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Delineamentos em torno da perspectiva de implementação do projeto do superendividamento do consumidor em Santa Catarina

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01/03/2012 às 07:42
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3 ANÁLISE DOS PROJETOS IMPLEMENTADOS NOS ESTADOS BRASILEIROS VOLTADOS AO TRATAMENTO DAS SITUAÇÕES DE SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR

Como mencionado no primeiro capítulo deste trabalho, diante da ausência de legislação acerca do fenômeno do superendividamento, alguns estados brasileiros vêm criando projetos de prevenção e/ou tratamento do consumidor superendividado.

Nesse capítulo serão apresentadas as experiências conhecidas sobre o tema, além dos resultados práticos alcançados, demonstrando adiante a indubitável efetividade de tais projetos.

Outrossim, afigura-se crível que outras unidades da federação estejam estudando a possibilidade de implantação, o que pode ocorrer a qualquer tempo.

Desde 2004 o Estado do Rio de Janeiro vem se preocupando com a questão do consumidor superendividado, tanto que foi o pioneiro no país a implantar a “Comissão dos Superendividados”, cujo projeto – infelizmente - ainda não é muito conhecido no meio carioca.

Em seguida, o estado do Rio Grande do Sul, por iniciativa das juízas Clarissa Costa de Lima e Karen Rick Danilevicz Bertoncello, criaram o “Projeto de Tratamento do Consumidor Superendividado”, cujo modelo já serviu e continua sendo base aos demais estados brasileiros que desejam implantar um projeto de superendividamento em seu território.

Em 2010 o Brasil, de certo modo, se sensibilizou ainda mais com esse fenômeno, tanto que o Paraná adotou o modelo do Rio Grande do Sul, o qual já apresenta resultados bem significativos.

Afora o Paraná, no final do ano passado São Paulo teve a iniciativa de criar vários postos de atendimento, por um período de cinco meses, para o consumidor que se encontra endividado. Terminado o período, será feita uma avaliação dos resultados, para possibilidade de implantação do projeto definitivo.

O estado do Mato Grosso criou uma van itinerante - van gabinete - que vai aos bairros levando informações acerca de problemas relacionados ao superendividamento, mecanismo interessante de aproximação e de esclarecimento à população.

Quem também mostrou interesse no projeto de implantação foi o estado da Paraíba, que em meados do ano passado foi conhecer o projeto do Paraná.

A seguir serão relatados os projetos que se tem conhecimento em nosso país, tanto na prevenção quanto no tratamento do consumidor superendividado. Ressalte-se que os dados aqui consignados foram extraídos de sítios da internet e por meio de material oferecido ao público, sendo, portanto, informação de fácil e direto acesso à população.

3.1 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO NO RIO DE JANEIRO

Como dito acima, a “Comissão dos Superendividados” existe desde 2004 e é exercida pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, mas ainda é pouco conhecida pela população carioca.

O projeto é coordenado por Larissa Davidovich[24], defensora pública, e de acordo com ela

“a atuação da Defensoria acontece tanto na prevenção do superendividamento, com palestras, educação financeira e elaboração de orçamento doméstico, quanto no auxílio na negociação para a quitação das dívidas. Nesse caso, o superendividado deve preencher um formulário para ter atendimento personalizado de defensores públicos que traçarão um plano de ação para solucionar o problema”.

Também está à disposição do consumidor carioca um número gratuito para informações, qual seja: 0800-282-2279.

Para a defensora Marcella Oliboni[25], coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor - Nudecon, da defensoria pública do Rio,

“é preciso avançar em relação à oferta: E entendemos como oferta a sala do gerente, a mala-direta, a publicidade da televisão, o telemarketing agressivo. É preciso mais responsabilidade na concessão do crédito, mais compromisso com a qualidade de informação ao consumidor. Pois em relação à aproximação das empresas para acordos, depois que o problema se instala, já avançamos muito”.

