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Delineamentos em torno da perspectiva de implementação do projeto do superendividamento do consumidor em Santa Catarina

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01/03/2012 às 07:42
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4 O SUPERENDIVIDAMENTO E A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

O Poder Judiciário Catarinense[40] tem como missão a realização da justiça, assegurando a todos o acesso, com efetividade na prestação jurisdicional.

Pretende ser reconhecido como um Judiciário eficiente, célere e respeitado pela sociedade. Para alcançar esses objetivos instituiu atributos de valor para a sociedade, como a acessibilidade, modernidade, responsabilidade social, transparência, entre outros.

Em 2000 iniciou um planejamento estratégico, sob a perspectiva de “humanizar a justiça” por meio de uma administração compartilhada e democrática que visa ao crescimento e desenvolvimento.

Assim, adotou como lema promover a cidadania, priorizando ações de natureza social; facilitar a comunicação e o acesso do cidadão à Justiça; buscar continuamente a satisfação dos usuários e fortalecer as relações institucionais.

Monica Rodrigues[41], ao tratar do tema “humanização da justiça”, afirma que

“a justiça aristotélica detém o fundamento da lei como critério julgador do justo e do injusto, uma vez que se baseia apenas na lei e em seus respectivos elementos puramente objetivos, jamais se preocupando com o elemento humano ou subjetivo da questão, e, por isso mesmo, essa concepção de justiça que fundamenta o Direito moderno e o nosso atual sistema legal, vem se mostrando ultrapassada, anacrônica e fora da nossa atual realidade, pois é um conceito que quando aplicado ao caso concreto, infelizmente, nos conduz mais a injustiças, de que à verdadeira justiça social, tão almejada e erigida à categoria de princípio constitucional em nossa Lei Fundamental.

Portanto, vemos que, definitivamente, a concepção aristotélica de justiça tornou-se modernamente inaceitável, uma vez que não se adequa mais aos nossos anseios e necessidades, não se harmoniza com essa idéia inovadora de humanização da prestação jurisdicional, devendo, para esse mister, ser substituída por um conceito de justiça mais justo, mais humano, que se fundamente mais na liberdade e no respeito à cidadania, aos direitos humanos e à dignidade humana, e que tenha como objetivo maior garantir a verdadeira Paz ao ser humano”.

O projeto que visa ao tratamento do fenômeno do superendividamento em Santa Catarina encontra-se em perfeita consonância com os objetivos priorizados no planejamento estratégico do Poder Judiciário Catarinense, até porque, dentre as expectativas criadas, está a antecipação dos acontecimentos.

Já restou demonstrado no presente trabalho a necessidade de legislação acerca desse fenômeno, que possui cunho econômico, social e também jurídico. Todavia, na falta de um regramento a respeito, o Poder Judiciário assume importante papel no sentido de tentar prevenir as consequências projetadas a partir desta problemática.

É uma necessidade atual, como medida de justiça, que o Judiciário Catarinense responda a essa questão de tamanha complexidade social, assegurando a aplicação dos princípios basilares da Constituição Federal, precipuamente no tocante à dignidade da pessoa humana.

Conceituando esse princípio, Ingo Wolfgang Sarlet[42] entende que a dignidade da pessoa humana corresponde à

“qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.

 

Ainda ensina Flademir Jerônimo Belinati Martins[43] que

“a dignidade da pessoa humana constitui a base, o alicerce, o fundamento da República e o Estado Democrático de Direito por ela instituído. A fórmula adotada implica, em linhas gerais, que a Constituição brasileira transformou a dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem jurídica-política por ela instituída. Em outros termos, dizer que a dignidade da pessoa humana é um valor supremo, um valor fundante da República, implica admiti-la não somente como um princípio da ordem jurídica, mas também da ordem política, social e econômica”.

Trata-se de fenômeno com crescimento vertiginoso que afeta parte considerável da sociedade, do qual tem ciência o Poder Judiciário Catarinense. Por meio deste projeto, antecipar-se-á aos efeitos ainda mais críticos desta problemática, propondo-se alternativas ao consumidor hábeis a contorná-los, assegurando-se a dignidade da pessoa humana e a concretização da tão sonhada “humanização da justiça”.

4.1 A IMPORTÂNCIA DO SANEAMENTO DAS DÍVIDAS DO CONSUMIDOR PARA A CONSECUÇÃO DA ORDEM JURÍDICA JUSTA E EFETIVA E O PAPEL SOB TAL ASPECTO ATRIBUÍDO AO PODER JUDICIÁRIO

O projeto a ser implementado em Santa Catarina é de suma importância e se afigura essencial diante da problemática narrada nesse trabalho.

