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A punição aos juízes

30/03/2012 às 08:10

Resumo:


  • A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), de 1979, ainda vigora e apresenta incongruências com a Constituição democrática de 1988, mantendo aspectos autoritários e não tendo sido ainda reformada conforme o art. 93 da Constituição.

  • A vitaliciedade dos magistrados é uma garantia constitucional desde a primeira Constituição Imperial de 1824, visando assegurar a imparcialidade dos juízes, mas na prática tem sido criticada por permitir que magistrados com condutas inadequadas mantenham seus vencimentos mesmo após serem afastados.

  • As penalidades previstas pela LOMAN para magistrados infratores são consideradas brandas e não proporcionais aos ilícitos cometidos, havendo uma necessidade de reforma para que as punições sejam mais efetivas e para que a garantia de vitaliciedade não seja confundida com impunidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A pena máxima prevista na LOMAN para a punição aos magistrados infratores, que era a demissão, não foi recepcionada pela Constituição. Há de se encontrar meios para destituir do magistrado corrupto e arbitrário a garantia da vitaliciedade.

A Lei Orgânica da Magistratura, de 1979, continua em vigor para regulamentar a atividade dos magistrados brasileiros. Parece não haver interesse na redação e encaminhamento de Anteprojeto, destinado a atender o preceituado no art. 93 da Constituição atual, no qual se confere ao STF competência para regulamentar o dispositivo; isso ainda não aconteceu, apesar de passados mais de vinte e três anos. Na verdade, encaminhou-se ao Congresso um Anteprojeto, mas foi imediatamente retirado para, segundo explicações, amoldar à nova realidade.

A omissão provoca a indevida convivência e colisão, além dos inconvenientes da lei gerada no período ditatorial, com uma Constituição democrática e moderna. O tempo desafia a inteligência dos ministros do STF e a LOMAN prossegue obrigando os magistrados a obedecer à lei autoritária e antidemocrática, a exemplo da eleição biônica para a diretoria dos Tribunais.

Na verdade, alguns dispositivos da Lei Complementar n. 35/1979 foram reformados, a exemplo do que proíbe juízes de dar entrevistas ou o que determina sejam secretas as sessões administrativas dos Tribunais. Todavia, tais modificações não têm maior importância para o funcionamento dos serviços judiciários, como seria o caso de alteração no preceito que estabelece seja a diretoria dos Tribunais escolhida entre os cinco desembargadores mais antigos ou o outro que fixa as penas disciplinares para os magistrados.

A punição aos magistrados infratores, segundo a LOMAN, obedece à seguinte gradação: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço e demissão; esta não foi recepcionada pela Constituição.

O povo protesta e reclama pela moralização das instituições públicas; já não se suporta o nível a que chegou a corrupção, com desvios de volumosos valores praticados por agentes dos três Poderes, causando o desvio no atendimento aos interesses maiores do cidadão, consistentes nos serviços de saúde, educação, segurança, agilidade dos serviços judiciários.

A sistemática constitucional brasileira limita no tempo o exercício do Poder pelos membros do Legislativo e do Executivo, mas o Judiciário goza da prerrogativa de vitaliciedade, de alta relevância para o exercício da função. Essa garantia originou-se com a primeira Constituição Imperial de 1824, art. 153, apesar de ressalvas nos dispositivos seguintes. As outras Constituições asseguraram a vitaliciedade, inclusive a atual, art 95, que objetiva especialmente alicerçar a imparcialidade àqueles que recebem tão ingente missão político institucional, somente adquirida após o desempenho pelo período de dois anos de efetivo exercício na carreira, depois de cumprido o estágio probatório, no primeiro grau.

Interessante e curioso é o fato de que com os magistrados que acessam aos Tribunais pelo denominado quinto constitucional há também a garantia da vitaliciedade só que sem o estágio probatório, mas imediatamente após serem empossados no cargo.

Assim, o juiz vitalício perderá o cargo somente se quiser, exoneração ou aposentadoria; pela aposentadoria compulsória, que ocorre após completar a idade de 70 anos de idade, ou, finalmente por sentença judicial transitada em julgado.

Há de se compreender, entretanto, que a garantia constitucional presta-se para proteger o exercício da função jurisdicional e não para embasar os desvios de condutas funcionais, como tem ocorrido com muitos julgadores. É fundamento maior para o desempenho da nobre missão de julgar, mas não se pode, sob o manto da vitaliciedade, impedir a punição de magistrados que abusam do poder ao cometerem graves infrações. Essa prerrogativa reflete negativamente sobre a instituição, que termina amparando as arbitrariedades praticadas pelo juiz, ferindo a credibilidade do próprio Judiciário. A garantia como afirmam alguns, confere ao magistrado infrator impunidade, independente do crime cometido.

