Sumário: 1 Introdução; 2 Agentes Públicos: conceito; 3 Classificação dos atos administrativos praticados pelos Agentes Públicos; 4 Conceito e natureza jurídica do parecer; 5 Responsabilidade dos Agentes Públicos e a independências de instâncias; 6 Responsabilidade do Advogado Público na elaboração de pareceres jurídicos segundo os Tribunais Superiores; 6.1 Supremo Tribunal Federal; 6.2. Superior Tribunal de Justiça; 6.3. Tribunal de Contas da União; 7 Considerações finais; Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa traçar as linhas, em que se pretende estudar e discutir, sob um prisma legal e prático, a pungente questão da responsabilidade civil, administrativa e criminal do Advogado Público na elaboração de pareceres jurídicos.
A Constituição Federal de 1988 dedicou aos Advogados um capítulo exclusivo, ressaltando a importância que eles exercem dentro do ordenamento jurídico, sendo indispensáveis à Administração da Justiça.
Na esfera pública, diferentemente do direito privado, as condutas dos gestores públicos são pautadas pelo princípio da legalidade estrita, no qual ao ordenamento jurídico funciona como balizamento mínimo e máximo da atuação estatal. Ademais, a atividade pública trata-se de um dever-poder, obrigando-se o administrador a tomar todas suas decisões tendo como referência o interesse público.
É partir desse contexto que a responsabilidade do parecerista jurídico, no âmbito da administração pública, torna-se passível de discussão. A atividade consultiva que os pareceristas jurídicos, mais especificamente os Advogados Públicos, vêm desempenhando, possui papel fundamental na tomada de decisões pelos agentes públicos, que, na maioria das vezes, não possuem o conhecimento técnico necessário para deliberar sobre os questionamentos que surgem no âmbito da Administração Pública.
Contudo, devemos ter em mente que essa responsabilização do Advogado Público é decorrente da atividade administrativa que ele desempenha e não do mero exercício da advocacia pública, propriamente dita.
Assim, o principal objetivo de se discutir a responsabilidade do Advogado Público na elaboração de pareceres é a possibilidade de alertar àqueles que lidam com a coisa pública. Os servidores públicos, sejam eles efetivos ou contratados, submetem-se, indistintamente, na proporção da responsabilidade de que são encarregados, aos parâmetros que regem a Administração Pública.
As condutas praticadas pelos agentes públicos, incluindo nesta categoria os Advogados Públicos, devem ser transparentes, garantindo que todos os cidadãos tenham acesso às informações que apontam as ações a serem praticadas. Quaisquer ações cometidas de forma maliciosa devem ser punidas, devendo tais agentes ter em mente que a proteção constitucional a eles disponibilizada não os exime de culpa pelos atos cometidos, que poderá, inclusive, a depender do caso concreto, culminar em responsabilidade civil, administrativa e penal.
2. AGENTES PÚBLICOS: CONCEITO
Com o advento da Constituição Federal de 1998, especificamente a nova redação de seu artigo 37, os agentes públicos são todas as pessoas físicas que prestam serviço ao Estado, bem como todas as pessoas jurídicas que compõem à administração indireta, como, por exemplo, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.
Considera-se três categorias de agentes públicos, quais sejam, agentes políticos, servidores públicos e particulares em colaboração com o poder público.
Os agentes políticos seriam aqueles responsáveis pelas funções de governo, investidos em cargos, mandatos ou funções, seja por nomeação, eleição ou delegação para o desempenho de atribuições constitucionalmente estabelecidas. Nesta categoria incluem-se os Chefes do Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal, os membros do Poder Legislativo, assim como os membros da Magistratura, Ministério Público, Tribunais de Contas, diplomatas e demais autoridades que atuam com independência funcional no exercício das atribuições governamentais e judiciais.
Nesse ponto, imperioso é destacar o brilhantismo de Celso Antônio Bandeira de Melo:
Agentes políticos são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é a de formadores da República, os Governantes, os Prefeitos, e os respectivos auxiliares imediatos (Ministros e Secretários das diversas pastas), os Senadores, os Deputados e os Vereadores (MELLO, 2005).
Cumpre salientar que a função política consiste na gerência soberana do Estado em seu conjunto, conduzida a determinar os fins primordiais do Estado, de forma que os planos governamentais sejam assinalados e devidamente cumpridos.
