua revelia. [...]

Diante do exposto, é lícito afirmar que, o julgamento da SEC 833, em 16 de agosto de 2006. configura verdadeiro retrocesso relativamente a esta linha de entendimento. O referido julgado trata do pedido de homologação de sentença judicial proferida nos Estados Unidos que homologa um laudo arbitral proferido neste país, em observância às normas da Associação Americana de Arbitragem. A maioria dos ministros da Corte especial entendeu que, uma vez homologado pelo Tribunal americano, o laudo arbitral passa a ser classificado como sentença judicial. Por conseguinte, afirmou-se inafastável a exigência da citação mediante carta rogatória da parte brasileira acerca do processo judicial nos Estados Unidos.

Cumpre transcrever trecho da ementa que sintetiza este entendimeno, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO.

1. A homologação da Sentença Estrangeira pressupõe a obediência ao contraditório consubstanciado na convocação inequívoca realizada alhures. In casu, o processo correu à revelia, e não há prova inequívoca, restando cediço na Corte que a citação por rogatória deve deixar estreme de dúvidas que a comunicação chegou ao seu destino.

Entende-se não ser razoável limitar a aplicação do artigo 39, parágrafo único, da Lei de arbitragem, por considerar que o laudo arbitral uma vez homologado no exterior integra-se ao ordenamento pátrio como sentença judicial. Isto porque, o que se pretende com pleito homologatório é conceder eficácia ao conteúdo da sentença arbitral. Logo, o exame deste pedido de homologação deveria se ater, tão-somente, aos requisitos previstos na Lei 9.307/96.

Sendo assim, perfilha-se aos argumentos suscitados pela Ministra Eliana Calmon em voto proferido por ocasião do julgamento da SEC 833, que a seguir se transcreve:

A sentença arbitral de 28 de fevereiro de 1998 foi confirmada em  17 de novembro do mesmo ano pelo Tribunal Distrital dos Estados Unidos da América, Distrito de Connecticut, cumprindo-se assim uma exigência anterior à Lei de Arbitragem, não mais  necessária, embora não prejudique o teor da providência a chancela de legalidade outorgada pela Justiça americana, com o chamamento da parte ré, ora requerida, que não respondeu ao chamado, como registra a sentença judicial.

Conseqüentemente, não há como se imputar ao processo vício de nulidade por falta de citação, porque não foi possível localizar os sócios da empresa, senão um deles, por ocasião da homologação judicial.

No que tange o ônus da prova da alegação de falta de notificação, Carlos Aberto Carmona sustenta que, uma vez alegada a exceptio de ausência de notificação, caberá ao autor provar que a efetivou e em conformidade com a convenção de arbitragem. Segundo o doutrinador o ônus da prova recai sobre o autor, pois o não recebimento da notificação configura uma negação absoluta que, portanto, não é suscetível de prova.

Não parece, contudo, que este entendimento tenha sido consolidado pelo Superior Tribunal de justiça. Com efeito, adotando uma postura pró-arbitragem o Egrégio Tribunal, deferiu a pedido de homologação relativo à SEC 887, de 06 de março de 2006, sob o argumento de que o requerido não se desincumbiu do seu ônus de provar a falta de notificação. Neste passo, cabe transcrever a ementa relativa ao julgado, ipsis litteris:

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. SENTENÇA ARBITRAL. PROCEDIMENTO ARBITRAL QUE TEVE CURSO À REVELIA DO REQUERIDO. CONVENÇÃO ARBITRAL. INEXISTÊNCIA.

1. Para a homologação de sentença de arbitragem estrangeira proferida à revelia do requerido, deve ele, por ser seu o ônus, comprovar, nos termos do inciso III do art. 38 da Lei n. 9.307/96, que não foi devidamente comunicado da instauração do procedimento arbitral.

