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Direitos humanos e democracia brasileira: uma crítica

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27/02/2012 às 17:22
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Democracia, no Brasil, não implica necessariamente na melhoria das condições de vida (condições reais) de grande parte de seu povo. Baseada que é no poder econômico e político dos grupos que protagonizam a cena política, trata-se tão somente da comprovação da categoria “superestrutura ideológica”.

RESUMO

Pretende-se analisar a dinâmica dos direitos humanos a partir da plataforma democrática brasileira instaurada com a Constituição Federal de 1988. Com isso, a crítica que se quer levantar tem por objetivo apontar os limites do regime democrático como campo para o reconhecimento e a afirmação dos direitos humanos no Brasil. Para tanto, sustentaremos o trabalho a partir das contribuições do elitismo democrático e da crítica marxista ao direito como produto da aspiração burguesa.

ABSTRACT

It is intended to analyze the dynamics of human rights from the democratic platform established with the Brazilian Federal Constitution of 1988. Thus, the criticism  that wants to rise is intended to point out the limits of the democratic regime as a field for the recognition and affirmation of human rights in Brazil. To this end, supporting the work from the contributions of democratic elitism and the Marxist critique of law.

Palavras-chaves: Direitos Humanos. Democracia brasileira. Elitismo. Marxismo. Limites.

Keywords: Human Rights. Brazilian Democracy. Elitism. Marxism.


1.INTRODUÇÃO

O projeto da humanidade – desde os mais remotos períodos da história – foi marcado por pelo menos duas linhas principais: a luta daquele que é oprimido contra o seu opressor e o (re) modelamento das estruturas sociais que suportavam (e mantinham justificadas) as submissões e o jugo.

A liberdade foi juridicizada, deslocando-se de sua ratio primeira (o jusnaturalismo) para um plano de positivação que lhe outorgou a autoridade de um “supra” princípio. Aparentemente, é possível afirmar-se que a liberdade como direito e princípio reflete certa contradição, produto da insuficiência da razão, uma vez que o seu conteúdo (negativa ou positivamente) está condicionado não às práticas sociais, mas ao seu hermetismo legalista.

Nesta mesma linha de argumentação, é possível dizer-se que a igualdade – como princípio e direito – padece do mesmo conflito. O seu conteúdo restringe-se a uma sempre devir[1], como se as forças do ser e do dever-ser fossem uma o combustível da outra, a dualidade necessária para manter acesa a força transformadora da sociedade, muito embora, perenize-se o sentimento ou a sensação de imutabilidade.

Com isso quer-se colocar o problema dos direitos humanos como aspiração nuclear do regime democrático, implantado com o advento da Constituição de 1988; poderão os direitos humanos superar a contradição havida no seio da tensão entre forma e substância nos espaços da democracia brasileira?

O objetivo deste paper é o de responder a tal questionamento – obviamente, sem a pretensão de esgotar as possibilidades do debate proposto, lançando-se mais como uma interpretação possível e menos romantizada de nossa realidade do que propriamente uma verdade a que se quer (talvez, impossível) chegar.


2.UMA LENTE SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

Pensar em direitos humanos é antes de tudo um exercício de compreensão da dualidade liberdade-arbitrariedade. Sendo assim, é preciso que a visão de sua fonte seja alargada, vale dizer, não se pode – senão formalmente – admitir que o seu gérmen esteja identificado com as cores das revoluções oitocentistas. Parece com razão o professor Eduardo Ramalho Rabenhorst[2], para quem os direitos humanos (ou o seu caráter instrumental) têm a sua origem na América Latina.

Sem prejuízo da polissemia da expressão, ou mesmo da impossibilidade de unidade conceitual, tratam-se os direitos humanos de um projeto a serviço do homem enquanto ser subjugado ou subjugante. Em simples palavras, é possível a sua compreensão seja como instrumento de luta daqueles (as) que histórica e sistematicamente foram alvo das mais acentuadas formas de dominação, seja como um fim em si mesmo, ou seja, tecnologia jurídica legitimadora da manutenção do poder pelo poder – discreta e ideologicamente[3].

Percebe-se que as conquistas no campo do reconhecimento da pessoa humana como finalidade a ser alcançada pelos regimes democráticos avançaram desde o fim da II Guerra Mundial, porém, como um ciclo que se renova a cada momento de superação, outras limitações são trazidas à cena, demandando novas soluções para os sempre velhos problemas[4] (liberdade-arbítrio).

