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Exigência de documento de identidade com foto para efeito de acesso ao voto

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15/03/2012 às 15:33
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4.A QUESTÃO POSTO NA ADI 4467/DF.

A redação do art. 91-A da Lei nº 9504/1997 está sub judice perante o Supremo Tribunal Federal, na forma da ADI 4467/DF, movida pelo Partido dos Trabalhadores. Da petição inicial, disponível no sítio eletrônico www.stf.jus.br, retiramos o mote da discussão:

“Ora, e sem sombra de dúvida, a norma que buscava conferir a segurança no momento de identificação do eleitor, mediante a consulta a um documento oficial com foto, transmudou-se em burocracia desnecessária no momento de votação, com riscos a malferir diversos dispositivos da Carta.”

“O importante, obviamente, é garantir um processo seguro de identificação, e não impor ao cidadão o ônus de fazer dupla prova da sua condição civil e eleitoral. Seria um exagero de consequências negativa, sobretudo para a expressão da soberania das pessoas mais simples de nosso país.”

“Uma coisa é prevenir fraudes. Para isso basta a apresentação de qualquer documento válido de identificação civil com foto. Outra coisa é complicar o ato de votar, reclamando do eleitor que prove necessariamente sua identidade civil e também a inscrição nas listas da Justiça Eleitoral, por meio do porte obrigatório do título.”

Todavia, vejamos o pedido final contido na ação:

“Ao final, após a colheita de informações pertinentes e ouvida a Procuradoria Geral da República, aguarda-se a integral procedência da ação, declarando-se inconstitucional a exigência de porte obrigatório do título eleitoral no momento da votação, ao menos para o eleitor já civilmente identificado por meio documento oficial válido com foto.”

Portanto, preconiza-se a apresentação do documento oficial de identidade com foto. Mesmo sem o título.

A situação foi decidida pelo STF no julgamento da medida liminar na ADI, como acima já transcrito. Reproduzimos apenas o trecho que interessa nessa questão:

“6. Medida cautelar deferida para dar às normas ora impugnadas interpretação conforme à Constituição Federal, no sentido de que apenas a ausência de documento oficial de identidade com fotografia impede o exercício do direito de voto.”

Ou seja, mesmo com o título, se ausente documento oficial de identidade, estará impedido o eleitor de votar, o que contraria toda a tradição brasileira de votação, mediante inserção de burocracia desnecessária. Reitere-se que conferência de identidade civil em caso de dúvida quanto ao eleitor sempre teve previsão e regras na legislação eleitoral; apenas não se pode converter uma dúvida excepcional, ou risco de fraudes e burlas, numa presunção absoluta, sob pena de macularmos cada um dos eleitores do país com a pecha de suspeito.


5.CONCLUSÕES.

Por essas razões, em conclusão, temos como inexorável a inconstitucionalidade do art. 91-A acrescido à Lei n. 9504/1997 pelas modificações trazidas com a Lei n. 12.034/2009. Cabe ao Poder Judiciário, mediante controle de constitucionalidade extirpar esse excesso legislativo, em proteção ao amplo acesso ao voto, corolário da República. Os casos de tentativa de voto dúplice, de votar em nome alheio e  outras situações já possuem o devido tratamento normativo no Código Eleitoral, de forma mais adaptada a um Regime Democrático: a Mesa de Votação pode exigir, na dúvida, a apresentação da identidade civil do eleitor.

Não bastasse a própria violação excessiva do direito ao voto (art. 14 CF), a exigência de apresentação de documentação dúplice para efeito de votação trata-se de medida também violadora do Princípio da Proporcionalidade, cujo conteúdo normativo já foi reconhecido e protegido por decisões do Supremo Tribunal Federal.[11] O mesmo ocorrerá ainda que se dispense o título de eleitor e se exija como regra o documento de identidade com foto.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1.                  ARAÚJO, Caetano Ernesto Pereira de. O voto e a internet. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/artigos/direito/OVotoeaInternet.pdf.

2.                  BRASIL. (Constituição 1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003a.

3.                  BRASIL. Código Eleitoral.  Brasília: Senado Federal, 2006a.

4.                  BRASIL. Lei Ordinária n° 12.034, de 29 de setembro de 2009. Altera as Leis nos 9.096, de 19 de setembro de 1995 - Lei dos Partidos Políticos, 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, e 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. Diário Oficial [da] República Federativa da União, Brasília, 30 set. 2009.

5.                  BRASIL. Lei Ordinária n° 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Diário Oficial [da] República Federativa da União, Brasília, 1º. Out. 1997.

6.                  COSTA, Alexandre de Araújo. O Princípio da proporcionalidade na jurisprudência do STF. BRASÍLIA: Thesarus. 2008.

7.                  DELGADO, Rafael Cedillo. Participación y abstencionismo electoral en los municípios del Estado de Mexico. Apuntes electorales: Revista del instituto electoral del Estado de Mexico. Ano III. N. 36. 1999, p. 49-84. Acessível em: http://www.ieem.org.mx/img/img_pub/apuntes/2a_etapa/Apuntes_Electorales_36.pdf.