2. Homologação deferida

6.1.4 SENTENÇA EXTRA OU ULTRAPETITA

Assim como o magistrado no processo judicial, o árbitro também tem o exercício da sua jurisdição limitado pelos elementos objetivos da demanda. Trata-se do princípio da congruência, segundo o qual toda e qualquer decisão deve ter como paradigma a demanda e seus elementos. [40] Do mesmo modo que há um nexo de referibilidade entre a sentença judicial e a petição inicial, também o laudo arbitral deve se ater ao conteúdo da convenção de arbitragem. Isto é, tanto a petição inicial, quanto a convenção de arbitragem estabelecem os limites da cognição do juiz ou árbitro, respectivamente.

Se o árbitro vai além desses limites a sentença será ultra petita; se fica fora, a sentença será extra petita. No julgamento ultra petita, o árbitro analisa todos os pedidos que compõem a convenção de arbitragem, mas vai além, concedendo mais do que fora pleiteado. No julgamento extra petita, o árbitro delibera sobre algo que não previsto convenção de arbitragem.

Ressalte-se que, a fim de evitar a prolação de sentenças ultra ou extra petita, é aconselhável que o órgão arbitral, logo após seja instituído, elabore uma ata de missão. Assim determina, por exemplo, o regulamento de arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, consoante dicção do artigo 18:

1- Tão logo receba os autos da Secretaria, o Tribunal Arbitral elaborará, fundamentado em documentos ou na presença das partes e à luz das suas mais recentes alegações, um documento que defina a sua missão. Este documento deverá conter, entre outros, os seguintes pormenores:

[...]

c) um resumo das pretensões das partes e dos seus pedidos e, na medida do possível, uma indicação das quantias reclamadas ou reconvencionadas;

d) a menos que o Tribunal Arbitral considere inadequado, uma relação dos pontos litigiosos a serem resolvidos;

Deste modo, ao ser levantada a exceção de sentença extra ou ultra petita pelo réu do processo homologatório, o juiz competente procederá, então, ao confrontamento da ata de missão com o dispositivo da sentença arbitral, a fim de verificar se o princípio da congruência foi respeitado. Se, no entanto, não tiver sido elaborada a ata, o juiz se valerá do quanto estabelecido na convenção de arbitragem. Nesta hipótese, Lauro da Gama e Souza Jr. aponta que "é necessário que o compromisso arbitral indique, de modo bastante preciso, os pedidos das partes, sob pena de, não o fazendo, restar impossível a caracterização da hipótese ora examinada. [41]"

No intuito de se compreender de que forma a sentença arbitral estrangeira ultra ou extra petita será considerada para fins homologatórios, impende, antes, destacar a teoria dos capítulos da sentença.

Esta teoria demonstra que, embora seja formalmente única, a decisão pode ser ideologicamente cindida. Isto ocorre, por exemplo, quando a sentença resolve mais de um pedido, ou ainda, havendo um único pedido, este é suscetível de quantificação.

Assim que, baseando-se em tais premissas, tanto a Lei de Arbitragem quanto a Convenção de Nova Iorque preveem que, sendo cindível o dispositivo da sentença arbitral, o juiz da homologação indeferirá, tão-somente, reconhecimento ao capítulo que excede ou é estranho ao acordo arbitral, homologando-se todo o resto. De outro modo, consoante dicção do referido tratado- se as disposições da sentença referentes às questões submetidas à arbitragem puderem ser isoladas daquelas não submetidas à arbitragem, poder-se-á dar reconhecimento e execução às primeiras.

Com efeito, o mencionado dispositivo coaduna-se com o princípio do aproveitamento dos atos processuais consagrado no artigo 248 do Código de Processo, segundo o qual "a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras que dela sejam independentes".

6.1.5 DESACORDO ENTRE A CONSTITUIÇÃO DA ARBITRAGEM E A CONVENÇÃO ARBITRAL

Esta hipótese permite a recusa do laudo quando restar demonstrado que a instituição da instância arbitral não se deu em conformidade com o quanto estipulado na convenção de arbitragem.