A dificuldade de se pensar os direitos humanos como instrumento de reconhecimento e resguardo das potências humanas, possivelmente – e é isso que se defende neste trabalho – surge da própria essência liberal de onde tais direitos foram reconhecidos e legitimados (ou, tecnicamente, positivados).  Nesse sentido, a sua concepção ocidental, européia, liberal, como história “oficial” de resistência da liberdade foi recepcionada pela Carta de 88. A forma diz mais do que efetivamente poderia a burocracia estatal realizar. Surge, então, um dilema a ser investigado. Se as promessas do constituinte originário assentam-se na tradição liberal/formalista, de matiz “afrancesada’’, como dirimir concretamente uma das principais contradições daqueles direitos, qual seja: a sua efetivação impõe necessariamente o seu fim[5].

A simples idéia da existência de um direito exigível não exime o pesquisador de procurar nos espaços invisíveis da ordem jurídica o seu fundamento, vale dizer, quando se trata de direitos humanos, tanto melhor é o alargamento dos horizontes possíveis quanto o olhar específico sobre uma determinada realidade sensível. Nesta linha, as ilusões referenciais tendem a aparecer de modo mais claro, propiciando o seu reconhecimento e, conseqüentemente, o seu afastamento.

A concepção crítica – ou melhor, a sua concepção crítica, pode servir a duas finalidades, basicamente. Ei-las: i) desmistificar o direito (afastando-lhe a natureza essencial); ii) reforçar o entendimento de que a luta pelos direitos humanos é válida desde que seja “a luta por sua concretização, (...) a luta para garantir os instrumentos de promoção da sociabilidade e não do isolamento e do egoísmo”[6]

Obviamente, o distanciamento da tradição jusnaturalista (em que pese tenha servido à universalização do homem enquanto sujeito de direitos), tendo como ponto de partida a compreensão de sua inserção contextualizada num mundo cada vez mais globalizado não é tarefa das mais simples. Categorias como universalismo, relativismo, culturalismo e contextualismo dão o contorno de um debate ainda não muito bem colocado no século XXI e que orbitará em torno da discussão acerca da existência ou inexistência do chamado “núcleo duro” dos direitos humanos (e se houver, quais bens ou direitos dele fazem parte?)

Aparentemente, uma lente crítica sobre o ambiente democrático, tendo como objeto o desfazimento ou a confirmação de que o direito vela por interesses outros que não os fundados na dignidade humana pode levar a certa confusão. Ora, a priori, não se sustenta a idéia de democracia como palco à violação justificada dos direitos do homem, o direito – produto da soberania popular – não pode servir a dois objetos tão diametralmente opostos ao mesmo tempo.

Com isso, outra distinção há de ser feita a partir da resposta a seguinte questão: de que democracia se fala quando se trata da inviabilidade dos direitos humanos (naquele espaço)?

Certamente, cuida-se da democracia burguesa, não emancipatória[7], de viés individualista e, portanto, a serviço da justificação de um modelo opressor (elite/capital versus proletário/cidadão latu sensu).

A democracia brasileira está organicamente vinculada à formação elitista de sua sociedade[8], logo, com razão Slavoj Zizek, citado por Mondaini[9]:

direitos humanos são, enquanto tais, uma falsa universalidade ideológica, que esconde e legitima a real política do imperialismo ocidental, as intervenções militares e o neocolonialismo (...) os direitos humanos universais são na realidade os direitos dos brancos, masculinos e ricos, de realizar trocas livres no mercado, de explorar os operários e as mulheres e de exercitar o predomínio político 

Nessa perspectiva insere-se a discussão proposta, a de avaliar a insuficiência dos direitos humanos (sob uma ótica “emancipatória”) na plataforma democrática brasileira erguida com o advento da Carta de 1988.


3.NOÇÕES GERAIS SOBRE ELITISMO DEMOCRÁTICO

Ainda que sejam possíveis diversas leituras no âmbito do elitismo democrático, a análise se dará tendo em vista a obra dos autores de referência no universo da Teoria das Elites, e ainda que entre eles diferenças sejam encontradas, cuidar-se-á de uma abordagem que pressupõe a existência de grupos que se mantém num movimento constante e tensionado, voltado à perpetuação do poder.

