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Abordagem crítica do Direito Tributário brasileiro com viés no direito natural

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18/01/2012 às 13:32
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estamos convencidos da existência de um direito natural que rege as normas da sociedade devendo-o ser respeitado independente da sua positivação, bem como que aquele direito, como ordem jurídica superior, ínsito na natureza humana e anterior ao próprio direito positivo, elege como bens sagrados a vida, a liberdade e a propriedade.

Doutra sorte, não poderíamos desconsiderar as conquistas do direito positivo, como a positivação da tipicidade fechada, legalidade, irretroatividade da lei, vedação do confisco, que conferem segurança jurídica, pelo menos no plano abstrato, ao contribuinte.

Neste ínterim, as leis, atos normativos elaborados pelas autoridades competentes, são necessários para organizar a sociedade tendo em vista que o direito natural, a priori, não possui coercitividade suficiente para que as suas regras sejam aceitas e cumpridas pelos indivíduos e pelo Estado. Digo isso porque pela complexidade das condutas humanas, hodiernamente, o Direito Natural, pelo seu cunho abstrato, não seria capaz de regular a sociedade, bem como de limitar os poderes do Estado.

Trazendo para o campo do Direito Tributário, se não fosse o direito positivo, dificilmente o contribuinte pagaria os impostos na sua integralidade e, mais difícil ainda, o Estado cobraria os tributos apenas na medida do necessário para alcançar o bem comum, respeitando a capacidade contributiva. Por isso que se afirma que o Direito Natural possui a essência e o conteúdo do Direito, ao passo que o Direito Positivo se caracteriza como a sua forma para alcançar a sua plenitude efetiva.

Frise-se que o Direito Positivo deve, obrigatoriamente, buscar o seu conteúdo no Direito Natural sob pena de, mesmo sendo legal, ser declarado ilegítimo e injusto, devendo, por esta razão ser extirpado do ordenamento jurídico. Um exemplo recente do que o Direito Positivo, sem conteúdo de Direito Natural, é capaz de criar, podemos citar as ditaduras implantadas no século XX, em que os ditadores, utilizando-se do positivismo, elaboravam leis vilipendiando e/ou limitando os direitos inatos dos cidadãos, entre eles o direito a vida e a liberdade.

Percebe-se que na medida em que o homem não capta a essência dos princípios maiores, cria-se um descompasso entre o direito positivo e o direito natural, devendo prevalecer o último. Neste sentido, Santo Tomás de Aquino dispõe que "así como el artista posee en su mente cierta idea de la obra a realizar, que es la regla del arte, así también la razón determina lo justo de un acto conforme a una idea preexistente en el entendimiento. Si se formula por escrito recibe el nombre de ley; de ahí que la ley no sea el derecho mismo sino cierta razón del derecho. […] La ley que no es justa no parece que sea ley […] la fuerza de la ley depende del nivel de su justicia […] toda ley humana tendrá carácter de ley en la medida en que se derive de la ley da natureza". (QUINTANA, 2009, p. 32 e 82).

Pois bem, o desejo insaciável do Estado em arrecadar tem colidido com os direitos fundamentais e individuais dos cidadãos, pois aquele utiliza do poder de império para impor uma tributação que não condiz com a capacidade contributiva dos cidadãos nem com a contraprestação dos serviços públicos que, nos países subdesenvolvidos, são deploráveis.

Logo, o imposto será legitimo se for justo e para tanto precisa ser necessário para a consecução do bem comum, incida sobre quem possui capacidade contributiva, seja imposta de forma adequada, buscando o estritamente necessário para realizar os serviços públicos de qualidade, sem desperdício por parte do Estado e que seja revertido para a sociedade. Além disto, é necessário que exista a transparência fiscal, razoabilidade e proporcionalidade, bem como moralidade na tributação.

A tributação, como já declinado, é um instrumento de geração de recursos para o Estado, indispensável para que se alcance o bem comum, não sendo por outra razão que Adolfo Atchabahian, prevaciando o livro Abuso del Estado en el Ejercicio de la Potestad Tributaria de Osvaldo H. Soler (2003, p. 14), compara a conduta do contribuinte que não cumpre com suas obrigações tributárias a do Estado que pratica atos sem respaldo constitucional, in verbis:

[…] tan repudiable es la conducta de aquel que no acata las normas legales evadiendo el cumplimiento de sus obligaciones tributarias, como la del Estado cuando, al amparo de un propósito justificado, emplea métodos de dudosa constitucionalidad.

Todavia, entendemos que a cobrança dos tributos não pode ser elevada a ponto de comprometer a liberdade dos indivíduos, isso porque o custa com a tributação deve ser aceitável e dentre dos parâmetros do Direito Natural, pois, não há que se falar em liberdade quando o cidadão encontra-se tolhido por uma tributação que retira os seus rendimentos e confisca os seus bens impossibilitando-o de arcar com custos familiares de educação, saúde, vestuário, alimentos etc.