Cumpre ressaltar que, o tratamento dispensado à este exceção diverge parcialmente quando confrontadas a Lei 9.307/96 e a Convenção de Nova Iorque.

De um lado, estatui o art. V, nº 1, letra "d", da Convenção de NY "A composição da autoridade arbitral ou procedimento arbitral não se deu em conformidade ao acordado pelas partes, ou, na ausência de tal acordo, não se deu em conformidade com a lei do país em que a arbitragem ocorreu".

Por sua vez, o art. 38, inc. V da Lei de Arbitragem pátria optou por uma redação menos exigente, porquanto não reclama a concordância do procedimento arbitral à convenção de arbitragem, tampouco exige que, na ausência de acordo das partes quanto às normas aplicáveis ao procedimento, estas sejam conforme a legislação do local da arbitragem. ("a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou com a cláusula compromissória").

Soluciona-se este impasse pela aplicação da regra do direito mais favorável consagrada pela aludida Convenção. Deste modo, pode o autor da demanda homologatória invocar o artigo 38, inciso V da lei 9.307/96, sem que isso constitua desrespeito ao artigo 34 da lei em comento, dispositivo este que determina a primazia dos tratados internacionais relativos o reconhecimento de sentença arbitral estrangeira.

6.1.6 SENTENÇA NÃO OBRIGATÓRIA, ANULADA OU SUSPENSA

Segundo o artigo V, nº1 e, da Convenção de Nova Iorque a homologação será indeferida se o réu provar que "a sentença ainda não se tornou obrigatória para as partes ou foi anulada ou suspensa por autoridade competente do país em que, ou conforme a lei do qual, a sentença tenha sido proferida".

Antes de adentrar no exame deste requisto negativo, impende atentar para discrepância existente no que tange o tratamento normativo que lhe é dispensado, quando comparadas a nossa Lei de arbitragem e a Convenção de Nova Iorque. Com efeito, ao passo que a Lei de arbitragem admite apenas a anulação determinada pelas autoridades competentes do país onde o laudo foi proferido como causa obstativa, a Convenção inclui ainda a anulação proferida por autoridade do país cuja lei foi aplicada à arbitragem. Nesta hipótese não há qualquer entrave à aplicação da chamada cláusula do direito mais favorável prevista no artigo VII, I da aludida Convenção.

Ademais, cabe salientar que, em regra, os fundamentos da sentença estrangeira anulatória são irrelevante no juízo delibatório que refuta a homologação do laudo arbitral. Pois que lhe vedado adentrar o mérito. Tal premissa deve ser, todavia, excetuada nos casos em que a anulação do laudo arbitral ofende a ordem pública brasileira. Assim que, a fim de verificar se a anulação foi proferida à revelia de garantias fundamentais caras a ordem jurídica pátria, o juiz da homologação se valerá de certa discricionariedade, conduta, aliás, defendida pela doutrina.

Deste modo, através de um juízo discricionário, o juiz opera uma sorte de controle incidental da sentença anulada ao confrontá-la aos ditames da ordem pública do foro. Destaque-se que, este juízo incidental acerca da legitimidade do provimento anulatório é de extrema importância porquanto impede que laudos arbitrais anulados em flagrante ofensa à ordem pública deixem de ser reconhecidos.

Frise-se que, este poder discricionário do juiz não se confunde com uma eventual facultatividade na aplicação dos requisitos negativos de homologação.Isto porque, parte da doutrina argumenta que a utilização do vocábulo "may", na versão oficial em inglês da Convenção de Nova Iorque, conduziria a uma aplicação facultativa das causas de impedimento. Saliente-se, contudo, que tal entendimento não se coaduna com os propósitos uniformizadores da Convenção, além de destituir de sentido a cláusula do direito mais favorável.