3.1 Gaetano Mosca

Nascido na região da Sicilia, na cidade de Palermo (Itália), em 1858, o professor Gaetano Mosca, contribuiu substancialmente para a construção de uma análise cientifica que pudesse melhor compreender o mecanismo de manutenção do poder político, especialmente porque ousou fazer uma leitura mais objetiva da realidade, diagnosticando, a partir de então, um ponto central: a existência de uma classe menos numerosa dominante e de outra mais numerosa dominada, mantida pela organização.

Como bem frisou Hollanda[10]:

Para Mosca, a única distinção política que importava era aquela entre governantes – minoria que acumula poder – e governados – grupo numeroso sobre o qual incide o poder. A maioria, apesar das crenças que tenha sobre si própria, jamais participa de fato do governo. Sempre haverá uma classe política organizada que impõe, por superioridade moral, aos numerosos e fortes.

Esses elementos possuem a característica de não engessamento, noutras palavras, podem variar de acordo com as conjunturas de determinado período, sendo, portanto, um indicador das qualidades que permeiam a sociedade naquele momento de sua história. Para Bobbio, esses elementos, chamados de qualidades – para a composição da classe política (minoria dominante) são o valor guerreiro, a riqueza e o sacerdócio. Por sua vez, Cristina Buarque[11],  com Mosca, identificara como critérios diferenciadores a riqueza, o lugar social do nascimento e o mérito social, este último reservado às sociedades reconhecidamente avançadas.

Sensível o diagnóstico de Mosca no sentido da organização como elemento de distinção entre os que irão dominar e os que serão dominados, isso porque, para o italiano, mais fácil é a organização de uma minoria do que de uma massa numerosa de fontes ideológicas as mais diversas e de aspirações – como grupo – não conciliáveis, especialmente no âmbito da elite formada em razão do caráter hereditário ou da manutenção da já existente.

3.2. Vilfredo Pareto

O parisiense, filho de aristocratas italianos, fiou a sua idéia de elites democráticas apontando, entre outras importantes contribuições, para o fato de que há entre os indivíduos uma característica que os diferencia entre si, qual seja: o dom, uma qualidade superior que os coloca em posição de domínio em relação aos demais, no seu caso, a astúcia (raposas) ou a força (leões). Nessa toada, Pareto percebera a ocorrência de três elites: a econômica, a intelectual e a política.

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A tese da “circulação das elites”, marcada em sua obra, aponta para a perenização do poder nas mãos da elite do momento. Podem as elites (burguesa, intelectual...) se revezarem à frente do governo, todavia, o poder haverá sempre de permanecer nas mãos de uma minoria (elite) que detém os dons necessários ao seu exercício, vez que “as democracias carecem de viabilidade se os seus cidadãos não a compreendem”[12]

Traço marcante no autor francês é o que diz respeito a uma maior abertura para a formação das variadas elites, assim, rechaça o entendimento de que as elites só poderiam surgir da aristocracia; vai além ao afimar que as elites são formadas a partir de suas próprias qualidades superiores (econômicas, religiosas, políticas...).

3.3. Robert Michels

Alemão de Colônia, Michels lança o seu olhar sobre as elites e a democracia sob o argumento de que a organização está na base da formação dos eleitos pelos eleitores; a liberdade encetada nos movimentos sociais ou nas assembléias gerais – porque não tinham o condão de racionalizar todas as proposições numa só linha de atuação – mais distanciavam do que aproximavam a voz da massa em relação ao poder, é a reconhecida “patologia das massas”.

A idéia de poder perenizado ocorre ainda de modo mais acentuado, notadamente, pelo fato de que é introduzida a percepção de que mesmo nos movimentos (operários, por exemplo) tendentes a romper com o elitismo dominante num dado momento histórico, a sua organização inevitavelmente irá reproduzir minorias no seu seio à custa das aspirações da maioria, “os representantes passam a agir conforme sua própria consciência a respeito do interesse coletivo e deslocam-se das bases sociais que autorizaram seu mandato”[13]

3.4. Joseph Schumpeter

Nascido no território da atual República Tcheca aos 8 de Janeiro de 1950, Schumpeter é reputado um dos mais notáveis economistas do século XX, apesar de sua formação de base em direito e de ter se arvorado, inclusive, na antropologia.

