7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluída a pesquisa relativa à homologação de sentenças arbitrais estrangeiras, foi possível sistematizar as seguintes premissas, expendidas a seguir:
1. A arbitragem é uma técnica heterocompositiva de solução de conflitos, instituída através de uma cláusula arbitral, em que as partes confiam a um terceiro imparcial a missão de resolver uma controvérsia, sendo que esta decisão obriga às partes, tal qual uma sentença judicial. Quanto à natureza jurídica da arbitragem, há fortes argumentos jurídicos que demonstram o caráter jurisdicional do instituto em apreço. Dentre os quais, destaca-se o artigo 31 da Lei de Arbitragem, que confere ao laudo arbitral os mesmo efeitos da sentença judicial.
2. A intensificação das relações comerciais internacionais trouxe como consectário um aumento significativo no número de conflitos de índole internacional. Constatou-se que, devido às peculiaridades encerradas nestes conflitos, o modelo judiciário não se revela o meio mais adequado, tampouco desejado pelos envolvidos numa controvérsia internacional. Com efeito, a desconfiança no sistema judiciário alheio, aliado à complexidade técnica dos conflitos internacionais, levou os atores do comércio internacional a buscarem outras formas de solucionar seus conflitos, dentre as quais se destaca a arbitragem.
3. Verificou-se que esta procura pela arbitragem internacional resulta, outrossim, da possibilidade de as partes escolherem normas desvinculadas dos sistemas nacionais. Este fato deu azo ao surgimento da tese da especificidade da arbitragem internacional, que consiste em desvincular esta dos ordenamentos jurídicos estatais, superando, assim, as divergências existentes entres estes. Esta desvinculação, por sua vez, se concretiza pela aplicação de um conjunto de normas de caráter transnacionais, emanadas dos próprios atores do comércio internacional, cujo conteúdo reflete as práticas e costumes do comércio internacional. A este plexo de regras convencionou-se chamar Lex Mercatoriat.
6. Apurou-se que a definição de arbitragem internacional pode se dar através de critérios econômicos ou jurídicos. Consoante os primeiros é internacional a arbitragem que coloca em jogo os interesses do comércio internacional, enquanto que os segundos baseiam-se em elementos objetivos, como nacionalidade das partes, local onde deve ser cumprida a obrigação, etc. A fim de se evitar os inconvenientes de cada critério, propõe-se uma aplicação alternativa de ambos, assim, será internacional, tanto a arbitragem que coloque interesses do comércio internacional em jogo, quanto aquela que possua elementos objetivos de conexão com o estrangeiro. A relevância de se distinguir a arbitragem internacional da doméstica reside no fato de que somente às primeiras aplica-se o regime da homologação.
7. A Lei da Arbitragem (lei 9.307/96) alterou significativamente o regime de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. Isto porque, acabou com necessidade do duplo exequatur, bem como estabeleceu que a citação feita nos moldes da convenção de arbitragem não ofende a ordem pública, ou seja, aboliu a exigência de citação mediante carta rogatória. Estas duas alterações promovidas pela supracitada lei facilitaram a homologação das sentenças arbitrais peregrinas a tal ponto que, pode se observar um aumento do número de pedidos homologatórios perante a STJ durante a última década. Outra inovação trazida pela lei é o mandamento insculpido no artigo 34, no sentido de determinar a primazia dos tratados internacionais sobre a legislação doméstica, no que tange o reconhecimento e a homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. Também esta modificação contribui para o fortalecimento do processo homologatório na Brasil, uma vez que permitiu a aplicação direta da Convenção de Nova Iorque, que é hoje o instrumento convencional mais avançado na matéria.
8. A convenção de Nova Iorque conta com uma ampla adesão a nível mundial, e por isso, é considerada o instrumento máximo em matéria de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais forasteiras. A Convenção conta com uma série de dispositivos que visam conferir eficácia máxima à arbitragem, são eles: more favourable right provision, trata-seregra insculpida no artigo VII que, em síntese, permite ao interessado em obter o reconhecimento de uma sentença arbitral se valer de instrumentos outros que a convenção, desde que sejam mais favoráveis ao reconhecimento; inversão do ônus da prova, consoante caput do artigo V, cabe a parte contra qual o reconhecimento da sentença foi invocado de demonstrar a existência de causas obstativas à homologação e, por fim, a obrigatoriedade da homologação, pois conforme o artigo III, os Estados signatários se comprometem a reconhecer as sentenças arbitrais estrangeiras nos termos da Convenção.