Neste diapasão, Paulo Borba Casella e Daniel Gruembaum esclarecem:

Ora, o sistema instituído pela convenção de Nova Iorque tem por fim assegurar a coordenação internacional sobre o controle da sentença arbitral, especialmente estipulando regras uniformes para o seu reconhecimento. A interpretação de que os motivos de recusa seriam facultativos parece pecar por três motivos: desrespeita tal finalidade de coordenação e interpretação-aplicação uniforme; apoia-se sobre interpretação questionável e literal da versão em inglês do art. V, 1 caput (a dúvida não surge na versão oficial em francês); e, embora concebível, gera situação passível de controvérsia com o artigo VII, §1°. [42]

Por sua vez, impende ressaltar que, a pendência de ação anulatória contra sentença arbitral estrangeira não configura hipótese de causa obstativa à homologação. Neste sentido já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento da SEC 611 em 23 de novembro de 2006, cuja ementa sintetiza tal posicionamento:

A existência de ação anulatória da sentença arbitral estrangeira em trâmite nos tribunais pátrios não constitui impedimento à homologação da sentença alienígena, não havendo ferimento à soberania nacional, hipótese que exigiria a existência de decisão pátria relativa às mesmas questões resolvidas pelo Juízo arbitral. A Lei n. 9.307/96, no § 2º do seu art.33, estabelece que a sentença que julgar procedente o pedido de anulação determinará que o árbitro ou tribunal profira novo laudo, o que significa ser defeso ao julgador proferir sentença substitutiva à emanada do Juízo arbitral. Daí a inexistência de decisões conflitantes.

Sucede que, segundo a jurisprudência francesa, através de uma interpretação elástica da regra do direito mais favorável, uma sentença arbitral anulada (ou com seus efeitos suspensos) pelo judiciário do país em que foi prolatada pode ser reconhecida no país a quo. Paulo Borba Casella e Daniel Gruembaum sintetizam o problema da seguinte forma:

Trata-se, então, precisamente de saber qual o grau de deferência que se deve reconhecer a uma sentença arbitral estrangeira anulada; em outras palavras, saber se ela é homologável. [43]

Nesse diapasão, serão analisadas as juriprudências francesa e americana, visto que os tribunais destes dois países já enfrentaram tais questões e, destes enfrentamentos brotaram jurisprudências mundialmente conhecidas.

Irineu Strenger há muito já defendia a importância do estudo comparado no âmbito da arbitragem internacional. Neste contexto, o renomado autor cita o comparatista René David, in verbis:

O direito comparado proporciona ao jurista o distanciamento necesário para contemplar o direito próprio com seus traços essenciais, para separar e isolar as idéias gerais e astendências principais acima de uma regulamentação a miúdo exuberante, na qual corremos o risco de perder-nos. [44]

A França construiu sua jurisprudência baseando-se na conjugação do artigo VII §1° da convenção de Nova Iorque com o artigo 1.502 do Código de processo civil francês, que elenca numerus clausus as causas obstativas de homologação de sentença arbitral estrangeira.

Veja-se, neste sentido, o caso Chromalloy [45] no qual uma sentença arbitral internacional, posto que anulada pelo judiciário egipcio, foi reconhecida na França. A Corte de Corte de Apelação de Paris afirma que o exequatur de uma sentença arbitral estrangeira só pode ser denegado em face das hipóteses taxativas do artigo 1.502 do Novo Código de processo civil francês. Ocorre que este dispositivo não reproduz o art. V, 1, e, da Convenção de Nova Iorque, logo a Corte considerou que a anulação da sentença arbitral (ou suspensão dos seus efeitos) no país ad quem não configura causa obstativa de reconhecimento da sentença arbitral estrangeira. Nesse passo, cabe transcrever trecho da decisão:

Considérant qu’ainsi le juge français ne peut refuser l’exequatur que dans les cas prévus et limitativement énumérés par l’article 1502 du Nouveau code de Procédure Civile qui constitue droit national en la matière et dont la société Chromalloy est dès lors fondée à s’en prévaloir ;

Et considérant que cet article 1502 du nouveau code de procédure civile, ne retient pas au nombre des cas de refus de reconnaissance et d’exécution, celui prévu par l’article V de la convention de 1958 dont l’application doit en conséquence écartée ; […]

Por seu turno a jurisprudência americana, embora tenha homologado uma sentença arbitral anulada (mesmo caso chromalloy), em outros dois leading cases refutou a homologação. Assim, não se pode afirmar a existência de uma jurisprudência assente como a francesa, entretanto cumpre aqui citá-las pela relevância de suas fundamentações.