Já na categoria de servidores públicos, incluem-se todas aquelas pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração indireta, com vínculo estatutário ou empregatício e mediante remuneração advinda dos cofres públicos.
Os servidores públicos, propriamente ditos, se sujeitam ao regime estatutário e ocupam cargos públicos. Já os empregados públicos são aqueles que apesar de serem considerados servidores públicos por equiparação, submetem-se às normas da legislação trabalhista e ocupam emprego público. Há, ainda, os servidores temporários, que são contratados por tempos determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público. Estes últimos exercem função pública e não se vinculam a cargo ou a emprego público.
Por último, integrando a categoria dos agentes públicos, temos os particulares em colaboração com o Poder Público. São aquelas pessoas físicas que prestam serviço ao Estado, sem, contudo, ter vínculo empregatício, com ou sem remuneração. Podem fazer por meio de delegação do poder público, requisição, nomeação ou designação para o desempenho de funções públicas relevantes.
Destarte, podemos considerar que o Advogado Público é agente público responsável pela consultoria jurídica no âmbito da administração pública. É ele que vai orientar, por meio da elaboração de pareceres, a conduta dos demais gestores públicos, utilizando todo o seu conhecimento jurídico para dar suporte aos atos de governo, garantindo-lhes legalidade e constitucionalidade.
3. CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PRATICADOS PELOS AGENTES PÚBLICOS
A atividade administrativa pressupõe a prática de determinados atos para consecução dos fins a que ela se propõe, chamados de atos da Administração Pública. Dentre eles, se enquadram os atos ajurídicos, que são aqueles que não se preordenam à produção de qualquer efeito jurídico; e os atos jurídicos regidos pelo regime de direito público, que, ao contrário, destinam-se à produção efeitos jurídicos. Visam, portanto, criar, alterar, modificar, extinguir direitos e, ainda, emitir opiniões sobre diversos assuntos ou elucidar problemas freqüentes no âmbito da Administração.
Entende-se, assim, por ato administrativo, toda a manifestação unilateral, concreta ou abstrata, proferida por agente público, incluindo-se nesta categoria os agentes públicos integrantes do legislativo, executivo e judiciário, bem como à declaração de vontade emitida pelo concessionário ou permissionário de serviço público, desde que haja observância do regime jurídico administrativo.
Nas palavras de Diógenes Gasparini, o ato administrativo conceitua-se:
[…] toda prescrição, juízo ou conhecimento, predisposta à produção de efeitos jurídicos, expedida pelo Estado ou por quem lhes faça às vezes, no exercício de suas prerrogativas e como parte interessada em uma relação, estabelecida na conformidade ou na compatibilidade da lei, sob o fundamento de cumprir finalidades assinaladas no sistema normativo, sindicável pelo Judiciário. (GASPARINI, 2011).
Logo, resta claro que os atos administrativos são aqueles decorrentes do uso da autoridade pública, excluindo, por conseguinte, todos aqueles atos praticados segundo o regime de direito privado.
Vale ainda ressaltar, a título de elucidação, que fazem parte do exercício da atividade pública geral mais duas categorias de atos: os atos legislativos, que consistem na elaboração de normas primárias e os atos judiciais, que compreendem o exercício da jurisdição.
No que tange à classificação dos atos administrativos, estes podem ser de administração ativa, consultiva, controladora, verificadora e contenciosa.
Os atos de administração ativa são aqueles responsáveis por criar uma utilidade pública. Constituem, portanto, relações jurídicas. São exemplos de tais atos as autorizações, licenças, nomeações, permissões e concessões de uso e serviços públicos.
Os atos de administração consultiva são atos que informam, elucidam ou recomendam providências essenciais à prática de outros atos administrativos. Incluem nessa categoria os pareceres jurídicos, laudos de avaliação ou técnicos e os informes.
Já os atos de administração controladora são aqueles que impossibilitam ou permitem a produção dos atos de administração ativa, acima ressaltados. Funcionam como uma barreira para fiscalização da legalidade e do conteúdo dos atos de administração ativa. Podem ser prévios, quando forçosos à produção de outros atos; ou posteriores, quando dão eficácia (homologação ou visto, por exemplo) aos demais atos de administração ativa.
Temos ainda os atos de administração verificadora, sendo aqueles que aparam a existência de uma circunstância de fato ou de direito. Incluem-se nesta categoria, os atos que documentam determinada situação, dentre eles o registro de casamento, nascimento e óbito.
