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O direito de não produzir provas contra si mesmo e prova da embriaguez ao volante

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26/01/2012 às 14:09
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A tipificação do crime de embriaguez ao volante está condicionada à vontade do acusado em colaborar assoprando o etilômetro ou cedendo sangue para exame.

RESUMO: Análise da possibilidade do condutor de veículo automotor se recusar a se submeter aos exames e testes para verificação de consumo de álcool sem que isso implique em sanções administrativas ou penais em face do princípio jurídico de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.

PALAVRAS-CHAVE: Exames e testes de alcoolemia. Lei Seca. Princípio nemo tenetur se detegere.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I - PRINCÍPIOS, DIREITO E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. 1.1 A natureza jurídica, aplicabilidade e abrangência do princípio nemo tenetur se detegere.1.2 O princípio nemo tenetur se detegere no ordenamento jurídico brasileiro. 1.3 Princípios do processo penal e a harmonia com o princípio nemo tenetur se detegere. CAPÍTULO II – DA EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. 2.1 O álcool e os efeitos provocados no organismo. 2.2 A infração administrativa descrita no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro. 2.3 O crime de dirigir embriagado. CAPÍTULO III – A OBRIGATORIEDADE DOS EXAMES DE ALCOOLEMIA E O PRINCÍPIO nemo tenetur se detegere . 3.1 As provas no processo penal e a colaboração do acusado. 3.2 Da inaplicabilidade do art. 277, § 3º do Código de Trânsito Brasileiro. 3.3 Da impossibilidade da prisão pelo crime de desobediência. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

Dados do Conselho Nacional de Trânsito indicam que anualmente mais de 33 mil pessoas são mortas e cerca de 400 mil tornam-se feridas ou inválidas em acidentes de trânsito e esses números representam uma das principais causas de morte prematura da população economicamente ativa do Brasil, gerando um alto custo social.

O álcool, uma droga lícita e com consumo tolerado pela sociedade, é reconhecidamente um fator que contribui para esse elevado número de acidentes por prejudicar as funções e sentidos necessários aos condutores de veículos automotores, diminuindo a segurança do trânsito.

Nesse contexto, foi editada a Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008, que alterou a redação dos arts. 165, 276, 277 e 306 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), visando reprimir mais severamente o consumo de álcool pelos condutores de veículos automotores.

Essa alteração legislativa foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação que a "apelidaram" de Lei Seca e trouxe ao debate a obrigatoriedade da submissão do condutor aos testes de alcoolemia para verificação de sua embriaguez.

O presente estudo monográfico defende a não obrigatoriedade do condutor em se submeter aos exames e testes de alcoolemia em face do princípio jurídico nemo tenetur se detegere, que se manifesta no direito do acusado de não ser obrigado a produzir provas contra si mesmo, nem a colaborar com a investigação ou instrução penal.

O estudo é composto por três capítulos. No primeiro é analisada a natureza jurídica, a aplicabilidade e a abrangência do princípio nemo tenetur se detegere e sua incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro, harmonizando-o com outros princípios do processo penal.

O segundo capítulo trata sobre os efeitos do álcool no organismo humano e sobre as conseqüências administrativas e penais aplicáveis ao condutor que dirige alcoolizado.

Finalmente, o terceiro capítulo analisa a obrigatoriedade da submissão do condutor de veículo automotor aos exames e testes de alcoolemia em face do princípio nemo tenetur se detegere e as conseqüências jurídicas de sua recusa.


CAPÍTULO I - PRINCÍPIOS, DIREITO E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

1.1 A natureza jurídica, aplicabilidade e abrangência do princípio nemo tenetur se detegere

Os direitos fundamentais resultam de um movimento de constitucionalização histórico enfatizado a partir do século XVIII e encontram-se incorporados ao patrimônio comum da humanidade. São direitos inerentes à pessoa humana, decorrentes de sua própria natureza e, portanto, imprescritíveis, irrenunciáveis, invioláveis, universais e de aplicação imediata.

Entre os direitos fundamentais estão os direitos às liberdades clássicas (liberdade de locomoção, propriedade, vida e segurança), conhecidos como direitos de 1ª geração. São os direitos civis e políticos do homem e constituem limitações às ações estatais.