No primeiro caso a sociedade Baker Marine pede a homologação de sentença arbitral proferida na Nigéria e posteriormente anulada pelo Judiciário do aludido país. A corte de apelação dos Estados-Unidos rejeita o pedido sob o argumento de que a convenção arbitral não faz referência às leis americanas e, portanto Baker marine não pode invocar o art. VII, §1° da Convenção de Nova Iorque para aplicar o Federal Arbitration Act, que constitui norma mais favorável por não prever os motivos que ensejaram a anulação na Nigéria. [46]

No caso Spier a Corte distrital dos Estados Unidos se valeu do mesmo argumento, in verbis:

Spier seeks to apply domestic United States arbitral law in order to escape the Italian court’s nullification of an Italian award.

[…]

There is no basis for applying American law to the rights and obligations of the parties, including dispute resolution by arbitration. Just as did Baker Marine, Spier and Tecnica contracted in a foreign state; the governing agreement make no reference to Unite States law; and nothing suggest that the parties intended United States domestic arbitral law to govern their disputes. [47]

Finalmente, não é possível afirmar com certeza qual é a interpretação legítima, pois se, de um lado, a Convenção visa garantir uma coordenação internacional do controle da sentença arbitral evitando, assim, que uma decisão anulada seja reconhecida em outro país; de outro lado, a existência da regra da cláusula mais favorável comprova o objetivo da convenção de conferir eficácia máxima à sentença arbitral.

No que tange à obrigatoriedade, impende ressaltar que esta se reporta à definitividade da sentença em sede arbitral, isto é, o laudo só não será obrigatório se discutível perante o órgão arbitral que o prolatou, ou ainda perante outro órgão arbitral, constituído ou não para este fim. Na prática a utilização dessa causa obstativa é rara, tendo em vista que poucas são as convenções de arbitragem que preveem o direito a recurso interno.

Nesse esteio, Carlos Alberto Carmona pontua que "a prática brasileira confirmou o que ocorre nos países onde este meio alternativo de solução de litígios se consolidou: a arbitragem brasileira não se "processualizou" entre nós, de tal sorte que não se tem notícia de órgão arbitral institucional que preveja, em suas regras, a possibilidade de revisão da sentença arbitral, não havendo também notícia de arbitragem ad hoc que tenha encampado a ideia de um recurso interno." [48]

O mais frequente, portanto, é que as partes acordem previamente a ter o laudo por obrigatório, o que pode ser feito pela adoção do regulamento de uma instituição de arbitragem que contenha determinação neste sentido. De fato, os principais centros de arbitragem preveem regra deste genêro em seus regulamentos como, verbi gratia, a Câmara de Comércio Internacional no artigo 28 de seu regulamento interno, que a seguir se transcreve:

Todo laudo obriga as partes. Ao submeter a controvérsia à arbitragem segundo o presente regulamento, as partes comprometem-se a cumprir o laudo sem demora e renunciam a todos os recursos a que podem validamente renunciar.

6.7 OBJEÇÕES AO PLEITO HOMOLOGATÓRIO

6.7.1 LITÍGIO NÃO ARBITRÁVEL

Primeiramente, deve-se atentar para o fato de que a questão da arbitrabilidade está inserida em um espectro maior, que é a ordem publica. Entretanto, justifica-se a sua disposição apartada, tanto na Lei de Arbitragem (artigo 39, I), quanto na Convenção de Nova Iorque (art. V, 2, a), por tratar-se de causa impeditiva de homologação ensejadora de discussões próprias.