Diante da necessidade de orientar melhor o superendividado, a Defensoria do Rio está negociando um treinamento dos defensores com o economista Luiz Carlos Ewald, da Fundação Getulio Vargas, especialista em finanças pessoais.

Como segundo passo, serão oferecidas palestras para informação dos próprios superendividados com o economista. “A informação é arma fundamental nesse processo”, adianta Marcella.

Para quem está preocupado com orçamento, Ewald[26] orienta como primeiro passo um inventário de despesas. Feito isso, as pessoas devem estar atentas a quanto do seu orçamento está sendo usado para pagamento de juros.

3.2 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL

O projeto implantado no Rio Grande do Sul teve inspiração no procedimento adotado e na experiência da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que havia iniciado as renegociações extrajudiciais com grande êxito. Também tem inspiração no modelo francês, baseado no sistema da "reeducação" do consumidor, com ênfase em seu aspecto pedagógico como forma de prevenção e de tratamento do superendividamento.

Foi criado em 2006 pelas Juízas Clarissa Costa de Lima e Karen Rick Danilevicz Bertoncello, baseado em estudos da Dra. Claúdia Lima Marques. Atualmente o projeto denominado “Tratamento do Superendividamento do Consumidor” encontra-se instalado nas cidades de Porto Alegre, Santa Maria, Charqueadas, Sapucaia do Sul, Sapiranga, Canoas e São Leopoldo. O projeto conta com alguns parceiros, como a Defensoria do Rio Grande do Sul, a Cruz Vermelha Brasileira, Ministério da Justiça - DPDC, Procon - RS, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS e UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Atualmente é o projeto mais amplo e o mais difundido até o momento. Tem como modalidades a conciliação paraprocessual e conciliação processual. As dívidas abrangidas são as vencidas ou a vencer, créditos consignados, contratos de crédito ao consumo em geral, contratos de prestação de serviços (essenciais ou não) e ausência de limitação do valor da dívida. Já as dívidas excluídas são as derivadas de prestações alimentícias, fiscais, créditos habitacionais e as decorrentes de indenização por ilícitos civis ou penais. Tem como pressupostos que o consumidor seja pessoa física, de boa-fé e que não tenha contraído crédito para o exercício de suas atividades profissionais.

Oportuno enfatizar que o consumidor que esteja em situação de superendividamento pode se beneficiar do projeto independentemente da renda familiar auferida.

Para que o consumidor tenha mais informações sobre o projeto é disponibilizado o telefone (41) 3234-3605 e o sítio www.superendividamento.org.br.

Cumpre salientar que o relatório oficial da efetividade desse projeto está publicado no livro Superendividamento aplicado: aspectos doutrinários e experiência no Poder Judiciário, da editora GZ e de autoria das Juízas Karen Bertoncello e Clarissa Costa de Lima.

Quanto ao procedimento, primeiramente há o preenchimento de formulário padrão com as informações prestadas pelo superendividado, o qual fica advertido de que a sua boa-fé será medida de acordo com a veracidade dos dados fornecidos[27].

O formulário está disponível na Direção do Foro, na Defensoria Pública e/ou nos Juizados Especiais Cíveis, onde não houve criação de setor próprio de conciliação e será preenchido com orientação de servidor capacitado.

No formulário padrão (ANEXO A) há a identificação do superendividado e seus dados socioeconômicos, como a renda média individual mensal e renda média familiar mensal, as despesas mensais correntes, o montante total da dívida, número de credores, as causas das dívidas, se está inscrito em órgãos de proteção ao crédito e de que forma tomou conhecimento da oferta do crédito.

Também consta no formulário o mapa dos credores, devendo ser informado se há processo judicial pendente, se o desconto é feito em folha de pagamento ou em benefício previdenciário, se a dívida está vencida ou a vencer, bem como se o consumidor tentou renegociar e se recebeu cópia do contrato.

