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Os efeitos da Emenda Constitucional nº 64/2010 no Direito de Família

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12/04/2012 às 15:01
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Após a promulgação da Emenda Constitucional nº 64/2010, que incluiu o direito à alimentação no art. 6º da CF, o Estado brasileiro tem uma maior responsabilidade no que diz respeito ao tratamento da questão alimentar, especialmente no direito de família.

Resumo: O presente trabalho interpreta o conteúdo da nova Emenda Constitucional nº 64, de 04 de fevereiro de 2010, que eleva textualmente o direito à alimentação à categoria de direito constitucional, no art 6º da Constituição Federal. Nesse prisma, ressoa evidente que a novel situação do direito à alimentação vem reforçar o compromisso do Estado brasileiro na erradicação da pobreza, no âmbito interno e externo, efetivando a plena realização de uma série de tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Ademais, grande impacto terá no direito de família, alavancand ndamentais. Unidade familiar. Direito à alimentação.


INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo interpretar o conteúdo da Emenda Constitucional nº 64, de 04 de fevereiro de 2010, alertando para o importante impacto da Emenda Constitucional nas relações entre o Estado e os cidadãos (eficácia vertical dos direitos fundamentais), bem como entre os particulares (eficácia horizontal dos direitos fundamentais).

Isso porque a nova situação da relação entre o Estado e o indivíduo (eficácia vertical) obriga o poder público a adotar políticas públicas e a expedir instrumentos normativos, visando à efetividade dos direitos fundamentais.

Por outro lado, percebe-se que a elevação do direito à alimentação para a categoria constitucional vai oxigenar a relação entre os particulares (eficácia horizontal), aumentando a responsabilidade dos devedores de alimentos e fazendo surgir novos institutos e personagens que irão participar e serão chamados a prestar alimentos.

Nesse particular, o princípio da solidariedade familiar ganhará reforço, na busca da construção de um verdadeiro valor jurídico, e não de um simples dever moral como era em outros tempos. Portanto, impende destacar que esse novo panorama vai trazer mudanças significativas na interpretação do Direito Civil e do Direito Constitucional, que estão cada vez mais se entrelaçando e constituindo uma verdadeira unidade hermenêutica. Tudo isso, a fim de se buscar a efetivação dos direitos e deveres dos componentes da unidade familiar e da dignidade da pessoa humana.


1. Os Tratados internacionais e a nova Emenda Constitucional

Desde meados do século XX, a comunidade internacional tenta buscar soluções para erradicar a fome no mundo. Um dos principais eventos internacionais sobre a fome foi realizado em Washington DC., em 1963, no primeiro congresso mundial sobre alimentos. Chegou-se à conclusão que não era possível garantir um mundo pacífico e democrático, enquanto a fome e a desnutrição continuassem a afligir milhões de pessoas. Ao final do evento, representantes de todos os países participantes conclamaram a comunidade internacional a trabalhar “para eliminar a fome e a pobreza da face da terra.” (SHETTY, 2006).

Em 1993, a antiga Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em decisão histórica, decidiu por elevar o direito à alimentação ao rol dos direitos taxativamente tutelados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Com isso, atualmente, o direito à alimentação vem destacado, em primeiro lugar, no artigo XXV deste importante diploma universal. Segundo Jean Ziegler, que foi relator especial da ONU sobre o direito à alimentação, “há um genocídio silencioso num planeta que, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para alimentação), pode dar de comer ao dobro de sua população.” (JB, 04 -08-2001, p. 10).

É fácil perceber que a discriminação na distribuição de renda no mundo, a indiferença da sociedade mundial a respeito dos problemas da fome e a falta de políticas públicas efetivas, ainda despertam preocupação dos organismos internacionais em relação à questão alimentar.

Nesse contexto, o Fundo das Nações Unidas para a Criança (UNICEF) se preocupa com uma grave situação no mundo referente à alimentação da pessoa humana. Um estudo, realizado pelo órgão, constatou que uma criança, que sofre de má nutrição até os 5 (cinco) anos de idade, jamais se recuperará na vida adulta, como mostra o texto “Definição e história do direito à alimentação.”