O princípio nemo tenetur se detegere é considerado como direito fundamental do homem, estando entre os classificados como direitos de 1ª geração, visto objetivar proteger o indivíduo contra os excessos cometidos pelo Estado durante a persecução penal, protegendo-o contra violências físicas e morais empregadas para forçá-lo a colaborar com a apuração da materialidade e autoria dos ilícitos penais. [01]

Entretanto, o direito de não produzir provas contra si mesmo não fica restrito a fase judicial da persecução penal, podendo ser exercido também durante a investigação criminal ou até mesmo em instâncias não penais, sempre que, na relação Estado-indivíduo, marcada pela superioridade hierárquica estatal, houver a possibilidade de o indivíduo produzir provas em seu desfavor.

Luiz Flávio Gomes, ao estabelecer o conteúdo do referido princípio, ensina que ele possui várias dimensões: (a) direito ao silêncio, (b) direito de não colaborar com a investigação ou a instrução criminal; (c) direito de não declarar contra si mesmo, (d) direito de não confessar, (e) direito de declarar o inverídico, sem prejudicar terceiros, (f) direito de não apresentar provas que prejudique sua situação jurídica, (g) direito de não praticar nenhum comportamento ativo que lhe comprometa, (h) direito de não ceder seu corpo (total ou parcialmente) para a produção de prova incriminatória. [02]

Uma característica interessante dos direitos fundamentais é a sua relatividade, visto eles não serem absolutos. Há no caso concreto, muitas vezes, conflito de interesses, devendo o aplicador do direito decidir qual direito prevalecerá, levando em consideração a máxima efetividade dos direitos envolvidos com a sua mínima restrição. Tal fato ocorre com o princípio nemo tenetur se detegere que não pode ser invocado, por exemplo, para prejudicar terceiros ou para justificar crimes subseqüentes.

Nesse sentido:

Incabível o pleito absolutório pelo delito de falsa identidade, pois aquele que apresenta Carteira de Identidade falsa, objetivando ocultar o seu passado, inclusive, mandado de prisão em aberto, não pode alegar que agiu em autodefesa, ou no direito da não auto-incriminação, já que o Direito Constitucional de permanecer calado e de não colaborar que lhe é deferido não inclui o de falsear a própria identidade. [03]

1.2 O princípio nemo tenetur se detegere no ordenamento jurídico brasileiro

Não existe na Constituição Federal de 1988 nenhum dispositivo expresso prevendo que ninguém será obrigado a produzir provas contra si mesmo. O art. 5º, LXIII apenas estabelece que o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado.

Dessa forma, segundo uma visão restritiva, entende-se que o direito de não se declarar culpado alcançaria apenas a pessoa do preso, que, mesmo assim, deveria se submeter passivamente a persecução penal.

O princípio da não auto-incriminação somente foi expressamente promulgado no Brasil pelo Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992, que promulgou o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, estabelecendo em seu art. 14, 3, g que toda pessoa acusada de um delito terá direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.

O Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, que promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) também passou a prever expressamente o princípio nemo tenetur se detegere, estabelecendo em seu art. 8º que toda pessoa acusada de um delito tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.

Antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que inseriu o art. 5º, § 3º ao texto constitucional, havia discussão sobre qual seria o caráter normativo dos tratados internacionais sobre direitos humanos adotados pelo Brasil.

Pedro Lenza, analisando essa discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal afirma que havia 4 principais posições: a) natureza supraconstitucional; b) caráter constitucional; c) status supralegal e d) caráter de lei ordinária. Sustenta que o tribunal adotava a teoria de paridade normativa entre os tratados internacionais e as leis ordinárias. [04]

Entretanto, no ano de 2008, o Supremo Tribunal Federal, em análise de diversos processos sobre a possibilidade de prisão civil do depositário infiel, hipótese de prisão civil não admitida pelo Pacto de São José da Costa Rica, consolidou o entendimento de supralegalidade dos tratados internacionais sobre direitos humanos. [05]

Segundo esse entendimento, apesar desses tratados não gozarem de status constitucional têm força normativa suficiente para tornar inaplicável toda a legislação infraconstitucional contrária, seja ela anterior ou posterior a incorporação do tratado.