Ademais, o Estado pode ter inúmeros prejuízos com o endividamento excessivo da população, pois não se trata de um problema apenas jurídico, tem repercussões em outros domínios. Nas relações familiares, o superendividamento pode gerar situações de violência doméstica ou mesmo problemas conjugais; no emprego pode gerar instabilidade em razão da redução da produtividade ou das seqüelas que traz à saúde do empregado, como desequilíbrio emocional ou quadros depressivos. Todas essas situações, sem dúvida, têm um custo social muito elevado para o Estado[44].

Assim, é possível minimizar os danos através de uma ação preventiva com foco na educação e informação, projetos de tratamento do consumidor superendividado ou através da disponibilização de uma lei de tratamento desse fenômeno.

Nessa esteira, o procedimento de renegociação coletiva previne o ajuizamento de inúmeras ações individuais, especialmente as ações revisionais bancárias e de cobrança ou execução.

Para se ter uma idéia, o índice de conciliação nas Comarcas de Charqueadas e de Sapucaia do Sul superou a 60% após um ano de execução do projeto e em Porto Alegre ultrapassou 80%, após apenas quatro meses em execução.

Notadamente os resultados foram e continuam sendo muito positivos. As autoras do projeto do Rio Grande do Sul relatam que[45]

”foram observadas algumas mudanças no comportamento entre devedores e credores. A primeira delas é que os credores valorizam a iniciativa do superendividado em recorrer ao projeto, reconhecendo o esforço deles em pagar as dívidas e honrar os contratos celebrados. Os credores parecem também mais solidários em relação aos superendividados passivos, ou seja, àqueles que se endividaram, não porque gastaram mais do que ganhavam, mas por razões involuntárias, a exemplo do desemprego, divórcio, separação, doença etc. Alguns credores já estão percebendo que ninguém lucra com a exclusão do superendividado do mercado e que é preciso buscar uma alternativa para sua reinserção social. De outro lado, o superendividado adquire um aprendizado ativo, a partir de sua participação no projeto e nas Oficinas de orçamento Doméstico, onde recebe noções sobre os contratos de crédito, sobre os riscos e endividamento excessivo e sobre a importância de elaboração de um orçamento familiar para evitar novos casos de endividamento”.

Destaca-se que a Constituição da República Federativa do Brasil tem como fundamentos básicos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e garante a igualdade material.

Para tanto, antes de tudo é necessário situar o livre acesso ao Judiciário como uma das mais importantes garantias dos direitos fundamentais. No projeto proposto, entende-se que o consumidor superendividado terá acesso a um mecanismo compatível com a proclamada ordem jurídica justa e efetiva, tendo em vista que o procedimento, potencialmente célere, não depende do recolhimento de custas e da presença de advogado, constitui meio alternativo para a composição de litígio ou para a sua prevenção e, com isso, resguarda os direitos do consumidor, proporcionando-lhe educação e conscientização a respeito.

Luiz Guilherme Marinoni[46] observa que o acesso à ordem jurídica justa consiste em permitir a efetividade da tutela dos direitos, levando em conta as diferenças entre as partes e a específica situação do direito material.

Para Kazuo Watanabe[47], uma ordem jurídica justa envolve

“o direito à informação; o direito à adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica do país; o direito a uma justiça adequadamente organizada e formulada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da justiça; o direito à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutela dos direitos; o direito à remoção dos obstáculos que se anteponham ao efetivo acesso à justiça”.

Desse modo, o avanço da experiência judicial no tratamento do superendividamento dos consumidores em outros estados da Federação confirma a atuação do Poder Judiciário como agente de transformação através da adoção de mecanismos alternativos que visem à pacificação social.

Trata-se de verdadeira democratização do acesso à Justiça, assim identificada justamente porque a participação do superendividado independe do pagamento de custas judiciais e representação por advogado, como dito anteriormente.

E é nessa acepção que se entende que o Poder Judiciário Catarinense reúne fortes razões para implantar o projeto aqui abordado, demostrando, assim, sua preocupação com o problema do superendividamento do consumidor e proporcionando-lhe, por tal via, alternativas hábeis à reinserção social.

4.2 PROPOSTA DE PROJETO PARA IMPLANTAÇÃO DO TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDADO NO ESTADO DE SANTA CATARINA

A implementação de projeto de tratamento do superendividado em Santa Catarina deve se pautar pela fusão de elementos extraídos dos projetos desenvolvidos no Rio Grande do Sul e no Paraná, amoldando-se aos padrões existentes em Santa Catarina, especialmente diante da não implantação da própria Defensoria Pública.