Por fim, temos os atos de administração contenciosa, que são aqueles que decidem, no âmbito da Administração Pública, os assuntos de natureza litigiosa, como, por exemplo, um ato de punição do servidor público, por ter este cometido falta grave. Incluem-se nesta categoria os atos de Tribunais Administrativos, como o Fiscal e Marítimo. Vale lembrar que, embora tais atos resolvam um conflito dentro da Administração Pública, jamais farão coisa julgada, pois sempre poderão ser revisto pelo Poder Judiciário, em observância ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Temos, portanto, que todos os atos praticados pelos agentes públicos são considerados atos administrativos, podendo ser, conforme demonstrado, de diversas categorias. Há ainda diversas formas de manifestação dos atos administrativos. Aludidas formas não se confundem com os atos administrativos em si, sendo, tão somente, um veículo para que as vontades neles contidas sejam exteriorizadas.
4. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO PARECER
Segundo Diógenes Gasparini, o parecer:
É a fórmula segunda a qual certo órgão ou agente consultivo expede opinião técnica sobre matéria submetida à sua apreciação. Pode ser normativo se, ao ser aprovado, tornar-se obrigatório para os casos idênticos que surgirem no futuro. De outro lado, o parecer pode ser vinculante ou facultativo para a autoridade que o solicitou. É vinculante quando a decisão da autoridade solicitante está presa às suas conclusões. É facultativo em caso contrário, isto é, quando a autoridade que o demanda não está obrigada a observar as suas conclusões. Se vinculante, à sua conclusão se prende a autoridade competente para decidir. De sorte que será nula a decisão que contrariar, nessa última hipótese, o parecer. (GASPARINI, 2011).
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, parecer é o ato por meio do qual os órgãos consultivos da Administração Pública emitem opinião sobre assuntos jurídicos e/ou técnicos. Ensina que, como muito bem exposto por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, o parecer pode ser de três espécies:
O parecer é facultativo quando fica a critério da Administração solicitá-lo ou não, além de não ser vinculante para quem o solicitou. Se foi indicado como fundamento da decisão, passará a integrá-la, por corresponder à própria motivação do ato. O parecer é obrigatório quando a lei o exige como pressuposto para a prática final do ato. A obrigatoriedade diz respeito à solicitação do parecer (o que não lhe imprime caráter vinculante). Por exemplo, uma lei que exija parecer jurídico sobre todos os recursos encaminhados ao Chefe do Executivo; embora haja obrigatoriedade de ser emitido o parecer sob pena de ilegalidade do ato final, ele não perde seu caráter opinativo. Mas a autoridade que não o acolhe deverá motivar a sua decisão. O parecer é vinculante quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e a acatar sua conclusão. Para conceder aposentadoria por invalidez, a Administração tem que ouvir o órgão médico oficial e não pode decidir em desconformidade com sua decisão. (PIETRO, 2005).
Já nas sábias palavras de José dos Santos Carvalho Filho:
Os pareceres consubstanciam opiniões, pontos de vista de alguns agentes administrativos sobre matéria submetida à sua apreciação. Em alguns casos, a Administração não está obrigada a formalizá-los para a prática de determinado ato: diz-se, então, que o parecer é facultativo. Quando é emitido “por solicitação de órgão ativo ou de controle, em virtude de preceito normativo que prescreve a sua solicitação, como preliminar à emanação do ato que lhe é próprio, dir-se-á obrigatório. Nesta hipótese o parecer integra o processo de formação do ato, de modo que sua ausência ofende o elemento formal, inquinando-o, assim, de vício de legalidade. Refletindo um juízo de valor, uma opinião pessoal do parecerista, o parecer não vincula a autoridade que tem competência decisória, ou seja, aquela a quem cabe pratica o ato administrativo final. Trata-se de atos diversos – o parecer e o ato que o aprova ou rejeita. Como tais atos têm conteúdos antagônicos o agente que opina nunca poderá ser o que decide (CARVALHO FILHO, 2010).
Por último, imprescindível é trazer à baila a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que ensina:
Parecer é a manifestação opinativa de um órgão consultivo expendendo sua opinião técnica sobre o que lhe é submetido. (MELLO, 2005).
Temos, portanto, que o parecer é conceituado para alguns doutrinadores como um ato administrativo opinativo ou consultivo e será vinculante somente se a Administração for obrigada a solicitá-lo e a acatar a sua conclusão.