O Protocolo Adicional à Convenção Interamericana Sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), de 17 de novembro de 1988, foi ratificado pelo Brasil em 21 de agosto de 1996 e estabelece a amplitude do direito à alimentação, em seu art. 12, da seguinte forma:

Artigo 12

Direito à alimentação

1. Toda pessoa tem direito a uma nutrição adequada que assegure a possibilidade de gozar do mais alto nível de desenvolvimento físico, emocional e intelectual.

2. A fim de tomar efetivo esse direito e de eliminar a desnutrição, os Estados Partes comprometem-se a aperfeiçoar os métodos de produção, abastecimento e distribuição de alimentos, para o que se comprometem a promover maior cooperação internacional, com vistas a apoiar as políticas nacionais sobre o tema.

O Brasil ratificou uma série de Tratados Internacionais que dispõem sobre o Direito à Alimentação, são exemplos: Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, criado de 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992 e a Convenção sobre os Diretos da Criança, criada em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990.

Os tratados internacionais também podem servir de fonte direta na aplicação de direitos entre os particulares. Apesar de o Supremo Tribunal Federal admitir que os tratados internacionais têm natureza de norma supralegal (RE 466.343 e RE 349.703), isto é, acima das leis e abaixo da Constituição. Piovesan (2010, p. 79) defende a ideia de que os tratados internacionais sobre direitos humanos são materialmente constitucionais, com fundamento no § 2º, do art. 5º da Constituição Federal. Todavia, para grande maioria dos países latino-americanos, uma vez ratificado o tratado internacional de direitos humanos, este se incorpora diretamente ao direito interno, podendo ser aplicado entre os particulares, consoante leciona o professor da Universidade de Buenos Aires e do ITAM (México), Courtis (2006, p. 418):

En los sistemas de inspiración monista – que han adoptado la gran mayoría de los países latinoamericanos -, la situación es distinta. La ratificación de una norma internacional vigente la convierte en parte del derecho interno. En el plano de derecho internacional, el responsable sigue siendo el Estado; sin embargo, en el plano del derechos interno, la cuéston se modifica substancialmente. Si la norma internacional consagra derechos que configuran posiciones jurídicas en las que los particulares son sujetos pasivos, esos derechos – una vez convertidos en derecho doméstico – son fluente directa de obligaciones entre particulares. En este sentido, decir que los derechos humanos consagrados por los tratados internacionales de derechos humanos son invocables entre particulares no plantea mayor inconveniente conceptual.

Nesse contexto, surgiu no Brasil a Emenda Constitucional nº 64/2010, elevando o direito à alimentação a valor constitucional no art. 6º da CF, que passou a vigorar com a seguinte redação: “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (grifo nosso)

No âmbito do direito de família brasileiro, a nova Emenda Constitucional já tem um poderoso aliado, que é o princípio da solidariedade (art. 3º, I da CF). Consequentemente, seusefeitos jádevemserobservados imediatamente, aumentando todas as garantias jurídico-institucionais em favor dos que necessitam de uma alimentação adequada, principalmente visando ao pleno desenvolvimento da criança.

Demoras injustificadas, nos processos em que se discutem alimentos, não poderão ser mais toleradas pela sociedade; novas garantias de execução da prestação alimentícia devem ser criadas; o exagerado formalismo nesse tipo de ação deve ser esquecido; o pequeno percentual repassado dos pais aos filhos, a título de alimentos, deverá ser rediscutido; os vínculos afetivos devem ter mais significação dos que as relações de consanguinidade, etc. Tudo isso atentando para o fato de que o conceito de entidade familiar, que teve seu conceito ampliado, será também suporte para uma fundamentação do pedido judicial de alimentos.