Como no estado existe a Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina – ESMESC, o projeto inicial é contar com a colaboração desses alunos, a exemplo do que ocorre no Paraná.

Inicialmente o projeto seria implantado em Florianópolis, sede da ESMESC, e nas extensões da escola existentes no estado, como em Blumenau, Joinville, Curitibanos e Chapecó.

Sugere-se uma parceria entre o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ESMESC, Procon e universidades públicas ou privadas. Diz-se universidades públicas ou privadas porque muitas das extensões da ESMESC estão situadas dentro de universidades, como ocorre em Blumenau, onde as aulas são ministradas dentro da FURB – Fundação Universidade de Blumenau; em Chapecó na UNOESC – Universidade do Oeste de Santa Catarina e em Curitibanos na UNC – Universidade do Contestado.

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Ademais, imagina-se que a sede da ESMESC, em Florianópolis, oferece um ótimo espaço para abrigar o projeto, mas nas demais cidades onde situam-se as extensões, não há como contar com o apoio dos Juizados Especiais, porquanto na maioria deles não há espaço físico e nem computadores disponíveis para a efetividade do projeto.

O escopo do presente projeto é difundir esse tratamento a todas as Comarcas existentes no estado, mas sabidamente isso demanda algum tempo. Também é necessário ter em mente que o projeto deverá contar com o trabalho voluntário de alunos da escola da magistratura, demandando aperfeiçoamento de pessoal e espaço físico para execução. Infelizmente, a realidade nem sempre condiz com esses preceitos, mormente quando se apresenta impregnada pelas dificuldades vinculadas à necessidade de estrutura e de pessoal.

No entanto, uma sugestão para algumas comarcas do estado é a criação de uma van itinerante, como já ocorre no estado do Mato Grosso, podendo atuar em comarcas menores, junto à praça municipal ou junto ao fórum da comarca.

A instauração do procedimento depende da iniciativa voluntária do consumidor, maior de idade e absolutamente capaz, nos termos do artigo 5º do Código Civil, podendo estar ou não assistido por advogado.

O procedimento se inicia com o preenchimento de formulário padrão com as informações prestadas pelo superendividado, com a advertência de que a sua boa-fé será medida de acordo com a veracidade dos dados por ele fornecidos.

A princípio, o formulário estará disponível no sítio do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, sítio da ESMESC e nos Procons e sedes da OAB nas Comarcas de Florianópolis, Blumenau, Joinville, Chapecó e Curitibanos.

Se for preenchido pela internet, o consumidor deverá imprimi-lo e levá-lo até o lugar onde se instalará o projeto de tratamento, seja na ESMESC, Juizados Especiais Cíveis ou universidades.

Será nos mesmos moldes do formulário padrão do Rio Grande do Sul e Paraná, constante do ANEXO A deste trabalho.

Nele há a identificação do consumidor superendividado e alguns dados socioeconômicos: renda média individual e/ou familiar mensal, todas as despesas mensais correntes, o montante total da dívida, número de credores e as respectivas causas das dívidas, informação de inscrição ou não em cadastros de proteção ao crédito e de qual forma tomou conhecimento da oferta do crédito.

Existe também o mapeamento dos credores, sendo informado se há processo judicial pendente, se há desconto em folha de pagamento ou benefício previdenciário, se é dívida vencida ou a vencer, se o endividado tentou renegociação e se recebeu cópia do contrato.

Assim, preenchido o formulário, o consumidor recebe a cartilha do superendividado (ANEXO B) e lhe é disponibilizada a pauta de audiência, sendo que o consumidor já fica intimado da audiência de renegociação, que deverá ocorrer nos 15 (quinze) dias subsequentes.

Também na oportunidade deverá o consumidor ser cientificado que na data aprazada, caso haja necessidade de advogado, será nomeado assistente judiciário para o ato, tendo em vista a falta de defensoria pública no estado.

A título de esclarecimento, apesar de ser obrigatória a criação de Defensoria Pública nos estados brasileiros, conforme determina a Constituição Federal, Santa Catarina é o único estado brasileiro que não a implantou. Existe há algum tempo algumas manifestações em torno da sua instalação, o que ainda é objeto de discussões. No entanto, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB manifestou-se contrariamente, permanecendo vigente o procedimento de nomeação de advogados regularmente inscritos na OAB, seja como assistente judiciário ou defensor dativo, recebendo-se as respectivas URH’s, consoante anexo da Lei Complementar Estadual 155/97, de 15 de abril de 1997.