O procedimento é isento de custas processuais, uma vez que a condição de superendividado equivale à previsão legal do artigo 1º da Lei n.1.060/50.

Após o preenchimento do formulário padrão, o consumidor recebe uma cartilha (ANEXO B) com os “10 mandamentos da prevenção ao superendividamento”, sendo que sua elaboração objetivou reforçar o aspecto pedagógico e preventivo do projeto. No Brasil, são incipientes as iniciativas voltadas para a prevenção (educação e aconselhamento) do superendividamento dos consumidores, tanto que a educação para o consumo sequer faz parte do currículo das escolas. Não obstante, a educação e a informação dos consumidores quanto aos seus direitos e deveres constitui um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo (art. 4º, IV do CDC).

São estes os dez mandamentos da prevenção do superendividamento: 1) NÃO GASTE mais do que você ganha; 2) TENHA CUIDADO com o crédito fácil; 3) Não assuma dívida sem antes REFLETIR e CONVERSAR com sua família; 4) LEIA o contrato e os prospectos; 5) EXIJA a informação sobre a taxa de juros mensal e anual; 6) EXIJA o prévio cálculo do valor do total da dívida e AVALIE se é compatível com sua renda; 7) COMPARE as taxas de juros dos concorrentes; 8) NÃO ASSUMA dívidas em benefício de terceiro; 9) NÃO ASSUMA dívidas e NÃO FORNEÇA seus dados por telefone ou pela Internet. 10) RESERVE parte de sua renda para as despesas de sobrevivência.

A cartilha também contém um teste que apresenta algumas perguntas fáceis de serem respondidas e que eficazmente apontam se o consumidor encontra-se em situação de superendividamento.

Há a disponibilização de pauta de audiência já no momento do preenchimento do formulário padrão, ficando o superendividado intimado para a audiência de renegociação.

Então é remetida, preferencialmente via eletrônica, a carta-convite padrão (ANEXO C) para a audiência de renegociação, a qual é remetida a todos os credores arrolados pelo superendividado. Para tanto, é ajustado o fornecimento de endereço eletrônico dos credores.

Interessante que se trata de uma carta-convite e não de uma intimação, na qual é esclarecido ao credor que o consumidor demonstrou interesse em quitar seu débito, sendo solicitado o comparecimento de preposto, com carta de preposição e autorização para firmar acordos, além da cópia do contrato, planilha atualizada do débito e eventual proposta de composição.

Há também o alerta de que o não comparecimento será entendido como ausência de interesse em compor. Caso o comparecimento não seja possível na data aprazada, mas haja interesse em compor, é solicitado que o credor entre em contato por e-mail, fazendo referência ao número da carta convite, caso em que será designada nova data, também a ser informada por e-mail.

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A equipe é composta pelo Juiz de Direito, um estagiário e, quando possível, uma assistente social.

Para execução do projeto é necessário o uso do computador do gabinete, da sala de audiência, material gráfico para divulgação e aplicativo computacional para armazenamento do banco de dados.

A infraestrutura é fixa, mas pode ser itinerante. A implementação depende apenas da existência de uma sala com computador.

Enfatiza-se que a execução desse projeto não demandou nenhuma utilização de orçamento suplementar, utilizando os materiais disponíveis no Foro.

Pois bem, a audiência de renegociação é uma audiência conjunta, na qual a mediação é realizada com todos os credores e o superendividado, na mesma oportunidade, a fim de preservar a agilidade do Projeto e a garantia da preservação do mínimo existencial do superendividado.

Esse mínimo existencial, denominado pelos franceses de “reste a vivre”, foi alvo da preocupação do legislador que, em 1998, através do artigo 331-2 do Code de la Consommation, introduziu algumas modificações no sistema de tratamento do superendividamento porque acreditava que a aplicação das medidas de reestruturação do passivo não poderia retirar do devedor todo o meio de existência. Ademais, após alguma experiência no tratamento do superendividamento, constatou-se que, se uma pessoa ou um lar não tivesse um mínimo vital, sua recuperação financeira e a possibilidade de honrar suas dívidas era muito improvável[28].

