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Aspectos jurídicos do princípio da inviolabilidade do sigilo das comunicações.

Alcance do art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal

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Não há uma tendência pela admissibilidade das interceptações telefônicas sem autorização judicial no processo penal, até em função da existência da Lei específica, a qual regula a admissibilidade de tal prova nesta esfera. Já no que diz respeito às gravações clandestinas, estas têm tido maior receptividade.

1.0                       INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por escopo tecer algumas considerações acerca dos principais aspectos jurídicos do princípio da inviolabilidade do sigilo das comunicações, apresentando entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do alcance do dispositivo constitucional inserto no inciso XII, do art. 5º da Carta Maior.

Não se pode ignorar, pois, divergências tanto na doutrina quanto nos Tribunais pátrio acerca do referido princípio. Alguns juristas defendem a inviolabilidade absoluta, no tocante ao sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, sendo admissível apenas a quebra do mesmo quando se tratar de comunicações telefônicas, a partir da edição da lei nº 9.296/96. Por outro lado, alguns defendem a relativização do princípio, sob o argumento de que não há garantias individuais de forma absoluta.

Assim, para a consecução dos objetivos do presente trabalho, proceder-se-á a um levantamento jurisprudencial e, também doutrinário, buscando-se demonstrar posicionamento dos juristas brasileiros a respeito do alcance da norma constitucional quanto ao sigilo das comunicações, especialmente no processo penal. Dar-se-á enfoque à posição de alguns Tribunais nacionais, mormente o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quando do exame da matéria.

Por fim, trata-se de um tema que ganhou destaque com a necessidade cada vez maior de o indivíduo resguardar sua intimidade, principalmente frente ao desenvolvimento dos meios de comunicação, cabendo aos operadores do Direito, diante do caso concreto, decidir acerca da relativização ou não do direito individual ao sigilo das comunicações, ante o princípio da proporcionalidade.


2.0                       O PRINCÍPIO DA INVIOLABILIDADE DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES

O preceito constitucional objeto da presente análise encontra-se inserido no Título II, da Constituição Federal, o qual é intitulado “dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Reservou-se tal seção do referido diploma legal para a tutela do particular contra a ação infundada, ou lesiva, do estado e dos demais membros da coletividade.

Não há como negar que existem certas manifestações da pessoa que se destinam a permanecer inacessíveis ao conhecimento alheio, ou acessíveis a um grupo reduzido de pessoas, a quem o sujeito permita tal comunicação.[1]

Cada indivíduo, ao manter suas relações sociais utilizando-se de instrumentos de comunicação, tem o direito de ter suas conversas ou informações mantidas no mais absoluto sigilo, sem que as mesas sejam objeto de divulgação a outras pessoas.

Sobre os progressos tecnológicos, especialmente na área de telefonia, Luiz Torquato Avolio diz que: “O emprego de meios eletrônicos para conhecer ou documentar o conteúdo de conversações telefônicas é, atualmente, bastante comum e difundido. Devido aos progressos da tecnologia, são, na prática, acessíveis não apenas às autoridades públicas, mas também ao homem comum”.[2]

No Brasil, a difusão dos recursos eletrônicos de captação de conversas telefônicas é alarmante e indiscriminada. É muito comum encontrarmos nos jornais anúncios de detetives que oferecem, dentre outros serviços, instalação de escutas telefônicas.

Antônio Magalhães Gomes Filho, ao tratar da questão da proteção constitucional do sigilo das comunicações, ensina que:

Tradicionalmente, até porque essa era a única forma de comunicação entre as pessoas que estavam em lugares diversos, o objeto da proteção estava limitado à correspondência epistolar, mais recentemente, com os avanços da tecnologia, problemas correlatos e delicados surgiram igualmente em relação às formas modernas de comunicação, e especialmente as telegráficas, de dados informatizados e telefônicas.[3]

Exatamente em função desta evolução e para manter uma postura que já se propagava em Constituições anteriores, o Constituinte de 1988 estabeleceu no art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal que:

“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e nas formas que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

A tutela do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas representa dispositivo indispensável para a consecução de um estado de Direito, com respeito às prerrogativas do indivíduo. Os direitos individuais devem ceder em face de interesses mais abrangentes, que repercutem em toda a sociedade. Assim, a própria norma constitucional, in fine, prevê exceção à exigibilidade do sigilo dos dados acima mencionados. Porém, é importante que se diga que essa exceção não é de entendimento unânime na doutrina e jurisprudência dos Tribunais, conforme analisaremos a seguir.

