1- Introdução:
A presente reflexão visa contribuirpara a questão relacionada à desaposentação, a qual deverá ser examinada de forma definitiva pelo E. Supremo Tribunal Federal como contraponto a tese de sua admissão pelo sistema jurídico atual, cuja única finalidade é contribuir para a discussão e a resolução da questão pela Corte Suprema.
Necessário se faz revisitar os fundamentos do sistema previdenciário, bem como alguns conceitos relativo a renúncia e desistência, bem como de direitos fundamentais e os precedentes que originaram parte da divergência hoje existente para que se possa apresentar conclusão acerca do tema.
2- O Sistema Previdenciário como direito social e as razões da cobertura de determinados eventos:
A concepção primáriado sistema previdenciário advém do pensamento do Chanceler Alemão Otto Von Bismark, o qual idealizou um sistema através do qual se garantia ao trabalhador o recebimento de auxílio estatal em caso de acometimento de incapacidade total de modo permanente ou transitório que impossibilitasse o trabalhador de laborar, desde que o empregador e o trabalhador contribuíssem para o sistema.
As razões que levaram o conhecido chanceler alemão a instituir tal sistema são muito diversas daquelas que informam o atual sistema previdenciário, mas o esboçoda sistemática hoje adotada deriva daquele conceito de garantir ao indivíduo, que trabalhava e contribuía para o sistema, o direito de receber o benefício naquele momento de incapacidade.
A evolução do tema, no curso da história, acabou por ensejar o conceito de que o sistema previdenciário deveria abranger toda a população, a qual deveria, obrigatoriamente, contribuir para o sistema previdenciário universal.
Buscou-se, assim, as receitas necessárias paracobrir determinados riscos que poderiam abarcar qualquer uma das pessoas que compõe a sociedade, sendo esta a contribuição evolutiva de LordBeveridge, baseado nas ideias de um dos maiores economistas do mundo de todos os tempos, John Maynard Keynes.
Esta evolução permitiu a consolidação do entendimento de que ao Estado cumpria não só garantir os direitos individuais políticos e associativos, mas tambémde garantir aos indivíduos determinados serviços essenciais que ensejavam a atuação positiva do Estado de modo que deveria este realizar alguma conduta positiva para garantir tais prestações.
São os denominados direitos fundamentais de 2ª geração ou direitos sociais.
O Constituinte Originário de 1988, atento a esta gama de direitos, plasmou no art. 6º, da Constituição Federal, como direito social, a previdência social, o que é indisputável.
Necessário indicar que o direito socialestabelece a prestação do Estado de determinado elemento aos indivíduos, sendo certo que a prestação deve ser normatizada a fim de garantir o alcance de tal prestação aos indivíduos da forma mais ampla e com a maior qualidade possíveis, além de admitir a subdivisão de tal direito em possíveis subdivisões do direito à previdência social como no caso brasileiro, limitando-se a presente análise ao sistema geral de previdência social e quando necessário, suas intersecções com os demais sistemas.
Em vista destas circunstâncias, o legislador primário foi sábio, ante o período de instabilidade política e social atravessado pela Jovem República e até mesmo a natureza do povo brasileiro em não adequar-se à norma, mas de buscar adequar a norma ao seu estilo de vida, em consignar no Texto Maior, diversas diretrizes básica do direito previdenciário,embora muitas vezes criticado por isto.
Por este motivo, além dos princípios que regem a seguridade social previstos no art. 194, da Constituição Federal, quais sejam,:a universalidade da cobertura e do atendimento; a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; a irredutibilidade do valor dos benefícios; a eqüidade na forma de participação no custeio; a diversidade da base de financiamento d o caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados, estabeleceu um capítulo próprio destinado a ser observadas especificamente no que respeita à previdência social.
As diretrizes constitucionais do sistema previdenciário, que embora tenham sido levemente alteradas pela recente reforma previdenciária apresentada pela Emenda Constitucional n. 20\98 eEmendas Constitucionais ulteriores, foram mantidas praticamente intocadas e indicam que o mesmo deve cobrir eventos de doença, invalidez, idade avançada, a maternidade, com especial proteção à gestante, proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário, a concessão de salário família ou auxílio reclusão aos segurados de baixa renda , a pensão por mote e a aposentadoria por tempo de contribuição, cuja filiação é obrigatória e depende da realização de contribuições e que existe a necessidade ser observado o equilíbrio atuarial, tudo nos termos do art. 201, da Carta Magna.