Além da liberdade é necessário que o Estado respeite a propriedade razão pela qual a tributação deve ser norteada pela capacidade contributiva que se encontra entrelaçado com o mínimo existencial. Por este princípio exige-se que a tributação respeite o mínimo de existência individual e o mínimo de existência familiar. Ou seja, a aferição da capacidade contributiva só começar contar a partir do mínimo existencial, pois, até ele não existe capacidade contributiva e sim capacidade de suprir uma vida digna com alimentação, habitação, vestuário, educação, ou, em determinando casos capacidade de simples sobrevivência.

Não limitando a tributação deixará o Estado de praticar atos lícitos e os tornará arbitrários e ilegítimos, ferindo os direitos individuais dos cidadãos.

Sendo assim, para que a tributação seja lícita é necessário que respeite os direitos naturais a vida digna, liberdade e propriedade, sob pena de conferir direito ao contribuinte de se defender e repugnar a tributação que atinja o mínimo necessário para uma vida digna.

Neste passo, toda e qualquer norma tributária infraconstitucional tem que ser analisada não apenas do ponto de vista positivista, perquirindo se os aspectos formais e materiais foram obedecidos pelo legislador, mas, principalmente, se respeitam os Direitos Naturais do contribuinte de não ter o seu patrimônio, ou grande parte dele, confiscado pelo Estado, e se o mesmo é necessário para a consecução dos serviços públicos ou trata-se de um instrumento de domínio dos governantes para oprimir a população enfraquecendo-a e tornando-a cada vez mais dependentes das políticas sociais do Estado e aniquilando a produção de riquezas.

O conteúdo da norma se é justo ou injusto, se busca beneficiar determinados segmentos da sociedade ou a coletividade, se será destinado pra buscar a justiça fiscal com a redistribuição da renda ou para enriquecer cada vez mais os governantes, devem ser considerados sim para definir se tais atos normativos são leis, como retratos da vontade da sociedade, ou meros atos abusivos e arbitrários revestidos com o manto da legalidade e por não representarem os anseios da sociedade devendo ser extirpados do ordenamento jurídico.

Sendo assim, pelas razões impostas, com fulcro no Direito Natural, há o direito do contribuinte de resistência no pagamento dos tributos iníquos e confiscatórios, pois, o poder de tributar não pode ser utilizado para tolher a liberdade do contribuinte, retirando a sua dignidade e destruindo a sua propriedade, pois, trata-se de um poder cujo exercício encontra-se limitado pelos Direitos Naturais. Ademais, este poder de tributar não deve ser visto como um poder e sim como conjunto de direitos e obrigações entre o Estado e os contribuintes, devendo o termo poder ser limitado a compulsoriedade da tributação, que incide e deve ser adimplida independente da vontade do agente, todavia, desde que esteja previsto em lei, obedeça a capacidade contributiva, seja revertido em serviços públicos de qualidade para a sociedade, preserve o mínimo existencial etc.

Por fim, considerando a vulnerabilidade histórica do Direito Natural, bem como as experiências negativas do Direito puramente Positivo, reforça-se a necessidade de integração entre o Direito Natural e o Direito Positivo, de forma a viabilizar mútua compensação pelas suas ditas insuficiências isoladas, possibilitando a gradativa positivação do Direito Natural, o que, por reflexo, forneceu ao Direito Positivo o benefício de uma alma legitimadora jusnaturalista.

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Notas

  1. Wotling, Patrick (dir.). La Justicia. 1ª Ed. – Buenos Aires: Nueva Visión, 2008.
  2. CÍCERO, Marco Túlio. Tradução de Otávio T. de Brito. São Paulo: Cultrix, 1967.
  3. http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html
  4. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
  5. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 17ª Ed. rev., ampl. e atualizada até a Emenda Constitucional nº. 35/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 612.
  6. Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: [...]
  7. Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

  8. MARTINS, Ives Gandra da Silva et al. Conferencista inaugural José Carlos Moreira Alves. Direito Tributário e reforma do sistema. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, Centro de Extensão Universitária, 2003.
  9. Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]
  10. IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

  11. JARACH, Dino. O fato imponível. São Paulo: RT, 1989.
  12. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
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Sobre o autor
Saulo Medeiros da Costa Silva

Doutorando em Direito e Ciências Sociais pela UMSA/AR. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IESP. Graduado em Ciências Jurídicas pela UEPB. Ex-Diretor Administrativo e Membro do Conselho Fiscal do Instituto Paraibano de Estudos Tributários – IPBET. Presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB/PB – Subseção de Campina Grande. Professor de Direito Tributário e Financeiro da Escola Superior da Advocacia – ESA, Subseção de Campina Grande/PB e do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos – CESREI. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Saulo Medeiros Costa. Abordagem crítica do Direito Tributário brasileiro com viés no direito natural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3122, 18 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20875. Acesso em: 25 abr. 2024.

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