A arbitrabilidade pode ser analisada, de um lado, no tocante à capacidade das partes (arbitrabilidade subjetiva) e, de outro lado, no que tange a possibilidade de a matéria em discussão ser submetida à arbitragem (arbitrabilidade objetiva).

Cada Estado é soberano para delimitar quais materias são passíveis de apreciação pelo juízo arbitral. Assim, uma questão arbitrável no ordenamento jurídico A, pode não o ser no ordenamento B. O problema surge quando pleiteia que uma sentença arbitral prolatada em A seja reconhecida no país B, o que implicaria sobrepujar a ordem publica deste país para o atendimento de interesses privados.

Por conta desta problemática, elencou-se a arbitrabilidade do litígio como hipótese obstativa de homologação, que deverá então ser suscitada de ofício, por atentar contra a soberania nacional.

Segundo a Lei de Arbitragem, os litígios passíveis de resolução pela via arbitral são aqueles relativos a direitos patrimonias disponíveis (art. 1).

Conforme Plácido e Silva, "direito patrimonial é designação de caráter genérico dada a toda sorte de direito que assegure o gozo ou fruição de um bem patrimonial, ou seja, uma riqueza ou qualquer bem, apreciável monetariamente [49]".

Por seu turno, diz-se que um direito é disponível quando ele pode ser ou não exercido pelo seu títular sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua infringência.

Assim, são disponíveis – do latim disponere – aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o titular plena capacidade jurídica para tanto.

No direito positivo, a questão é tratada nos artigo 852 do código civil, in verbis:

É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial.

Carlos Alberto Carmona discerra a questão da disponibilidade do direito da seguinte maneira:

De maneira geral, não estão no âmbito do direito disponível as questões relativas ao direito de família- e em especial ao estado das pessoas (filiação, pátrio poder, casamento, alimentos) – aquelas atinentes ao direito de sucessão, as que têm por objeto as coisas fora do comércio, as obrigações naturais, as relativas ao direito penal, entre tantas outras, já que ficam estas matérias todas fora dos limites em que pode atuar a autonomia da vontade dos contendentes. [50]

Ressalva-se, contudo as consequências exclusivamente patrimoniais destas espécies de direitos. Com efeito, nada obsta que a determinação do quantum a ser recebido a título de alimentos, ou ainda a fixação da responsabilidade civil derivada de fato delituoso possam constituir o objeto do juízo arbitral.

Discute-se, igualmente, a questão da arbitrabilidade no que tange relações jurídicas, em que presente a desigualdade das partes, como as relações consumeristas e as de trabalho.

Quanto às primeiras, reporta-se ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), artigo 51, VII, que define como cláusula abusiva toda aquela que determine a utilização compulsória da arbitragem. Percebe-se que o referido diploma não proibe o recurso à arbitragem, mas tão-somente impede que esta seja imposta unilateralmente ao consumidor pelo fornecedor. Portanto, havendo acordo de vontades no sentido de submeter o litígio à arbitragem, não há que se falar em óbice legal. Mormente tendo em vista o caráter disponível dos direitos aduzidos nas pretensões consumeristas.

A Lei de arbitragem, por sua vez, dispensa tratamento específico aos contratos de adesão; avenças que se caracterizam "pela desigualdade entre as partes contratantes: basicamente, umas das partes, o policitantes, impõe à outra – o oblato – as condições e cláusulas que previamente redigiu. Não existe, assim, discussão a respeito do teor do contrato e suas cláusulas, de tal sorte que o oblato congese a anuir à proposta do policitante. [51]"

Dito isso, passa-se à análise do artigo 4°, par.2, da supracitada legislação, ipsis litteris:

Nos contratos de adesão a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar espressamente, com sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

Nota-se, de pronto, que o mencionado parágrafo lida com duas hipóteses: a primeira subemete a eficácia da cláusula à iniciativa do oblato; a segunda, por sua vez, exige a concordância expressa do aderente, seja através de documento escrito que se reporte ao contrato, seja por meio de visto especial na cláusula compromissória inserida no contrato, que deverá, neste caso, estar em destaque.

