5. ANTECIPAÇAO DE TUTELA INAUDITA ALTERA PARTE À LUZ DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.
A Constituição Federal pelo art. 5º, XXXV garante ao cidadão não somente o direito formal de arguir uma ação, mas o direito a uma tutela apropriada e eficaz.
Os princípios, desse modo, desempenham papel de elementos norteadores da interpretação das normas legais e por conseguinte, servem de alicerce a busca pelo cidadão da efetivação de seus direitos como sinônimo de guarda ao princípio fundamental do Estado brasileiro que é a dignidade da pessoa humana.
Assim nos leciona Celso Antônio Bandeira de Melo:
É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais greve que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apena s a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço e corrosão de sua estrutura mestra (1996, p. 546).
Contumaz, a perseguição contínua pela celeridade na solução dos processos tropeça, em varias ocasiões, no exacerbado formalismo, cabendo, portanto ao magistrado, como mediador do processo, a obrigação de, sem é claro pisar no contraditório e na ampla defesa, buscar o desfecho mais rápido e menos gravoso as partes. O que justifica, de logo, ser o magistrado dotado de incontáveis mecanismos, aos quais cite-se o da antecipação de tutela sem a oitiva da parte contrária, para apresentar solução digna ao processo colocado a jurisdição estatal.
Logo, não são poucas as ocasiões em que nos deparamos com uma decisão fundada em um elevado grau de certeza, após cognição completa e consumada, mas que na prática não terá valor algum posto ter o direito perecido por ineficácia inoportuna do sistema processual brasileiro. O que se ganha em segurança com a espera de um processo burocrático pelo formalismo se perde em efetividade na entrega ainda que efêmera do bem da vida.
Justamente para suprir esse vazio nasceu o instituto da tutela antecipada que posteriormente recebeu ainda o aprimoramento pelo seu provimento por meio de decisão inaudita altera parte.
Destarte, tornou-se imperioso a aplicação do binômio - acesso à justiça e efetividade-, a interpretação aliada desses princípios ao instituto da tutela antecipada sem a oitiva da parte contrária, asseguram não só o acesso ao judiciário e a consequente satisfação do seu direito, como também a simplificação e o gozo antecipado da solução pleiteada, dirigindo-se a proteção da decadência do direito sob juízo.
Cumpre ressaltar deste modo, que não há lei processual que obste a concessão de tutela antecipada inaudita altera parte, logo não existe lei dotada de poder capaz de controlar de forma absoluta as ocasiões de ameaça. No mais, tal provimento deve se dá apenas nas situações em que a oitiva do réu possa substancialmente afetar a efetividade da tutela antecipada, compartilha igualmente dessa linha de pensamento o ilustríssimo jurista Luiz Guilherme Marinoni.
Fica claro, então, que o instituto da antecipação de tutela inaudita altera parte é indispensável na resolução das circunstancias de prejuízo iminente, não podendo desse modo aguardar o desfecho normal do processo, sob pena de se entregar uma tutela desnecessária e inútil.
Ratifica:
NECESSIDADE DE JUSTIFICAR O JUSTO RECEIO OU RISCO DE LESÃO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO - A antecipação da tutela de mérito, concedida liminarmente e sem audiência da parte contrária, não configura violação do contraditório senão que seu deferimento para momento subsequente, justificado pela urgência na proteção do interesse jurídico ameaçado ou lesionado. É lícito ao Juiz, para antecipar a tutela de mérito, invocar como fundamento da decisão os elementos de convicção da petição inicial do autor e documentos a ela inclusos. À antecipação da tutela basta a verossimilhança do direito alegado, consubstanciada no juízo de possibilidade de acolhimento definitivo da pretensão, e que se extrai de cognição sumária, que não comporta pronunciamentos definitivos, pena de pré-julgamento da causa. A compreensão do que seja lesão grave e de difícil reparação, para que não se percam os objetivos do legislador de 1994, deve abranger a consideração de que como tal pode ser entendida a frustração da efetividade do provimento definitivo, o que, por si só, já autoriza antecipação da tutela de mérito.(ex vi TJRJ – 5.ª Câm. Civil; Agravo de Instrumento n.°6.456/99-RJ; Rel. Des. Carlos Raymundo Cardoso; j. 14.09.1999) (grifo nosso).