Denota-se, assim, que a diretriz do sistema previdenciário no âmbito constitucional estabelece quais os eventos que devem ser cobertos pela legislação que lhe der efetividade, mas em nenhum momento indica a forma como deverá ser promovida a garantia de atendimento a tais postulados.
Neste momento, é imprescindível compreender a razão para que seja providenciada a cobertura social das situações narradas no texto constitucional.
Em relação à doença e a incapacidade, a razão é evidente, desde o momento da idealização do sistema por Otto Von Bismark, eis que enquanto enfermo ou inválido , o indivíduo não tem como prover o seu próprio sustento, justificando-se a intervenção do sistema previdenciário junto àquele que é filiado e contribuinte ao sistema de modo a garantir-lhe o recebimento de determinado nível de renda estabelecido na legislação.
Domesmo modo a proteção à idade avançada decorre da compreensão que a partir de determinada idade a capacidade laborativa do indivíduo diminui consideravelmente ou mesmo reduz drasticamente a sua possibilidade de permanecer exercendo atividade laboral, razão pela qual o Estado vê-se premido a auxiliar o indivíduo que por conta da idade não possui condições ou em tese não possuiria condições, observada a média nacional, de permanecer exercendo atividade laboral.
Observe-se que a idade a partir da qual existe a presunção absoluta de incapacidade laboral a fim de que o Estado auxilie o indivíduo de idade avançada deve ser fixada pela legislação ordinária, porque tal elemento é mutável e deriva do aumento da expectativa de vida e da melhoria das condições tecnológicas e sociais aos indivíduos que lhe permitam permanecer produtivos por maior período de tempo.
No que respeita a proteção à maternidade, tem-se que esta situação reconhece a circunstância de que a mulher trabalhadora, durante determinado período de sua gestação,tem sua capacidade laborativa reduzida, seja porque a proximidade do momento de dar a luz requer especiais cuidados, seja porque após o nascimento da criança, esta requer especiais cuidados.
Neste período de reduzida capacidade laboral, deve o Estado auxiliar a gestante a fim de que a mesma tenha condições de gerar seu filho com tranquilidade.
Aliás, os especiais cuidados referentes à gestante são inclusive reconhecidos com a concessão da licença maternidade plasmado como direito social no art. 7º, inciso VIII, da Constituição Federal e que demonstra a especial relevância da proteção à maternidade.
Saliente-se, apenas,que a licença maternidade e a proteção previdenciária da maternidade embora questões conexas, tem-se que são situações distintas, eis que a licença maternidade cinge-se a direito oposto ao empregador, cujo pagamento sem labor pode se estender, ao passo que no salário maternidade tem o prazo indicado na lei previdenciária, que podem ser distintos, embora, por coerência deveriam ser estabelecidos pelo mesmo prazo como forma de ser garantida de forma mais efetiva a proteção à maternidade, sendo esta questão legislativa a ser examinada pelas instâncias próprias.
No que respeita à proteção ao trabalhador em desemprego involuntário,situação que é uma realidade na sociedade capitalista, a proteção previdenciária decorre do próprio reconhecimento de que o desempregado involuntário é um risco de não ter condições de manter-se trabalhando por razões alheias ao mesmo, garantindo a sua subsistência.
Com relação à pensão por morte, o risco coberto remete ao falecimento do indivíduo e a situação de penúria que a ausência de sua remuneração ensejará ás pessoas que dependem do indivíduo economicamente.
A circunstância envolvendo o auxílio-reclusão aos dependentes do segurado de baixa renda tem por objeto garantir aos dependentes docontribuinte ao sistema, que mantenham determinada fonte de subsistência enquanto o contribuinte encontra-se preso e impedido de garantir o provimento da necessidade básica de seus dependentes.
A questão envolvendo o salário família remete ao auxílio estatal decorrente do aumento da família pelo nascimento de filhos do segurado e a necessidade de ser estabelecido auxílio de renda a fim de ser minorado os efeitos da redução de poder aquisitivo decorrente do ingresso na família de novo membro, limitado o auxílio àqueles que não possam garantir padrões mínimos fixados para a sobrevivência da família e a manutenção de dependentes do indivíduo, cujos limites são fixados pela lei ordinária, posto que mutáveis.
A última circunstância protegida decorriado tempo de serviço, atualmente considerado como tempo de contribuição, mas cuja a concepção protetiva permanece a mesma.
Esta cobertura não é usual em alguns sistemas previdenciários e tem como base a consideração de que após determinado período de tempo de trabalho com a contribuição ao sistema, o indivíduo faz jus à prestação do Estado com vistas a que não seja mais necessário o trabalho.
