Nesta semana, a crise no abastecimento de combustíveis no Estado de São Paulo ganhou a pauta da imprensa nacional. Basicamente, os proprietários de veículos transportadores deixaram de efetuar as cargas e descargas entre as distribuidoras e os postos revendedores, em protesto contra as novas restrições ao horário do tráfego de caminhões de carga na Marginal Tietê.
Rapidamente, o desabastecimento trouxe consequências negativas ao consumidor, levando-o a uma verdadeira caça por postos revendedores com combustível em estoque, além de ter, eventualmente, que pagar mais que o normal para abastecer seu veículo.
Veja-se, nesse sentido, o seguinte trecho da reportagem da Revista Época[1]: “Em alguns postos da capital paulista, a gasolina aditivada, que normalmente custa algo em torno de R$ 2,79, chegou a R$ 4,99 e a gasolina comum, normalmente vendida por volta de 2,49, a R$ 4,49”.
Diante dos abusos cometidos por alguns postos revendedores, toda sorte de denúncias chegou à Delegacia de Defesa do Consumidor (DECON/SP), que passou a efetuar diligências, conduzindo à sua sede gerentes e frentistas dos postos que haviam aumentado seus preços durante o desabastecimento.
Em outra matéria jornalística, a equipe do Portal G1[2] resumiu a ação da DECON/SP no dia 5-3-12:
“A ação deflagrada nesta manhã ocorre por conta da greve dos caminhoneiros que deixou postos sem combustíveis e carga reduzida. Alguns comerciantes decidiram, então, aumentar os preços dos combustíveis sem motivo razoável. Isso configura crime de especulação contra a economia popular. A Lei 1.521/51 estipula que aquele que tentar obter ganhos ilícitos mediante especulação terá de ser preso. A pena para esse tipo de crime é de seis meses a dois anos de prisão e pagamento de multa
(...)
Alameda Barão de Limeira, no Centro: um gerente foi preso por suspeita de vender gasolina a um preço abusivo. Na terça (6), o combustível custava R$ 2,69, mas nesta quarta era comercializado a R$ 2,99.
Rua Alfredo Pujol, em Santana, na Zona Norte: gerente também foi detido por volta das 8h pelo mesmo crime. O preço da gasolina, que era vendida a R$ 2,79, estava R$ 4,49 nesta manhã.
Rua Amaral Gurgel, na região central: o responsável pela gerência foi preso porque estaria vendendo gasolina, que custava R$ 2,79, a 2,89.
Avenida Itaquera, na Zona Leste: o gerente foi detido sob a acusação de aumentar o preço da gasolina de R$ 2,69 para R$ 2,99.
Rua Silveira da Nóbrega, na Zona Leste: gerente foi preso porque estaria vendendo gasolina, que custava R$ 2,49, a 2,99.
Avenida Senador Teotônio Vilela, na Zona Sul: gerente foi preso suspeito de vender gasolina, que custava R$ 2,49, a 2,89, e álcool, cujo valor era de R$
1,79, a 1,89.
Rua Maria Amália Lopes de Azevedo, na Zona Norte: gerente foi preso suspeito de vender gasolina, que custava R$ 2,78, a 2,88, e álcool, cujo valor era de R$ 1,88, a 1,98.
Avenida Aricanduva, na Zona Leste: gerente preso por vender gasolina, que antes custava R$ 3,39, a R$ 3,59.
Avenida Interlagos, na Zona Sul: gerente foi preso suspeito de vender gasolina, que custava R$ 2,69, a 2,89, e álcool, cujo valor era de R$ 1,69, a 1,99.” (Grifou-se).
É de se indagar: a ação da DECON/SP respeitou os parâmetros estabelecidos pela própria Lei Federal n.º 1.521/51 (Lei dos Crimes contra a Economia Popular), base legal para a sua atuação?
Veja-se, sobre isso, o que diz o art. 4º, “b”, da citada lei:
Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:
(...)
b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de cinco mil a vinte mil cruzeiros. (Grifou-se).
Parecem presentes, no caso, alguns dos requisitos legais, afinal: (i) o consumidor, ao adquirir combustível, faz contrato verbal com o estabelecimento vendedor, obrigando-se a pagar a contraprestação em dinheiro em troca do recebimento da mercadoria; e (ii) alguns postos viram na premente necessidade dos consumidores a oportunidade para incrementar seus lucros, ante o desabastecimento generalizado.
Todavia, para que o referido crime se configure, deve restar provada a obtenção de lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente do contrato. Em outras palavras, apenas justificaria a atuação policial os casos em que o aumento no preço das bombas ultrapassasse 20% (vinte por cento) do preço cobrado na situação de normalidade.
Transformando tal constatação em números simples, se a gasolina custava R$2,50 (dois reais e cinquenta centavos), é lícito ao revendedor, no quadro de desabastecimento, aumentar em até R$0,50 (cinquenta centavos) o seu lucro.
Como se vê, dos nove casos listados pela matéria supracitada, apenas um adentrou o campo da infração penal – o aumento de R$2,79 para R$4,49. Nos demais, restou aos revendedores a detenção sem amparo legal, pelo simples fato de manejarem seus lucros, licitamente, conforme a relação momentânea entre a oferta e demanda.
Sabe-se que as questões relativas a combustíveis mexem com o brio populacional, e não é para menos, já que gasolina, diesel e etanol são bens de uso contínuo e essenciais à matriz energética nacional. Apesar disso, não se pode aplicar, ao setor, um regime de exceção, à margem da legalidade, submetendo seus agentes econômicos ao arbítrio do Estado.
notas
[1] http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/03/com-pouco-combustivel-postos-de-sao-paulo-cobram-ate-r-5-pela-gasolina.html, acesso em 8-3-12.
[2] http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/03/numero-de-presos-por-preco-abusivo-em-postos-de-sp-chega-nove.html, acesso em 8-3-12.