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A vinculação do orçamento federal como meio otimizador da eficiência na segurança pública

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31/03/2012 às 10:37
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4. VINCULAÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO A POLÍTICAS PÚBLICAS

A implementação de quaisquer direitos sociais carece de recursos. Gilmar Mendes, ao se manifestar sobre o direito fundamental a prestações estatais positivas, sustentou que, mesmo havendo um vínculo jurídico dos direitos fundamentais dos cidadãos ao dever estatal de provê-los, “é certo que a sua efetivação está submetida, dentre outras condicionantes, à reserva do financeiramente possível”[64]. Essa Teoria da reserva do possível é, como resume Flávia Lima, “uma construção da doutrina alemã que coloca, basicamente, que os direitos já previstos só podem ser garantidos quando há recursos públicos”.[65]

A efetivação dos direitos sociais sempre envolvem, embora não exclusivamente, a definição e a execução de políticas públicas. Por sua vez, a concretização desses direitos sempre exigirá uma disponibilidade orçamentária, a qual se sujeitará às limitações de recursos financeiros. Ademais, a vinculação entre direitos constitucionais fundamentais e políticas públicas é permanente, pois, consoante Konrad Hesse, as “questões constitucionais não são, originariamente, questões jurídicas, mas sim questões políticas[66]”.

A realidade social obriga que os poderes públicos, quando do planejamento e realização das políticas públicas, interprete as necessidades sociais de modo a maximizar a efetivação dos direitos fundamentais individuais e sociais, contudo, quando da execução dos interesses estabelecidos há que se ter em mente  a existência de limites fáticos e jurídicos. Isso porque, conforme Ingo W. Sarlet, “a dependência, da realização dos direitos sociais prestacionais, da conjuntura socioeconômica é tudo menos retórica[67]”. Obviamente a previsão de um direito não pode significar que se desconsidere a existência real de recursos para a sua concretização, pois isso resultaria em fechar os olhos para a realidade. A existência de verbas públicas para o adimplemento de um direito, denominada de reserva do possível, deve ser considerada em pelo menos três dimensões: a efetiva disponibilidade fática dos recursos, a disponibilidade jurídica dos recursos humanos e materiais e a titularidade daquele de quem se pode exigir o direito[68].

Qualquer direito exige uma alocação mínima de recursos para que seja efetivamente exercido. Dessa forma, a fim de que se cumpram as disposições acerca de direitos constitucionalmente garantidos é que se impõe à Administração Pública que ela disponibilize um padrão mínimo de qualidade dos serviços públicos, dentre os quais aqueles referentes à segurança pública. Salienta-se que não são apenas os direitos sociais que implicam políticas públicas, mas também os direitos habitualmente designados como direitos de liberdade, pois, exemplificando, o direito de caminhar pelas ruas de qualquer cidade sem o perigo de ser assaltado impõe uma obrigação ao Estado.

Importante salientar que a Constituição não prevê, politicamente, como serão aplicados os recursos, pois sempre é analisada a conjuntura sócio-econômica global, motivo pelo qual essa função foi deixada primeiramente ao legislador e posteriormente ao Poder Executivo, através das políticas públicas[69].  A competência constitucional sobre os recursos disponíveis para a realização dos direitos sociais prestacionais é vista por Canotilho como de responsabilidade do legislador, pois ao Poder Legislativo “compete, dentro das reservas orçamentais, dos planos económicos e financeiros, das condições sociais e económicas do país, garantir as prestações integradoras dos direitos sociais, económicos e culturais[70]”.

Para tentar resolver o problema da escassez de recursos e o cumprimento de direitos fundamentais positivos, Alexy propõe a aplicação do método de ponderação, pelo qual a prestação pleiteada pelos cidadãos deve estar cingida àquilo que se pode razoavelmente exigir do poder público. Ainda que existam recursos, há o limite do razoável que veda aos cidadãos exigirem do estado aquilo que possam prover como seus próprios recursos. Entretanto, segundo o autor impende reconhecer que o direito a um mínimo vital, à educação escolar, à assistência médica, à formação profissional, deve ter a efetivação garantida pelo poder público, por conta de que é mínimo o conflito com os demais princípios constitucionais[71]. Para tanto, as circunstâncias do caso concreto devem ser analisadas em conformidade à aplicação do princípio da proporcionalidade.

