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Improbidade administrativa: nomeação de servidor “comissionado” como forma de burlar o princípio do concurso público

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15/04/2012 às 15:04
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5. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR FRUSTRAÇÃO DA LICITUDE DE CONCURSO PÚBLICO

A improbidade administrativa pode configurar-se através de atos que provocam o enriquecimento ilícito do agente, de atos que provocam prejuízos ao Erário ou mesmo atos que, ainda que não se enquadrem nas duas situações anteriores, atentem contra os princípios da Administração Pública.

Tratando dessa última modalidade, a Lei 8.429/92 estabeleceu, em seu artigo 11, que “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente...”.

Dessa maneira, qualquer ação ou omissão que viole os deveres estabelecidos pela lei representa improbidade administrativa punível com a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, além da obrigação imprescritível de ressarcir o dano, caso haja.

No entanto, a violação pode ser verificada a partir dos vetores representados pelos deveres supra, bem como pelas situações exemplificativas arroladas no artigo 11, cuja parte final contém o termo “notadamente” e, a partir de então, passa a enumerar hipóteses concretas.

O concurso público é expressão direta das noções de moralidade, impessoalidade e eficiência administrativa, pois representa a possibilidade de todo e qualquer indivíduo – seja ele brasileiro ou estrangeiro, nos casos legalmente permitidos – ocupar cargos públicos existentes, obedecendo, por óbvio, às exigências legais.

É também através da realização de concurso público que se selecionam isonomicamente os sujeitos mais bem instruídos para exercer seus misteres junto ao Estado, o que proporciona, objetivamente, maior qualidade e preparo da mão de obra empregada nos afazeres da administração pública.

Destarte, não obstante se reconheça que a criatividade de maus gestores sempre empreenda modos ardis de transgressão às normas constitucionais, exploram-se três situações de nomeação de servidores públicos sem o necessário certame seletivo – afora as conjunturas constitucionalmente albergadas – ao tempo em que se debate a possível improbidade administrativa nos casos correlatos.

5.1. Contratação de servidores sem prévio concurso público: ausência de violação ao artigo 11, V, da Lei 8.429/92

Fundamentalmente considerada a relevância da adequada seleção de servidores públicos[8], dentre as hipóteses elencadas pelos incisos do artigo 11, o quinto deles prevê “frustrar a licitude de concurso público” como modo de violação aos princípios da administração pública.

Outrossim, a lei não tece maiores considerações sobre o que exatamente quis dizer ao impor a frustração da licitude de concurso público como espécie de improbidade administrativa consistente em violação aos princípios da administração pública, mas tal conduta não se reveste de qualquer obscuridade.

Frustrar a licitude de algo é, por óbvio, fraudá-lo ou fazê-lo de maneira ilegal.

Em excelente obra do Procurador de Justiça do Ministério Público Paulista, Sérgio Turra Sobrane, Sua Excelência exemplifica com propriedade que:

Haverá frustração da licitude do concurso público se realizado com dispensa de tratamento pessoal e desigual aos interessados, implicando em restrição da competitividade, ou mediante violação do princípio da publicidade. (2010, p. 82)

Sob tal ótica e, inclusive por questão de lógica, somente se pode falar em improbidade administrativa por frustração à licitude de concurso público nos casos em que o concurso é constitucionalmente exigido.

Jamais se poderia afirmar que o gestor infringiu o artigo 11, V, da Lei de Improbidade Administrativa por qualquer irregularidade relacionada à nomeação de servidores comissionados, pois a Constituição Federal não foi titubeante no que toca à desnecessidade de realização de concurso público para o preenchimento de vagas em cargos dessa natureza.

Isso porque se a lei estabelece que tal cargo é de livre nomeação, não há que se cogitar a necessidade de realização de concurso público e, ausente tal certame, impossível que se frustre a sua licitude.

Efetivamente, ainda que não houvesse lei definindo o cargo a ser ocupado como comissionado, não seria possível enquadrar o nomeante no tão falado inciso V.

Não se está defendendo que a nomeação de servidor público sem o necessário concurso (e fora das hipóteses legalmente excepcionadas) é ato escorreito, pois há perfeita consciência de que a nomeação seria, inclusive, nula[9].

Mas, a observância da boa técnica jurídica e da impropriedade de se interpretar extensivamente norma punitiva[10] implicam salientar, de plano, que frustrar a licitude do procedimento é completamente diferente de deixar de fazê-lo.

Com efeito, se não se chega a realizar concurso público, o inciso em comento não é ofendido, pois “as condutas poderão configurar ato de improbidade administrativa do agente que promove o concurso público de forma viciada.” (SOBRANE, 2010. p. 82. Destacado).

Por isso – sem que a lei defina o cargo como em comissão ou autorize a contratação temporária de excepcional interesse público –, seu preenchimento sem o necessário certame seletivo é irregular, mas não configura violação ao inciso V do artigo 11 da Lei 8.429/92.