Assim, apesar de o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) não terem se submetido ao procedimento descrito no art. 5º, §3º da Constituição Federal, possuem status supralegal, não podendo a legislação ordinária contrariá-los, estabelecendo vedação à aplicação do princípio nemo tenetur se detegere.

1.3 Princípios do processo penal e a harmonia com o princípio nemo tenetur se detegere

Os princípios jurídicos além de sua normatividade, impondo condutas e vedando a adoção de comportamentos com eles incompatíveis, possuem também a função de auxiliar o aplicador do direito na interpretação das normas positivadas e no preenchimento das lacunas da lei.

O processo penal é regido por uma série de princípios e regras que norteiam a política processual penal do Estado e, no atual estágio de desenvolvimento da democracia brasileira, representam um instrumento a serviço da liberdade individual.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu art. 5º, LIV o princípio do devido processo legal (due processo of law), dispondo que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, ou seja, sem que tenha havido a tramitação de um processo segundo o estabelecido em lei.

Segundo Tourinho Filho, o devido processo legal relaciona-se com uma série de direitos e garantias constitucionais, tais como presunção de inocência, duplo grau de jurisdição, direito de ser citado e de ser intimado de todas as decisões que comportem recurso, ampla defesa, contraditório, publicidade, juiz natural, imparcialidade do julgador, vedação às provas ilícitas, motivação das decisões, dignidade humana, integridade física, liberdade e igualdade entre as partes. [06]

Segundo Maria Elizabeth Queijo, dentre as garantias que compõem o devido processo legal encontra-se o princípio nemo tenetur se detegere, vedando a obrigatoriedade da cooperação do acusado na persecução penal. [07]

Já, o art. 5º, LV, da Constituição Federal enuncia que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

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O princípio do contraditório é um dos requisitos de validade do processo e exige que seja dado conhecimento dos atos processuais ao acusado para que ele possa participar e contrariar os referidos atos.

Enquanto o contraditório exige a garantia de participação no processo, a ampla defesa representa um plus, visto impor a realização efetiva dessa participação, seja pela defesa técnica ou autodefesa.

Maria Elizabeth Queijo estabelece que a autodefesa engloba também o direito de recusa em colaborar na produção de provas que possam importar em auto-incriminação. [08]

O princípio da inocência ou da não culpabilidade expresso no art. 5º, LVII determina que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Assim, em decorrência desse principio jurídico, há inversão do ônus probatório, devendo a acusação fazer prova da existência do fato criminoso e de sua autoria, cabendo à defesa apenas provar eventual presença de fato caracterizador de excludente de ilicitude ou de culpabilidade.

Quando houver dúvidas sobre a existência do fato ou de sua autoria ou quando a prova for dúbia, deve-se aplicar o princípio in dúbio pro reo, pois se presume ser o réu inocente.

Segundo Nucci, o princípio nemo tenetur se detegere decorre da conjugação dos princípios constitucionais da presunção de inocência e ampla defesa, afirmando que o indivíduo é inocente até que se prove sua culpa e que ele possui o direito de produzir amplamente provas em seu favor, bem como de permanecer em silêncio sem que isso lhe traga prejuízo, sendo perfeitamente claro que não está obrigado a produzir provas contra si mesmo. [09]


CAPÍTULO II – DA EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

2.1 O álcool e os efeitos provocados no organismo

O álcool corresponde a uma classe de compostos químicos orgânicos que possui em sua estrutura molecular um ou mais grupos hidroxilas (-OH) ligados a um carbono saturado.

O tipo mais comum em bebidas alcoólicas é o álcool etílico de composição CH3CH2OH, que é originado pela fermentação dos açúcares presentes em cereais, raízes e frutas.

Apesar de as bebidas alcoólicas possuírem grande aceitação social e seu consumo ser estimulado pela sociedade, o álcool é uma droga psicotrópica que atua no sistema nervoso central, podendo causar dependência e mudanças comportamentais.

O álcool age como depressor do sistema nervoso central, alterando percepções e comportamentos, podendo aumentar a agressividade e diminuir a atenção, causando danos através da toxidade, direta e indireta sobre diversos órgãos e sistemas corpóreos, podendo gerar intoxicação aguda e dependência.