Pois bem, passo seguinte é remessa de carta-convite padrão (ANEXO C), preferencialmente via eletrônica, para a audiência de renegociação a todos os credores arrolados pelo superendividado. Para tanto, é necessário o fornecimento de endereço eletrônico dos credores, que deverá ser providenciado pelo consumidor.

Conforme já exposto, por meio de tal carta-convite, explica-se ao credor que o consumidor pretende adimplir seu débito, sendo solicitado o comparecimento de preposto, devidamente munido de carta de preposição e autorização para firmar acordos, afora cópia do contrato, planilha atualizada do débito e eventual proposta de acordo.

Por meio da carta-convite o credor é também alertado de que o não comparecimento será entendido como ausência de interesse na composição e caso seu comparecimento não seja possível na data aprazada, mas haja interesse em compor, é solicitado que este credor entre em contato via e-mail, informando o número da carta convite.

Nesse caso, será designada nova data para a audiência, que será novamente informada por e-mail.

Para execução do projeto são necessários uma sala razoavelmente grande - poderão haver muitos credores no mesmo ato - um computador, material gráfico para divulgação do projeto e o aplicativo computacional para armazenamento do banco de dados dos endereços eletrônicos dos credores.

Como dito acima, a infraestrutura é fixa, mas também pode ser itinerante. A exemplo da implementação nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná, a intenção é que o projeto não demande nenhuma utilização de orçamento suplementar, utilizando-se os materiais disponíveis no Foro ou nas universidades onde se situam as extensões da ESMESC.

Pois bem, algumas ponderações devem ser feitas acerca da audiência de renegociação. Trata-se de uma audiência conjunta, presidida pelo conciliador aluno da ESMESC, sob a supervisão de magistrado, na qual a mediação é realizada com todos os credores e o superendividado, na mesma oportunidade, a fim de preservar a agilidade do projeto e a garantia da preservação do mínimo existencial ao superendividado.

As partes são esclarecidas sobre o fenômeno social do superendividamento e suas repercussões, sendo instadas a encontrar uma alternativa para que o devedor consiga, dentro de suas possibilidades, honrar suas obrigações.

O cálculo do mínimo vital é questão bastante complexa, não podendo ser reduzida a uma simples fórmula matemática, sendo relevante que o consumidor preserve o mínimo vital, ou seja, consiga por meio do acordo efetuado com os credores, prover o pagamento de suas despesas cotidianas, entendidas como as de energia, água, alimentação, saúde, educação, aluguel, condomínio, e as demais imprescindíveis ao seu bem-estar e de sua família, de modo a preservar a dignidade das pessoas envolvidas, integrantes do seu núcleo familiar.

As dívidas abrangidas podem ser as decorrentes de créditos consignados, contratos de crédito ao consumo em geral, contratos de prestação de serviços essenciais ou não, podendo estar vencidas ou a vencer.

Não há limitação do valor da dívida para ingressar no projeto de tratamento, apenas restam excluídas as dívidas alimentícias, fiscais e créditos habitacionais decorrentes de indenização por ilícitos civis ou penais, por não serem oriundas de relação de consumo, e no caso dos créditos habitacionais, devido à complexidade dos contratos e legislação incidente.

No que diz respeito aos pressupostos subjetivos, são admitidos o consumidor superendividado pessoa física, de boa-fé, com qualquer renda familiar e que não tenha contraído crédito para o exercício de suas atividades profissionais.

São somente admitidos os consumidores identificados como superendividado ativo inconsciente e superendividado passivo, sendo excluído o superendividado ativo consciente, que é aquele indivíduo que agiu com a intenção deliberada de não pagar, tencionando fraudar credores, ou seja, o consumidor de má-fé.

Quanto ao conteúdo, a renegociação poderá consistir no parcelamento das dívidas, concessão de moratória com alteração no vencimento da obrigação, redução dos encargos ou até mesmo perdão parcial ou total da dívida.

Também deverá existir a possibilidade de sessões individuais com cada credor e o superendividado, preferencialmente no mesmo dia e antes da audiência, com o intuito de preservar a agilidade do projeto, consubstanciado também na garantia da preservação do mínimo existencial do superendividado

.A conciliação exitosa na audiência de renegociação poderá ter caráter paraprocessual ou processual.

