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Eficiência e segurança jurídica: uma crítica à vinculação decisória a partir do método de Karl Popper

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26/02/2012 às 15:16
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5. Uma crítica à súmula vinculante

A partir de fundamentos declinados até aqui, é possível compreender que a impossibilidade de proferir decisões jurisdicionais em sentido contrário ao entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal, quanto à interpretação de determinada norma constitucional, impede quanto a esta a incidência do fenômeno da mutação constitucional pela via natural e legítima do amadurecimento das teses jurídicas entre os diversos demais órgãos do Poder Judiciário, que inclusive se encontram tão mais próximos da realidade dos jurisdicionados quanto mais distantes do próprio Tribunal de cúpula. Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal já declarou a impossibilidade de impugnação do conteúdo da súmula vinculante mediante recurso extraordinário[22].

Além da atuação de ofício do próprio Supremo Tribunal Federal, para provocar o procedimento de revisão ou cancelamento da súmula vinculante está legitimado basicamente o estrito rol daqueles que possam propor a ação direta de inconstitucionalidade (Constituição Federal, Art. 103-A, §2º). É de se ressaltar, entretanto, que a Lei Federal 11.417, de 19 de dezembro de 2006, ao regulamentar este novo dispositivo constitucional, acrescentou ainda aos legitimados, diante da expressa permissão constitucional, o Defensor Público-Geral da União e os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares (Art. 3º). Ocorre que esta participação dos demais Tribunais possui uma eficácia prática muito mais restrita do que aparenta, na medida em que o próprio texto constitucional também prevê a reclamação direta ao Supremo Tribunal Federal, que proporciona a cassação das decisões judiciais em contrariedade à súmula vinculante (Art. 103-A, §3º), cerceando completamente a discussão e o amadurecimento jurisprudencial de qualquer tese alternativa e, consequentemente, as possíveis provocações oriundas destes mesmos Tribunais. Logo, pouco mais adiante, uma vez cerceado definitivamente o surgimento destas teses alternativas no âmbito dos órgãos jurisdicionais, não parece plausível algum fato ou ambiente que venha a desencadear a provocação dos demais legitimados não integrantes ou vinculados aos Poderes Executivo e Legislativo[23].

Ao se reconhecer o já referido processo contínuo de retro-alimentação da Constituição, é evidente que o estabelecimento de uma interpretação definitiva (ou com remotíssima possibilidade de revisão ou cancelamento) do texto constitucional em muito dificulta ou simplesmente impede os refluxos fáticos e valorativos proporcionados pela sociedade – por intermédio da postulação das partes nos processos judiciais – e necessários à atualização das normas diante do fenômeno da mutação constitucional. Em consequência, é evidente a perspectiva de descompasso entre o programa normativo e o âmbito normativo, o que, paradoxalmente em contrariedade às diretrizes da uniformização de jurisprudência, enfraquecem a estabilidade da ordem constitucional, em prejuízo direto da pacificação da tensão social e do princípio da segurança jurídica. Como já visto, é a constante tensão crítica entre o conhecimento nunca assentado, porque conjectural, e as correspondentes e infinitas refutações, que lhe são apresentadas, que confere dinamicidade à ciência. Não há como, portanto, especificamente por se tratar aqui de matéria constitucional, pensar no engessamento da jurisprudência sem que se ponha em risco o próprio Estado Democrático de Direito.

Quanto ao princípio da eficiência, por via de consequência, com o enfraquecimento da estabilidade da ordem constitucional e da pacificação da tensão social, a tendência é uma necessidade maior da instauração de litígios judiciais e de sua perpetuação pela via recursal, o que torna o sistema menos funcional, reduzindo o potencial de entrega da prestação jurisdicional e, em decorrência, a eficiência do Poder Judiciário. Ademais, quando se exige que as decisões jurisdicionais, enquanto atos administrativos, tenham o seu maior rendimento possível, isto não significa unicamente um ganho de produtividade em termos numérico-quantitativos, mas sim e de forma preponderante que qualitativamente elas devem atender aos efetivos anseios da sociedade na justa proporção das necessidades coletivas. Em outras palavras, a solução de cada litígio deve estar em absoluto compasso com os valores e a realidade concreta que preenchem de sentido cada norma, pois, do contrário, a própria realização do Direito passa a carecer de legitimidade, o que ameaça o Estado Democrático de Direito. Dessa forma, cercear o fenômeno da mutação constitucional e consequentemente a própria exposição conhecimento científico à crítica, por intermédio de obstáculos normativos para revisão e cancelamento das súmulas, prejudica a concretização do princípio da eficiência quando aplicado ao exercício da jurisdição.

Por último, as menores funcionalidade e eficiência do sistema, a partir da redução do potencial de entrega da prestação jurisdicional, proporcionam logicamente uma também menor celeridade na tramitação dos feitos, em prejuízo do princípio da efetividade e, consequentemente, da concretização do direito de ter acesso à Justiça. Observe-se que a própria incapacidade de absorção, pelo Supremo Tribunal Federal, das novas demandas geradas em função das reclamações diretas pelo descumprimento das súmulas vinculantes pode acarretar, paradoxalmente, a suspensão de processos.