Estabeleceu-se, assim, expressamente que a intimidade da pessoa deve ser protegida, inclusive sua privacidade de comunicação através dos diversos meios, dentre os quais, os telefônicos.

Deve, ainda, ser lembrado o disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que integra o sistema constitucional brasileiro, e que consagra o respeito da vida privada e familiar, do domicílio e da correspondência, dispondo, ainda, que “ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação”, assegurando a todas as pessoas o direito à proteção da lei contra tais ingerências ou ofensas (arts. 9º e 11).

Como afirmado alhures, neste século, o desenvolvimento na área de telecomunicações foi assustadora, e com o telefone se transformando num instrumento imprescindível das relações sociais, cresceram, também, de forma avassaladora, os meios de violação às conversações, pó isto a preocupação cada vez maior com a proteção da vida privada de cada indivíduo.

Conforme se depreende do artigo supracitado (CF, art. 5º, inciso XII), o mesmo foi e continua sendo motivos de grandes discussões processuais, visto que o Constituinte abriu uma brecha para a possibilidade do ingresso no direito à intimidade das comunicações telefônicas, transformando-o não em um direito absoluto (haja vista que nenhum direito constitucional é absoluto, pois tem que conviver com os demais), mas em um direito que admite exceções.

Ora, não é por menos que a Professora Ada Pellegrini Grinover, a despeito dessas exceções e equívocos deixados pelo legislador Constituinte quando da redação dada ao inciso XII, do art. 5º, CF/88, afirma de forma contundente que:

Foi a Comissão de Redação que, exorbitando de seus poderes, acrescentou ao texto as palavras “comunicações”, “no último caso” e “penal”, limitando consideravelmente o alcance da norma constitucional legitimamente aprovada em plenário. (...) No meu sentir, a redação restritiva do inciso XX do art. 5º da Constituição é formalmente inconstitucional, por vício de competência e afronta ao processo legislativo. (...) resta saber se o vício teria ficado superado pela promulgação. Tudo indica que não: assim como a sanção não sana o defeito de iniciativa, no tocante às normas infraconstitucionais, do mesmo modo parece-me que a promulgação, em bloco, não teve o condão de convalidar a norma, viciada pela competência e pela violação ao processo legislativo (votação em dois turnos).[4]

Na mesma esteira, queda-se o posicionamento do Professor Luiz Flávio Gomes, que ao tecer comentários acerca da origem e da ratio leglis da Lei 9.296/96, assim leciona:

Como se percebe, garantiu-se como regra o direito à intimidade (ao sigilo das comunicações telefônicas), mas ao mesmo tempo abriu-se a possibilidade (de modo explícito) de uma lei regulamentadora, conformadora ou limitadora do direito constitucional em questão. Estamos, como se nota, diante de uma “reserva de lei”, mais precisamente frente a uma “reserva legal qualificada”, porque já no texto maior acham-se presentes alguns requisitos mínimos que compulsoriamente deveriam ser contemplados pelo legislador infraconstitucional.[5]

Ultrapassada a fase de discussões acerca da redação dada ao art. 5º, durante muito tempo se discutiu se o Código de Telecomunicações supriria aquela exigência de legislação reguladora (no final do inciso XII, do art. 5º da CF), decidindo-se pela não aplicabilidade, fazendo com que, em 1996, o legislador infraconstitucional publicasse a lei nº 9.296 (Lei das Interceptações Telefônicas) para regular a parte final do referido inciso da Constituição Federal.