8.                  ELLEITHY, Khaled; RIMAWI, Ihab. Design, analysis and implementation of a Cyber Vote System. Disponível em: http://www1bpt.bridgeport.edu/~elleithy/BookChapters/B7DesignAnalysisAndImplementationOfACyberVoteSystem.pdf

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9.                  GARCIA, Vicente Alvarez. El concepto de necesidad en derecho publico. Madrid. Ed. Civitas. 1996, p. 463

10.              KAFRUNI, Simone. Exigência de documento com foto além do título de eleitor pode gerar abstenções nestas eleições Texto acessado em:  http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default.jsp?uf=2&local=18&section=Pol%EDtica&newsID=a3034158.htm

11.              KENNEDY, Roseann. Título e documento com foto, por favor. Texto acessado em:http://congressoemfoco.uol.com.br/noticia.asp?cod_canal=1&cod_publicacao=33831

12.              PASTANA, Débora Regina. Cultura jurídica nacional: Símbolos e comportamentos autoritários permeados pelo discurso democrático. Antropolítica: Revista contemporânea de antropologia. N. 27. 2. Semestre/2009. Niterói-RJ: EdUFF. 2009, p.196. Acessível em: http://www.uff.br/antropolitica/revistasantropoliticas/revista_antropolitica_27.pdf.


Notas

[1] Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 1º - O alistamento eleitoral e o voto são:

I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;

II - facultativos para:

a) os analfabetos;

b) os maiores de setenta anos;

c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

[2] KAFRUNI, Simone. Exigência de documento com foto além do título de eleitor pode gerar abstenções nestas eleições Texto acessado em: http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default.jsp?uf=2&local=18&section=Pol%EDtica&newsID=a3034158.htm

[3] KENNEDY, Roseann. Título e documento com foto, por favor. Texto acessado em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticia.asp?cod_canal=1&cod_publicacao=33831

[4] PASTANA, Débora Regina. Cultura jurídica nacional: Símbolos e comportamentos autoritários permeados pelo discurso democrático. Antropolítica: Revista contemporânea de antropologia. N. 27. 2. Semestre/2009. Niterói-RJ: EdUFF. 2009, p.196. Acessível em: http://www.uff.br/antropolitica/revistasantropoliticas/revista_antropolitica_27.pdf.

[5] A Legislação Eleitoral prevê a forma de eleição “natural” nos Parlamentos, a iniciar pelo art. 105 do Código Eleitoral. Podem os partidos, numa eleição e em vista às vagas existentes, participar sozinhos ou de forma coligada (art. 105). E tal opção é com olhos postos nos chamados quocientes (eleitoral e partidário), previstos e conceituados no Código Eleitoral, artigos 106 e 107: “Art. 106. Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior”. “Art. 107. Determina-se para cada partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração”. A preocupação de um partido participar das eleições sozinho ou coligado explica-se pois os candidatos “votados” não são “eleitos” — em regra — apenas pelos seus “votos individualmente considerados”, como bem define o Código Eleitoral, art. 108: “Art. 108. Estarão eleitos tantos candidatos registrados por um partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.” Em razão dessa regra, o STF definiu recentemente, a questão da fidelidade partidária. Portanto, as vagas existentes nas eleições proporcionais serão preenchidas pelos candidatos votados mas apenas após apurado o quociente eleitoral e em seguida o quociente partidário. Por essa razão, uma medida que possa, em tese, implicar em geração de abstenção significativa, implica em prejuízo a uma faixa de eleitores que capaz de alterar a representatividade popular pelo reflexo das ausências no cômputo dos quocientes.

[6] DELGADO, Rafael Cedillo. Participación y abstencionismo electoral en los municípios del Estado de Mexico. Apuntes electorales: Revista del instituto electoral del Estado de Mexico. Ano III. N. 36. 1999, p. 49-84. Acessível em: http://www.ieem.org.mx/img/img_pub/apuntes/2a_etapa/Apuntes_Electorales_36.pdf.

[7] DELGADO, 1999, p. 50.

[8] Sobre o tema, apontando vantagens e alertas, consultar: ARAÚJO, Caetano Ernesto Pereira de. O voto e a internet. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/artigos/direito/OVotoeaInternet.pdf.

[9] Sobre as vantagens do cyber vote (ou voto eletrônico pela rede mundial de computadores), ELLEITHY/RIMAWI esclarecem: “O voto on line não é um conceito novo. Nas últimas três décadas estudos buscaram criar uma maneira de criar sistemas de votação on line que permitam pessoas votarem a partir de suas casas. [...] A revulação da internet ajudou a ideia crescer. [...] A votação on lide gera conveniências, economicidade, e evita que o eleitora enfrente o trânsito pesado, o mau tempo, ou precise se deslocar aos correios. E mais ainda, auxilia pessoas com necessidades especiais e deficientes visuais a votarem sem assistências alheias.” Todavia há igualmente riscos que podem ser mitigados pela tecnologia a boa-vontade política para a adoção de mecanismos de votação on line. (ELLEITHY, Khaled; RIMAWI, Ihab. Design, analysis and implementation of a Cyber Vote System. Disponível em: http://www1bpt.bridgeport.edu/~elleithy/BookChapters/B7DesignAnalysisAndImplementationOfACyberVoteSystem.pdf)

[10] GARCIA, Vicente Alvarez. El concepto de necesidad en derecho publico. Madrid. Ed. Civitas. 1996, p. 463.

[11] Para acesso a uma lista significativa de julgados do STF sobre o tema da proporcionalidade, remetemos o leitor à obra: COSTA, Alexandre de Araújo. O Princípio da proporcionalidade na jurisprudência do STF. BRASÍLIA: Thesaurus. 2008.

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Sobre o autor
Luiz Henrique Antunes Alochio

Doutor em Direito (UERJ)Mestre em Direito Tributário (UCAM) Sócio em Alochio Advogados.www.alochio.com.br+55(27) 3075-3545

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Exigência de documento de identidade com foto para efeito de acesso ao voto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3179, 15 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21292. Acesso em: 20 abr. 2024.

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