Lado outro, há autores que entendem que o parecer não tem caráter de ato administrativo, consistindo em uma opinião emanada de um dos órgãos da Administração Pública. Tais autores entendem que o parecer não tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos seus administrados, razão pela qual é consubstanciado em mera manifestação de vontade.
5. RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS E A INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS
Quando falamos em responsabilidade Estatal, levamos em consideração os três tipos de funções pelas quais se divide o poder dos Estados, quais sejam a jurisdicional, a legislativa e a administrativa. Contudo, as duas primeiras responsabilidades incidem em casos inusitados, razão pela qual trataremos apenas da responsabilidade no âmbito da Administração Pública.
Diferentemente do direito privado, em que a responsabilidade exige sempre um ato que seja contrário a lei (ilícito), no âmbito do direito público, a responsabilidade do Estado pode decorrer de acontecimentos que, embora sejam considerados lícitos, causem a determinadas pessoas gravame maior do que aquele imposto aos demais integrantes da coletividade.
Nesse sentido, muito bem salientou José dos Santos Carvalho Filho:
No que diz respeito ao fato gerador da responsabilidade, não está ele atrelado ao aspecto da licitude. Como regra, é verdade, o fato ilícito é que acarreta a responsabilidade, mas, em ocasiões especiais, o ordenamento jurídico faz nascer a responsabilidade até mesmo de fatos ilícitos. Nesse ponto, a caracterização do fato como gerador da responsabilidade obedece ao que a lei estabelecer a respeito. (CARVALHO FILHO, 2010).
Assim, conclui-se que o fato que gera a responsabilidade está atrelado à natureza da norma que o contempla. Por tais razões, se a norma tiver natureza administrativa, a responsabilidade será aquela contemplada no âmbito da Administração Pública; se tiver natureza penal, a sua violação provoca responsabilidade penal; e, por fim, se a norma for de natureza civil, a realização do fato gerador previsto da norma acarretará a responsabilidade civil.
Destarte, sendo as normas independentes entre si, as responsabilidades serão, também, autônomas, podendo àquele que violar determinada norma jurídica, ser responsabilizado nas três esferas: penal, civil e administrativa.
No que tange à responsabilidade dos Agentes Públicos, dispõe a Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 37, §6º, que o Estado é civilmente responsável pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. É sabido que a atuação estatal é consubstanciada pela conduta de seus agentes, haja vista que o Estado é pessoa jurídica e não pode, em tese, causar dano a ninguém.
Dessa forma, verifica-se que o Estado somente será responsabilizado pelos danos em que seus agentes, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-la, causarem a terceiros.
Conforme já visto em tópico anterior, o termo agente compreende todas aquelas pessoas cuja vontade seja atribuída ao Estado e que com este possuem vínculo jurídico. Dentre eles, destacam-se os membros dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, servidores administrativos, agentes temporários, sem vínculo típico de trabalho e agentes colaboradores (sem remuneração).
6. RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO PÚBLICO NA ELABORAÇÃO DE PARECERES JURÍDICOS SEGUNDO OS TRIBUNAIS SUPERIORES
Ao analisar a responsabilidade do Advogado Público na elaboração de pareceres jurídicos, o Supremo Tribunal Federal (STF), discutiu a possibilidade de atribuir ao Advogado a responsabilidade solidária, nos casos em que o parecer é emitido para ordenação de despesa no âmbito da Administração.
No Mandando de Segurança nº 24.073 o STF debateu as chances de o Advogado Público ser responsabilizado quando opina pela contratação direta, sem licitação. No referido julgamento, adotou-se o posicionamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, entendendo os julgadores que o parecer não tem natureza jurídica de ato administrativo, por se tratar, apenas, de uma manifestação consultiva, uma opinião técnico-jurídica de um dos órgãos da Administração Pública. No julgamento houve ressalva apenas para os pareceres elaborados com evidente má-fé.
Juntamente com o argumento supracitado, o STF adotou a tese de que o Advogado é protegido pela Constituição Federal de 1988, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão. Nesse ponto, imperioso mencionar os argumentos trazidos pelo Ministro Carlos Veloso:
Ora, o direito não é uma ciência exata. São comuns as interpretações divergentes de um certo texto de lei, o que acontece, invariavelmente, nos Tribunais. Por isso, para que se torne lícita a responsabilização do Advogado que emitiu parecer sobre determinada questão de direito é necessário demonstrar que laborou o profissional com culpa, em sentido largo, ou que cometeu erro grave, inescusável. (DISTRITO FEDERAL, 2002).