Assim, até a edição da Lei nº 9.296/96, o entendimento do Tribunal era no sentido da impossibilidade de interceptação telefônica, mesmo com autorização judicial, em investigação criminal ou instrução processual penal, tendo em vista a não recepção do art. 57, II, e da Lei nº 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações).

Analisando o texto da lei nº 9.296/96, a sempre citada Ada Pellegrini Grinover assevera que:

Não se duvida da urgente necessidade de promulgação de lei disciplinadora da quebra do sigilo das comunicações telefônicas, que até tardou demais, principalmente em face da firma posição do Supremo Tribunal Federal quanto à indispensabilidade para legitimar as ordens judiciárias autorizadoras. Mas é forçoso reconhecer que a lei nº 9.296/96 apresenta inúmeros defeitos, não configurando o projeto de que se originou a melhor proposta entre as oferecidas ao Congresso Nacional.[6]

Com efeito, o art. 5º, inciso XII da Carta Magna já foi objeto de questionamento, no Supremo Tribunal Federal, tendo o mesmo instado pela impossibilidade de aplicação da Lei nº 4.117/62, consoante se infere das seguintes ementas:

“O art. 5º, XII, da Constituição, que prevê, excepcionalmente, a violação do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, não é auto-aplicável: exige lei que estabeleça as hipóteses e a forma que permitam a autorização judicial. Precedentes. a) Enquanto a referida lei não for editada pelo Congresso Nacional, é considerada prova ilícita a obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando haja ordem judicial (CF, art. 5º, LVI). b) O art. 57, II, a, do Código Brasileiro de Telecomunicações não foi recepcionado pela atual Constituição, a qual exige numerus clausus para a definição das hipóteses e formas pelas quais é legítima a violação do sigilo das comunicações telefônicas. A garantia que a Constituição dá, até que a lei o defina, não distingue o telefone público do particular, ainda que instalado em interior de presídio, pois o bem jurídico protegido é a privacidade das pessoas, prerrogativa dogmática de todos os cidadãos. As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, art. 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente.” (HC 72.588, Rel. Min. Mauricio Corrêa, DJ 04/08/00). No mesmo sentido: HC 74.586, DJ 27/04/01.

“É ilícita a prova produzida mediante escuta telefônica autorizada por magistrado, antes do advento da Lei nº 9.296, de 24.07.96, que regulamentou o art. 5º, XII, da Constituição Federal.” (HC 74.116, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 14/03/97)

“Interceptação telefônica. Prova ilícita. Autorização judicial deferida anteriormente à Lei nº 9.296/96, que regulamentou o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. Nulidade da ação penal, por fundar-se exclusivamente em conversas obtidas mediante quebra dos sigilos telefônicos dos pacientes.” (HC 81.154, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19/12/01)

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Nesta premissa, eis o que ensinam os doutos Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho, ao tratarem da Lei 9.296/96:

Enquanto a aludida lei não foi promulgada, somente existiam para disciplinar a matéria os dispositivos do Código de Telecomunicações. Todavia, essa lei não cuidava das hipóteses a que alude o inc. XII do art. 5º da Constituição, (...). Assim, não se podia dizer que o Código de Telecomunicações suprisse a exigência constitucional. Enquanto não promulgada a lei disciplinadora das hipóteses e formas das interceptações e escutas telefônicas, não havia base legal para a autorização judicial.[7]

Como já exposto, com o advento da Constituição Federal de 1988, o art. 5º, inciso XII, determinou a proteção do sigilo das comunicações telefônicas, mas acrescentou a possibilidade de interceptação telefônica, mediante ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução penal, na forma que a lei estabelecer.

A norma que se incumbiu desta regulamentação foi a já citada Lei nº 9.296/96, que só tem aplicabilidade no âmbito do processo penal, em que, em determinadas situações, se o caso concreto assim permitir, a própria autoridade judiciária poderá autorizar a interceptação telefônica, quando entender presentes os requisitos legais, quais sejam: indícios de autoria ou participação; necessidade da prova, por não existir outro meio possível de se provarem os fatos alegados, e, que o suposto crime seja apenado com reclusão.