Arthur Guerra de Andrade denomina alcoolemia como a concentração de álcool no sangue e afirma que ela varia em razão de questões metabólicas individuais, mas que, em geral, uma dose de álcool para um homem adulto de 70 kg gera uma alcoolemia de 0,2 g de álcool por litro de sangue. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece como uma dose o equivalente a 14 g de álcool, quantidade presente em uma lata de cerveja de 350 ml, ou em uma taça de vinho de 140 ml ou em dose de 35 ml de bebidas destiladas. [10]

Os níveis máximos de alcoolemia ocorrem após meia hora de consumo, mas pode variar conforme a velocidade de ingestão, o consumo prévio de alimentos, a vulnerabilidade individual à substância, sexo, idade, peso, interação com medicamentos e outras drogas. [11]

Os principais efeitos relacionados à alcoolemia foram condensados no quadro elaborado pelo Departamento de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria:

QUADRO 1

Estágios da intoxicação alcoólica

Alcoolemia (dg/l)

Efeitos

1 a 3

  • Início dos efeitos de relaxamento

  • Leve euforia e relaxamento

  • Diminuição da timidez

  • Funções visuais e acompanhamento de movimento já alterados

4 a 6

  • Movimentos já alterados

  • Taquicardia e aumento do padrão respiratório

  • Diminuição de funções cerebrais

  • Dificuldades no processamento de informações e tarefas de atenção dividida

  • Diminuição de inibições

  • Relaxamento

6 a 10

  • Aumento de sintomas ansiosos e depressivos

  • Diminuição de atenção, reações mais lentas e problemas de coordenação e força muscular

  • Baixa capacidade de tomar decisões

10 a 15

  • Reações ainda mais lentas

  • Dificuldades de equilíbrio, movimentos e funções visuais

  • Fala arrastada

16 a 29

  • Diminuição de respostas a estímulos externos

  • Problemas motores (quedas e falta de coordenação motora)

30 a 39

  • Desmaios

  • Anestesia (comparável à usada para cirurgias)

  • Estupor

40 e acima

  • Dificuldades respiratórias

  • Morte

Fonte: Departamento de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (2007, p.14)

Em razão dos efeitos provocados no organismo humano devido à ingestão de bebidas alcoólicas, várias funções necessárias aos condutores de veículos automotores ficam prejudicadas: visão, coordenação motora, tempo de reação e capacidade de tomar decisões. Somam-se a esses efeitos as alterações comportamentais que podem fazer com que o condutor se sinta mais seguro para enfrentar situações perigosas como excesso de velocidade, ultrapassagens, avanço de sinal vermelho, entre outras.

Assim, afirma-se que a ingestão de álcool pelo condutor diminui a segurança do trânsito, expondo toda a coletividade a perigo de graves acidentes, com enormes perdas materiais e humanas.

Dados epidemiológicos dos Estados Unidos relacionados às conseqüências do consumo de álcool no trânsito indicam que o risco de um condutor com alcoolemia entre 2 e 5 dg/l morrer em um acidente de trânsito envolvendo apenas um veículo pode ser até 4,6 vezes maior que o de um condutor sóbrio. Para alcoolemias entre 5 e 8 dg/l, esse valor pode chegar até 17 vezes. Já, para alcoolemias a partir desse valor, o aumento do risco pode chegar até 15.560 vezes, indicando que o consumo abusivo de álcool implica em um grande risco de envolvimento em acidentes fatais. [12]

2.2 A infração administrativa descrita no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro

A Lei nº 11.705/08 trouxe profundas alterações nas disposições da Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro, referentes ao tratamento da infração administrativa de dirigir sob a influência de álcool. Os artigos 165, 276 e 277 receberam nova redação e passaram a dispor:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;

Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.

Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.

Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código.

Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos.

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

§ 1º Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.

§ 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.

§ 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.

O art. 165, caput, estabelece ser infração de trânsito dirigir sob a influência de álcool, porém não estabelece qual o nível de alcoolemia necessário para a caracterização do estado de influência.

Já, o art. 276 estabelece que qualquer nível de concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165, caput. Assim, aparentemente, inaugurou-se no Brasil o nível de tolerância zero para a alcoolemia. Entretanto, tal constatação é apenas aparente, pois o parágrafo único do art. 276 determina que o Poder Executivo Federal discipline as margens de tolerância para casos específicos.

