V. Da Não Caducidade do Fundo de Direito
O dinamismo do ordenamento jurídico exige a reflexão cautelosa acerca dos problemas gerados pelo tempo, na sucessão e convivência das normas e das situações reguladas por esse arcabouço normativo.
Os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada são cláusulas pétreas da Constituição, portanto, imutáveis e inatingíveis. A segurança jurídica abrange essas garantias.
A própria CF/88 proíbe as Emendas Constitucionais que violam as cláusulas pétreas. O direito adquirido, a isonomia e a irredutibilidade são garantias protegidas pelo art. 60, § 4º, inciso IV, c.c. 5, § 2º, da Constituição Federal.
Para que as pessoas não vivam sob a incerteza de serem apanhadas por um novo regramento que altere o que foi planejado e executado ao longo de anos sob a regência de um determinado regime em vigor, o sistema traçou um arcabouço normativo e principiológico, que prima pela segurança jurídica e protege as relações conformadas em sua plenitude de eternas e incertas modificações.
Para dar sustentação à segurança jurídica, outras garantias foram erigidas, como a irretroatividade das leis, que tem por fim, preservar legítimas expectativas assim como direitos já consolidados. A alteração posterior de situações que já se aperfeiçoaram sob a regência de determinada previsão legal e constitucional é abusiva e deve ser repelida, sob pena de transformar as mais importantes garantias representativas do Estado Democrático em letra morta.
Nesse sentido manifestou-se o ministro GILMAR MENDES no voto proferido na ADin n. 3.104:
“Será que não há remédio na farmacopéia jurídica para esse tipo de discussão? Há, sim. A idéia de segurança jurídica, a idéia de que, neste caso, pode haver fraude ao sistema. Portanto, parece-me que necessitamos cada vez mais de dizer que há alguma pobreza nesse modelo binário: direito adquirido/expectativa de direito. Pode ser, sim, que a própria emenda constitucional ou a própria legislação, no caso de legislação ordinária, porque em geral sói acontecer esse tipo de mudança no plano da legalidade ordinária, que a própria legislação ordinária venha a fraudar, a frustrar uma condição que seria implementável desde logo, constituindo uma lei de perfil arbitrário.
Ora, será que não sabemos responder a isso? Claro que sabemos. Temos aqui, no próprio Plenário, consagrado a segurança jurídica como expressão de Estado de direito. Em alguns sistemas jurídicos é muito comum dizer-se: esta norma é válida, porém, ela tem de ter uma cláusula de transição, porque senão ela desrespeita de forma arbitrária situações jurídicas que estavam em fieira, estavam se constituindo. Claro, vamos precisar de um conceito de razoabilidade ou de proporcionalidade”.
O direito adquirido insere-se no contexto da segurança jurídica, que impõe sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta. Para tanto, exige-se que a ordem jurídica promova confiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do poder.
“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito”[12].
Evita-se, pois, instabilidade e abalos repentinos, requisitos de um convívio social ordenado, cabendo ao poder judiciário, dentro da sua finalidade precípua de promover a pacificação social mediante solução de conflitos promover a segurança jurídica, a exemplo do que dispõe o artigo 103-A, § 1º, da CF[13].
Bibliografia
BALERA Wagner (Coord.), Previdência Social Comentada, São Paulo: Quartier Latin, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 5ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.
. Novo Código Civil Comentado, 5ª. edição, org. Ricardo Fiúza. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição 7ª. Ed., Coimbra: Gráfica de Coimbra.
FERNANDES, Anníbal. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social, 2ª. edição. São Paulo: Editora Atlas S.A, 1987.
MARTINEZ, Comentários à Lei Básica da Previdência Social, 6ª edição, Tomo II. São Paulo: Editora LTr, 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1971.
RODRIGUES, Silvio, Direito Civil Parte Geral, vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 1994.
Notas
[1] Art. 98. O direito ao benefício não prescreve, mas o pagamento respectivo não reclamado prescreve em 5 (cinco) anos contados da data em que se torna devido.
A mesma regra constava do artigo 57 da LOPS e do artigo 109 da CLPS/76.
[2] No sentido de preservação do chamado fundo de direito, ver FERNANDES, Anníbal. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social, 2ª. edição. São Paulo: Editora Atlas S.A, 1987, p. 136.
[3] Há uma impropriedade na referida IN, pois a MP 1523-9 foi publicada em 27 de outubro de 1997, data em que passou a viger, nos termos do seu artigo 10. Desta forma, a partir desta data, inclusive, ingressou no mundo jurídico o prazo para revisão do ato de concessão do benefício.
[4] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1971, p. 409/410.
[5] DINIZ, Maria Helena, Novo Código Civil Comentado, 5ª. edição, org. Ricardo Fiúza. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 163.
[6] RODRIGUES, Silvio, Direito Civil Parte Geral, vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 324.
[7] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 5ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p. 46.
[8] Decorre, ainda, do princípio da irretroatividade das leis consagrado no artigo 5º, XXXVI, da CF.
[9] Nesse sentido: “o prazo decadencial de revisão atinge somente os benefícios previdenciários concedidos após o advento da Medida Provisória n. 1.523-9, de 27 de junho de 1997, pois a norma não é expressamente retroativa” (ROCHA, Daniel Machado da, BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2000, p. 278.
[10] Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. LEI Nº 9.528/1997. BENEFÍCIO ANTERIORMENTE CONCEDIDO. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL.
1. Esta Corte já firmou o entendimento de que o prazo decadencial previsto no caput do artigo 103 da Lei de Benefícios, introduzido pela Medida Provisória nº 1.523-9, de 27.6.1997, convertida na Lei nº 9.528/1997, por se tratar de instituto de direito material, surte efeitos apenas sobre as relações jurídicas constituídas a partir de sua entrada em vigor.
2. Na hipótese dos autos, o benefício foi concedido antes da vigência da inovação mencionada e, portanto, não há falar em decadência do direito de revisão, mas, tão-somente, da prescrição das parcelas anteriores ao qüinqüênio antecedente à propositura da ação.
3. Agravo regimental improvido (AGA 846849, 5ª. Turma do STJ, Relator Min. Jorge Mussi, DJE 03.03.08, v.u.).
[11] A MP é, na realidade, de 27.10.97.
[12] Canotilho, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição 7ª. Ed., Coimbra: Gráfica de Coimbra, p. 257.
[13] § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.