O projeto não adotou fórmula específica para o cálculo do mínimo vital, tendo em conta que a análise é realmente complexa, não podendo ser reduzida a nenhuma fórmula matemática simplificadora, como aquela usada em algumas decisões judiciais que considera que o endividamento não poderá ultrapassar um terço dos rendimentos do consumidor. De qualquer sorte, considera-se que o consumidor só estará, razoavelmente, em condições de honrar o acordo quando preservado o montante suficiente para o pagamento das despesas correntes do lar como água, luz, alimentação, educação, saúde, aluguel, condomínio, entre outras indispensáveis ao bem-estar e dignidade do núcleo familiar.

Quanto ao conteúdo, a renegociação poderá consistir no parcelamento das dívidas, concessão de moratória com alteração no vencimento da obrigação, redução dos encargos ou, até mesmo perdão parcial ou total da dívida.

Cumpre salientar que há a possibilidade de sessões individuais com cada credor e o superendividado, preferencialmente no mesmo dia e turno, a fim de preservar a agilidade do Projeto, consubstanciado também na garantia da preservação do mínimo existencial do superendividado

A conciliação exitosa na audiência de renegociação poderá ter caráter paraprocessual e/ou processual. Se houver acordo exitoso em alguma das duas modalidades, há homologação pelo Juiz de Direito coordenador do Projeto, constituindo título executivo judicial.

É cediço que as maiores dificuldades encontradas para um acordo exitoso incidem na divulgação e conscientização da necessidade da cultura da mediação e suas vantagens. Da mesma forma, a superação do estigma do devedor quanto à culpa e a vergonha pelo seu endividamento excessivo frente ao contato com todos seus credores.

Por outro lado, se o acordo for inexitoso na conciliação paraprocessual, o superendividado é orientado a procurar a satisfação do seu direito pelas vias ordinárias, na Justiça Comum ou Juizado Especial Cível.

Se o acordo for inexitoso na conciliação processual, o processo será devolvido à vara de origem para o regular prosseguimento.

São efeitos da renegociação a serem consignados no termo de acordo: as dívidas vencerão antecipadamente caso o superendividado preste dolosamente falsas declarações ou produza documentos inexatos com o objetivo de utilizar-se dos benefícios do procedimento de tratamento da situação de superendividamento; dissimule ou desvie a totalidade ou parte de seus bens com objetivo de fraudar credores ou a execução ou, sem o acordo de seus credores, agrave sua situação de endividamento mediante a obtenção de novos empréstimos ou pratique atos de disposição de seu patrimônio durante o curso do procedimento de tratamento da situação de superendividamento.

Também fica registrada na ata de audiência a incidência de cláusula penal e o acordo conjunto, identificando o valor de cada dívida e seu respectivo credor.

3.3 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO NO PARANÁ

No Paraná, a Juíza Sandra Bauermann solicitou autorização para implantação do projeto do Rio Grande do Sul no âmbito dos Juizados Especiais, por meio do Protocolo TJPR 247326/2008, que foi concedida pelo 2º Vice-Presidente do TJPR e Supervisor-Geral dos Sistemas dos Juizados Especiais, Desembargador João Luís Manassés de Albuquerque, para ser implantado junto ao 1º Juizado Especial Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, sob a coordenação da referida magistrada, em 29 de abril de 2010[29].

Na fase de implantação, foi firmado importante convênio entre o TJPR e a Escola da Magistratura do Paraná (EMAP), no sentido de contribuição da EMAP com a implementação e realização do Projeto, especialmente através da capacitação e disponibilização de cursistas do curso de Preparação à Magistratura, para atuarem como conciliadores voluntários, e disponibilização das salas de audiências da EMAP para realização das audiências de renegociação/conciliação.