No entanto, considerando todo o exposto no presente trabalho, não se pode olvidar que a contratação nos moldes apostos no parágrafo anterior é inconstitucional e poderá configurar improbidade administrativa por violação aos princípios constitucionais do Concurso Público, Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Eficiência, conforme as nuances do caso concreto.

De um ou de outro modo, tratar-se-ia de violação ao caput do artigo 11 e não ao inciso V, já esmiuçado.

5.2. Cargos em comissão com atribuições constitucionais, nomeação regular e exercício ilegal

Outra circunstância ilegítima é aquela em que a lei cria cargos em comissão e o gestor, apesar de nomear indivíduos para tais funções, emprega-os de fato em tarefas de caráter subalterno.

Afinal de contas, com um pouco de afinco, não é difícil encontrar servidores “comissionados” exercendo atividades de motorista, auxiliar de escritório, porteiro, auxiliar de serviços gerais etc.

Nesses casos, também se verifica que a nomeação dos agentes não importa qualquer ilegalidade.

Ora, o legislador tem a plena faculdade de estabelecer os cargos em comissão, desde que de direção, assessoramento ou chefia. Se ele assim o faz, cabe ao administrador o poder-dever de escolher as pessoas que entender mais adequadas a tais atividades (conforme as exigências legais) e nomeá-las.

Não há que se cogitar, até então, ilicitude.

No entanto, a partir do momento em que o comissionado, legalmente nomeado, é designado para exercer atividades não condizentes com suas atribuições, a situação transmuta-se de adequada para ilícita.

É uma forma de violar os Princípios da Legalidade (pois a partir de então já não mais serão cumpridas as atribuições do cargo) e Moralidade, além da regra constitucional do concurso público e outras disposições legais e constitucionais a serem confrontadas com o caso concreto.

Nestes termos, tanto é ímproba a autoridade que se vale de tal subterfúgio para contratar subalterno com o falso rótulo de “comissionado”, quanto o agente que adentra no serviço público na aludida situação jurídica com o único propósito de não se submeter a concurso público.

Tal assertiva pode ser sustentada tranquilamente com respaldo nos artigos 3º e 4º da Lei de Improbidade, segundo os quais

Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

De qualquer forma, não havendo a realização de concurso público não há que se falar em frustração da licitude de certame dessa natureza, embora se encontre presente, novamente, a violação dos deveres traçados na cabeça do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa; já não pela nomeação viciada, mas pela determinação de tarefas diversas das legais.

5.3.Cargos em comissão com atribuições inconstitucionais, nomeação regular e exercício legal

A última situação explorada é aquela em que a lei cria cargos em comissão ou funções de confiança e lhes atribui tarefas que não possuem correspondência com as balizas constitucionais de direção, assessoramento ou chefia.

A autoridade responsável, então, nomeia as pessoas que entende mais aptas a ocupar os cargos instituídos, exercendo regularmente sua atribuição de escolher o agente público de livre nomeação.

Sob tal contexto, os cargos existem, pois são criados por lei com determinação de livre nomeação em comissão, mas as tarefas legalmente estabelecidas não são condizentes com aquelas constitucionalmente delimitadas a cargos em comissão.

Aqui, portanto, o gestor não tem a possibilidade de empregar o servidor em tarefa diversa, sob pena de violar o Princípio da Reserva Legal, pois não se deve desprezar que

A organização legal do serviço público é exigida pela Constituição ao permitir a acessibilidade dos cargos, empregos e funções públicas a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei (art. 37, I). A parte final do dispositivo refere-se expressamente à lei. Isto significa que todo cargo público só pode ser criado e modificado por norma legal aprovada pelo Legislativo. (MEIRELLES, 2005. p. 418. Destacado.)

A assertiva do sempre claro Hely Lopes Meirelles, como o próprio autor menciona, encontra-se respaldada na disposição do artigo 37, inciso I, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”.

Nesse passo, não resta dúvida de que a autoridade nomeante não possui meios de alterar as atividades a serem exercidas pelo servidor comissionado, sem que tal intento seja submetido a regular processo legislativo.

O Supremo Tribunal Federal corroborou que “a alteração de atribuições de cargo público somente pode ocorrer por intermédio de lei formal”, conforme Mandado de Segurança 26.955, de relatoria da Ministra Carmem Lúcia.[11]

Assim, em função da competência exclusivamente legal de definição das tarefas dos titulares dos cargos, restaria configurada a improbidade administrativa se o gestor, ao contrário, determinasse atividades dessemelhantes aos nomeados para os cargos supra.

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Se não se discute que a definição de atribuições dos cargos só pode ser determinada por lei, outra saída não há senão entender que o gestor que porventura determine a ocupação destes cargos e mande o nomeado praticar atividade diversa estará cometendo ato de improbidade administrativa[12].