Paraprocessual é a desencadeada através do preenchimento do formulário padrão pelo consumidor, que voluntariamente procura o Poder Judiciário para solução de seu conflito. Neste caso o procedimento se desenvolve, via de regra, quando o consumidor ainda não tem processos pendentes com seus credores. Em outras palavras, a renegociação das dívidas ocorrerá antes das demandas eventualmente ajuizadas pelos credores, com o fim de recuperar o crédito.

A conciliação processual, de outro lado, só ocorre nos casos em que já existe ação judicial pendente entre o consumidor e seus credores, como ação revisional, ação de cobrança, ação de execução e ação monitória, entre outras.

Enfatiza-se que nesse caso, o juiz da causa em tramitação será cientificado que o consumidor superendividado foi admitido no projeto de tratamento e solicita-se a sobrestamento daqueles autos, até o desfecho do projeto.

Após a audiência de renegociação, será dada ciência sobre os resultados alcançados no projeto, devendo, consequentemente, ser o processo extinto ou suspenso, em caso de composição, ou retomado seu curso, caso inexitoso o acordo.

Se houver acordo exitoso em alguma das duas modalidades, há homologação pelo Juiz de Direito coordenador do projeto, constituindo título executivo judicial.

Ressalte-se de antemão, que as maiores dificuldades que possivelmente serão encontradas para o êxito das tentativas de composição inseridas no projeto consistem na divulgação e conscientização da necessidade da cultura da mediação e suas vantagens, bem como na superação do estigma do devedor quanto à culpa e a vergonha pelo seu endividamento excessivo frente ao contato com todos seus credores.

A ata da audiência de renegociação é redigida em documento único, com a identificação de cada credor, individualmente, assim como o valor da dívida, forma de pagamento e encargos para a hipótese de descumprimento.

Na conciliação processual é registrada na ata a suspensão ou extinção do processo pendente. No que diz respeito à competência para a execução do título executivo resultante do acordo ou quaisquer dúvidas dele advindas, será também consignada a eleição do Foro do domicílio do consumidor como o competente, em respeito às normas de ordem pública e de interesse social destinadas às relações de consumo, de acordo com os arts. 1º e 101, inciso I, ambos do Código de Defesa do Consumidor - CDC.

Além disso, deverão constar em ata alguns efeitos específicos que tiveram inspiração na legislação francesa, como que as dívidas vencerão antecipadamente caso o superendividado preste dolosamente falsas declarações ou produza documentos inexatos com o objetivo de utilizar-se dos benefícios do procedimento de tratamento da situação de superendividamento; dissimule ou desvie a totalidade ou parte de seus bens com objetivo de fraudar credores ou a execução; ou, sem o acordo de seus credores, agrave sua situação de endividamento mediante a obtenção de novos empréstimos ou pratique atos de disposição de seu patrimônio durante o curso do procedimento de tratamento da situação de superendividamento.

Também fica registrada a incidência de cláusula penal.

Por outro lado, se o acordo for inexitoso na conciliação paraprocessual, o superendividado é orientado a procurar a satisfação do seu direito pelas vias ordinárias, na Justiça Comum ou Juizado Especial Cível.

Se cumprido regularmente o acordo, o procedimento será arquivado, porém, se não for cumprido, o credor poderá executar o acordo no Juizado Especial Cível da Comarca, sendo que não mais poderá utilizar-se do projeto.

Apenas como exemplo de termo de audiência, encontra-se no ANEXO D deste trabalho o constante do Caderno de Investigações Científicas do Ministério da Justiça.

Referido Caderno de Investigações ainda traz um formulário pós-audiência, a fim de avaliar a efetividade do projeto e permitir ao consumidor a formulação de sugestões e/ou recomendações de aperfeiçoamento/melhoria (ANEXO E).

Por fim, tendo em vista que o superendividamento indubitavelmente constitui um fenômeno que afeta de modo profundo a vida do consumidor, sugere-se também um acompanhamento psicológico desse indivíduo e, em algumas situações, de toda sua família; afinal, o isolamento, os estados depressivos e as intrigas familiares são reações que ocorrem com assiduidade e facilmente modificam a vida destes sujeitos.

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Sobre a autora
Juliana Cristina Wanderley

Pós graduada em Direito Público e Prática Jurídica na ESMESC - Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, em convênio com FURB - Fundação Regional de Blumenau.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WANDERLEY, Juliana Cristina. Delineamentos em torno da perspectiva de implementação do projeto do superendividamento do consumidor em Santa Catarina . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3165, 1 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21186. Acesso em: 16 abr. 2024.

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