Cinge-se a conceitoinovador que deriva do conceito de sistema de previdência privado em outros sistemas jurídicos e importado ao sistema brasileiro na esfera pública e tem por escopo garantir ao indivíduo o gozo de benefício após determinado período de tempo de serviço de contribuição, considerando o valor das contribuições vertidas.
A descrição dos eventos cobertos é importante para que se compreenda que a ocorrência dos eventos podem ensejar a circunstância da compreensão do sistema da substituição da remuneração do indivíduo por tempo determinado, como são os casos relacionados àproteção à maternidade, ao salário-família, do desemprego voluntário, do auxílio-doença e auxílio-reclusão, ou definitivos, nos casos dos eventos relacionados à incapacidade total e permanente, a idade, a pensão por morte, limitada em relação a alguns até que os mesmos não sejam mais considerados dependentes da fonte de renda, e ao tempo de contribuição.
Por esta razão, em relação aos riscos de natureza transitória, os benefícios tem natureza também transitória, e que em virtudede fatos posteriores a sua concessão, podem alterar as condições em que foram deferidos, inclusive a limitação temporal.
Em relação às prestações de natureza permanente, estasnão estão sujeitas a limitação por fato posterior, salvo no que respeita a cura da incapacidade decorrente do avanço tecnológico da medicina.
Por se tratarem de prestações definitivas, o seu cálculo é efetuado no momento em que o benefício é devido, seja considerado o momento do óbito do indivíduo, seja a ocorrência da incapacidade total e permanente edo implemento da idade, do mesmo modo que a aposentadoria por tempo de contribuição e, anteriormente, a aposentadoria por tempo de serviço.
Saliente-se que em razão de tais riscos estarem cobertos pelo sistema, é vedado ao indivíduo utilizar-se dos mesmos fundamentos que ensejarem a concessão do benefício na forma geralem outro sistema previdenciário, eis que a concessão da prestação está fundada na implementação dos requisitos e se o Estado já cobriu os riscos, não existe risco descoberto a ser suportado por outra espécie de seguro social.
Aliás esta ilação decorre da própria consideração de que o risco já fora coberto em determinado sistema, impossibilitando a utilização do mesmo risco para a concessão de outro benefício já coberto por prestação do Estado.
Por este motivo, o evento já coberto e protegidoatravés da efetiva prestação material no sistema geral de previdência social não deve ser coberto por outro sistema previdenciário especial e vice-versa.
3- Distinção entre renúncia e desistência à prestação previdenciária
A próxima questão a serenfrentada é a distinção entre renúncia e desistência, sem que seja necessário adentrar à tormentosa ponderação acerca da possibilidade, ou não, do indivíduo renunciar a determinado direito social.
A ponderaçãode que, em qualquer caso que não se deseje, voluntariamente, a prestação pecuniária previdenciária ocorre a renúncia, com o máximo respeito às teses lançadas pelos dignos doutrinadores, é incorreta.
Relembre-se que a desistência remete apenas ao não exercício de um direito, resguardada a possibilidade do mesmo ser requerido posteriormente,e a renúncia, à impossibilidade de ser requerido tal prestação em momento ulterior.
A renúncia ao direito de direito à prestação previdenciáriaenseja a consideração de que os fatos que deram ensejam ao direito e o próprio direito à prestação não podem ser exercidos em nenhuma esfera, isto porque, se o indivíduo renuncia à prestação previdenciária, não pode ter coberto o mesmo evento por outro benefício ou sistema, pois ao renunciar ao benefício, estaria renunciando à proteção previdenciária em relação ao evento ocorrido, com a impossibilidade do aproveitamento do evento ocorrido para que fosse constatada a ocorrência de outro evento no mesmo ou em outro sistema previdenciário.
A renúncia a direito social é controversa na doutrina, onde existem alusões à impossibilidade de renúncia a direito fundamental e social.
Ao revés, a desistência na percepção da proteção previdenciária indica que o indivíduo apenas não deseja a prestação previdenciária a que teria direito naquele momento, optando por utilizar o evento coberto por determinada prestação previdenciária de modo diverso, o que seria lícito, eis que não ocorreu renúncia ao direito da prestação previdenciária em relação ao evento, mas apenas a opção pelo não exercício do direito de exigir do Estado a prestação que teria direito.