Os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa são verdadeiras garantias reservadas aos indivíduos em litígio judicial. O princípio da ampla defesa configura-se como o direito garantido ao réu de lhe entregar condições possibilitadoras de levar ao processo “todos” os elementos hábeis a elucidar a verdade dos fatos, já o princípio do contraditório se firma pela dialética processual, com a exteriorização da própria ampla defesa. Assim, entenda-se que a cada ato apresentado a parte que se achar interessada será atribuída o direito de resposta. .
O princípio constitucional à ampla defesa observa o imperativo de apresentação de defesa técnica no processo, propiciando à igualdade de subterfúgios postos a disposição das partes, evitando assim a parcialidade.
O princípio do contraditório, em complementação ao princípio de ampla defesa, firma a equidade no fornecimento às partes das mesmas chances e dos mesmos aparelhos processuais para que possam expressar suas verdades, em exercício de seus direitos.
Ensina Nelson Nery Junior:
O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do contraditório (2002, p. 130).
Assim a concessão de tutela antecipada sem oitiva da parte contrária, o que, em um primeiro momento, poderia significar ofensa as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, acaba na verdade por promover a efetividade da jurisdição, sem contudo comprometer os princípios em questão, posto possuir a tutela em sua essência o caráter provisório, podendo ser revogada a qualquer tempo e estando em harmonia com o exercício livre dos primados constitucionais.
O instituto da tutela antecipada, é bem verdade, favorece bem mais o autor do que o réu. Posto que as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa tendem a ser abrandadas, tendo em vista à efetividade da jurisdição, porém isso não significa que tais preceitos constitucionais sejam esquecidos, ao contrario ao réu é garantida a chance de oferecer defesa. Inexiste assim o argumento de que a tutela antecipada não segue orientação principiológica constitucional, logo tais princípios não são suprimidos, apenas postergados, visando a guarda da celeridade, traduzida pela efetividade da jurisdição.
Candido Rangel Dinamarco entende que:
Isso significa que não basta alargar o âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, sendo também indispensável aprimorar internamente a ordem processual, habilitando-a a oferecer resultados úteis e satisfatórios aos que se valem do processo. Um eficiente trabalho de aprimoramento deve pautar-se por esse trinômio, não bastando que o processo produza decisões intrinsecamente justas e bem postas, mas tardias ou não traduzidas em resultados práticos desejáveis; nem sendo desejável uma tutela jurisdicional efetiva e rápida, quando injusta. Para a plenitude do acesso à justiça importa remover os males resistentes à universalização da tutela jurisdicional e aperfeiçoar internamente o sistema, para que seja mais rápido e mais capaz de oferecer soluções justas e efetivas. É indispensável que o juiz cumpra em cada caso o dever de dar efetividade ao direito, sob pena de o processo ser somente um exercício improdutivo de lógica jurídica (2005, p. 133).
Verifica-se, que o provimento da medida de tutela de forma inaudita altera partes, tão só se justifica se a convocação do réu ao oferecimento de resposta prejudicar verdadeiramente a eficácia da medida, de outra forma deve o juiz chamar a parte contrária a apresentar defesa. Tem-se assim a concessão de tutela sem oitiva da parte contrária como via de exceção, sempre em observância a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Por fim, a partir de 1994, pelo uso anormal da medida cautelar inominada, já prevista no Código de 1973 e na Lei nº 1.533/51, brotou em nosso sistema processual a inspiração de constituir o direito de maneira prática e efetiva, a celeridade processual passou a ser sinônimo de justiça o que desencadeou a reforma processual com a ampliação do alcance das medidas cautelares e criação formal do instituto da tutela antecipada.