Diante destas razões, é de concluir que a súmula vinculante não atende ao conjunto de diretrizes que norteiam a necessidade de uniformização de jurisprudência, não se prestando, portanto, a resolver a crise de efetividade do Poder Judiciário.


6. Eficiência e adesão aos precedentes majoritários de argumentação

Diferentemente de vinculação a entendimento cristalizado no Supremo Tribunal Federal, a segurança jurídica por previsibilidade é alcançada na medida em que o juiz, ao concretizar o princípio da eficiência na atividade jurisdicional do Poder Judiciário, reconheça e adira aos precedentes majoritários de argumentação, que se mostrem adequados às circunstâncias específicas do caso concreto que esteja sob apreciação.

Por outro lado, é escopo do Direito a pacificação social, ideal este cujo fomento pressupõe um grau razoável de consenso de expectativas nutrido pelos indivíduos de uma comunidade quanto ao alcance e ao cumprimento das normas jurídicas. Assim, ao assumir o monopólio de dizer o Direito e vedar a autotutela privada, o Estado chamou a si o dever de promover a segurança jurídica, o que pode ser alcançado pelo estímulo aos consensos de argumentação em torno da interpretação e da aplicação das normas jurídicas, estabilizando da forma mais homogênea possível aquelas expectativas da sociedade.

Sob uma perspectiva de eficiência e considerando que a divisão de competências judiciais tem caráter meramente orgânico-funcional, não é producente entender que diversos órgãos de um mesmo Poder Judiciário possam apresentar entendimentos totalmente díspares no que se refere à ratio decidendi que motiva a interpretação ou a aplicação de uma determinada norma jurídica em um mesmo contexto fático-valorativo.

No espaço em que estejam estabilizadas as expectativas, se reduz logicamente a necessidade de demanda ao Poder Judiciário ou podem ainda ser simplificadas ou encurtadas etapas processuais, aumentando em ambos os casos o desempenho das diversas instâncias do Poder Judiciário. A eficiência aplicada à atividade jurisdicional do Poder Judiciário reclama, portanto, a observância destes lugares-comuns de interpretação.

A solução de cada litígio deve estar em absoluto compasso com os valores e a realidade concreta que preenchem de sentido cada norma, pois, do contrário, a própria realização do Direito passa a carecer de legitimidade, o que ameaça de grave lesão os alicerces do Estado Democrático de Direito. O julgar eficiente é, em última análise, o instrumento de realização do Direito justo. Não pode logicamente se alicerçar no cerceamento da evolução natural do Direito e, consequentemente, da própria exposição contínua do conhecimento científico à crítica.

O que a eficiência pressupõe é justamente o ajuste a consensos dinâmicos, lugares-comuns de interpretação jurisprudencial, conformadores e conformados pela realidade concreta a cada momento histórico, para que haja realmente uma afinação precisa entre as normas jurídicas, de um lado, e os anseios da sociedade, de outro, especialmente no que se refere à concretização de direitos fundamentais e dos valores constitucionalmente garantidos.


7. Conclusões

7.1. O escopo institucional de pacificação da tensão social se encontra fundamentalmente associado ao princípio da segurança jurídica, que é concretizado neste contexto da uniformização de jurisprudência ao se tornar previsível à sociedade o comportamento do Poder Judiciário em relação àquelas questões que são reiteradamente postas à sua apreciação.

7.2. A redução da instauração do litígio e a prevenção de sua perpetuação pela via recursal, ao tornarem o sistema mais funcional, otimizando o potencial de entrega da prestação jurisdicional pela concentração nas questões não reiteradamente discutidas, concretizam também o princípio da eficiência administrativa, proporcionando um maior rendimento do Poder Judiciário por um menor custo.

7.3. A uniformização de jurisprudência pode imprimir maior celeridade à tramitação dos feitos, o que favorece ao princípio da efetividade, condição necessária, em última análise, à concretização do direito de ter acesso à Justiça.

7.4. É a constante tensão crítica entre o conhecimento nunca assentado, porque conjectural, e as correspondentes e infinitas refutações, que lhe são apresentadas, que confere dinamicidade à ciência. No âmbito das decisões jurisdicionais, se torna imprescindível, portanto, a abertura para a crítica e a refutação.

7.5. Na seara do Direito o pensamento de Karl Popper pode, por um lado, proporcionar a reflexão em relação à própria prevalência da autoridade das fontes, entre as quais especialmente se destaca aqui a jurisprudência. Por outro lado, pode convidar à rejeição do comodismo intelectual pelo intérprete do Direito, uma vez que este deve, ao invés, reconhecer o caráter sempre conjectural e provisório do saber jurídico, enquanto conhecimento científico que se apresenta.

