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Projeto de Código de Processo Civil: reflexões acerca das alterações no processo de conhecimento

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03/04/2012 às 17:05
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PAPEL DO JUIZ NA EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO

Á essa altura convém destacar que o Projeto deixa expressa a necessidade do juiz atuar (a par das partes que igualmente tem dever de colaboração – art. 80, inc. IV Proj.) no sentido de que o processo, enquanto instrumento do direito de ação, não mais seja visto como um fim em si mesmo, ou seja, todos os sujeitos da relação jurídica processual deverão se empenhar no sentido da não procrastinação para o encerramento do processo, inclusive com a satisfação do direito material discutido.

Nesse sentido, o magistrado deverá envidar esforços no sentido conferir maior efetividade ao necessário ao cumprimento da ordem judicial e à tutela do bem jurídico, inclusive determinando o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outras nulidades processuais (art. 118, inc. III, V e IX), o que parece ser uma explicitação maior do que a mera referência a um simbólico dever de zelar pela rápida solução do litígio (art. 125, inc. II CPC/73).

Se observada, portanto, a redação de todos os deveres inerentes ao exercício da jurisdição no processo civil, perceber-se-á que o Projeto procura explicitar o papel do juiz, que não poderá mais se esconder sob qualquer máscara de apatia em relação à necessidade de supressão da lide, enquanto conflito de interesses e não mais se buscando, o tanto quanto possível, soluções paliativas qualificadas como extinções anormais de feitos (não fazem cessar a pendenga havida, não impedem a rediscussão e permitem um aumento potencial de demandas, gerando-se frustrações nas partes, operadores do direito e na sociedade de um modo geral).

Outro ponto positivo do Projeto diz respeito a um princípio de ordem cronológica de julgamento de processos que sempre deveria ter existido para que se permitisse o controle das preferências de julgamento (idosos, pessoas portadoras de doenças graves, casos em que se tenha deferido tutela de urgência ou evidência, como decorre do artigo 275 do Projeto etc.), tal qual pode ser observado pela redação do advento da norma contida em seu artigo 12 (esse direito das partes a um julgamento por ordem cronológica, diga-se en passant, não constava do Anteprojeto do Senado).

Isso porque muito embora tais preferências no julgamento de feitos já existissem desde há muito (o próprio Código Eleitoral estabelece preferência de tramitação de feitos eleitorais em épocas de pleitos), do ponto de vista prático sempre foi muito difícil exercer efetivo controle a respeito de sua observância no dia-a-dia forense.

Com a nova regra, se aprovada, a serventia judicial deverá permitir a disponibilização permanente da lista de processos aptos a julgamento (art. 12, par. 1º Proj), bastando a qualquer interessado comparar listas de dias diferentes para perceber se as preferências foram ou não foram cumpridas.


ALTERAÇÕES PROCEDIMENTAIS

Outro exemplo disso pode ser encontrado na orientação trazida pela norma contida no artigo 295 in fine do Projeto (art. 305 do Anteprojeto do Senado), quando estabelece explicitação necessária em relação ao artigo 284, par. único CPC/73.

Referido consectário, a par de elevar de dez para quinze dias o prazo para emendas à petição inicial, revela a preocupação do legislador com a necessidade do juiz, ao perceber a necessidade de alguma emenda, de que indique com precisão o que deve ser corrigido.

Como cediço, a ninguém interessa o indeferimento protocolar de uma petição inicial, eis que, por regra geral, tal indeferimento se dará sem resolução do mérito[16], portanto, com formação de coisa julgada meramente formal, de sorte tal que, nessas condições, no modelo atual do artigo 253, II CPC, eventual repropositura da ação dar-se-ia com distribuição por dependência ao mesmo juiz.

Sob tal perspectiva, ao julgar um processo sem resolução de mérito, por indeferimento da petição inicial, um magistrado apenas e tão somente está condenando sua própria serventia ao destino de ter que repetir todo o serviço de autuação e preparo da mesma ação (pelo critério dos tres eadem), sem qualquer vantagem aparente, de modo intempestivo e antieconomico (nunca se esquecendo de que a Emenda Constitucional nº 45/04, ao criar o inciso LXXVIII do artigo 5º da Carta Política pretendeu ir muito além do que estabelecer um direito vazio, eis que se possibilita a partir do consectário, entender que qualquer prática morosa restaria como inconstitucional).

