Existe uma certa implicância da Justiça brasileira com os recursos cíveis, como se o seu elevado número (em comparação com o existente em outras paragens) fosse o grande responsável pelo crônico emperramento da máquina judiciária. Assim, em várias reformas procedidas no CPC de 1973, tratou-se de modificar o sistema recursal, quase sempre para dificultar a sua interposição, culminando com o projeto do novo CPC, que acabará com a carreira do agravo retido e dos embargos infringentes. Motivos outros desse verdadeiro câncer que existe no Estado brasileiro que é um Poder Judiciário pouco eficiente não foram levados em conta ou não são tocados, como, por exemplo, a enorme quantidade de dias em que não há expediente forense, principalmente depois que se disseminou pelo país afora a prática dos feriadões. Além do mais, com o alongamento dos prazos processuais devido à nova maneira de se contar os dias (art. 186 do Projeto), não será difícil vaticinar que o novo CPC produzirá efeito contrário ao pretendido por seus idealizadores, e brevemente haverá a sua reforma e depois a reforma da reforma e assim por diante em movimento contínuo sem nunca cessar, à semelhança do Bolero de Ravel.
Uma das inovações do novo CPC é a exclusão do agravo retido do sistema recursal cível. Na versão original do Código de 1973, contra as decisões interlocutórias cabiam dois agravos: o retido e o agravo de instrumento. O sistema, em tese, era perfeito para o processo de conhecimento, mas não funcionou na prática forense, razão pela qual em 1995 sofreu a primeira grande reforma. Dois inconvenientes se apresentaram no cotidiano do foro: 1º) como o agravo é um recurso sem efeito suspensivo, as partes quando se sentiam altamente prejudicadas pela decisão interlocutória, impetravam mandado de segurança, com a função de dar efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto previamente. O outro inconveniente (2º) tinha a ver com o processamento do recurso; muito complicado, cheio de ziguezagues, fazendo com que se perdesse muito tempo até que ele, que era interposto em primeira instância, subisse ao órgão ad quem.
Para remediar esses males, o legislador da Lei nº 9.139/1995, inspirado nas ideias de Sálvio Teixeira e Athos Carneiro, deu uma roupagem inteiramente diferente ao agravo de instrumento, que dali em diante passou a ser interposto diretamente em segunda instância, com a expressa possibilidade de o agravante requerer ao relator do agravo a concessão de efeito suspensivo ao recurso, além das hipóteses do art. 558. Por outras palavras: o agravo de instrumento passou a vestir as roupas do mandado de segurança contra ato judicial, ferindo de morte, ou quase matando, a utilização anômala desse último remédio. Uma jogada de mestre! Além do mais, a interposição em segunda instância refletiu-se sobre o processamento do recurso, terminando com o insuportável vaivém que existia anteriormente. O legislador, porém, não previu algo que acabou acontecendo na prática: como o agravo de instrumento passou a ser interposto no próprio órgão recursal, uma verdadeira avalanche de recursos soterrou os tribunais de segunda instância. Algo teria de ser feito!
Surgiu então uma outra lei que deu um primeiro passo na direção de socorrer os tribunais de segunda instância, a de nº 10.352/2001. Em relação à Lei nº 9.139/1995, houve três alterações introduzidas no agravo, todas elas dificultando a interposição do agravo de instrumento, ou, pelo menos, impedindo que fosse julgado pelo órgão colegiado, em prestígio ao art. 557, que a partir de 1998 passou a dar poderes ao relator para unipessoalmente julgar recursos.
Como, no entanto, o número de agravos de instrumentos não diminuiu, sancionou-se a Lei nº 11.187/2005, cuja disposição principal foi a de impedir que as partes agravassem de instrumento contra decisões interlocutórias, salvo em hipóteses excepcionais, pois dali em diante contra tais decisões caberia agravo retido.
Agora, com o novo CPC (em fase de Projeto), por força do parágrafo único do art. 963, o legislador decretará a morte do agravo retido.