Essa nova estrutura sistemática processual, fomentou ainda mais o princípio da eficácia da função jurisdicional ao imputar ao magistrado a força de produzir elementos peculiares do processo de execução ainda no processo de cognição, como expressão de justiça ao diminuir as desvantagens do elemento temporal no processo, que em contrapartida se opõe ao elemento segurança, mas que funciona como verdadeiro ideal de efetividade.
José Roberto dos Santos Bedaque:
Se já presentes os pressupostos legais no momento da propositura da ação, nada impede seja a antecipação concedida antes mesmo do ingresso do réu no processo. Nem mesmo a exigência do contraditório constitui empecilho insuperável à posição ora adotada. São inúmeras as hipóteses de liminar inaudita no sistema processual. Tal solução, excepcional evidentemente, não viola o contraditório, pois a parte contrária, ao tomar conhecimento da medida, possui meios prontos e eficazes para alterá-la. E o princípio em questão, como, de resto, todos os demais, deve ser analisado em conformidade com os escopos maiores do sistema processual (2002, p.31).
O instituto da tutela antecipada abriu as portas para matérias polêmicas, a exemplo disso, o provimento de liminar inaudita altera parte à luz dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Hoje tal polêmica já foi superada, e pacificada na doutrina e jurisprudência em face de não existir impedimento a concessão dessa medida quando da demonstração de perigo iminente, visando à efetiva prestação jurisdicional, sem sacrifício é claro dos princípios constitucionais.
Corrobora tal ensinamento a lição do Ilustríssimo jurista Theodoro Junior:
É evidente que sem efetividade, (...), não se pode falar em processo justo. E não sendo rápida a resposta do juízo para a pacificação do litígio, a tutela não se revela efetiva. Ainda que afinal se reconheça e proteja o direito violado, o longo tempo em que o titular, no aguardo do provimento judicial, permaneceu privado de seu bem jurídico, sem razão plausível, somente pode ser visto como uma grande injustiça (2008, p. 37) (grifo nosso).
Por tudo o que foi explanado, permanece a certeza de que o instituto da tutela antecipada por liminar inaudita altera parte se harmoniza corretamente com as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, posto que a parte contrária tem assegurado o contraditório, ainda que postergado.
Conquanto o provimento do instituto de tutela antecipada inaudita altera partes deve, necessariamente, ter sua aplicação sempre de maneira razoável, em observância aos reais prejuízos que de fato a morosidade processual poderá acarretar, destacando que tais danos devem ser avaliados para ambas as partes em litígio e não tão só para o autor, o binômio necessidade real x possibilidade, resta apresentado como reflexo dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade que se firmam em viabilização do princípio ainda maior: a dignidade humana. Dignidade em ter acesso ao judiciário, em receber do poder jurisdicional o bem da vida, traduzido pela efetividade, em mitigação aos também princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa e em respeito ao devido processo legal.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 8ª edição. São Paulo: Malheiros, 1996.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório. In Causa de Pedir e Pedido no Processo Civil – questões polêmicas. José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (coord). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I, São Paulo, Malheiros, 2005.
MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de Tutela. 9. ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2006.
NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7. ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2002.
NERY JÚNIOR, Nelson e ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 7. ed. São Paulo: RT, 2003.
PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
SADEK, Maria Tereza (org). Acesso à justiça. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001.
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
ABSTRACT
This article has as mark the exam of the concession of the institute of the unheard protection alters part in confrontation to the constitutional beginnings of the contradictory and legal defense. The unheard decisions alter parts healthy of great application in the routine juridical position to be her to guarantee of the effective delivery of the good of the life. However, in compensation such constitutional guaranties find - if reduced, although momentarily. That pitch divides opinions, soon the juridical safety's sacrifice, base of the effective jurisprudence, if it would turn indispensable element to the reach of the very largest than it is the justice through the procedural effectiveness. The research will present the advantages and obstacles of the concession of the premature protection without calling the adversary party, establishing brief form the pertinence of such a measure, the moment adapted for his/her application, as well as their practical reflexes before the beginnings of the contradictory and legal defense.
Word-key: Unheard premature protection alters part, Contradictory and legal defense, Safety juridical, Imminent damage.