9. A Lei Modelo da UNCITRAL – Comissão das Nações Unidas para o Comércio Internacional – foi criada com o intuito de auxiliar os Estados que quisessem modernizar suas legislações. Verificou-se que a supracitada lei logrou grande êxito, uma vez que desde sua edição, quase todos os Estados que reformaram sua legislação interna de arbitragem a levaram em consideração.
10. Frequentemente, a efetividade de uma arbitragem depende da irradiação dos efeitos do laudo arbitral para além do território onde foi prolatado. Para que uma sentença arbitral estrangeira seja eficaz no Estado brasileiro, imprescindível que seja previamente homologada/ chancelada pela autoridade competente. A homologação no Brasil se dá por meio de um juízo delibatório. Em outras palavras, o Poder Judiciário verifica se a sentença estrangeira preenche determinados requisitos, a fim de que possa ingressar no ordenamento jurídico brasileiro.
11. Mostrou-se que, a doutrina que melhor explica a função do juízo delibatório é a da condicio iuris. Consoante esta teoria, a delibação é uma condição legal necessária para que a sentença arbitral forasteira irradie seus efeitos em território nacional. Isto implica dizer que a homologação não concede novos efeitos ao decisum, tão somente autoriza a produção dos seus efeitos. De outro modo, o mérito da sentença homologada não se confunde com o mérito do processo homologatório. Do exposto, conclui-se que a homologação possui natureza contenciosa, pois, além de possuir mérito próprio, é possível que a parte contra quem se invoca o reconhecimento da sentença, se oponha a liberação dos efeitos da sentença, inaugurando-se verdadeiro contraditório. Por outro lado, verificou-se que essa contenciosidade é limitada, porquanto as questões de mérito que podem ser levantadas no processo homologatório se restringem a um elenco taxativo estabelecido em lei. Por fim, apurou-se que a sentença homologatória é sempre constitutiva, independentemente do seu conteúdo, porque inaugura situação jurídica nova que é a liberação dos efeitos da sentença peregrina.
12. Verificou-se que, segundo a sistemática processual brasileira, toda eficácia decisória da sentença arbitral estrangeira em território nacional está condicionada ao controle delibatório. Apenas a força probante da decisão estrangeira não se subordina à homologação, porquanto neste caso o decisum estrangeiro figura apenas como elemento de prova a ser valorado pelo juiz nacional.
13. Com o advento da Emenda constitucional n° 45, de 8 de dezembro de 2004, a competência para homologação de sentenças estrangeiras, outrora do Supremo Tribunal Federal, foi transladada para o Superior Tribunal de Justiça. Esta alteração sofreu tanto críticas positivas quanto negativas, pois, se de um lado felicitou-se o fato de dita função pertencer a um Tribunal mais progressista, de outro, lamentou-se que a mudança em nada contribuiu para a celeridade do processo homologatório, tendo em vista a grande sobrecarga do E. STJ.
14. Quanto ao procedimento, em face da remissão feita pelo artigo 36 da Lei de arbitragem, aplicam-se os artigos 483 e 484 do Código de Processo civil. Por sua vez, o parágrafo único do artigo 483, estabelece que a homologação obedecerá ao Regimento interno do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, diante da alteração de competências promovida pela EC 45, o RISTF foi revogado pela Resolução n° 9 de 4 de maio de 2005, editada pelo STJ a fim de reger, ainda que transitoriamente, o procedimento relativo à homologação.
15. O artigo 37 da Lei de arbitragem determina que a petição inicial do pleito homologatório deverá observar todos os requisitos exigidos pela lei processual. Inferiu-se que, tal exigência reforça ainda mais a tese da natureza contenciosa da homologação. Por sua vez, os artigos 38 e 39 delimitam quais são as matérias que podem compor o mérito do processo homologatório, sendo que aquelas previstas no artigo 38 devem ser suscitadas pela parte contra a qual se invoca a sentença.
16. A primeira exceção prevista pela Lei de Arbitragem ao pleito homologatório é a incapacidade das partes. Porque a supracitada lei não explicita qual será a legislação parâmetro para aferir a capacidade das partes, entendeu-se que, por se tratar de uma questão de ordem pública, aplica-se a lei pessoal do indivíduo, que no Brasil corresponde à lei do domicílio (ius domicilii), consoante o artigo 7° da Lei de Introdução ao Código Civil. Descartou-se, assim, a possibilidade de examinar a capacidade dos contratantes segundo a lei escolhida por estes para reger a arbitragem. No tocante à capacidade do Estado e suas emanações para figurarem como partes numa arbitragem, concluiu-se que: não havendo qualquer princípio geral que se oponha à esta participação e, considerando a atual realidade econômica, na qual o Estado atua paralelamente à iniciativa privada, admite-se o recurso pela Administração ao juízo arbitral. Em outras palavras, a arbitrabilidade subjetiva de litígios envolvendo o Poder Público será admitida sempre que a relação jurídica por ele travada for regida por normas de direito privado. Por fim, chegou-se à ilação de que não há ofensa ao princípio da legalidade, porquanto a autorização legal está insculpida no artigo 1° da Lei de Arbitragem.