A Constituição é a baliza mestra da atuação do poder público e vincula toda a ação do Estado, exigindo que essas ações se voltem para o cumprimento das disposições constitucionais. Assim, aceitando-se que a Constituição tem força normativa ativa e vinculante em relação a direitos e garantias por ela estabelecidos é que se deve impor às instituições públicas que elas atuem para implementar os ditames da Carta Política, devendo, nesse desiderato, utilizar da maneira mais eficiente possível os recursos que a sociedade pôs a disposição das mesmas.

Tratar da vinculação das dotações orçamentárias leva, obrigatoriamente, à análise dos dispositivos constitucionais relativos ao assunto, porém, importa estabelecer uma definição prévia do que vem a ser a dotação orçamentária. Segundo José Teixeira Machado e Heraldo da Costa Reis[72], a dotação orçamentária representa a “quantificação monetária do recurso aportado a um programa, atividade, projeto, categoria econômica ou objeto de despesa” que esteja autorizada em “lei do orçamento ou de créditos adicionais” para a aplicação de quaisquer verbas públicas.

Classicamente, esclarece Kiyoshi Harada[73], os tributos são divididos em vinculados e não vinculados à atuação estatal, sendo que para poder instituir e cobrar os tributos não vinculados, o Estado não precisa desenvolver uma atividade ou serviço específico, pois basta que exerça o seu poder de império. Os tributos não vinculados à atuação do Estado possuem expressa menção constitucional[74], não sendo tal disposição constitucional exigida em relação aos tributos vinculados, pois cada ente político da Federação será o titular da competência para arrecadar o tributo pertinente ao serviço específico que promover. Assim, à exceção dos impostos, todas as demais espécies tributárias são vinculadas à determinada atuação estatal. Ademais, o art. 4º do Código Tributário Nacional estabelece que a espécie do tributo será determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação tributária.

Quanto aos mandamentos da Carta Política de 1988 diretamente relacionados à distribuição do produto da arrecadação tributária, inicia-se com a abordagem do inciso primeiro do art. 159, o qual determina que a União entregará 48% do que arrecadar com o imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza (IR) e com o imposto sobre produtos industrializados (IPI) da seguinte forma: a) 21,5 % ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal[75]; b) 22,5% ao Fundo de Participação dos Municípios[76]; c) 3% para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras regionais e de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região; d) 1% ao Fundo de Participação dos Municípios, entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano.

O mesmo art. 159 estabelece em seu inciso 2º que 10% do produto da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados serão entregues aos Estados e ao Distrito Federal, sendo o valor dividido proporcionalmente em relação ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados que esses entes realizarem[77]. O art. 159 ainda prevê, no inciso 3º, que 29% do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no parágrafo 4º do art. 177 da C.F. será entregue aos Estados e ao Distrito Federal, respeitando-se o disposto na alínea “c” do inciso 2º do § 4º, ou seja, que esses recursos sejam destinados ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.

Por sua vez, quanto aos Estados, esses deverão, conforme reza o parágrafo 3º do art. 159, entregar aos seus respectivos Municípios 25% dos recursos que receberem da União a título da sua participação na arrecadação do imposto federal sobre produtos industrializados, também cabendo aos Municípios o mínimo de 75% na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e de até 25% do montante que os Municípios arrecadarem em função do imposto de prestação dos serviços realizados nos seus territórios, conforme dispuser lei estadual ou, tratando-se de Território, lei federal. Ainda serão devidos aos Municípios a parcela de 25% do montante dos recursos que cada Estado receber da União a título de participação no produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico, conforme enuncia o parágrafo 4º do art. 159.

O parágrafo 4º do art. 167 permite que Estados, Distrito Federal e Municípios vinculem parte das receitas próprias geradas pelos impostos de sua competência.  Em razão dessa autorização é que Estados, D.F. e Municípios podem atrelar parte dos seus recursos à prestação de garantia e pagamento de suas dívidas com a União, respeitando-se essas condições: os Estados, o D.F. e os Municípios poderão vincular a parcela que receberem da União através do Fundo de Participação relativo aos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados; os Estados e o D.F. poderão vincular a parcela que tiverem direito sobre a repartição do imposto de produtos industrializados em razão das receitas de exportação desses entes federados com relação a esses produtos.

