IV- CONCLUSÃO
O homem é bom e a propriedade privada o desvirtua : eis a idéia que Rousseau, explanado seu Jusnaturalismo Romântico, defendeu no auge do Iluminismo. E, não obstante as críticas severas a que as teorias contratualistas estão sujeitas, um elemento de verossimilhança pode ser extraído de tal ícone: o grau degenerativo que a propriedade privada traz às relações humanas.
A propriedade privada é um elemento essencialmente dialético da vida humana. Ao mesmo tempo em que é marco de união de esforços dos homens, é ponto de discórdia dos mesmos. Serve tanto para gerar conforto e dignidade para uns, quanto miséria e indignidade para outros. É ponto de igualdade e desigualdade entre os homens.
Dentre um dos pontos negativos e desagregadores incutidos na propriedade privada, está a enorme força anti-ética que ela possui, traduzida na má-fé, na malícia dos que por ela lutam a qualquer custo. Os homens tornam-se escravos dela e por ela vestem-se com a manta de um individualismo exacerbado. A justiça deixa de ser uma constante nos hábitos humanos, ganhando um status de utopia.
È justamente nesta perda de referencial sobre o valor do justo que a propriedade privada imprime no cotidiano humano, que se insere a análise prática da Responsabilidade Patrimonial e o Sistema de Proteção aos Credores delineados no presente trabalho.
A má-fé humana tem ocasionado um hiato entre a lei teoricamente considerada e a sua aplicação em termos reais.
Em um plano teórico, percebeu-se que o sistema de responsabilidade patrimonial e proteção aos credores é bom. Atento às pretensões do credor, ao mesmo tempo em que garante a defesa do devedor, tal sistema traz um rol amplo de responsáveis patrimonialmente, bem como elastece as possibilidades de aplicação do sistema protetivo (v.g., vide o art. 593, III do CPC). Em uma concatenação lógica, o sistema atribui aos atos maculados pela má-fe contra a responsabilidade patrimonial, aqui representada pela fraude, as conseqüências da anulabilidade ou da ineficácia.
Porém em termos práticos este sistema de proteção dos credores e da responsabilidade patrimonial tem sido letra morta, quase uma piada consagrada pelo ordenamento jurídico,conforme iivemos ocasião de sugerir na introdução deste trabalho. Apesar de todo arcabouço instrumental trazido pela lei, o " calote " é " instituição " quase impune, situação demonstrada pelo grande grau de verdade atribuído ao jargão " Dívida Civil só paga quem quer", pronunciado até nas mais augustas academias jurídicas. O que se tem é que, apesar de todo esforço proposto no texto legal, a fraude não tem sido afastada em virtude das mais ardilosas e complexas operações. A fraude é tão bem orquestrada, inclusive com a ajuda de profissionais do Direito, que os efeitos de anulação e ineficácia não tem atingido o ato fraudulento. É a má-fé suplantando a justiça; é a lei do mais esperto, da "rasteira" bem dada ou não.
Mas o Direito não deve se acomodar com isso, pois como ente deontológico, deve ele, constatando a inaplicabilidade de uma norma reflexiva de princípio, lançar mão de instrumentos que aos menos tentem diminuir consideravelmente este hiato. E é justamente nesta perspectiva, não de acabar, mas pelo menos diminuir a vantagem que a má-fé tem a favor de si, que viemos apresentar algumas humildes sugestões de melhoria no sistema de proteção ao credor e da responsabilidade patrimonial.
A primeira, refere-se a uma ampliação substancial da própria responsabilidade patrimonial. Um exemplo dessa ampliação é a maior utilização da desconsideração da pessoa jurídica, hoje consagrada apenas no Código de Defesa do Consumidor. Muitos fraudadores utilizam-se da fantasia de uma Pessoa Jurídica para manterem-se impunes. Se a desconsideração da pessoa Jurídica for consagrada não apenas no que se refere a responsabilidade por relações de consumo, mas sim em todo sistema de responsabilidade patrimonial, diminuiria-se uma das alternativas de fraude, na medida em que sumiria seu escudo. Assim, o encampamento legal deste instituto na responsabilidade patrimonial seria bem vindo.
Outra medida seria dar maior celeridade aos feitos judiciais, pois diminuindo o tempo para prestação jurisdicional, menor seria o tempo hábil para a construção da fraude.
Medida também bem vinda seria a maior severidade jurisdicional quando constatada a efetiva fraude, seja contra o credor, seja contra a execução. Os efeitos não devem resumir-se apenas a anulação ou ineficácia, mas devem conter elementos que tornem a fraude um mau negócio ao fraudador. Nesse sentido, a instituição automática de perdas e danos substancialmente elevadas, aderidas aos efeitos precípuos do sistema protetivo do credor inegavelmente coibiria parte dos que ensejam fraudar a responsabilidade patrimonial. Neste ponto, sem adentrar no mérito da questão, merece lembrete a posição jurisprudencial, principalmente dos Tribunais Superiores, de refutar a prisão civil. Apesar de consagrada na lei, tal prisão tem sido considerada extrapolação da responsabilidade patrimonial, atingindo pessoalmente o corpo do devedor. Mas poderia o limite da responsabilidade patrimonial ser a própria " sentença de morte" desta? Inegavelmente a questão merece maior debate em outra oportunidade.
Mas faz-se mister salientar: tais medidas não acabarão com a fraude. Apenas serão meio de difucultá-la e de proporcionar maior eficácia a responsabilidade patrimonial. A reformulação do sistema protetivo de credores, através de medidas que talvez transcendam as aqui postuladas, é ponto de vida ou morte para responsabilidade patrimonial, quiçá, da própria função jurisdicional do Estado em matéria civil.
É apenas uma questão de abrirmos os olhos e enxergarmos a realidade com coragem para mudá-la, atributo este que vem sendo cada vez mais raro no espírito de nossos juristas.
V- BIBLIOGRAFIA
FIUZA, Cesar – Direito Civil – Curso Completo – Editora Del Rey, 3ª Edição, Belo Horizonte, 2000.
LIEBMAN, Enrico Tullio – Processo de Execução – Editora Saraiva, 4 ª Edição, São Paulo, 1980.
LIMA, Alcides de Mendoça – Comentários ao Código de Processo Civil – Série RT, v. VI, tomo II , Rio de Janeiro, 1974.
SANTOS, Moacir Amaral – Primeiras Linhas de Direito Processual Civil – vol. 3 Editora Saraiva, 8ª Edição, São Paulo, 1985.
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo – Código de Processo Civil Anotado – Editora Saraiva, 5ª Edição, São Paulo, 1993.
THEODORO JÚNIOR, Humberto – Curso de Direito Processual Civil – vol. 2, Editora Forense, 13ª Edição, Rio de Janeiro, 1994.
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