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Incoerência interpretativa da jurisprudência quanto à (im)possibilidade da manutenção de créditos de PIS e COFINS em relação a custos e despesas vinculados à receita de venda de bens e serviços desonerada

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Erroneamente, as autoridades fiscais e o STJ vêm entendendo que a manutenção dos créditos da contribuição ao PIS e da COFINS, nas hipóteses de receitas desoneradas, é de benefício concedido a integrantes do REPORTO que não se estende aos demais contribuintes sem lei que autorize.

A sistemática da não-cumulatividade da contribuição para o PIS e da COFINS foi introduzida, no Sistema Tributário Nacional, a partir da Emenda Constitucional nº 42/2003, que, inserindo o § 12º ao art. 195, da Constituição Federal de 1988, trouxe o seguinte regramento de tributação:

“Art. 195. (...)

§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.”[1]

As Leis nº 10.637/02 (PIS), 10.833/03 (COFINS) e 10.865/04 (PIS/COFINS Importação) atualmente disciplinam a não cumulatividade das referidas contribuições, adotando, como regra, a não-cumulatividade para todos os setores da economia em que as sociedades empresariais apuram o Imposto de Renda com base no lucro real[2]. As exceções à não-cumulatividade constam das próprias leis de regência e remetem os contribuintes excluídos à sistemática da cumulatividade, regulada pela Lei nº 9.718/98. De certa forma, tornando regra aquilo que seria a exceção.

De qualquer forma, insta salientar, nesse passo, que, como bem salienta Pedro Guilherme Accorsi Lanardelli – em trabalho doutrinário sobre a não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS – “(...) constata-se que o parágrafo 12 do art. 195 da CF/8 conferiu ao legislador ordinário apenas e tão somente a competência para denotar atividades compreendidas nos setores econômicos primário (agricultura, pecuária, extrativismo, etc.), secundário (indústria), terciário (comércio e serviços) e quaternário (informação e comunicação), designadores do enunciado deste parágrafo (setores de atividade econômica).”[3] (Destaquei)

Portanto, se o texto constitucional deu liberdade ao legislador ordinário apenas para definir o setores das atividades econômicas, que estariam sujeitos à não-cumulatividade das contribuições em apreço, conclui-se que toda e qualquer restrição à não-cumulatividade mostrar-se-á inconstitucional, na medida em que extrapola a competência conferida pela Carta Maior.

Muito bem adverte Fábio Pallaretti Calcini, ao fazer lúcidas ponderações acerca da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, no sentido de que:

“(...) a única interpretação possível de uma norma infraconstitucional é aquela que esteja em conformidade com a vontade da Constituição, em especial, com o art. 195, parágrafo 12, da Constituição Federal, sob pena de restar inquinada por vício de inconstitucionalidade ou caracterizar subversão constitucional.

Equivale dizer que, diante da posição hierárquico-normativa de superioridade da Constituição com relação às demais normas do ordenamento jurídico, estas buscam sua eficácia no texto constitucional, não podendo, de conseguinte, o intérprete realizar uma atividade interpretativa que se inicie na norma infraconstitucional para depois ir ao texto constitucional. A interpretação é de cima para baixo e não ao contrário.”[4]

Entretanto, não há se confundir restrição à tomada de crédito, com restrição à não-cumulatividade. Isto porque haverá casos em que a restrição ao crédito das contribuições não terá o condão de acarretar restrição à não-cumulatividade do regime destas mesmas contribuições. A título de exemplo – conforme positivado no art. 3º, § 2º, I, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03[5] – é a impossibilidade do aproveitamento de créditos de gastos incorridos com mão-de-obra paga a pessoa física. É intuitivo: não há qualquer possibilidade de incidência em cascata da contribuição ao PIS e da COFINS, vez que estas contribuições não incidem sobre os valores recebidos pelo fornecedor (pessoa física) da mão-de-obra. Este, portanto, não sendo contribuinte da contribuição ao PIS e da COFINS, impossibilita o aproveitamento do crédito pela sociedade empresarial que tomar o seu serviço.