O objetivo é mediar a renegociação de dívidas decorrentes de relação de consumo (não profissionais) do devedor pessoa física, de boa fé, que se vê impossibilitado de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (superendividado), com todos os seus credores, de acordo com seu orçamento familiar, de modo a garantir a subsistência básica de sua família[30].

Possui também uma cartilha com os mesmos 10 mandamentos da Cartilha do Superendividado do Projeto do Rio Grande do Sul (ANEXO B).

Todas as informações sobre o projeto encontram-se disponíveis no sítio do Tribunal de Justiça do Paraná, sendo que o cadastro inicial do projeto é enviado pela internet, devendo ser imprimido e assinado. Em seguida, deve o consumidor comparecer com esse documento ao 1º Juizado Especial de Curitiba e agendar a audiência de conciliação.

Em geral o procedimento é o mesmo do projeto do Rio Grande do Sul.

Também há o telefone (41) 3234-3605 para contato e obtenção de mais informações acerca do projeto.

3.4 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO EM SÃO PAULO

Teve inspiração nos modelos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul e foi assinado em 14 de outubro de 2010, juntamente com a Fundação Procon - São Paulo. Em 16 de outubro do mesmo ano iniciou suas atividades em postos espalhados pela cidade de São Paulo. Já pode ser encontrado nos postos Poupatempo Sé, Itaquera e Santo Amaro.

Surgiu do convênio entre o Tribunal de Justiça com a Associação Comercial de São Paulo e com o SIMPI – Sindicato da Micro e Pequena Indústria.

Foi implantado provisoriamente pelo período de cinco meses, para posterior avaliação dos resultados e possibilidade de implantação do projeto definitivo, sendo que os dois primeiros meses são de preparação dos conciliadores e técnicos do Procon e os demais de audiência, pretendendo atender cerca de 100 (cem) pessoas ao mês, totalizando a pretensão de terem sido atendidas 300 (trezentas) pessoas ao fim do projeto[31].

3.5 PROJETO-PILOTO EM EXECUÇÃO NO MATO GROSSO

Surgiu em meados de 2010 e é consistente num projeto de gabinete itinerante, mais conhecida como uma van gabinete, que vai aos bairros levando informação acerca de problemas relacionados ao superendividamento. Está sob a coordenação de João Paulo Carvalho Dias e por enquanto assiste somente aos bairros com pior índice de desenvolvimento humano (IDH) na cidade de Cuiabá[32].

A proposta é tornar possível o pagamento dos débitos através de uma adequação das parcelas. O consumidor se comprometerá com 30% de seus rendimentos a pagar todos os credores, ou seja, ele terá 70% para manter sua subsistência. A equipe conta ainda com uma psicóloga e assistente social.

3.6 PROJETO NA PARAÍBA

Ainda não implantado, porém, em novembro do ano passado, seguindo orientação do diretor da Escola Superior da Magistratura (ESMA), desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos, os magistrados Gustavo Procópio Bandeira de Melo e Bruno César Azevedo Isidro estiveram na Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP) para conhecer o projeto-piloto de “Tratamento de Superendividamento do Consumidor”, desenvolvido pelo TJPR em conjunto com a EMAP. Também foram divulgar o Projeto “Selo Amigo da Conciliação”, que foi implantado, oficialmente, pelo TJPB no dia 2 de dezembro daquele ano[33].

“Na visita, foram feitos contatos com representantes de alguns credores habituais, como o Unibanco e Santander, que demonstraram interesse em participar do projeto noutras unidades da federação”, afirmou o magistrado Gustavo Procópio.