Revela tal preocupação o próprio entendimento que se tem estabelecido acerca da questão no sentido de que o magistrado tenha que cumprir o disposto no artigo 284, par. único, CPC/73, por se cuidar de efetivo direito subjetivo da parte de emendar sua peça exordial quando isso se fizer necessário (não se cuidaria de ato facultativo do juiz), pouco importando que o juiz tenha, inclusive, que dar sucessivas oportunidades para emendas, ou que tenha que prorrogar o prazo previsto em lei para tanto[17].  

Não se esqueça, ademais, de que a emenda da peça inicial, além de se destinar ao juiz, dando-lhe esclarecimentos sobre os elementos da causa, não deixa de ser igualmente importante para o exercício do direito de defesa pelo réu (o réu somente conseguirá se defender se compreender qual o objeto da lide e este deve estar corretamente exposto na peça exordial)[18].

Tampouco se esqueça de que o autor tenha o ônus de deduzir corretamente seu pedido, mas, como visto, o Projeto enfatiza tal aspecto, uma vez proposta a demanda (ou seja, pela distribuição ou despacho da petição inicial), o juiz passa a ter o dever de analisar e determinar o suprimento de falhas para permitir o máximo aproveitamento do processo.

Sobre a questão, inclusive, apontando essa responsabilidade do juiz, que deveria ter percebido que uma petição inicial não estava despachada, antes de se negar a permitir a regularização após o lapso em questão, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça (REsp. 199.559/PE, 2ª T, Rel. Min. Ari Pargendler, ac. 23.02.99, in DJU 26.04.99, p. 87)[19].

De igual sorte a orientação contida no advento da norma contida no artigo 271 do Projeto que exige do magistrado a indicação clara e precisa dos motivos que levem à denegação da medida de urgência e evidência (no regime legal atual, em que se entende a tutela cautelar como instrumento ao quadrado[20], ou seja, instrumento do instrumento, a negativa da liminar implicaria em situação de verdadeira falta de pressuposto de seguimento processual para a ação cautelar autônoma – se falta fumus boni juris vel periculum in mora, vale dizer que a parte ou deverá intentar outra demanda quando tais hipóteses se delinearem com maior clareza – a cognição será não exauriente ou sumária não se formando coisa julgada material - ou deverá buscar a própria tutela diretamente na ação principal).

De todo modo, evitando-se percalços que possam levar a uma inútil estimulação de novas demandas, deverá o juiz analisar de modo criterioso, com indicação clara e precisa de argumentos, o seu entendimento a respeito da necessidade do indeferimento dessas tutelas de urgência ou evidência (obviamente que esse dever sempre existiu, mas agora resta expresso, como alerta para que juizes não se utilizem de decisões prontas com conceitos e expressões genéricos e vagos para todos os casos, data máxima, concessa, permissa vênia).

Atento a esses prelados, outra tendência que se revela é do fomento de decisões definitivas sempre quanto possíveis, eis que mais adequadas ao ambiente de tempestividade de jurisdição que a ordem constitucional pretende estabelecer na medida em que se previne a repropositura antieconomica de demandas.

Nessa esteira de raciocínio, não se poderia deixar de consignar que a regra prevista pelo artigo 475 do Projeto que assevera o dever do magistrado de proferir a sentença de mérito sempre que possível julgamento do feito em favor da parte a quem aproveitaria o acolhimento de uma questão preliminar igualmente se prestaria a realçar esse caráter utilitarista da legislação processual (o juiz não ficará à cata de argumentos preliminares e refinadas filigranas científicas, mas buscará os superar, sempre que possível, para atingir o resultado de supressão de lides).

Ainda com referência à petição inicial não se poderia deixar de apontar que o legislador parece não estar alheio à globalização tecnológica e à pragmaticidade, eis que se insere, de modo expresso, novos requisitos de qualificação das partes no artigo 293, inciso II do Projeto (indo além do atual art. 282, II CPC).

Tal se dá em relação à necessidade de fornecimento na qualificação exordial do número no cadastro de pessoas físicas ou do cadastro nacional de pessoas jurídicas, bem como do endereço eletrônico das partes do processo.

Obviamente a preocupação que se revela nas inovações é a normatização de regras práticas que facilitem as comunicações (cientificações) de atos processuais por meios eletrônicos (em ultima ratio tais medidas tem até mesmo impactos ambientais, eis que evitam a utilização de materiais como papel e tinta, além das várias cópias que seriam extraídas para as mais diversas finalidades, aspecto pouco realçado mas que não pode deixar de ser mencionado nesta oportunidade, a par das óbvias vantagens para a celeridade e efetividade da jurisdição decorrentes da utilização dos meios eletrônicos em sede processual).