Mesmo assim, a não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS deve sempre ter como parâmetro a receita e não a mercadoria (ICMS) ou o produto (IPI).[6]

Com efeito, pela própria característica do aspecto material da hipótese de incidência da contribuição ao PIS e da COFINS – receita auferida – viável e razoável a aplicação do cognominada técnica do método subtrativo indireto para o aproveitamento de crédito destas contribuições. Via de regra, a referida técnica se baseia na metodologia base sobre base, ou seja, “(...) base das entradas e base das saídas, cada uma mediante a aplicação de alíquota determinada.”[7] Assim, ressalvado outro percentual previsto nas leis de regência, as receitas auferidas (base de saída) pela sociedade contribuinte são tributadas, na não cumulatividade, a 1,65% (PIS) e 7,6% (COFINS)[8]. Já os créditos que podem ser descontados das contribuições devidas, calculados com base nos custos e despesas (base de entrada) incorridos pela sociedade contribuinte, são obtidos, também ressalvado outro percentual previsto nas legislações de regência, através da aplicação das alíquotas de 1,65% (PIS) e 7,6% (COFINS)[9].

Todavia, conforme se depreende das características estruturais da contribuição ao PIS e da COFINS, tem-se uma sistemática não cumulativa por meio de um método subtrativo impuro, porquanto, vale lembrar, não poderão compor a base de créditos (base de entrada) os gastos incorridos pela sociedade contribuinte decorrentes de pagamentos realizados a não contribuintes (pessoas físicas) da contribuição ao PIS e da COFINS.

Por outro lado, verifica-se que, pelos contornos jurídicos do princípio da não-cumulatividade, somado à inexistência de restrições constitucionais em relação ao direito creditório da contribuição ao PIS e da COFINS, o direito ao amplo aproveitamento de crédito é intrínseco ao regime não-cumulativo destas contribuições, quando se tratar de aquisição de bens e serviços de contribuintes dos referidos tributos. E restrições infraconstitucionais de qualquer ordem violam a regra constitucional da não-cumulatividade moldada para as referidas contribuições.

Ademais a não-cumulatividade, como técnica e princípio, tem por finalidade alcançar um resultado econômico na cadeia de produção. E isto não pode ser relegado a segundo plano, afastando por completo os efeitos econômicos decorrentes de eventuais restrições ao aproveitamento de crédito impostas pela legislação.

E sob esse espírito é que foi introduzida disposição expressa, no ordenamento jurídico, por meio do art. 16, da Medida Provisória nº 206 de 06/08/2004, reafirmando o direito à manutenção dos créditos da contribuição ao PIS e da COFINS em relação às aquisições vinculadas a vendas desoneradas.

Dispunha o referido texto normativo, verbis:

“Art. 16. As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não-incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações.”

Embora o referido dispositivo tenha sido veiculado dentro de um documento normativo que tratava de um regime especial (REPORTO), o Poder Executivo ao explicitar as razões de relevância e urgência da Medida Provisória que editara (Exposição de Motivos nº 00111/2004 – MF), inequivocamente, afirma em seu item 19:

“19. As disposições do art. 16 visam esclarecer dúvidas relativas à interpretação da legislação da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS.”

Significa dizer que o art. 16 da MP 206/04 não veio inovar o ordenamento jurídico, até mesmo porque, o direito à manutenção dos créditos da contribuição ao PIS e da COFINS, nas situações acima mencionadas, decorre da própria natureza da não-cumulatividade aplicada a essas contribuições.

Por isso, coerente com os ditames constitucionais, o art. 16 do referido ato normativo veio “esclarecer dúvidas”, tendo cunho meramente interpretativo da legislação de regência, notadamente as Leis nº 10.637/02, 10.833/03 e 10.865/04. Nada mais!

Fato é que a referida Medida Provisória foi levada ao crivo do Poder Legislativo Federal que, após algumas emendas parlamentares, foi convertida na Lei nº 11.033 de 21/12/2004, passando a norma interpretativa – que não sofreu qualquer alteração de conteúdo – a constar do art. 17, do referido diploma legal.[10]

Entretanto, as autoridades fiscais – e agora o Superior Tribunal de Justiça – fazendo tábula rasa da necessária coerência do ordenamento jurídico e da expressa motivação do produtor inicial da norma jurídica (Poder Executivo), vêm entendendo que a manutenção dos créditos da contribuição ao PIS e da COFINS, nas hipóteses de receitas desoneradas, cuida de “benefício concedido a integrantes de regime especial de tributação (REPORTO)” e “(...) não se estende aos demais contribuintes do PIS e da COFINS sem lei que autorize.” (STJ RESP 1.140.723/RS)[11].