Os juízes paraibanos constataram que o projeto-piloto tem um baixo custo de implantação, pois aproveita a estrutura já existente, funciona com poucos servidores e os conciliadores são voluntários que, após um rápido treinamento em técnicas autocompositivas, ficam prontos para atuarem. Assim, eles sugeriram implantar o projeto-piloto “Tratamento de Superendividamento do Consumidor” com os alunos do Curso de Preparação à Magistratura da ESMA como disciplina opcional do curso para o ano de 2011, e atrelar o Selo Amigo da Conciliação e o cadastro dos maiores litigantes ao projeto, como forma de incentivar as empresas a buscarem os meios autocompositivos de soluções de conflitos.

Outras propostas para serem implantadas pelo Poder Judiciário estadual, por meio da ESMA, foram: a) disseminar os métodos autocompositivos com um seminário anual sobre o tema, em conjunto com Escola Superior da Magistratura de Pernambuco (ESMAPE), para divulgar a prática da conciliação e o projeto-piloto de Situações de Superendividamento; b) incentivar outras instituições públicas e privadas a tratar as situações de superendividamento; c) manter contatos com as instituições financeiras para que participem do projeto; d) adaptar a página da ESMA na internet para receber os formulários e adotar o modelo paranaense de aulas práticas, inclusive com a possibilidade de nomeação de alunos como conciliadores temporários, para fins de contagem de tempo de prática jurídica.

Nessa senda, analisando os projetos existentes sobre o fenômeno do superendividamento - os quais se tem conhecimento - observa-se um traço comum entre os modelos seguidos, sendo poucas as variantes, as quais vem ocorrendo com o propósito de aprimorar o sistema já existente e adaptar o projeto à realidade local de cada estado.

3.7 AVALIAÇÃO ACERCA DA EFETIVIDADE DOS PROJETOS-PILOTO EM EXECUÇÃO E SUA REPERCUSSÃO SOCIOECONÔMICA

Primeiramente, insta destacar que a ausência de dados sobre o superendividamento no Brasil não permite traçar um diagnóstico mais abrangente do problema.

Os únicos dados disponíveis, constantes do Relatório do IDEC – Instituto Brasileiro de Direito do Consumidor[34], de maio de 2008, são referentes a endividamento e inadimplência das famílias, o que é tecnicamente muito distinto do conceito de superendividamento.

Assim, as informações referentes ao consumidor superendividado são de natureza qualitativa.

No Rio Grande do Sul, a primeira pesquisa foi feita em 2004 e foi realizada entre famílias que ganhavam até cinco salários mínimos. E os resultados já foram então estarrecedores: 80% dos que haviam contraído crédito eram tomadores passivos. Recorreram aos bancos por terem sido surpreendidos por um acidente na vida, seja doença, separação conjugal ou perda de emprego. Em 57% dos casos, o tomador do crédito nunca recebeu uma cópia do contrato. Apenas em 37% dos casos o credor explicou qual seria o montante total a ser pago e, em 77% dos casos não se pediu garantia alguma para a assinatura do contrato.

Já no Rio de Janeiro, em pesquisa realizada em 2005 e coordenada por Rosângela Cavallazzi (professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Heloísa Carpena (procuradora do Ministério Público Estadual), os resultados foram semelhantes aos realizados pelos profissionais riograndenses. Com base nos registros do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), foram selecionados 80 consumidores. Desses, 39% comprometiam 60% da renda ou mais em dívidas. Em 50% dos casos, o desemprego foi responsável pelo desequilíbrio financeiro. Apenas 37% receberam a cópia do contrato e em 88% das vezes não se pediu nenhuma garantia para o empréstimo.

De acordo com o relatório da FIESC – Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina[35], denominado “Santa Catarina em Dados 2010”, 59,39% das pessoas residentes no estado e maiores de 10 (dez) anos são economicamente ativas.