Entretanto, tendo em vista que a Constituição é silente no que se refere as hipóteses de violabilidade de dados, forçoso é concluir que a vedação concernente a inviolabilidade de dados disposta no art. 5º, inciso XII da Constituição é de natureza absoluta. Impõe-se, por conseguinte, a seguinte indagação: seriam os dados invioláveis em qualquer outro meio, salvo quando estes são transmitidos por via telefônica?

O mestre Vicente Greco Filho, em sua obra acerca da lei 9.296/96, sintetiza seu entendimento, asseverando:

A conclusão é a de que a Constituição autoriza, nos casos nela previstos, somente a interceptação de comunicações telefônicas não a de dados e muito menos as telegráficas (aliás, seria absurdo pensar na interceptação destas, considerando-se serem os interlocutores entidades e análogas à correspondência)[8]

Por outro lado, entendendo o Professor Alexandre de Moraes que nenhuma liberdade individual é absoluta, assim leciona:

Ocorre, porém, que apesar de a exceção constitucional expressa referir-se somente à interceptação telefônica, entende-se que nenhuma liberdade individual é absoluta, sendo possível, respeitados certos parâmetros, a interceptação das correspondências e comunicações telegráficas e de dados sempre que as liberdades públicas estiverem sendo utilizadas como instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas.[9]

É importante mencionar que a lei de interceptação de dados telefônicos não tratou das gravações clandestinas, portanto não pode o magistrado autorizá-las, no entanto, a doutrina entende ser esta moralmente menos reprovável que aquela, devendo o magistrado, no caso concreto, diante de tais provas decidir sobre a sua admissibilidade ou não, aplicando o princípio da proporcionalidade e, assim, respeitando as garantias constitucionais.

Desta forma, sabendo que por um lado se tem o princípio da proibição da prova ilícita que visa proteger direitos fundamentais como o sigilo das comunicações, e, de outro, há o princípio da proporcionalidade que reconhece que em algumas situações se justifica o afastamento de um direito em prol de outro, alguns Tribunais pátrios divergem acerca da admissibilidade ou não da prova obtida por meio ilícito, não havendo, pois, pacificidade.

Decidiu a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em Hábeas Corpus 75.261/MG:

“Interceptação telefônica e gravação de negociações entabuladas entre seqüestradores, de um lado, e policiais e parentes da vítima, de outro, com o conhecimento dos últimos, recipiendários das ligações. Licitude desse meio de prova. Precedente do STF: (HC 74.678, 1ª Turma, 10-6-97). 2. Alegação improcedente de perda de objeto do recurso do Ministério Público estadual. 3. Reavaliação do grau de culpabilidade para fins de revisão de dosagem da pena. Pretensão incompatível com o âmbito do habeas corpus. 4. Pedido, em parte, deferido, para suprimento da omissão do exame da postulação, expressa nas alegações finais, do benefício da delação premiada (art. 159, § 4º, do Código Penal), mantidas a condenação e a prisão” (STF – Rel. Min. Octávio Gallotti – j. em 24.06.1997 – DJ 22.08.1997) (grifos acrescidos).

Em Consonância, decidiu o Pleno do STF:

“Habeas corpus. Prova. Licitude. Gravação de telefonema por interlocutor. É lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista. Ordem indeferida.” (STF – HC 75.338/RJ – Rel Min. Nelson Jobim – j. Em 11.03.1998)

Ao comentar esta decisão, esclarece César Dário Mariano da Silva que:

o fundamento utilizado pelos Ministros abraça a teoria da proporcionalidade, já que, sopesando os valores constitucionais em confronto, evidentemente deve prevalecer aquele que vai de encontro do bem da sociedade. Nunca alguém poderá se valer de uma garantia constitucional para praticar um ato ilícito.[10]

Em sentido contrário, assim decidiu o Colendo STF:

I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação. (...) IV. Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores. 5. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores - cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito - mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. (...)” (STF – HC 80949/RJ – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – j. em 30.10.2001 – DJ 14.12.2001)

1 – Os meios de prova ilícitos não podem servir de sustentação ao inquérito ou a ação penal. 2 - as provas produzidas no inquérito ora em exame - gravações clandestinas - além de afrontarem o princípio da inviolabilidade do sigilo de comunicações, cerceiam a defesa e inibem o contraditório. (...) (STF – RHC 63.834/SP – 2ª Turma – Rel. Min. Aldir Passarinho – j. em 18.12.1986).