Estando a lei em vigor e não havendo o Poder Judiciário – por controle concentrado ou difuso –, afastado a eficácia da norma abstratamente ou para dados casos concretos, respectivamente, persistem os efeitos da espécie legislativa.

Nesse ínterim, assevere-se que esta afirmação encontra respaldo na própria lógica de um Estado Democrático de Direito, na presunção de legitimidade dos atos do Poder Público e, inclusive, no artigo segundo da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro[13], o qual certifica que “não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”.

Assim, tratando-se de aplicar a lei vigente, não se vislumbra atitude desonesta ou desidiosa do agente público, donde se extrai o imperioso afastamento da improbidade administrativa da hipótese em comento; entendimento esse enriquecido com trecho de julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.

...algumas normas admitem diferentes interpretações e são aplicadas por servidores públicos estranhos à área jurídica. Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem conseqüências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas exige observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto de proporcionalidade entre meios e fins. Imperioso salientar que no nosso sistema jurídico, a responsabilidade objetiva só ocorre se expressamente prevista em lei. Logo, não se pode pensar sua aplicação em caso de improbidade, já que inexiste previsão para tanto... (TJSE. 1ª Câmara Cível. Reexame Necessário 104/2010. Rel. Des. José Alves Neto. Unânime.)

O Superior Tribunal de Justiça também afasta o rigor excessivo na interpretação do aspecto punitivo da Lei de Improbidade Administrativa, a fim de evitar sua aplicação desenfreada e distante dos fins propostos.

Lei n. 8.429/92. Fixação do âmbito de aplicação. Perspectiva

teleológica. Artigos 15, inc. V e 37, § 4º, da CF. O ato de improbidade, a ensejar a aplicação da Lei n. 8.429/92, não pode ser identificado tão somente com o ato ilegal. A incidência das sanções previstas na lei carece de um plus, traduzido no evidente propósito de auferir vantagem, causando dano ao erário, pela prática de ato desonesto, dissociado da moralidade e dos deveres de boa administração, lealdade e boa-fé. (Recurso Especial 269.683/SC)

Esclareça-se, portanto, que o gestor (no exercício de suas atribuições administrativas) não escolhe quais vagas serão ocupadas por servidores ocupantes de funções de confiança ou cargos em comissão, pois o artigo 37, inciso V, da Constituição Federal, é claro ao dizer que tais vagas são criadas “nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.

Isto posto, embora se possam combater com os instrumentos cabíveis os vícios de inconstitucionalidade de que padece a lei criadora de cargos em comissão sem natureza de direção, assessoramento ou chefia, não se permite dizer ímproba a conduta do gestor que, com base naquela norma, procede à nomeação.

Se assim o fosse, estar-se-ia submetendo o administrador à traiçoeira escolha entre ser ímprobo pela inconstitucionalidade do desvio de função por si imposto ao nomeado, ou por dar cumprimento à norma vigente no legítimo exercício de suas atribuições constitucionais.

Sem embargo disso, o gestor que se deparar com tal situação tem a faculdade de iniciar processo legislativo apto a corrigir o vício legal, com base na atribuição que lhe confere a Constituição Federal.

Ratifica-se o caráter estritamente facultativo do início do processo legislativo para alteração dos cargos, pois aos poderes é vedado interferir nas escolhas políticas dos outros, exceto quando houver previsão constitucional expressa, em conformidade com o já estudado no subtítulo 4.3.

Assim, por exemplo, a iniciativa reservada das leis que versem sobre o regime jurídico dos servidores público revela-se, enquanto prerrogativa conferida pela Carta Política ao Chefe do Poder Executivo, projeção específica do princípio da separação dos poderes, incidindo em inconstitucionalidade formal a norma inscrita em Constituição do Estado que, subtraindo a disciplina da matéria ao domínio normativo da lei, dispõe sobre provimento de cargos que integram a estrutura jurídico-administrativa do Poder Executivo local. (MORAES, 2007. p. 621-622)

Desse ou daquele modo, todo o explanado permite entender que a ocorrência de nomeação legal para cargos em comissão, ainda que com atribuições inconstitucionais, desde que previstas na lei eficaz, não configura ato de improbidade administrativa da autoridade nomeante, a qual, inclusive, não pode ser obrigada pelos demais poderes a iniciar processo legislativo para alterar as funções, dada a independência entre os poderes do Estado.

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Sobre o autor
José Daniel de Jesus Santana

Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes (SE), Especialista pós-graduado em Direito Público pela mesma Instituição, Assessor de Juiz do Poder Judiciário do Estado de Sergipe.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, José Daniel Jesus. Improbidade administrativa: nomeação de servidor “comissionado” como forma de burlar o princípio do concurso público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3210, 15 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21516. Acesso em: 5 nov. 2024.

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