Os objetivos do Estado brasileiro para com a ordem social são, nos termos do art. 193 da Carta Política de 1988, o bem-estar e a justiça. Visando tais propósitos é que a C.F. de 1988 estabelece no § 2º do art. 198 que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde os recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre suas receitas.  Segundo o art. 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes: quanto aos Estados, de 12% da arrecadação dos seus impostos e transferências recebidas da União, quanto aos Municípios e o D.F., de 15% da arrecadação dos seus impostos e transferências recebidas da União. Frisa-se que a Emenda Constitucional nº 29 de 2000[78], que instituiu os parâmetros para os investimentos mínimos na saúde previa em sua redação original que a União aplicaria 10% de sua receita corrente na saúde, contudo, deixou-se que tal regulamentação ficasse a cargo de uma lei complementar, a qual não foi editada após mais de 10 anos da promulgação da referida Emenda[79].

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Conforme dispõe o art. 204 da C.F., todos os entes federados realizarão suas ações governamentais na área da assistência social com os recursos do orçamento da seguridade social elencados no art. 195[80] da C.F., além de outras fontes, facultando-se aos Estados e ao D.F. vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até 0,5% de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de despesas com pessoal e encargos sociais, com serviço da dívida e com qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações na área de assistência social apoiados por esses entes.

Para a área educacional também há menção constitucional expressa sobre a obrigatoriedade da vinculação de uma parcela mínima da receita pública. Conforme o art. 212, a União aplicará, anualmente, nunca menos de 18%, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios no mínimo 25%, da receita resultante de impostos, incluída a proveniente de transferências, em benefício da educação. E, facultativamente, nos termos do parágrafo 6º do mesmo art. 212, podem os Estados e o D.F. vincular a um fundo estadual de financiamento de programas e projetos culturais até 0,5% de sua receita tributária líquida. Ressalta-se que, conforme prevê o art. 34 da C.F. de 1988, a União poderá intervir nos Estados e no Distrito Federal e os Estados poderão intervir nos Municípios, quando os respectivos entes federados não aplicarem na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde o percentual mínimo constitucionalmente exigido das suas arrecadações tributárias. Sendo que para os Estados e o D.F. serão computadas as receitas dos impostos estaduais, compreendidas as transferências recebidas da União, e para os Municípios será computada o total das receitas auferidas.

A Constituição Federal de 1988 prevê que, além das vinculações pertinentes à distribuição e aplicação de parte das receitas dos impostos, será vinculada parte dos recursos obtidos pelo Estado com as contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público[81], de modo que pelo menos 40% desses recursos sejam destinados, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, ao financiamento dos programas de desenvolvimento econômico, consoante o § 1º do art. 239 da C.F. de 1988.

Paulo Vicente e Marcelo Alexandrino[82] citam os seguintes dispositivos constitucionais como exceções ao princípio da não vinculação dos impostos: a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159 (repartição das receitas tributárias, entre os entes federados); a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde (art. 198, § 2º); a destinação de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212); a destinação de recursos para realização das atividades da administração tributária (art. 37, inciso XXII); e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita (art. 165, § 8º e art. 167, § 4º).

Tão importante quanto às normas que vinculam os recursos públicos arrecadados são as regras que tratam da não vinculação desses recursos. As vedações constitucionais relativas à vinculação das receitas públicas estão centradas no texto do art. 167 da C.F., o qual veda, em seu inciso 4º, a “vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos” da parcela pertencente aos Municípios e a parcela dos impostos que a União está obrigada a entregar[83]. A não-vinculação das receitas dos impostos é a regra, porém, as exceções também estão expressamente dispostas no mesmo art. 167 da C.F., sendo relativas aos recursos destinados para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária.

Pode-se aduzir, assim, que via de regra o produto da arrecadação dos impostos não possui destinação pré-definida, pois são considerados tributos de receitas desvinculadas, mas a Constituição Federal impõe que no caso da saúde e da educação o Estado aporte uma parcela mínima, o que significa dizer que em assuntos de extrema importância social os impostos possuem sim uma finalidade vinculada, mesmo que parcial. Porém, independentemente de tecnicismos jurídicos ou contábeis classificatórios e conceituais, o que a sociedade espera é que a totalidade dos impostos pagos seja revertida em benefício de toda a coletividade.

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Sobre o autor
Fabio Trevisan Moraes

Policial Rodoviário Federal. Doutorando em Direito Penal. Mestre em Direito. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Especialista em Direito Público. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Bacharel em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Fabio Trevisan. A vinculação do orçamento federal como meio otimizador da eficiência na segurança pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3195, 31 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21397. Acesso em: 25 abr. 2024.

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