As decisões sobre o assunto no Supremo Tribunal Federal, apesar de algumas serem anteriores à promulgação da Constituição Federal, já demonstram a divergência acerca da admissibilidade das provas obtidas por interceptação e/ou gravação clandestina, e não há como, neste Tribunal, afirmar-se, pelo que se pode perceber, existir uma jurisprudência pacífica; porém, se pode depreender que na decisão de 1997 (a primeira acima colacionada) já há que se falar na corrente intermediária, pois, apesar de a princípio poderem ser aquelas provas consideradas ilícitas, pela simples aplicação do art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, no caso concreto, os eminentes Ministros sopesaram os valores em jogo e entenderam considerarem tais provas como lícitas.

Por outro lado, no último caso trazido, como a questão girava em torno de problemas previdenciários (fraude), entenderam os magistrados pela aplicação do princípio da proibição da prova ilícita, mesmo que na época não houvesse ainda a sua proibição expressa (1986).

Segundo H. Weitnauer, citado por Milton Fernandes, as cortes alemãs, em sintonia com a proporcionalidade, “admitem a fixação e a escuta clandestina desde que necessária ao descobrimento de um ato criminoso; se através delas se provam relações de adultério; se existe um legítimo interesse de ordem privada ou pública”.[11]

O Superior Tribunal de Justiça tem demonstrado, também de forma não unânime, que, na área do processo penal, tende-se a adotar o princípio da proporcionalidade, ainda que não o façam expressamente, entendendo em muitos casos pela admissibilidade das gravações clandestinas em das interceptações, esta com mais reserva (em razão da existência de lei expressa estabelecendo os casos em que poderia ser utilizada, e porque moralmente mais reprovável), decidindo assim que o princípio da proibição da prova ilícita, principalmente quando relacionado ao direito ao sigilo das comunicações telefônicas, não deve ser interpretado de forma absoluta. Neste sentido: “A jurisprudência desta Corte tem firmado o entendimento de que a gravação de conversa por um dos interlocutores não configura interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal” (RHC 10.534/RJ – Rel. Min. Edson Vidgal – j. em 13.11.2000 – DJ 11.12.2000).

Adotando a corrente intermediária, mas entendendo pela repulsa à interpretação:

“II – Embora esta turma já se tenha manifestado pela relatividade do inc. XII (última parte) do art. 5º da CF/1988 (...), no caso concreto o marido não poderia ter gravado a conversa a arrepio de seu cônjuge. Ainda que impulsionado por motivo relevante, acabou por violar a intimidade individual de sua esposa, direito garantido constitucionalmente (art. 5º, X)” (STJ – ROMS 5.352/GO – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – j. em 27.05.1996 – DJ 15.11.1996).

Desta feita, como forma de corroborar o antes afirmado da necessidade da análise do caso concreto, é imperioso colacionar decisão proferida pela 5ª Turma do STJ, em Recuso de Habeas Corpus:

“1. A gravação de conversa por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal. 2. Pelo Princípio da Proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cujo harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à intimidade.” (STJ – RHC 7.216/SP – Rel Min. Edison Vidigal – j. em 28.07.1998 – DJ 25.05.1998)

Como se vê das decisões acima colacionadas, não há uma tendência pela admissibilidade das interceptações telefônicas sem autorização judicial no processo penal, até em função da existência da Lei específica, a qual regula a admissibilidade de tal prova nesta esfera.

Já no que diz respeito às gravações clandestinas, estas têm tido maior receptividade, desde que estejam em conflito valores de maior importância, do que aqueles que se contrapõem a tal admissibilidade, afastando-se assim o princípio da proibição da prova ilícita e se adotando, ainda que indiretamente, o princípio da proporcionalidade.