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A justificativa da Corte Superior para adotar tal entendimento é de que: “o aludido preceito normativo [art. 17 da Lei nº 11.033/04] restringe-se às situações aplicáveis ao REPORTO.”

Isto, ao que se depreende da leitura voto da Ministra Eliana Calmon, relatora no acórdão do RESP 1.140.723/RS, se dá pela simples razão de o dispositivo em comento ter sido positivado na norma que também regula o REPORTO. Diz-se “também”, uma vez que além de disciplinar o regime especial de tributação acima referido, a Lei nº 11.033/04, trata, por exemplo, dos seguintes temas:

a)           Tributação do mercado financeiro e de capitais (arts. 1º ao 5º);

b)           Modificação da redação relacionada à alíquota zero da contribuição ao PIS e da COFINS na aquisição de livros importados, na receita de venda de livros no mercado interno (art. 6º);

c)            Obrigação acessória das sociedades que se dediquem ao Mercado Atacadista de Energia Elétrica (art. 7º);

d)           Regra sobre levantamento ou autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial (art. 19).

Portanto, a referida Lei, apesar de cuidar da instituição do regime especial denominado REPORTO também “dá outras providências”, tal como consta de sua ementa.

E uma dessas outras providências foi, senão, a interpretação legislativa da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, em relação ao creditamento de custos e despesas, que estejam vinculados a receitas de venda de bens e serviços que forem desoneradas dessas contribuições.

Assim, afirmar que a regra interpretativa que consta do art. 17, da Lei nº 11.033/04 seria um benefício fiscal e que se restringiria aos beneficiários do RECOPA atenta contra o art. 195, § 12, da CF/88, bem como contra a finalidade da referida norma, inserida na sistemática infraconstitucional da não-cumulatividade, nos termos em que expressamente motivada pelo Poder Executivo.

Lamentável, portanto, a perfunctória análise judicial do dispositivo legal em comento e o prematuro e incoerente entendimento trilhado por nossa Corte Superior de Justiça.


Notas

[1] “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...)

b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

(...)

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”

[2] Extraí-se esse entendimento conjugando os art. 5º, nas Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, onde está previsto que o contribuinte da COFINS é a pessoa jurídica que auferir as receitas, independentemente de sua classificação contábil, com as exceções contidas nas mesmas leis, notadamente no art. 10.

[3] LUNARDELLI. Pedro Guilherme Accorsi. Não Cumulatividade do PIS e da COFINS. Apropriação de Créditos. Definição de Critérios Jurídicos. IN: RDDT v. 180. São Paulo: Dialética, 2010. p. 132.

[4] CALCINI. Fábio Pallaretti. PIS e COFINS. Algumas Ponderações acerca da não Cumulatividade. IN: RDDT v. 176. São Paulo: Dialética, Maio-2010. p. 48.

[5] “Art. 3º Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

(...)

2º Não dará direito a crédito o valor: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)

I - de mão-de-obra paga a pessoa física; e (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)”

[6] Nesse sentido, a percuciente ponderação de Fábio Pallaretti Calcini: “Ora, sendo a matriz constitucional de tais contribuições a receita, a não cumulatividade e o sistema de abatimento de créditos necessariamente deve estar atrelado também a esta. Deve existir para fins de PIS e Cofins uma não cumulatividade em função da Receita. (Op. Cit. p. 47)

[7] CALCINI, Fábio Pallaretti. Op. Cit.45.

[8] Art. 2º, da Lei nº 10.637/02 e 10.833/03.

[9] Art. 3º, § 1º, da Lei nº 10.637/02 e 10.833/03

[10] “Art. 17. As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações.”

[11] Publicado em 22/09/2010.

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Sobre o autor
Leonardo Farias Alves de Moura

Advogado e Consultor Tributário em Belo Horizonte/MG. Especialista em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Leonardo Farias Alves. Incoerência interpretativa da jurisprudência quanto à (im)possibilidade da manutenção de créditos de PIS e COFINS em relação a custos e despesas vinculados à receita de venda de bens e serviços desonerada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3215, 20 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21568. Acesso em: 23 dez. 2024.

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