No cenário da teoria das elites, passou a desconstruir a noção clássica de partido político – voltado para a consecução do bem comum – compreendendo tais organizações[14]:

Um partido não é, como a doutrina clássica (ou Edmund Burke) nos deseja fazer crer, um grupo de homens que pretendem realizar o bem comum em função de algum princípio sobre o qual todos concordem (...) Um partido é um grupo cujos membros se propõe agir combinadamente na luta competitiva pelo poder político

A relativização do chamado “bem comum” é nota das mais acentuadas na leitura schumpeteriana, hipótese que sustenta a sua categorização de classe política como aquela que compete entre si para a satisfação dos seus interesses, afastando-se a idealização de governo pelo povo, ainda que seja possível a defesa daquela idéia relativizada, porém, apenas e tão somente como meio (na luta por votos) e não como finalidade comungada pela “maioria”.

Outro elemento de extrema importância no contexto do que aqui se está a discutir, é a significação de soberania em Schumpeter.  Na contramão dos clássicos, desconstrói a noção de poder do povo como algo inerte, abstrato. Afirma que a soberania é tão só um meio para a produção de um governo, desservindo ao propósito da tomada coletiva de decisões, já que estas se reservam àqueles a quem cumpre a representação popular. Há, portanto, uma soberania popular de escolha (relativizada, minorada), mas não a de fazer valer a sua vontade “coletiva”.

Em Schumpeter, democracia e competição estão numa mesma linha de sustentação, uma se traduzindo no espaço de competição da outra, democracia como “livre competição pelo voto livre”.


4.BREVISSÍMAS NOTAS SOBRE A DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

O final da década de 80 marcou decisivamente a vida política brasileira. O caminhar lento das transformações surgidas do caldo das tensões entre liberdade e repressão, ousou aportar num documento de importância sem igual na história de sua tradição democrático-constitucionalista[15].

Naquele primeiro momento pós-regime, os ventos que impulsionavam a democracia, ainda estavam contaminados com os resquícios do militarismo, daí porque muito dos problemas que são enfrentados hoje no contexto democrático têm suas raízes na pena do legislador originário, em simples palavras: a estrutura que se desenhava no âmbito formal da Carta, para além de um mero abstracionismo, conduzira a um olhar esperançoso em relação a um futuro incerto.

Críticas à analiticidade, ao programaticismo, ao modelo de participação popular, soam atualmente num cenário de desprestígio à democracia como poder do povo e para o povo.

Nesse sentido, a soberania popular (parágrafo único do Art.1º da CF 88), falseia a noção de “fonte do exercício do poder político e, portanto, a competência de todos os cidadãos nos assuntos políticos, mas a entrega aos representantes o exercício desta competência” (TOSI, 2011, p. 20) [16]. Ainda neste terreno, identificam-se traços do caráter neutralizador da participação popular nas decisões políticas, que se alastram desde o exercício da capacidade eleitoral ativa até a engenharia hermética do exercício da soberania popular direta (plebiscito, referendo, lei de iniciativa popular, entre outros mecanismos).

A democracia representativa brasileira revela pontos de oposição, de distanciamento entre a vontade popular (se é que dela podemos mesmo falar) e a vontade descoberta nas políticas patrocinadas representantes eleitos (havidos no seio das elites política e econômica):

A democracia compreendida por Schumpeter é, portanto, uma inversão do entendimento usual do conceito. No lugar da ficção democrática que supõe representantes diretamente vinculados ao povo, o autor identifica um cenário real constituído por elites políticas, com diferentes estratégias de captura de voto, em disputa pelo poder e referidas aos interesses dos eleitores apenas na medida de seus próprios interesses[17]

Note-se que a elite política brasileira ao perceber essa situação antes de enfrentá-la, permite a sua reprodução e, conseqüentemente a sua perpetuação lançando mão de práticas – corriqueiramente – ilegais.

Possível é a constatação, em certa medida, da proximidade de nossa democracia com a que se desenvolveu no século XVIII, explica-se: é que a noção de bem comum, ou de vontade do povo, está inevitavelmente atrelada à noção de que o representante eleito/escolhido conceberá em sua atuação de acordo com aquela vontade, em busca do tal “bem comum”. Todavia, indaga-se: numa sociedade plural, latino-americana, multicultural, gerida por influxos do capital financeiro internacional, que é bem comum?

A dificuldade revelada para que se exponha com firmeza uma resposta consistente não é diversa da que se levanta quando se pergunta se é, de fato, a democracia representativa um modelo aberto à realização de algumas conquistas, tais como, o reconhecimento da diversidade humana e o respeito a sua manifestação como instrumento da cidadania.

Terá sido por acaso que o legislador originário de 1º grau incluiu a autorização do referendo e a convocação de plebiscito no rol das competências exclusivas do Congresso Nacional? Por qual motivo um projeto de lei ordinária de iniciativa popular – que em tese trataria com maior rigor da vontade do povo – é de tão dificultoso processar[18]?

