Não resta dúvida de que a Lei n.º 9.503/1997 (conhecida como "Lei Seca") reduziu significativamente o número de acidentes graves no trânsito e, mais importante, constrangeu os condutores a não ingerirem bebidas alcoólicas antes de assumirem a direção de um veículo.
Entretanto, com uma persistência incômoda nos últimos meses, tem-se observado na mídia que as estúpidas mortes no trânsito não foram expungidas de nossa rotina. Quase diariamente, temos notícia de acidentes brutais, provocados por motoristas embriagados, que levam outros motoristas e pedestres ao óbito.
Em razão do apelo popular e midiático, como geralmente acontece, o Senado Federal colocou em pauta o Projeto de Lei n.º 48/2011, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa Legislativa, cujo escopo é alterar a redação do art. 306, do Código Brasileiro de Trânsito, para tornar crime a condução de veículo automotor sob a influência de qualquer concentração de álcool e, além disso, para elevar significativamente as penas nos crimes de trânsito.
Vale lembrar que, de acordo com a atual redação da Lei 9.503/1997 (arts. 302 a 312), todos os crimes de trânsito são apenados com detenção, impondo, de acordo com o art. 33, do Código Penal, o regime aberto ou semi-aberto. O mesmo art. 33, em seu §2º, alínea "c", determina que o condenado não reincidente, com pena igual ou inferior a quatro anos, poderá cumpri-la em regime aberto, desde o início. Por sua vez, o §3º, determina que, na definição do regime inicial de cumprimento de pena, deve o juiz observar as condições previstas no art. 59, também do Código Penal, quais sejam: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime. Some-se a isso o fato do art. 89, da Lei n.º 9.099/1995, disciplinar que, nos crimes em que a pena mínima for igual ou inferior a um ano, ainda que tais crimes não estejam abarcados por aquela Lei, admitir-se-á a suspensão condicional do processo, impondo-se ao agente criminoso um período de prova, durante o qual ele sofrerá algumas restrições de direitos. Cabe lembrar que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ, RHC 12.033-MS, j. 13.08.02), em face da Lei n.º 10.259/2001, a suspensão condicional do processo é cabível nos crimes cuja pena mínima for igual ou inferior a dois anos (e não a um ano, conforme prevê a Lei n.º 9.099/1995).
De todas as penas previstas no atual Código Brasileiro de Trânsito, a mais gravosa é aquela do art. 302 (praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor), que impõe à prática a pena de detenção, de dois a quatro anos. A pena aplicada ao condutor que conduz seu veículo após a ingestão de álcool (art. 306), é de detenção de seis meses a três anos.
Conclui-se, portanto, sem maiores dificuldades, que é quase impossível que o condenado por crime de trânsito seja, efetivamente, levado à prisão. Ou ele será beneficiado pela suspensão condicional do processo ou, no máximo, será condenado com cumprimento de pena em regime aberto, como ocorreu, v.g., no Processo n.º 1.0477.07.001012-9/001, TJMG, j. 25.08.2009; Processo n.º 1.0106.08.038100-2/001, TJMG, j. 19.04.2011; dentre vários outros.
A luta inglória do Ministério Público tem sido, muitas vezes, em caso de morte no trânsito, denunciar o condutor pela prática de homicídio doloso (com a intenção de matar), na modalidade de dolo eventual, cuja pena básica, prevista no art. 121, do Código Penal, é de seis a vinte anos de reclusão, o que autorizaria a prisão do condenado. Entretanto, a tese do dolo nos crimes de trânsito não tem prosperado, encontrando forte resistência doutrinária e jurisprudencial, como, v.g., no Processo 1.0105.09.321601-5/001, TJMG, j. 25.11.2010; Apelação n.º 0000429-38.2007.8.19.0059, TJRJ, j. 27.09.2011; HC 58826, STJ, j. 29.06.2009; dentre outros.
Surge, portanto, em boa hora, o Projeto de Lei do Senado n.º 48/2011, que agrava sensivelmente as penas nos crimes de trânsito. O art. 306, §2º, passaria a prever pena de três a oito anos de reclusão, caso o condutor embriagado, em acidente, provoque lesão corporal de natureza grave. O §3º prevê pena de quatro a doze anos, caso, nas mesmas condições, o resultado venha ser a morte. O §4º, por sua vez, prevê majoração da pena, de um terço à metade, em face de certas circunstâncias, dentre as quais destacam-se: a falta de habilitação para dirigir, a condução do veículo em rodovias, a condução nas proximidades de escolas, hospitais ou onde haja concentração de pessoas e, ainda, enquanto transportar menor, idoso, gestante ou pessoa que tenha seu discernimento reduzido.
A vingar o Projeto de Lei, ficará afastada, para boa parte das condutas criminosas (em especial nos homicídios praticados por condutor sob a influência de álcool), a possibilidade da suspensão condicional do processo. Restaria viabilizada a constrição efetiva da liberdade (prisão) em certas situações, em razão da atividade judicial na quantificação da pena sob o método trifásico, com a definição da pena base, verificação das atenuantes e agravantes e, por fim, verificação das causas de aumento ou diminuição de pena, que poderiam resultar em uma pena definitiva incapaz de propiciar ao agente os benefícios que a lei penal concede.
Talvez assim, com uma Lei rigorosa e isenta de novos "benefícios legais", tenhamos, dentro de algum tempo, um trânsito mais humano, em que os condutores – não pela conscientização voluntária, mas pelo método da coerção negativa – se preocupem, efetivamente, com a forma e o estado em que assumirão o volante de um veículo automotor.