17. A segunda exceção elencada pela Lei 9.307/96 é a invalidade do acordo arbitral. A doutrina ensina que a validade do acordo deve ser aferida tendo como parâmetro as normas escolhidas pelas partes para reger a convenção de arbitragem. Para tanto, as partes podem optar por regras de uma legislação doméstica, tratado ou ainda regulamento interno de uma instituição arbitral. Viu-se que, se de um lado, a Lei de Arbitragem exige a forma escrita como requisito de validade formal da convenção de arbitragem, de outro, a Convenção de Nova Iorque, embora exija o acordo escrito para que o acordo seja válido, contem regra insculpida no artigo II, 2 que mitiga esta exigência ao aceitar a cláusula compromissória tácita, isto é, a cláusula contida em cartas ou telegramas. Verificou-se, contudo, que jurisprudência do STJ tem se mostrado oscilante relativamente a este tema. Isto porque, ao passo que os julgamentos relativos às SEC 967 e 866, reconhecem a validade da cláusula compromissória tácita, em decorrência da aplicação do artigo II, 2, outros julgados, mais recentes, como o da SEC 856, negam a validade do acordo contido em cartas ou telegramas. Dissente-se deste último posicionamento do E. Tribunal, porquanto contrário a regra exarada pelo artigo 34 da Lei de Arbitragem, que determina a primazia dos tratados internacionais relativos à matéria. Finalmente, constatou-se que a autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato que a contém é um princípio mundialmente aceito e, implica em que a invalidade do contrato não afeta a validade da cláusula compromissória.
18. A terceira exceptio legal à homologação de um laudo arbitral peregrino é a falta de notificação, ou ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Trata-se de causa obstativa que tem por escopo assegurar uma das facetas do devido processo legal, que são as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. No exame desta exceção, o juiz deve ter como parâmetro as regras escolhidas pelas partes para reger a arbitragem. Isto porque, o artigo 39, parágrafo único da Lei de Arbitragem, afirma ser válida a citação realizada nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem. Ainda consoante este dispositivo, o único requisito da citação é que esta assegure à parte brasileira tempo suficiente para exercitar sua defesa. Neste tocante, verificou-se que a jurisprudência do STJ relativa às SEC 874 e 507, chancelou o dispositivo legal em apreço ao homologar os laudos arbitrais com fundamento na efetividade do ato citatório. Por outro lado, dissentiu-se, data vênia, do teor do julgado referente à SEC 833, que indeferiu a homologação pela falta de citação mediante carta rogatória, um requisito de validade anterior à Lei de arbitragem, e não mais exigido por esta.
19. A quarta exceção ao pedido homologatório é a alegação de sentença extra ou ultra petita. Constatou-se que o princípio da congruência é perfeitamente aplicável ao laudo arbitral. Dessa forma, a sentença arbitral não pode decidir mais ou fora daquilo que fora estipulado na convenção de arbitragem, sob pena de a parte excedente ou estranha não ser homologada. Conclui-se que, esta solução dada, tanto pela lei de arbitragem, quanto pela convenção de Nova Iorque se ampara na teoria dos capítulos da sentença, bem como no princípio do aproveitamento dos atos processuais.
20. A quinta hipótese obstativa da homologação é, nos termos da Lei de Arbitragem, o desacordo entre a constituição do tribunal arbitral e a convenção de arbitragem. Concluiu-se que, o dispositivo da Lei 9.307/96, por ser menos exigente, pode ser invocado pelo autor da demanda homologatória, em detrimento da disposição correlata da Convenção de Nova Iorque. Não há nesta hipótese violação ao artigo 34 da Lei de Arbitragem que determina a primazia dos tratados internacionais, já que a própria Convenção admite que a parte interessada reporte-se a uma outra legislação, desde que mais favorável ao reconhecimento.
21. A sexta, e última, exceção ao pleito homologatório é a sentença arbitral ainda não obrigatória para as partes, ou ainda a sentença arbitral anulada. Verificou-se que, a jurisprudência francesa tem invocado a regra do direito mais favorável de modo a não considerar esta exceção. Isto porque o artigo 1502 do CPC Frances não prevê como hipótese obstativa à homologação o fato de a sentença arbitral ter sido anulada.