Em artigo intitulado “Democracia e Direitos Humanos. Reflexões para uma agenda substantiva e abusada”, o professor Paulo Carbonari, bem definiu o que pensamos:

As democracias modernas prometeram condições para que as elites (novo nome das velhas oligarquias, mesmo que com novos atores e agentes) diversas equilibrem-se no poder e disputem entre si o voto dos eleitores. Articuladas em partidos políticos, ou fora deles, as elites mantém-se à distância do povo, das massas de eleitores[19]

Ocorre que Mosca estava com a razão no ponto que se refere à organização da classe dominante. O poder em si existe e é uma constante, mas o seu exercício voltado à manutenção da classe que dele se beneficia, requer em primeiro lugar a consciência de elite voltada à consecução dos fins que bem ou mal lhes move; para tanto, a educação, a informação, as estruturas jurídico-administrativas, todo o eixo democrático deve estar mobilizado para esse fim.

Elemento psicológico importante há na manutenção dos privilégios das elites dominantes, como uma espécie de tentativa branda a impor certos padrões à massa a fim de que sejam por ela mesma almejados determinados fins já alcançados pela minoria:

El impedir que algunos sean los primeros em gozar de ciertas ventajas, puede muy bien traducirse en que el resto de nosotros no las llegue a disfrutar nunca. Si por motivos de envidia hacemos impossibles ciertas maneras excepcionales de vivir, al final, todos sufriremos el empobrecimiento material y espiritual (...). Un mundo en el que a mayoría pudiera impedir la aparición de todo lo que no fuera de sua agrado sería um mundo estancado y, probablemente, um mundo decadente[20]

Enfim, retoma-se a idéia central: até que ponto a democracia brasileira contribui (se é que assim podemos compreender) para uma cultura em/para direitos humanos?

A abertura política, já mencionada no início destas breves linhas, contribuiu de forma decisiva para as conquistas hoje saboreadas, entretanto,  as lições da multifacetada teoria das elites colocam-se de frente a problemas que parecem (e o são, certamente) ainda maiores do que as conquistas de então. A globalização não trouxe apenas o esvaziamento de alguns valores importantes à nação, um aspecto relevante é preciso ser destacado: a rapidez das informações, o encurtamento das distâncias e a sensação consumista que se espraia mundo afora colocam em dificuldade o trato dos direitos humanos compreendidos sob o ângulo da pobreza:

Com efeito, estamos acostumados a identificar a pobreza apenas com os aspectos de subsistência. Contudo, ser pobre não é apenas não dispor de bens primários essenciais. Na verdade, cada tipo de necessidade humana básica não satisfeita corresponde um tipo de pobreza. Dessa forma, existe pobreza de subsistência, mas também pobreza de proteção, pobreza de afeto, pobreza de entendimento, entre outras, cada uma delas gerando patologias específicas[21]

A estrutura político-constitucional brasileira encontra nas ponderações de Mosca, Pareto, Michels e Schumpeter a confirmação de algumas hipóteses, dentre as quais, destacam-se:

A soberania popular, de fato, não é facultada ao exercício direto pelos cidadãos (até mesmo os instrumentos colocados ao exercício direto daquele poder são controlados pela classe política); as lutas travadas no terreno dos movimentos populares, com o tempo e a ascensão de seus líderes perderam terreno para o entreguismo; os partidos políticos não se apresentam como instrumento de transformação democrática (considerando a massa de eleitores), mas como meios legítimos de disputa dos votos válidos; o filtro interno dos partidos – sobretudo nas cidades interioranas dos estados menos abastados, dá-se de acordo com a força das elites financeiras e ou hereditárias (o nome das famílias).

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Sobre o autor
David de Oliveira Monteiro

Advogado e consultor jurídico, mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB, integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Direito NEPGED do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba UFPB; integrante do grupo de pesquisa Realismo Jurídico e direitos humanos da Universidade Federal da Paraíba, especialista em direito público pela Escola Superior de Magistratura do Estado da Paraíba - ESMA PB, bolsista CNJ Acadêmico Capes - em projeto que estuda a Justiça de Proximidade no Brasil; membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Paraíba PB e é professor universitário - vínculo celetista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, David Oliveira. Direitos humanos e democracia brasileira: uma crítica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3162, 27 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21166. Acesso em: 25 abr. 2024.

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