Sobre a ratio essendi da norma em comento, Nery Junior assevera:

"Estas circunstâncias especiais são exigíveis para dar-se validade e eficácia à cláusula compromissória constante de todo e qualquer contrato de adesão, seja ou não de consumo. O objetivo da norma é propiciar maior proteção ao aderente, de modo a dar eficácia à cláusula quando não restar nenhuma dúvida de que o aderente a queria realmente e que tinha pleno conhecimento do conteúdo e das conseqüências da cláusula. Do contrário, se for instituída apenas no interesse do estipulante, não pode ser válida nem eficaz." [52]

Diante do exposto, conclui-se que na seara consumerista a cláusula compromissória é válida e eficaz entre os contratantes, desde que preencha os requisitos mínimos assinalados no § 2°, artigo 4° da Lei 8.078/90.

Por fim, Joel Dias Figueira Junior ao analisar o aludido dispositivo aponta que "sua efetiva consecução no mundo dos fatos e do direito, em havendo resistência do consumidor aderente às estipulações nele contidas, há de ser analisada de maneira particular nos meandros das peculiaridades da hipótese vertente, e em sintonia com os fins sociais dos dois microssistemas (Leis 9.307/96 e 8.078/90) que devem se completar e não excluir." [53]

No tocante ao direito trabalhista, a resposta a questão da arbitrabilidade será diversa, segundo trate-se do âmbito coletivo ou individual do direito do trabalho. Pois, se por um lado, a utilização da arbitragem para a resolução de dissídios coletivos possui assento constitucional, segundo previsão expressa dos §§ 1º e 2º do art. 114 da constituição federal, diferentemente ocorre no campo do Direito Individual do Trabalho, em que pode se notar certa resistência à utilização da arbitragem por conta do caráter indisponível dos direitos trabalhistas. Neste sentido Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho doutrinam:

Ora, em função do princípio tradicional da irrenunciabilidade de direitos, hà quem entenda que o juízo arbitral seria totalmente inaplicável às relações individuais de trabalho, o que tem encontrado respaldo nos setores mais conservadores da doutrina e jurisprudência. [54]

De outro viés, cumpre assinalar que controvérsias oriundas de relações jurídicas findas estão ligadas exclusivamente a verbas indenizatórias, o que revela, portanto, a natureza disponível de tais direitos. A par disso, nem todos os direitos elencados pela Consolidação das Leis dos Trabalhos possuem caráter indisponível. Isto é, mesmo em sede de relações de trabalho em curso há largo espaço para atuação da vontade dos contratantes, revelando-se aqui também a disponibilidade do direito.

6.7.2 VIOLAÇAO À ORDEM PÚBLICA

Primeiramente, cumpre ressaltar a complexidade e vastidão do tema, consectário da intrincada tarefa de se conceituar ordem publica. Com efeito, esta opinião é partilhada unanimemente na doutrina.

A despeito disso, Irineu Strenger, sintetizando seus elementos identificadores, logrou uma boa definição. Segundo o autor ordem público é o "conjunto de normas e princípios que, em um momento histórico determinado refletem o esquema de valores essenciais, cuja tutela atende de maneira especial cada ordenamento jurídico concreto." [55]

A ampla subjetividade do conceito tem como consectário certa discricionariedade conferida ao aplicador da norma em comento. Não obstante, ao valorar o conceito de ordem pública o magistrado deve ter sempre em vista o princípio da eficácia máxima da arbitragem, postulado fundamental da Convenção de Nova Iorque. Por conseguinte, esta causa obstativa não deve se prestar à proteção de regras nacionais de caráter dispositivo, mas tão somente a velar pelas normas fundamentais da ordem jurídica pátria.