Há de se encontrar meios para destituir do magistrado corrupto e arbitrário a garantia da vitaliciedade. A polêmica sobre ser ou não, a vitaliciedade, cláusula pétrea, pode ser responsável por mascarar o instituto criado exatamente para amparar os juízes cumpridores de seus deveres; os que entendem não se tratar de cláusula pétrea, afirmam que a garantia é do cargo e não da pessoa do magistrado.

Afinal, o Judiciário tem competência para julgar os membros dos Poderes Legislativo e Executivo, assim como todos os cidadãos, daí porque as infrações cometidas pelos magistrados devem ser apuradas e punidas com rigor.

A garantia de vitaliciedade não pode continuar tão extensiva como se mostra na prática, pois em torno dela os “bandidos de toga” têm cometido infrações de toda natureza, causando danos à comunidade e respondendo apenas com o afastamento da função de julgar. A pena recebida, sem mexer no bolso do infrator, como bem disse a Corregedora do CNJ, não tem maior importância, ainda mais se considerar que o juiz aposentado continuará recebendo o salário como se estivesse trabalhando e ainda poderá exercer outra atividade, a exemplo da advocacia.

A OAB já dispõe de norma possível de ser aplicada ao juiz que cometeu ilícito grave no exercício da função, consistente na negação de autorização para advogar, mas, na prática, não se sabe de sua aplicabilidade.

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O fato é que, atualmente, há desencontro entre a Lei Orgânica que prevê até a pena de demissão e a Constituição.

Em função de tudo isso, a punição administrativa máxima que se pode aplicar a um juiz desonesto está limitada à aposentadoria com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, ou seja, o magistrado é condenado, mas a pena não pode retirar-lhe o direito de continuar percebendo seus vencimentos como se estivesse trabalhando. Ainda assim, essa pena só tem sido aplicada depois da firme atuação do CNJ, porquanto antes não se via punição para magistrados de segundo grau e os de primeira instância recebiam outras penalidades menos graves, a exemplo, da remoção compulsória, da censura ou da advertência.

A forma que se tem, atualmente, com as leis em vigor, e para evitar a aplicação somente da pena administrativa, é a atuação do Ministério Público no sentido de iniciar e acompanhar a conseqüente ação penal contra o magistrado punido com a aposentadoria compulsória. Aí sim, depois de condenado na ação penal, o processado perderá o cargo e os vencimentos. O caminho desse processo é que é bastante demorado e tumultuado, porque alguns magistrados dificultam a intimação para o andamento da sindicância ou do processo administrativo, atitude que os próprios juízes não aceitam entre seus jurisdicionados; é inaceitável essa prática de subterfúgios para que não haja a notificação e que visa retardar o final da sindicância e do processo e até mesmo a obtenção da prescrição.

A pena de remoção compulsória, segunda punição mais grave, também não se presta para castigar o infrator, porque significa retirar o magistrado da comarca onde cometeu o ato ilícito e transferi-lo para outra unidade jurisdicional. Não há maiores repercussões nesse castigo, mas é quase uma permissão para que o juiz continue com suas práticas funcionais incorretas na comarca para onde é removido. Vê-se que, enquanto esta assegura ao magistrado a continuidade de seu trabalho em outra comarca, a de aposentadoria compulsória afasta-o de suas funções, garantindo-lhe por toda a vida o salário que percebia antes da pena.

A ministra e Corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, classifica de brandas as penas aplicadas aos magistrados pela LOMAN, considerando fundamentalmente a corrupção que cresce em todos os Poderes da República.

O STF não admitiu dispositivo da Resolução n. 135/2011 do CNJ que criava novas penalidades, a exemplo da suspensão do cargo ou a destituição da função, contra magistrados que praticassem o crime de abuso de autoridade. O Tribunal entendeu que isso só será possível se houver modificação na Lei Orgânica da Magistratura. Por outro lado, para não dificultar a punição de magistrados infratores, o STF, depois de acirrado debate, aceitou a competência concorrente do CNJ com as Corregedorias locais para instaurar processos disciplinares contra magistrados.

O servidor público de maneira geral recebe a pena de demissão, agravada até pelo impedimento de exercer qualquer outro cargo público. Assim e apesar da absoluta diversidade de ocupações e garantias, não pode o erro cometido por um agente político do porte de um magistrado continuar recebendo tratamento tão suave, que muitos asseguram ser um prêmio.

Já se disse que “a espada da justiça tem duas lâminas: uma premia o ilícito na magistratura com a aposentadoria compulsória; a outra, pune, severamente e de acordo com a lei, o restante da população que praticar um ilícito, inclusive, às vezes, cassando-lhe a aposentadoria”. 

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Sobre o autor
Antonio Pessoa Cardoso

Ex-Corregedor das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça da Bahia. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Antonio Pessoa. A punição aos juízes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3194, 30 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21396. Acesso em: 22 dez. 2024.

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