Todavia, ao longo dos anos, o Excelso Tribunal foi modificando o seu entendimento e passou a entender que, o parecerista jurídico público somente seria responsável nos casos que a sua conduta tivesse colaborado diretamente para o ato do gestor público que causou danos a terceiros.
Em 2005, no julgamento do MS n. 24.584 o STF debateu novamente o tema. Desta vez, com novo posicionamento: a Corte enfrentou a possibilidade de o Advogado Público ser responsabilizado em determinadas hipóteses, como no caso daquela elencada no art.38, parágrafo único da Lei de Licitações (Lei. 8666/93).
Ao contrário do julgamento do MS n. 24.073, acima mencionado, no julgamento do MS n.24.584, o STF entendeu que o parecer é espécie de ato administrativo, razão pela qual, dependendo do caso concreto, o parecerista jurídico público poderá ser responsabilizado.
Para tanto, analisou as três modalidades de consulta: facultativa, obrigatória e vinculante, vejamos:
A autoridade não se vincula à consulta emitida na primeira hipótese, que é facultativa; fica obrigada a realizar o ato tal como submetido à consultoria na segunda hipótese, podendo agir de forma diversa após emissão de novo parecer e, na terceira hipótese, somente pode decidir de acordo com a consulta. (DISTRITO FEDERAL, 2007)
A partir do referido julgamento, a Corte suprema firmou o entendimento de que no caso do parecer emitido nos termos do artigo 38 da Lei de Licitações (8.666/93), o ato administrativo praticado pelo agente público ficará submetido ao prévio exame e aprovação do órgão jurídico, razão pela qual há possibilidade de eventual responsabilização solidária do parecerista jurídico. O relator do processo ressaltou, ainda, que o parecer emitido em tais situações não se trata apenas de peça opinativa, mas de aprovação. Advertiu ainda que:
[...] na maioria das vezes, aquele que se encontra na ponta da atividade relativa à Administração Pública não possui condições para sopesar o conteúdo técnico-jurídico da peça a ser subscrita, razão pela qual lança mão do setor competente. A partir do momento em que ocorre, pelos integrantes deste, não a emissão de um parecer, mas a aposição de visto, a implicar a aprovação do teor do convênio ou do aditivo, ou a ratificação realizada, constata-se, nos limites técnicos, a assunção de responsabilidade. (DISTRITO FEDERAL, 2007).
Na verdade, o STF entendeu que na situação acima analisada, a conduta do parecerista apresentou nexo causal direto com a conduta do ordenador de despesas, responsável por causar danos ao erário público.
Hoje, podemos afirmar que o STF tem posição sedimentada no que tange à diferenciação quanto às espécies de pareceres emitidos pelos advogados públicos, sendo eles facultativos, obrigatórios ou vinculantes.
No caso do parecer vinculante, o ato administrativo é entendido pela Suprema Corte como ato complexo, existindo um verdadeiro reparte do poder decisório, sendo o órgão consultivo pressuposto para a perfeição do ato.
6.2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ)
Neste Tribunal, a posição adotada é mais conservadora, admitindo a responsabilização do advogado público apenas em casos excepcionais.
As três espécies de pareceres, facultativo, obrigatório e vinculante, não existem nos julgados do STJ. Vejamos um trecho do voto do Ministro Humberto Martins que bem elucida o posicionamento da Corte:
[...] É possível, em situações excepcionais, enquadrar o consultor jurídico ou o parecerista como sujeito passivo numa ação de improbidade administrativa. Para isso, é preciso que a peça opinativa seja apenas um instrumento dolosamente elaborado, destinado a possibilitar a realização do ato ímprobo. Em outras palavras, faz-se necessário, para que se configure essa situação excepcional, que desde o nascedouro a má-fé tenha sido o elemento subjetivo condutor da realização do parecer. Todavia, no caso concreto, a moldura fática fornecida pela instância ordinária é no sentido de que o recorrido atuou estritamente dentro dos limites da prerrogativa funcional. Segundo o Tribunal de origem, no presente caso, não há dolo ou culpa grave. [...]. (DISTRITO FEDERAL, 2010).
Temos, portanto, que, segundo o STJ, para que o advogado público seja responsabilizado na emissão de pareceres jurídicos, deverá haver dolo ou erro inescusável do mesmo, em razão da proteção constitucional dada ao advogado.