Nesse diapasão, também entendemos que, com o advento da Emenda Constitucional, torna-se mais evidente a inconstitucionalidade de várias normas infraconstitucionais, dentre elas, algumas que estão insculpidas no Código Civil, como por exemplo, a que exclui o direito a alimentos do cônjuge culpado da separação. (Ver caput do art. 1.704 do Código Civil).

Portanto, diante desse contexto, ressoa evidente que o Estado deverá obrigatoriamente estabelecer uma hermenêutica mais comprometida com o direito à alimentação e sua efetivação no direito de família.


2. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais

Conforme destaca Hesse (2001, p. 107), “a liberdade Humana pode resultar menoscabada ou ameaçada não só pelo estado, mas também no âmbito de relações jurídicas privadas”, razão por que “só é possível garanti-la eficazmente considerando-a como um todo unitário.”

Assim, a partir de meados do século XX, começaram a surgir novas vozes que sustentavam a tese da aplicação direta dos direitos fundamentais não só na relação entre o Estado e os particulares, mas também na relação que envolve particulares entre si. Deveras, impende destacar que ambas as visões comportam uma série de posicionamentos quanto a sua forma de efetivação.

Segundo ensina Pereira (2008, p. 131), é com a ideia de supremacia da Constituição, que passa a ser o centro do ordenamento jurídico, que surge a discussão sobre a incidência dos direitos fundamentais nas relações inter privatos.

Com o debate acerca da eficácia horizontal, assume relevo o debate relativo ao grau dessa incidência e de como se chegar à melhor solução no caso concreto, especialmente no Direito de Família. Assim, podemos apontar alguns questionamentos que podem servir de exemplo: pode um pai testar toda a parte disponível da herança, em favor de um filho, em detrimento do outro, por este ser homossexual? Pode um pai ser solidário com um filho, em detrimento do outro, por ser contra a religião deste? Pode uma empresa demitir funcionários por que não estão casados segundo a religião católica? Até que grau de parentesco poderá ir a obrigação alimentar?

Como fica claro, em diversos exemplos postos acima, ressoa evidente que os direitos fundamentais não são apenas ameaçados pelo Estado, como pressupõem as teorias liberais burguesas, pois essas violações podem acorrer, muitas vezes, nas relações entre particulares.

Nesse contexto, surgem duas correntes acerca da eficácia horizontal dos direitos fundamentais: a) a que defende a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares sem intermediação de lei ou de qualquer outra natureza (eficácia direta); b) a que entende que a aplicação, na esfera privada, ficará na dependência de uma autorização legislativa (lei ordinária, medida provisória, etc.) ou de meios postos à disposição pelo sistema jurídico, ou ainda, de interpretações do direito privado (eficácia mediata).

A teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais tem seu início em Hans Carl Nipperdey, juiz do Tribunal Federal do Trabalho Alemão. Na oportunidade, Nipperdey defendeu que alguns direitos fundamentais não só tinham aplicação direta na relação do indivíduo com o Estado, mas também em toda e qualquer relação de poder, tendo uma ligeira inclinação para a eficácia direta ou imediata.

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Todavia, a visão, seguida pelos tribunais germânicos, orientou-se no sentido da eficácia mediata dos direitos fundamentais, sendo a famosa decisão sobre o caso Lüth um ponto culminante para a solidificação dessa visão na Alemanha.

Dessa forma, na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht) tem entendimento segundo o qual não é possível a aplicação imediatados direitos fundamentais às relações privadas, sendo necessária sua concretização pelo legislador, por isso sua aplicação, nas relações privadas, somente se realiza através de outra norma. Comentando este contexto, Mendes (2007, p. 125) destaca que “um meio de irradiação dos direitos fundamentais para as relações privadas seriam as cláusulas gerais (GeneralKlauseln), que serviriam de porta de entrada (Einbruchstelle) dos direitos fundamentais no âmbito do direito privado”.

No Brasil, o tema vem despertando interesse da doutrina de forma progressiva, após a Constituição de 1988, tendo uma tendência para a aplicação direta.