Será uma boa medida? Entendemos que não, conforme será visto a seguir.
De acordo com a relatora do anteprojeto do CPC, "no atual sistema, a cada espirro do juiz cabe um recurso". Foi baseado nesse entendimento que se podou o agravo retido da árvore dos recursos do novo CPC. É claro que a frase refere-se ao juiz de primeira instância e às decisões (interlocutórias) que ele toma ao longo do processo. No sistema dado pela Lei n°11.187/2005, cabia em regra agravo retido e excepcionalmente agravo de instrumento. Como o agravo retido tinha a função de evitar que as questões decididas pela interlocutória ficassem preclusas, o projetista do novo CPC ao proclamar no parágrafo único do art. 963 exatamente isso, tornou o agravo retido um recurso sem serventia, Esse será o panorama caso prevaleça o Projeto. A primeira crítica que se deve fazer-lhe é a seguinte: o juiz continuará espirrando intermitentemente ─não há como fugir desse destino em um procedimento altamente desconcentrado como é o ordinário. O legislador quis, porém, catalogar os espirros em duas espécies: os inofensivos e os malignos. Os primeiros não causam e os segundos causam prejuízo às partes. Assim, devem elas, em relação a estes, procurar de imediato um remédio, pois se assim não o fizerem o quadro se consolidará em definitivo. E o legislador ─como se fosse um médico─ indica quais os malignos, concedendo agravo de instrumento contra eles.
Essa ideia de interlocutórias irrecorríveis funciona muito bem no processo trabalhista e no procedimento que se desenvolve perante os Juizados Especiais Cíveis, cuja principal característica repousa sobre a oralidade. Tome-se, como exemplo, um processo trabalhista. Como nele se dá um grande valor ao chamado princípio da primazia da realidade (de acordo com o qual as provas orais têm maior peso que as documentais), a audiência de instrução e julgamento é encarada com tal seriedade que chega a surpreender a quem está acostumado a participar ou mesmo a assistir ao ato correspondente na Justiça comum. E se isso ocorre naquele processo, a justificativa é simples: dificilmente haverá outra oportunidade para a instrução do processo. Tudo ali será decidido, inclusive a própria causa. Se o juiz decide uma questão preliminar a respeito, por exemplo, da oitiva de uma testemunha, indeferindo o requerimento formulado pela parte, contra tal decisão não cabe recurso, no máximo um simples protesto a ser considerado em segunda instância por ocasião do eventual recurso a ser interposto contra a sentença. Esse é o regime que se pretende transplantar para o processo civil. Ocorre, porém, que, como se viu, a diferença na estrutura de um e de outro é brutal, e o sistema recursal deveria respeitá-la, sob pena de rejeição, conforme o tempo dirá.
O parágrafo único do art. 963 contém duas proposições: a) questões que, a princípio, não ficam "cobertas pela preclusão"; b) providência a ser tomada pela parte para fazer jus ao benefício. Vale dizer, a lei permite que se volte em segunda instância a discutir matéria suscitadas e resolvidas no processo, independentemente da altura em que isso ocorreu em primeira instância. A nova regra será: não há preclusão. Se, por exemplo, no início do processo o réu arguir o impedimento do juiz e se essa questão for solucionada desfavoravelmente às suas pretensões, não há necessidade de interpor agravo contra a decisão, pois tal questão não se cristalizou. A matéria poderá ser reaberta em segunda instância nas razões ou contrarrazões da apelação porventura interposta pela parte contra a sentença proferida pelo juiz tachado de impedido. É lógico que se for dada razão ao denunciante, o processo em quase sua totalidade será anulado.
Por fim, a locução "fase cognitiva" do parágrafo único do art. 963 deve ser entendida como a que vai até a sentença do juiz. Após, em outra novidade do novo CPC, não haverá mais decisões interlocutórias, fruto da sistemática que será adotada: o juiz após a sentença não praticará ato algum no processo; a apelação, conforme a regra do art. 966 (Projeto), subirá incontinenti com ou sem as contrarrazões do apelado.