Arnoldo Wald em artigo acerca do tema esclarece:

"Enquanto a norma imperativa é toda norma que não é supletiva ou dispositiva, ou seja, aquela que não pode ser afastada pela vontade das partes, a de ordem pública está vinculada aos valores fundamentais da sociedade." [56]

Com efeito, o simples fato de uma regra não poder ser derrogada pelas partes, não significa que esta seja representante do interesse coletivo, estando, na verdade, relacionada, em diversos casos, a interesses estritamente privados.

Neste diapasão, a doutrina fala em efeito atenuado da norma cogente, de modo a evidenciar o maior grau de tolerância relativa a não observância de normas pátrias, pelas decisões proferidas no exterior. E o que a jurisprudência francesa denomina de principe de l’effet atténué de l’ordre public.

Nesse passo, relevante as considerações doutrinais acerca da distinção entre ordem pública interna e internacional, porquanto apenas a última é levada em conta no reconhecimento de um laudo arbitral peregrino. (embora tal terminologia não seja unânime na doutrina).

José Augusto Fontoura Costa e Rafaela Lacôrte Vitale Pimenta [57] a ordem pública é um prisma com diferentes facetas, a interna e a internacional. A primeira consubstanciada em normas que não podem ser afastados pela vontade das partes, isto é, toda regra revestida de imperatividade. Por outro lado, a faceta internacional é aquela incidente sobre leis, sentenças estrangeiras e atos praticados no exterior que busquem eficácia no território nacional; é mais restrita que a anterior, pois somente incide em caso de ofensa às normas basilares do foro.

Assim, enquanto a ordem pública interna denota a impossibilidade de derrogação de normas materiais, a ordem pública internacional funciona como verdadeiro filtro, impedindo que leis, sentenças (arbitrais ou estatais) e atos em geral tenham eficácia no território nacional se violadores dos principios basilares do ordenamento jurídico brasileiro.

Este entendimento foi corroborado no julgamento da SEC 802, em 17.08.2005, no qual os Ministros da Corte especial defereriram por unanimidade o pedido homologatório que havia sido impugnado sob a alegação de exceptio non adimpleti contractus. A corte entendeu tratar-se de questão não afeta à ordem pública e concedeu, portanto, força constitutiva a sentença arbitral estrangeira "por ter sido emitida formal e materialmente de acordo com os princípios do nosso ordenamento jurídico"

Arnoldo Wald, comentando o julgado em apreço concluiu que, "no acórdão da SEC 802, foi reiterado o princípio do controle limitado, que caracteriza a homologação, e firmada a conceituação da ordem publica internacional, como abrangendo os valores básicos consagrados pela nossa cultura e não se confundindo necessariamente com a totalidade das leis internas de direito civil e a interpretação que lhes dão nossos tribunais." [58]

Nesta mesma linha de raciocínio Adriana Noemi Pucci afirma que:

Com muita felicidade, o STJ limitou os contornos de aplicação deste vasto conceito que é a ordem pública, evitando, dessa forma, um uso abusivo e desmedido do instituto, confirmando, uma vez mais, o que os operadores do direito esperavam do STJ, decisões progressistas, que procuram desvendar a realidade, evitando o excesivo rigorismo formalista. [59]

Por fim, em que momento deve-se apreender o conceito de ordem pública para fins homologatórios? André de Albulquerque Abbud leciona que "a fim de se saber se esse óbice incide ou não sobre a sentença arbitral estrangeira, deve-se confrontá-la com a concepção atual do conceito, isto é, aquela vigente na ordem jurídica e social no momento da delibação, e não no ato de proferimento do julgado no exterior." [60]

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Sobre a autora
Ticiana Castro Garcia Landeiro

Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduanda em Direito Empresarial pela Universidade Anhanguera - Uniderp. Advogada em Garcia Landeiro Carvalho Moraes Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LANDEIRO, Ticiana Castro Garcia. Homologação de sentença arbitral estrangeira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3106, 2 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20764. Acesso em: 16 abr. 2024.

Mais informações

Monografia de conclusão de curso, elaborada sob orientação do Prof. Dr. Saulo José Casali Bahia.

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