7.6. Em uma via de mão dupla, pode se concluir que a Constituição conforma e é conformada pela realidade concreta a cada momento histórico, circunstância dinâmica que se traduz no fenômeno da mutação constitucional.

7.7. As normas de direito constitucional, em função desta maior capacidade de absorção da influência da realidade social, vale dizer, pelo seu caráter aberto, são suscetíveis a uma maleabilidade interpretativa diferenciada, o que deve ser reconhecido pelo intérprete como uma nota de um saber jurídico nunca definitivo, mas sim com potencial de constante e necessária atualização.

7.8. O estabelecimento de uma interpretação definitiva (ou com remotíssima possibilidade de revisão ou cancelamento) do texto constitucional em muito dificulta ou simplesmente impede os refluxos fáticos e valorativos proporcionados pela sociedade – por intermédio da postulação das partes nos processos judiciais – e necessários à atualização das normas diante do fenômeno da mutação constitucional. Em consequência, é evidente a perspectiva de descompasso entre o programa normativo e o âmbito normativo, o que, paradoxalmente em contrariedade às diretrizes da uniformização de jurisprudência, enfraquecem a estabilidade da ordem constitucional, em prejuízo direto da pacificação da tensão social e do princípio da segurança jurídica.

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7.9. Cercear o fenômeno da mutação constitucional e consequentemente a própria exposição conhecimento científico à crítica, por intermédio de obstáculos normativos para revisão e cancelamento das súmulas, prejudica a concretização do princípio da eficiência quando aplicado ao exercício da jurisdição.

7.10. A própria incapacidade de absorção, pelo Supremo Tribunal Federal, das novas demandas geradas em função das reclamações diretas pelo descumprimento das súmulas vinculantes pode acarretar, paradoxalmente, a suspensão de processos, o que não atende ao conjunto de diretrizes que norteiam a necessidade de uniformização de jurisprudência.

7.11. A eficiência pressupõe o ajuste a consensos dinâmicos, lugares-comuns de interpretação jurisprudencial, conformadores e conformados pela realidade concreta a cada momento histórico, para que haja realmente uma afinação precisa entre as normas jurídicas, de um lado, e os anseios da sociedade, de outro, especialmente no que se refere à concretização de direitos fundamentais e dos valores constitucionalmente garantidos.


8. Referências

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BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

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_______. A miséria do historicismo. Tradução de Octany S. da Mota e Leonidas Hegenberg. São Paulo: EDUSP, 1980.

_______. Conjecturas e refutações. Tradução de Benedita Bettencourt. Lisboa: Almedina, 2006a.

_______. Em busca de um mundo melhor. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Martins, 2006b.


Notas

[1] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. V, p. 4-5.

[2] ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos de teoria geral do processo. 7.ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 10-13

[3] MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/343>. Acesso em: 22 jun. 2010, p. 1.

[4] DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil. 3.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003. v. I, p. 109.

[5] POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. Tradução de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 27-28.

[6] Ibid., p. 42.

[7] Id., A lógica das ciências sociais. 3.ed. Tradução de Estevão de Rezende Martins, Apio Cláudio Muniz Acquarone Filho e Vilma de Oliveira Moraes e Silva. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004, p. 16.

[8] Ibid., p. 23.

[9] Id., Em busca de um mundo melhor. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Martins, 2006b, p. 26.

[10] Id., A miséria do historicismo. Tradução de Octany S. da Mota e Leonidas Hegenberg. São Paulo: EDUSP, 1980, p. 14.

[11] Id., Conjecturas e refutações. Tradução de Benedita Bettencourt. Lisboa: Almedina, 2006a, p. 49.

[12] Ibid., p. 33-34.

[13] LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. 9ª ed. Tradução original de Walter Stönner. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009, p. 47.

[14] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 22-23.

[15] MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Tradução da edição portuguesa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 395.

[16] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 125-126.

[17] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, p. 12-18.

[18] BARROSO, op. cit., p. 127-128.

[19] HESSE, Konrad. Limites da mutação constitucional. Tradução de Inocêncio Mártires Coelho. In: ALMEIDA, Carlos dos Santos; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires (org.). Temas Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 166-169.

[20] CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Alamedina, 2003, p. 1229.

[21] HESSE, op. cit., p. 170.

[22] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental na petição nº 4.556-4/DF. Agravante Instituto Brasileiro de Defesa de Lojistas de Shopping Centers – IDELOS Agravado Supremo Tribunal Federal. Relator Ministro Eros Grau. 21 de agosto de 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 22 jun. 2010.

[23] Vale dizer: o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Defensor Público-Geral da União e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

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Sobre o autor
Guilherme Guimarães Ludwig

Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região/BA. Ex-membro do Conselho Consultivo da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região/BA (2005-2011). Extensão universitária em Economia do Trabalho e Sindicalismo pelo CESIT/UNICAMP. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUDWIG, Guilherme Guimarães. Eficiência e segurança jurídica: uma crítica à vinculação decisória a partir do método de Karl Popper. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3161, 26 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21163. Acesso em: 12 nov. 2024.

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