Em contrapartida, a FECOMÉRCIO SC – Federação do Comércio do Estado de Santa Catarina, em pesquisa da análise econômica de Endividamento e Inadimplência do Consumidor e do Índice de Consumo das Famílias de Santa Catarina[36], constatou, em primeiro lugar, que o fato de uma pessoa estar endividada não significa que sua situação financeira esteja abalada. Depende do grau de endividamento de sua situação pessoal, do nível de comprometimento desse endividamento em relação à sua renda. Há também os que estão endividados, mas estão conseguindo adimplir seus compromissos com atraso. Finalmente, há aqueles que nem com atraso estão pagando seus compromissos, ou seja, são inadimplentes confirmados e afirmaram, no momento da pesquisa, que não teriam condições de quitá-los.

O que mais se destaca na pesquisa, realizada em janeiro do presente ano, é que 86% das famílias estavam endividadas. É o maior percentual de endividamento dos últimos treze meses e supera amplamente o maior índice anterior, ocorrido no mês de maio de 2010: 74%. Além disso, 23% das famílias estavam com dívidas em atraso e 8% declararam que não teriam condições de pagar seus compromissos.

Esse número alarmante em Santa Catarina aponta que a sociedade precisa e clama por um projeto que lhes proporcione uma saída e as faça restabelecer sua dignidade.

Dos projetos implantados no Brasil, os mais difundidos atualmente são os do Rio Grande do Sul e do Paraná, sugerindo-se sua adoção como parâmetro para embasamento de projeto a ser implementado em Santa Catarina.

Importa, pois, analisar os resultados apurados para ensejar, com isso, a aferição da efetividade de tais procedimentos.

O relatório geral do ano 2007[37], confeccionado pelas magistradas Karen Bertoncello e Clarissa Costa de Lima aponta os seguintes dados do primeiro ano de sua execução:

“As primeiras estatísticas abrangem as audiências de renegociação realizadas com os superendividados, nas Comarcas de Charqueadas e de Sapucaia do Sul, até os meses de outubro e novembro de 2007, respectivamente. Foram atendidos 68 consumidores superendividados na Comarca de Charqueadas e 90 na Comarca de Sapucaia do Sul.

No que pertine ao perfil do superendividado, observamos que a maioria é do sexo masculino (54%), com idade entre 31 a 40 anos (33%) e entre 21 a 30 anos (28%), de profissão na iniciativa privada (46%), sendo casados (38%) e conviventes (23%), com um dependente (34%) ou dois (27%), com renda individual mensal é de até 1 salário mínimo (42%) e entre 2 a 3 salários mínimos (42%), com renda mensal familiar entre 2 a 3 salários mínimos (45%) e até 2 salários mínimos (23%).

Quanto às despesas mensais correntes, consideradas aquelas de subsistência como água, luz, aluguel, condomínio, alimentação, medicamentos, educação, observamos que o valor total supera R$ 500,00 mensais (69%), o que compromete demasiadamente a renda dos consumidores que percebem, em sua maioria, entre 1 a 3 salários mínimos.

No que diz com as dívidas decorrentes de contrato de crédito ao consumo e que foram objeto das audiências de renegociação coletiva, a maior parte (44%) supera o valor total de R$ 3.000,00, sendo que em 23% dos casos, o valor da dívida oscila entre R$ 1.001,00 a R$ 2.000,00.

A maioria das dívidas foi contraída com um único credor (56%), em segundo lugar, com mais de 3 credores (16%), em terceiro, com 2 credores (15%) e, em quarto lugar, com 3 credores (13%). Tais dados demonstram que os consumidores que recorreram ao projeto estavam mais suscetíveis ao superendividamento, na medida em que as obrigações contraídas com um único credor foram suficientes para conduzi-lo a uma situação de insolvência e de exclusão social. Com isso, há indícios de que o superendividamento desses consumidores está mais relacionado com a insuficiência de renda, do que com a má-gestão do orçamento familiar.

A causa preponderante das dívidas foi o desemprego (29%), seguida da separação/divórcio (20%), gasto maior do que a renda (19%), doença ou morte (17%) e redução de renda (8%). A partir daí, identificamos a prevalência do superendividado passivo no projeto, caracterizado doutrinariamente como aquele que se superendividou em razão de “acidente da vida”, ou seja, situações involuntárias.