Regulamentando os artigos 276 e 306 do Código de Trânsito Brasileiro, foi publicado o Decreto nº 6.488, de 19 de junho de 2008, que estabeleceu que as margens de tolerância de álcool no sangue para casos específicos serão definidas em resolução do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, nos termos de proposta formulada pelo Ministro de Estado da Saúde.

Esse mesmo decreto determinou que enquanto não editado essa resolução do CONTRAN, a margem de tolerância será de dois decigramas por litro de sangue para todos os casos e que, quando a aferição da quantidade de álcool no sangue seja feito por meio de teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), a margem de tolerância será equivalente a um décimo de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.

Até a presente data o CONTRAN não publicou a referida resolução, vigorando a tolerância prevista no Decreto nº 6.488/08, aplicável a todos os casos e não apenas aos casos específicos como determinado pelo parágrafo único do art. 276.

A caracterização do estado de influência de álcool não ocorre exclusivamente após a medição do nível de alcoolemia do condutor, pois nos termos do art. 165, parágrafo único, a embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.

O art. 277 elenca vários meios para a apuração da embriaguez: testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar o estado do condutor.

Visando conferir ainda mais poder aos agentes de trânsito, o art. 277, § 2º, estabeleceu que a infração de dirigir embriagado também poderá ser comprovada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.

O art. 2º, § 1º da Resolução nº 206, de 20 de Outubro de 2006, do CONTRAN, estabelece que o os sinais de embriaguez que levaram o agente da Autoridade de Trânsito à constatação do estado do condutor e à caracterização da infração prevista no artigo 165 da Lei nº 9.503/97, deverão ser por ele descritos na ocorrência ou em termo específico que contenham as informações mínimas indicadas no Anexo dessa Resolução

Dessa forma, o condutor pode ser punido administrativamente por dirigir embriagado, mesmo quando não houver a quantificação de sua alcoolemia, bastando a certificação de seu estado pelos meios de prova previstos no art. 277 e seus parágrafos.

Segundo Damásio de Jesus, há na tipificação da infração de trânsito o elemento subjetivo "sob a influência" e por esse motivo a figura não se perfaz com a simples direção de veículo após o consumo de álcool ou substância similar, devendo haver a verificação de que o condutor esteja sob a influência da substância, ou seja, esteja sofrendo os seus efeitos, conduzindo de forma anormal, fazendo ziguezagues ou outros atos que revelem perigo ao trânsito seguro. [13]

O art. 277, § 3º, estabelece que "serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo". A inaplicabilidade desse dispositivo é analisada no Capítulo 3.2.

2.3 O crime de dirigir embriagado

A antiga redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro definia o crime de embriaguez ao volante nos seguintes termos:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Damásio de Jesus analisando o presente artigo classificava o delito como sendo de perigo concreto, exigindo-se a prova do perigo a pessoa determinada. [14]

Essa definição típica exigia que o condutor estivesse conduzindo veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. Devendo todos esses elementos serem claramente demonstrados na peça acusatória.

Não se exigia a quantificação do nível de alcoolemia do condutor, porém deveria ser demonstrado a condução anormal do veículo de forma a expor a perigo de dano alguém. Como exemplos de condução anormal citam-se a direção em zig-zag, pela contramão ou em alta velocidade.

Assim, a configuração do delito poderia se dar por prova testemunhal, exame clínico ou outros meios de prova.

A Lei nº 11.705/2008, visando ampliar o rigor da lei frente ao condutor embriagado e a facilitar a prova do crime, estabeleceu uma quantidade mínima exigível de álcool no sangue do condutor e dispensou a prova do perigo de dano a terceiros.

Então, o delito passou a ser considerado como de perigo abstrato, visto este ser presumido pela lei, sob a razão de que a periculosidade típica da conduta já é suficiente para a imposição de sanção penal, mesmo sem a ocorrência efetiva de dano. Nesse sentido:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME PREVISTO NO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - CASSAÇÃO DA SENTENÇA QUE DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 306 DA LEI Nº 9.503/97 - POSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO.

Para a caracterização do tipo penal previsto no art. 306 da Lei nº 9.503/97, basta a comprovação da concentração de teor alcoólico no sangue, vez que o perigo, ou seja, a probabilidade jurídica de dano, é presumida (presunção juris et de jure).