A teoria, hoje dominante, da não admissão das provas colhidas com infringência às garantias constitucionais, tem sido atenuada por outra tendência, que adota o chamado critério da proporcionalidade (na Alemanha) ou da razoabilidade (nos Estados Unidos da América), pelo qual, em certos casos, pode-se admitir a prova obtida de forma ilícita, tendo em vista a relevância do interesse público a ser preservado e protegido.

No entanto, a admissibilidade da interceptação telefônica não autorizada é quase nula, pois nesta situação, tendo em vista a interferência de um terceiro, há uma afronta mais grave à Constituição Federal que vedou de forma expressa as interceptações no processo penal, que não reguladas por lei infraconstitucional. A violação do direito à intimidade, neste caso, é extrema, não havendo que se falar em proporcionalidade.

Quanto á gravação clandestina, a receptividade é mais ampla, ficando tendente para a sua admissibilidade, não a considerando ofensiva ao sigilo da intimidade e, conseqüentemente, não a considerando ilícita, mormente quando a proteção ao valor que está em conflito com o direito ao sigilo das comunicações telefônicas se mostrar mais relevante, justificando-se a aplicação do princípio da proporcionalidade.

O Supremo Tribunal Federal, de igual modo, empregou a doutrina da proporcionalidade, embora com a ressalva de que, no caso concreto analisado, a prova tida como ilícita não constituía o único elemento probatório (HC 70.814-5, j. 1.3.94, relator Min. Celso de Mello, RT 709/418, nov. 1994). É o que se pode depreender do arresto abaixo:

“A prova ilícita, caracterizada pela escuta telefônica, não sendo a única produzida no procedimento investigatório, não enseja desprezarem-se as demais que, por ela não contaminadas e dela não decorrentes, formam o conjunto probatório da autoria e materialidade do delito. Não se compatibiliza com o rito especial e sumário do habeas corpus o reexame aprofundado da prova da autoria do delito. Sem que possa colher-se dos elementos do processo a resultante conseqüência de que toda a prova tenha provindo da escuta telefônica, não há falar-se em nulidade do procedimento penal.” (HC 75.497, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 09/05/03).

A aplicação do chamado “princípio da proporcionalidade”, apenas e tão-só em favor do imputado (prova ilícita “pro reo”), constitui assunto polêmico na doutrina. Entretanto, no confronto entre uma proibição de prova, ainda que ditada pelo interesse de proteção a um direito fundamental e o direito à prova da inocência parece mais “razoável” que este último deva prevalecer, não só porque a dignidade da pessoa humana constitui valor insuperável, na ótica da sociedade democrática, mas também porque o próprio estado não pode interessar a punição do inocente, o que poderia significar a impunidade do verdadeiro culpado.

Segundo Luiz Torquato Avolio, “a doutrina tem se limitado a considerar a divulgação de gravação sub-reptícia de conversa própria apenas quando se trate de comprovar a inocência do acusado, o que não deixa de constituir manifestação da teoria da proporcionalidade”.[12]

Assim é o posicionamento do advogado José Henrique Barbosa Moreira Lima Neto, em artigo acerca da inviolabilidade de dados, ao citar exemplo de aplicação do princípio da proporcionalidade quando do conflito entre direitos constitucionalmente assegurados, verbis:

Assim, quando o magistrado se deparar, v.g., com a situação onde a interceptação de uma comunicação de dados seja imprescindível para o resguardo do direito à vida, a interceptação pode e deve ser deferida com supedâneo na Lei Maior, em face do confronto e ponderação dos interesses constitucionais envolvidos, aplicando-se o princípio da proporcionalidade.[13]

Em conformidade com o exposto acima, eis como têm se posicionado alguns doutrinadores, dentre os quais Nelson Nery Júnior, que assim leciona:

A conversa telefônica gravada por um dos protagonistas sem o conhecimento do outro é válida pois não foi obtida ilicitamente. Ao tratar dos documentos obtidos para formar prova no processo penal, o CPP, art. 233, parágrafo único, dispõe que “as cartas poderão ser exibidas em juízo pelo respectivo destinatário, para a defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário”. Portanto, é válida a prova em juízo, obtida por um dos participantes ou signatários de comunicação por carta ou qualquer outro meio, mesmo sem o consentimento do signatário ou do co-partícipe. O fundamento do CPP, que legitima a utilização desta prova, é que sua obtenção não foi ilícita.[14]

Apresentando outros fundamentos para a admissibilidade da gravação clandestina, temos o ensinamento de César Dario Mariano da Silva, que afirma:

Poder-se-ia falar em violação à intimidade de um dos interlocutores, ao relevar-se um segredo. Ora, se o emissor ou receptor houve por bem divulgar a sua conversa, poderá fazê-lo sem que isso implique violação à intimidade, da mesma forma que é permitida pelo art. 233, parágrafo único do Código de Processo penal a exibição de cartas recebidas pelo destinatário para a defesa de seu direito, mesmo sem autorização do signatário.[15]

Tal posição restou assentada no Habeas Corpus nº 74.678, da lavra do Relator Ministro Moreira Alves, conforme segue a ementa do respectivo acórdão:

“Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna).” (STF - HC 74.678, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 15/08/97)

Entrementes, em que pesem entendimentos em contrário, não há dúvida de que o diploma legal em evidência é de grande valia no combate ao crime sob todas as suas formas, e em especial aos denominados “crimes do colarinho branco”, onde a colheita de provas se constitui numa tarefa bastante árdua, uma vez que o indivíduo que realiza esse tipo de conduta delituosa geralmente possui um alto nível de escolaridade, estando apto a tomar cuidados especiais no intuito de não deixar vestígios de sua ação criminosa.

Por fim, ainda no tocante ao inciso XII, do art. 5º, da Carta Magna, surge o questionamento se: é lícito ao estado devassar correspondência dos condenados durante a execução de pena privativa de liberdade? Ou seja, ao condenado a pena privativa de liberdade é assegurado o direito ao sigilo da correspondência?

Compulsando os enunciados da Lei de Execução Penal (lei nº 7.210/84), em seu art. 3º, encontramos que : “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. Mais adiante, no art. 41, inciso XV, a mencionada norma assegura o contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

Sinteticamente, data venia entendimentos em contrário, interpretando a Lei de Execução penal juntamente com o dispositivo Constitucional em análise, entendemos mais razoável que o “contato com o mundo exterior” por meio de correspondência pode ser suspenso ou restrito, desde que seja para a manutenção da ordem pública. Se o Estado pode o mais, privar fisicamente o condenado do contato com o mundo exterior com a imposição de pena privativa de liberdade, tão certo é que poderá, motivadamente, alargar este isolamento com a suspensão ou restrição, sempre temporárias, do contato por correspondência. Não se pode, porém, interpretar o dispositivo para atingir outro direito integrante da intimidade individual, o qual será inadequado e ilegal.

Corroborando esse entendimento, afirma o professor Alexandre de Moraes, com espeque em decisão do STF HC 70.814-5/SP – 1ª Turma, Rel Min. Celso de Mello, DJ 24.06.1994 – RT 709/418):

Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal pela possibilidade excepcional de interceptação de carta de presidiário pela administração penitenciária, entendendo que a “inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”.

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Sobre o autor
Dijonilson Paulo Amaral Veríssimo

Bacharel em Direito pela UFRN. Especialista em Direito Público pela UFRN. Especialista em Direito Tribuário pela Anhanguera-Uniderp. Especialista em Direito Previdenciário pela Anhanguera-Uniderp. Advogado. Procurador Federal/AGU. Chefe da Subprocuradoria Regional da PFE-INSS em Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERÍSSIMO, Dijonilson Paulo Amaral. Aspectos jurídicos do princípio da inviolabilidade do sigilo das comunicações.: Alcance do art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3225, 30 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21651. Acesso em: 22 dez. 2024.

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