Nossa pesquisa segue aqueles que defendem a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas. Podemos citar muitos doutrinadores que são adeptos desse pensamento. Apesar de não ter logrado muito sucesso entre os autores na Alemanha, na Espanha, temos Tomás Quadra-Salcedo, Juan Maria Bilbao Ubillos e Antonio-Enrique Perez Luño, que defendem a aplicação direta. Já em Portugal, existe dispositivo específico na Constituição portuguesa, em seu art. 18, I, que preceitua: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”, por isso é que portugueses, como J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Ana Prata e Cristina Queiroz, inclinam-se para a tese da eficácia direta. Na Itália, temos Vezio Crisafulli e Alessandro Pace. No Brasil, os defensores da eficácia direta são Ingo Wolfgang Sarlet, Carlos Roberto Siqueira Castro, Gustavo Tepedino, etc.

A eficácia direta é consequência da rigidez e supremacia da Constituição, constituindo uma impregnação dos valores constitucionais, em toda a ordem jurídica, sem qualquer barreira normativa, portanto, as relações familiares podem sofrer intervenções diretas no sentido de garantir a aplicação dos direitos fundamentais.

Doutra banda, alguns argumentos contrários à eficácia imediata afirmam que tal aplicação acarretaria uma indevida e excessiva invasão na autonomia privada e diminuiria a importância do Direito Privado. Na verdade, entendemos que todos os argumentos contrários à eficácia imediata podem ser resumidos em apenas um: a autonomia do Direito Privado. Com efeito, não acreditamos que a admissão de uma eficácia direta, nas relações entre particulares, acarretaria uma total invasão à autonomia do Direito Privado. Não seria prudente afastar totalmente a teori a da aplicação direta, pois é diante do caso concreto que serão ponderados os interesses em jogo. A questão, especificamente no Direito de Família, não se encontra em saber se a autonomia privada deve ou não ser protegida, mas em avaliar os valores postos em jogo, de forma a harmonizar os interesses. Tudo isso observando o princípio da solidariedade, do melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa humana, etc.

Advirta-se, de plano, que isso não significa dizer que os direitos fundamentais devam ser aplicados de forma absoluta, nas relações entre particulares, posto que cada caso deve ser avaliado de maneira cuidadosa pelo intérprete, que irá modular a extensão e a incidência da norma por meio de recursos hermenêuticos postos à sua disposição.

Nesse confronto com a autonomia privada, Ubillos (2006, p. 336) sugere uma eficácia imediata atenuada, usando a ponderação como técnica adequada para medir o alcance dos efeitos em cada caso, sendo de eficácia mais intensa no Direito Privado, quando o núcleo essencial e intangível da dignidade da pessoa humana estiver sendo afetado, o que, a nosso ver, muitas vezes ocorre nas relações familiares.

Na questão alimentar entre os particulares, o problema gira em torno de como empregar critérios normativos na solução de casos concretos e até que limites isso pode ocorrer. Em outras palavras, questiona-se até que grau de parentesco se pode vislumbrar a obrigação alimentar. É que ambas as partes, envolvidas na solução do litígio, são portadoras de direitos, formando um complexo de direitos e deveres que se limitam e condicionam mutuamente.

Os argumentos a favor da aplicação imediata são reforçados pela vinculação da comunidade em geral aos valores defendidos implícita e explicitamente pela Constituição. Tal ideia, de normas constitucionais com forte carga axiológica, surgiu do constitucionalismo alemão, dando ensejo à visão de que os valores defendidos pela Carta Magna irão impregnar toda a ordem jurídica da nação, vinculando a vida social genericamente considerada, incluindo as relações privadas.

Cunha Júnior (2006, p. 336) lembra que Rudolf Smend, ao utilizar o método de interpretação científico-espiritual, preconiza que os direitos fundamentais têm a aptidão de impregnar toda a ordem jurídica, pois são dotados de alta carga valorativa. Assim, a interpretação constitucional deve buscar valores axiológicos subjacentes ao texto para uma captação espiritual do conteúdo da Constituição.