Não se trata de violação aos princípios da adequação, proporcionalidade e ofensividade. Na verdade, essa foi a solução encontrada pelo legislador para proteger a coletividade. Privilegiou-se, no caso, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, não havendo falar, portanto, em inconstitucionalidade do art. 306 do CTB. [15]

A nova redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, alterada pela Lei nº 11.705/2008, estabelece:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)

O nível de alcoolemia (concentração de álcool por litro de sangue) igual ou superior a 6 (seis) decigramas foi inserido como elementar do tipo incriminador, devendo claramente ser comprovado pela acusação sob pena de atipicidade da conduta.

Essa medição, por se tratar de medida técnica, necessita de demonstração pericial ou, como previsto no parágrafo único do art. 306, também pode ser demonstrada através de outros testes homologados pelo Poder Executivo Federal. Nos termos do Decreto 6.488/2008, a alcoolemia também poderá ser provada por teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro).

Dessa forma, não se consegue aferir a concentração de álcool por litro de sangue através de prova testemunhal, exame clínico, confissão ou outro meio de prova, tendo o legislador limitado o meio de prova admissível. Nesse sentido já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. AUSÊNCIA DE EXAME DE ALCOOLEMIA. AFERIÇÃO DA DOSAGEM QUE DEVE SER SUPERIOR A SEIS DECIGRAMAS. NECESSIDADE. ELEMENTAR DO TIPO.

1. Antes da edição da Lei nº 11.705/08 bastava, para a configuração do delito de embriaguez ao volante, que o agente, sob a influência de álcool, expusesse a dano potencial a incolumidade de outrem.

2. Entretanto, com o advento da referida Lei, inseriu-se a quantidade mínima exigível e excluiu-se a necessidade de exposição de dano potencial, delimitando-se o meio de prova admissível, ou seja, a figura típica só se perfaz com a quantificação objetiva da concentração de álcool no sangue o que não se pode presumir. A dosagem etílica, portanto, passou a integrar o tipo penal que exige seja comprovadamente superior a 6 (seis) decigramas.

3. Essa comprovação, conforme o Decreto nº 6.488 de 19.6.08 pode ser feita por duas maneiras: exame de sangue ou teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), este último também conhecido como bafômetro.

4. Isso não pode, por certo, ensejar do magistrado a correção das falhas estruturais com o objetivo de conferir-lhe efetividade. O Direito Penal rege-se, antes de tudo, pela estrita legalidade e tipicidade.

5. Assim, para comprovar a embriaguez, objetivamente delimitada pelo art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, é indispensável a prova técnica consubstanciada no teste do bafômetro ou no exame de sangue.

6. Recurso a que se nega provimento. [16]

A comprovação de exposição a dano potencial a incolumidade de outrem deixou de ser elemento do tipo penal, ocorrendo a adequação típica mesmo que o condutor estivesse dirigindo de forma normal, devendo a acusação simplesmente demonstrar que a concentração de álcool por litro de sangue era igual ou superior a 6 (seis) seis decigramas.

Entretanto, Damásio de Jesus sustenta posição contrária:

Não é suficiente prova de que o sujeito, embriagado, dirigiu veículo com determinada taxa de álcool no sangue ou que bebeu antes de dirigir. É imprescindível a demonstração da influência etílica na condução: que se tenha manifestado na forma de afetação efetiva da capacidade de dirigir veículo automotor, reduzindo ou alterando a capacidade sensorial, de atenção, de reflexos, de reação a uma situação de perigo (time-lag), com propensão ao sono etc. (modificação significativa das faculdades psíquicas ou sua diminuição no momento da direção), manifestando-se, como ficou consignado, numa condução imprudente, descuidada, temerária ou perigosa, de acordo com as regras da circulação viária. [17]

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Sobre o autor
Gabriel Costa de Jesus

Policial Rodoviário Federal. Bacharel em Direito pela UNIMONTES. Pós-graduado em Ciências Criminais pela UNAR. Presidente de JARI e secretário de Comissão de Defesa de Autuação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Gabriel Costa. O direito de não produzir provas contra si mesmo e prova da embriaguez ao volante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3130, 26 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20941. Acesso em: 5 nov. 2024.

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