Neste caso, a desistência à determinada proteção previdenciária remeteria apenas à sua não utilização, admitindo-se a existência do risco e a utilização do risco e dos elementos que ensejariam a prestação previdenciária para a obtenção de outra espécie de proteção, como ocorre em relação aos casos em queo indivíduo possui direito desde logo à aposentadoria por tempo de contribuição proporcional e opta pela na não utilização de tal direito, desistência, com a permanência do labor até implementar os requisitos para a obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição total, ou mesmo entre a aposentadoria por idade não gozada e o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Registre-se que se indica as situações em que o indivíduo tem direito a determinado benefício, mas não exerce tal direito com vistas a obter benefício mais proveitoso.
Este fato não é incomum no sistema e a possibilidade de desistênciaou o não exercício é admitida tanto na teoria dos direitos sociais e fundamentais, sem controvérsia, e é prevista na própria lei previdenciária, ao estabelecer a impossibilidade de cumulação de determinados benefícios.
Em algumas ocasiõesocorre que a desistência imposta pelo sistema, plenamente aceitável, em relação ao recebimento de uma de duas ou mais prestações titularizadas pelo indivíduo, eis que o duplo seguro do risco naquelas situações é considerado como contrário à própria razão da previdência social, que são exatamente as razões que impedem a cumulação de benefícios previstos no art. 124 e a disposição do art. 86, §2º, da Lei 8.213\91.
Anote-se que não existe nenhuma norma que indique a impossibilidade à desistência de um benefício em relação a outro.
A ilação de que a disposição do art. 18, §2º, da Lei 8.213\91 veda a desistência à aposentadoria é equivocada, até porque o citado dispositivo cuida apenas da vedação da cumulação de benefícios pelo indivíduo já aposentado e não da revisão ou modificação do ato concessório da aposentadoria.
Do mesmo modo, rejeita-se as teses muito difundidas de que existiria a renúncia ao direito de prestação previdenciário que somente seria admitido nos casos em que fosse possível a obtenção de direito prestacional mais proveitoso, porque tais assertivas possui a grave contradição de apontar a possibilidade de renúncia condicionada, quando a renúncia é ato próprio que não demanda a aceitação de quem quer que seja, sendo certo que tal parcela da doutrina contradiz a sua própria fundamentação acerca da irrenunciabilidade de direito social, ao admitir a renúncia condicionada e utilizam o termo renúncia que a própria teoria indicada e assentada repeliria.
Cingindo-se a desistência, o ato concessório cinge-se a elemento legal e eficaz até a desistência, motivo pelo qual válida a prestação previdenciária promovida até então, porque válida a relação desenvolvida, sendo desnecessária a devolução das prestações previdenciárias até então adimplidas pelo sistema, porque realizados no momento em que válida a relação prestacional que somente se encerrou pela desistência de se continuar a receber o benefício.
Feita esta consideração, necessário o exame da desistência voluntaria da proteção previdenciária em diversas situações.
4- Da possibilidade da desistência da proteção previdenciária de um sistema com vistas a perceber a proteção previdenciária em outro sistemaprevidenciário mais vantajoso:
A primeira situação e mais simplesde ser examinada remete à circunstância em que o indivíduo desiste da proteção previdenciária em determinado sistema para buscar a proteção qualificada do mesmo ou outro risco em outro sistema previdenciário mais benéfico.
Nesta situação, tem-se que a desistência da proteção previdenciária em um sistemacom obtenção de proteção previdenciária em outro sistema é possível, sendo admissível a comprovação do preenchimento de determinados elementos referentes ao risco coberto perante o outro sistema previdenciário, eis que as receitas relacionadas ao risco serão compensadas pelos diferentes sistemas, sendo esta uma das ilações autorizadas pelo art. 94, da Lei 8.213\91.
Considerando que nesta situação a desistência da proteção previdenciária não ensejará prejuízo ao sistema de proteção social, restandomantido o equilíbrio previdenciário, que apenas repassará a respectiva contribuição ao sistema especializado, a pretensão de desistência da proteção em um sistema com o aproveitamento dos requisitos para a obtenção do risco em outro sistema é perfeitamente possível à míngua de qualquer proibição legal.
Não háque se falar em qualquer restituição ao valor da prestação previdenciária da qual ocorreu a desistência, porque a relação jurídica permaneceu hígida até o momento da desistência, mantendo-se a relação previdenciária que simplesmente se desfez pela desistência à obtenção da proteção previdenciária, cujos efeitos não são retroativos, mas, apenas perspectivos a partir do momento da desistência da prestação, sendo certo que a suas contribuições ao sistema serão repassadas ao novo sistema previdenciário para que aquele novo sistema obtenha os recursos necessários para fazer frente à nova relação jurídica e a prestação previdenciária em favor do indivíduo ao qual estará vinculado.