Nesse mister, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já vinha reconhecendo, na década de 90, a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, mas a abordagem do tema não trazia à baila “explicitamente” o problema relativo aos fundamentos e aos limites da incidência das normas constitucionais na relação entre particulares. Exemplo disso foi o julgado no Recurso Extraordinário nº 161.243-6 (DJ 19.12.1997), onde o Supremo Tribunal Federal reconheceu que um empregado brasileiro de uma companhia aérea francesa tinha os mesmos direitos dos empregados franceses, apesar do Estatuto da empresa preceituar que as suas prerrogativas só eram aplicadas aos empregados franceses.

A temática só veio a ser abordada de forma mais clara no Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 201.819 (DJ 27-10-2006), que versava sobre a legitimidade do procedimento de exclusão de sócio por associação privada (União Brasileira dos Compositores). Na oportunidade, entendeu o Pretório Excelso que a empresa não poderia excluir um dos sócios sem a observância da ampla defesa, destacando, destavez deforma expressa, que as violações aos direitos fundamentais também ocorrem nas relações entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado.

Deveras, advirta-se que o tema ainda não foi debatido pelo plenário do Supremo, mas existe forte inclinação no sentido da aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas.

Assim, a concepção de que o direito à alimentação deve ser aplicado diretamente nas relações entre particulares é consequência lógica de um modelo hermenêutico comprometido com o caráter normativo da Constituição.


3. A interpretação conjunta do direito civil e do direito constitucional

Sabemos que, durante muito tempo, Constituição e Código Civil andavam paralelos, não se misturando, senão sob o aspecto formal. Conforme destaca Martins-Costa (2003, p. 67), “um dos mais profundos sulcos – verdadeiro marco divisório nesse relacionamento– pode ser denominado de o modelo da incomunicabilidade.” Atualmente, as regras e os princípios insculpidos na Constituição Federal não mais regulam somente o poder político, mas também a sociedade civil e as relações familiares. Hesse (1992, p. 16) afirma que a Constituição “não é mais apenas a ordem jurídico-fundamental do Estado”, tendo se transformado na “ordem jurídico-fundamental da comunidade”, pois suas “normas abarcam também – de forma especialmente clara, garantias tais como, o matrimônio, a família, a propriedade, a educação ou a liberdade da arte e da ciência – as bases de organização da vida não estatal.”

Matérias que só eram tratadas pelo direito civil passaram a ser tratadas pelo direito constitucional. Paulo Lôbo leciona que, atualmente, existe uma unidade hermenêutica no âmbito onde antes havia espaços distintos:

Na atualidade, não se cuida de buscar a demarcação dos espaços distintos e até contrapostos. Antes havia a disjunção; hoje, a unidade hermenêutica, tendo a Constituição como ápice conformador da elaboração e aplicação da legislação civil. A mudança de atitude é substancial: deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição, segundo o Código, como ocorria com frequência (e ainda ocorre).

Nesse contexto, foi o direito de família que mais sofreu transformação na constitucionalização do direito civil, especialmente nos últimos 35 (trinta e cinco) anos.

Dessa forma, a leitura e a interpretação dos dispositivos do Código Civil, especialmente os que tratam do direito de família, devem ser feitos de forma entrelaçada com os dispositivos da Constituição Federal, para que se possa buscar a plena efetividade.

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Sobre o autor
Othoniel Pinheiro Neto

Corregedor Geral da Defensoria Pública do Estado de Alagoas. Defensor Público. Mestrando em direito público pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Especialista em Direito Processual, bem como, em Direito Eleitoral pelo CESMAC (Centro de Estudos Superiores de Maceió). Professor de Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO NETO, Othoniel. Os efeitos da Emenda Constitucional nº 64/2010 no Direito de Família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3207, 12 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21495. Acesso em: 16 abr. 2024.

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