Do mesmo modo, a inserção de CPF ou CNPJ, conforme o caso se presta a medidas práticas ligadas com a facilitação da prática de atos processuais na fase de cumprimento da sentença, e, a inserção destes dados ab initio litis permite, até mesmo, que a parte contrária se defenda em casos de homonímia, ou inserção equívoca de dados em cadastros, etc, revelando-se como medida prática e salutar que já deveria ter sido pensada, desde há muito.

Mesmo antes da publicação da sentença a medida parece ser apta à facilitação de atos processuais, como se dá, por exemplo, com a busca de endereço do requerido, caso não seja encontrado no fornecido pela petição inicial, antes que se determine sua citação editalícia, eis que normalmente se tenta sua localização junto a cadastros de pessoas jurídicas que são organizados pelo CPF ou CNPJ (por exemplo, ofícios á CPFL, à Telefônica, etc.).

Com isso ter-se-ão por superadas discussões que são atuais e freqüentes na jurisprudência acerca do tema, eis que muitos juizes monocráticos se valem da praxis de já exigirem tais dados em suas peças. E nem sempre o Tribunal ad quem vem concordando com tais exigências, que, em verdade, acabam por ter finalidades práticas bem definidas e justificáveis, como ponderado linhas acima.

Neste sentido, verbi gratia, a discussão encetada perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que pode ser sintetizada no seguinte Julgado que se pede vênia para destacar:

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EXECUÇÃO FISCAL - Determinação de emenda da petição inicial - Decisão fundamentada no fato de que não estar a petição inicial regularmente instruída com C.P.F. e R.G. da executada - Descabimento - Informações documentais que não constituem pressuposto para a propositura da execução - Hipótese em que a Lei de Execução Fiscal n° 6830/80, que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, determina que a petição inicial seja instruída apenas com a certidão de dívida ativa, detentora dos requisitos essenciais elencados no § 5° do art. 2° - Providência verificada na espécie - Prosseguimento normal da execução que se impõe - Recurso provido para esse fim. AI 990.10.208571-6  Rel. Gonçalves Rostey. [21]

Portanto, de lege ferenda, a questão não mais ensejará polêmicas, andando bem a legislação em disciplinar mais essa divergência.

Ainda na fase postulatória o Projeto pretende, em seu espírito de facilitação procedimental, acaba por diminuir as hipóteses das chamadas exceções rituais ou instrumentais, no processo civil brasileiro.

Ora, como cediço, muito embora o direito de exceção, em sua acepção lata, possa ser entendido como direito de defesa do requerido, não se deslembre que tal expressão (“exceção”), no Código de Processo Civil vigente (1.973) tenha sido comumente empregada para indicar alguns expedientes da defesa, de índole dilatória, para acertamentos de competência relativa e controle da imparcialidade do julgador (as conhecidas exceções de incompetência territorial, impedimento e suspeição).

Tais modos de exercício do direito de defesa se deduzem por intermédio de peças apartadas, as exceções, que, justamente por isso, recebem o nome de exceções instrumentais ou rituais.

Embora o diploma atual não explicite, poder-se-ia entender como manifestações do direito de defesa, logo exceções, que devem ser opostas em peças apartadas, as impugnações ao valor da causa, e, na legislação extravagante, pelas mesmas razões, seria de se aduzir na mesma categoria, a impugnação dos benefícios da gratuidade de Justiça ao autor (também a ser deduzida em peça autônoma, como pode ser extraído da redação do advento da norma contida no artigo 7º da Lei nº 1.060/50).

O Projeto, em relação a tanto, ao dispor a respeito da contestação do requerido, nos seus artigos 326, 327 e incisos, elenca, dentre as matérias que devem ser alegadas antes do mérito, na contestação: “II – incompetência absoluta e relativa; III – incorreção do valor da causa;  ...... IX indevida concessão do benefício da gratuidade de justiça”.