6.3 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
O Tribunal de Contas da União adota uma postura nada conservadora, admitindo a possibilidade de o advogado público, titular de cargo ou emprego público, ser responsabilizado por pareceres exarados no âmbito de sua competência.
Este Tribunal defende a tese de que o fato de o advogado não desempenhar função de diretoria ou execução administrativa não o exclui da fiscalização feita pelos órgãos responsáveis.
Em vários julgados, o Tribunal destacou que, muitas vezes, o parecer é o grande responsável pelas contratações irregulares que ocorrem no âmbito da administração pública, situações que geram danos ao erário.
Para o TCU, é dever do advogado público examinar, com o devido rigor, as situações concretas a ele apresentadas, levando em consideração a legislação, doutrina e jurisprudência aplicáveis ao caso.
Contudo, este Tribunal entende que, para que haja responsabilização do advogado público, imprescindível é que haja o nexo causal existente entre a posição adotada no parecer omisso ou desarrazoado com as irregularidades nos gastos públicos e danos ao erário.
Ademais, segundo o TCU, o advogado público deve ser responsabilizado no caso de elaboração de pareceres omissos, desarrazoados e sem fundamento legal.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O debate sobre a responsabilização do Advogado Público na elaboração de pareceres jurídicos é, seguramente, muito mais abrangente do que aquele feito no presente trabalho. Muito embora não se trate de assunto novo, encontra-se, ainda, em fase de amadurecimento, sendo tema de grande controvérsia no meio jurídico.
Apesar da proteção constitucional dada ao Advogado, restou demonstrado, ao longo desse trabalho, que o advogado deve, em situações excepcionais, ser responsabilizado por erros decorrentes do exercício de sua profissão, principalmente quando esta se dá no âmbito da Administração Pública, que lida com o interesse da coletividade.
Cumpre advertir que nenhuma garantia constitucional deve ser interpretada de maneira absoluta, podendo ser relativizada em prol do interesse público. Além disso, apesar do entendimento quase que enraizado de que o parecer elaborado pelo Advogado Público é ato meramente opinativo, não podemos deixar de considerar que ele integra a categoria dos atos administrativos em espécie, uma vez que trata-se de uma manifestação de vontade emanada da própria Administração Pública. O parecer jurídico deve ser preciso, razoável e capaz de mostrar uma visão jurídica aceitável para a situação concreta.
Assim, independente da diferenciação feita por alguns autores e até mesmo pela jurisprudência pátria, que divide o parecer em três espécies, não sendo ele bem fundamentado, deve o parecerista jurídico ser responsabilizado. Ou seja, pouco importa se o parecer é facultativo, obrigatório ou vinculante. Esta distinção deve ser desconsiderada no caso de pareceres mal elaborados, desarrazoados e omissos.
Obviamente que, em se tratando de omissão legislativa, desde que o parecer seja pautado em uma tese aceitável, devidamente fundamentada, seja em doutrina ou jurisprudência, o parecerista jurídico não poderá ser responsabilizado. Em tais casos, somente há de se falar em responsabilidade solidária do Advogado Público quando o parecer for formulado com o nítido intento de burlar a probidade administrativa, auxiliando dolosamente a prática do ato administrativo ilegal.
Vale lembrar que lutar pela probidade, não significa sacrificar de forma desmedida e injusta àqueles que atuam dentro da razoabilidade em prol, inclusive, do interesse dos próprios entes públicos.
Destarte, conclui-se, sobretudo, que a responsabilização do Advogado Público somente deverá ocorrer nos casos em que a tese defendida no parecer for desarrazoada e sem qualquer fundamento, bem como nos casos em que restar provado a intenção do parecerista de influenciar na prática no ato ímprobo.
REFERÊNCIAS
- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23 ed. Rio de Janeito: Lumen Juris, 2010.
- DISTRITO FEDERAL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança, nº 24.073/DF. Relator: Min. Carlos Veloso, 06 nov. 2002. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=86081>. Acesso em: 17 fev.2012.
- DISTRITO FEDERAL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança, nº 24.584/DF. Relator: Min. Marco Aurélio, 09 ago. 2007. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=534997>. Acesso em: 17 fev.2012.
- DISTRITO FEDERAL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial, nº 1183504/DF. Relator: Min. Humberto Martins, 17 jun. 2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1183504&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3>. Acesso em: 17 fev.2012.
- GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
- PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005.