Dentre os superendividados, 80% estavam inscritos em cadastros de inadimplentes, o que, segundo relatado nas audiências, atua como fator impeditivo de reinserção no mercado de trabalho, uma vez que os empregadores têm recorrido à consulta prévia destes cadastros quando da seleção dos candidatos.

Quanto ao índice de conciliações, atingimos o percentual de 27,66% de êxito com as financeiras, de 34,12% com os bancos, de 64,89% com lojas e de 62% com prestadoras de serviço”.

No Paraná, esses foram os dados apresentados[38]em menos de um ano de execução do projeto e que revelaram o perfil atual do superendividado curitibano:

“Cerca de 78% do usuários são pessoas que ganham até quatro salários mínimos”, demonstrou a juíza-coordenadora, Dra. Sandra Bauermann, acrescentando que as principais causas de superendividamento são: desemprego (31,65%), redução de renda (25,81%), descontrole de gastos (21,37%), doença pessoal ou familiar (14,92%) e divórcio ou dissolução de união estável ( 6,25%)”.

No entanto, ainda não existem dados oficiais sobre a efetividade do projeto nesse primeiro ano da implantação.

Todavia, a partir dos dados positivos alcançados no Rio Grande do Sul, as juízas Clarissa e Karen, autoras do projeto e vencedoras do Prêmio Innovare[39], quando questionadas sobre os fatores de sucesso do projeto na prática, afirmam:

“O sucesso está na adequação do modelo escolhido com ênfase na reeducação, especialmente pelo contato direto entre o consumidor e seus credores na busca de solução conjunta. Esta postura proativa pode configurar o início de uma alteração do paradigma de que o consumidor é o único responsável pelo seu endividamento excessivo.

Historicamente, a concepção negativa do endividamento está ligada à concepção negativa do próprio crédito, fonte do endividamento. Afinal, o crédito surgiu ligado às noções de culpa e erro, era assimilado à usura e condenado por filósofos e doutrinas religiosas. Neste sentido, é imperioso que essa banalização do crédito, responsável pela propagação do endividamento na sociedade, gere também uma política de aceitação do fenômeno como uma questão social, merecedora de uma abordagem mais humanitária.

Parafraseando Sophie Gjidara, ‘em uma economia de endividamento, o endividado constitui uma engrenagem essencial, cuja preservação é imperativa para a sobrevivência do sistema econômico e para a salvaguarda da paz social’. Por isso, destacam que a conscientização dos credores na necessidade de reinserção do consumidor no circuito econômico permitirá que estes agentes econômicos se engajem na luta contra o endividamento excessivo”

Ainda, estudos de direito comparado já comprovaram que o superendividamento é um fenômeno que afeta de modo profundo a autoestima e a confiança do consumidor na sua capacidade de gerir e controlar sua vida pessoal e familiar. O isolamento, os estados depressivos, os desentendimentos conjugais e o confronto com os filhos são reações que emergem com freqüência e criam a desestruturação da vida destes sujeitos.

Nessa vertente, o projeto de implementação pretende apoiar estes hipervulneráveis, ensinando-lhes a administrar esses sentimentos e, sobretudo, construir em conjunto alternativas viáveis e fundamentadas juridicamente para resolver sua grave condição econômico-financeira, superando o preconceito moral, via de regra, presente nestas circunstâncias.

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Sobre a autora
Juliana Cristina Wanderley

Pós graduada em Direito Público e Prática Jurídica na ESMESC - Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, em convênio com FURB - Fundação Regional de Blumenau.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WANDERLEY, Juliana Cristina. Delineamentos em torno da perspectiva de implementação do projeto do superendividamento do consumidor em Santa Catarina . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3165, 1 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21186. Acesso em: 24 abr. 2024.

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