Assim essas três hipóteses que antes demandavam a confecção de peça autônoma, tornando mais formalista o processo, poderão ser invocadas no próprio corpo da contestação, reduzindo as hipóteses de exceção ritual no processo civil brasileiro, as quais ainda continuarão a existir para os graves casos de alegação de quebra da imparcialidade do julgador (como sabido, a imparcialidade é fundamento político de existência do Poder Judiciário, num Estado Democrático de Direito e sua falta levará à nulidade do processo, ensejando, em casos graves como o impedimento, a própria possibilidade de propositura da ação rescisória – art. 485, II CPC/73).

Aliás, sobre o tema, melhor se faria se acaso se admitisse apenas a oposição de exceção ritual na situação da suspeição eis que o impedimento, como sabido, por se cuidar de situação objetiva, ensejadora até mesmo de ação rescisória como mencionado no parágrafo anterior, seria situação que poderia ser alegada por simples petição, no bojo dos autos, eis que passível de conhecimento em qualquer tempo e grau de jurisdição.

 Como se cuida de alegação que suspende o processo – até sob um prisma lógico deve-se aferir se o magistrado é imparcial antes que pratique novos atos processuais – bastaria que se continuasse a permitir ao magistrado o exercício de sua versão, com a subida dos próprios autos, se necessário for, ao órgão competente.

De igual sorte, não se poderia deixar de atentar para o fato de que, nessa mesma linha sincrética, reduzindo-se o número de demandas para a solução de uma mesma lide, o Projeto abandona a idéia de reconvenção, possibilitando pedidos contrapostos (artigo 326 do Projeto).

Nada mais plausível, aliás, porque, como apontado linhas acima, o legislador parece ter se inspirado no modelo do atual procedimento sumário para estabelecer o procedimento único do novo Código, não admitindo o atual rito sumário a reconvenção, mas apenas pedidos contrapostos (art. 278, par. 1º CPC/73).

Acrescenta-se, no entanto, que a questão parece ser mesmo a de um implemento do sincretismo, eis que mesmo se cuidando de pedido contraposto, continua a se verificar que a desistência da ação não implicará em óbice ao prosseguimento do processo quanto ao pedido contraposto (art. 326, par. 2º Projeto CPC).

Em substituição à nomeação à autoria, o Projeto apresenta, como incidente processual, a forma de acertamento do pólo processual sugerida no artigo 328.

Falando, ainda, em intervenção de terceiros, de se observar que o Projeto não elencou a oposição dentre as formas típicas de intervenção, mas não se poderia deixar de apontar que essa ausência de previsão não impedirá, por exemplo, que um terceiro que se julgue titular, no todo ou em parte, do objeto litigioso do processo, intente uma ação autônoma em relação de conexão com a ação originária, ou seja, sob a perspectiva prática parece que a oposição poderá continuar sendo utilizada atipicamente, ou seja, sem previsão expressa.

Por fim, ainda sobre intervenção não se poderia deixar de consignar a regulamentação da intervenção do amicus curiae dentro dos processos, admitindo até mesmo que entes despersonalizados, ou órgãos sejam admitidos nessa condição (por exemplo os Procon´s), como pode ser antevisto pela redação do artigo 322 e seu parágrafo único do Projeto de CPC.

Chama-se a atenção para a correção da expressão julgamento imediato da lide constante do artigo 341 do Projeto, em oposição à celeumática alusão a julgamento antecipado da lide constante do artigo 330 do CPC/73 (muito se questionava acerca do tema eis que o julgamento se daria no tempo adequado, em nada se antecipando[22], o que quer que fosse – ou seja, não há em verdade uma antecipação sob a perspectiva lógica da questão).

Muito mais poderia ser destacado em relação a alterações pontuais no que tange à produção das provas, à nova conceituação das decisões judiciais e alterações na concepção dos modelos recursais, o que, no entanto, escaparia ao objeto deste despretensioso artigo acerca das alterações rituais do Projeto.

Não se poderia, no entanto, fugir da conclusão no sentido de que as alterações são benéficas sob a perspectiva da tempestividade da jurisdição, abreviando muitas celeumas doutrinárias e restringindo-se situações que, sob a perspectiva prática, vinham consumindo inutilmente tempo processual, não havendo dúvidas no sentido de que, em se cuidando de medidas que visam aceleração do procedimento, a busca pela efetividade poderá alcançar resultados práticos evidentes.

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Sobre o autor
Julio César Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Gaculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Julio César Ballerini. Projeto de Código de Processo Civil: reflexões acerca das alterações no processo de conhecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3198, 3 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21425. Acesso em: 24 abr. 2024.

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