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A institucionalização da mudança dos paradigmas jurídico-valorativos e a democratização das relações sociais de gênero

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03/05/2012 às 08:25
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Capítulo 04 – A APLICABILIDADE NORMATIVA CONFORME A METODOLOGIA DE INTERPRETAÇÃO QUANTO AOS PROCEDIMENTOS JURÍDICOS ADEQUADOS AO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO

A metodologia interpretativa por muito tempo utilizada na leitura das normas sempre fora a literal, representando a origem de interpretação em se constituir um limite no possível sentido dos termos da lei. Assim, caberá ao intérprete da lei observar a essência da compreensão do sentido do texto jurídico, dando vida a cada vocábulo e reproduzindo por meio de outras expressões o pensamento exteriorizado da questão em concreto, mostrando o real/verdadeiro sentido de uma palavra, extraindo da frase, sentença ou norma tudo que nela contém ou visa conter.

Ocorre que, os tempos mudaram, o direito evoluiu e a prepotência jurídica de não precisar de nenhuma outra ciência para solução dos conflitos pessoais e sociais ficou para trás.

Com relação à compreensão do sentido da fundamentação no decisium, Robert Alexy (2005, p.37-38) ensina que “a decisão tomada em qualquer nível da fundamentação é, assim, uma decisão sobre o que deve ou pode ser feito ou omitido. Com ela, a ação ou comportamento de uma ou várias pessoas é preferido em relação a outras ações ou comportamentos seus, isto é, um estado de coisas é preferido em detrimento de outro. Na base de tal ação de preferir está, contudo, a enunciação da alternativa eleita como melhor em algum sentido e, portando, uma valoração ou juízo de valor”. A aplicação da lei dependerá do valor dado a cada proposição pelo seu intérprete.

Dessa forma, extrai-se que o simples “texto da lei” se apresenta insuficiente para solucionar os conflitos contemporâneos, a valoração das condutas e situações, cada vez mais necessita de uma compreensão e posterior interpretação conglobada com o contexto social inserido. Dizia Heráclito que os homens estóicos eram aquelas pessoas que faziam parte de uma mesma razão universal, ou seja, o “logos” e tais pessoas eram capazes de escolher entre os bens e os males, não significando isto, no entanto, uma ação moral. Os valores estão arraigados ao entendimento humano, “o conhecimento dos valores é a priori e ideal, ainda que se revele por meio de uma emoção diante de um fato real. Seu caráter híbrido mostra-se em processar-se de maneira primariamente emocional e apenas secundariamente racional” (ADEODATO, 2005, p.182).

Os valores estão disciplinados na categoria própria dos objetos reais e ideais, simplesmente valem na medida em que qualificam alguma coisa (este o ponto central do problema – quem, onde, quando e como valorar algo), quer seja no plano real quer seja no plano ideal.

A valoração é absoluta e, ao mesmo tempo, universal, sendo as normas fundadas nestes valores e ligadas à cultura, à história, à língua, entre outros. Cada cultura, cada sociedade, cada indivíduo expressam seus valores. Uma discussão racional sobre os valores permite uma percepção da preocupação em manifestar seus fundamentos.

Miguel Reale (1998, p. 497-580) adota, em sua teoria tridimensional do direito, que embora concebendo o valor como um ser ideal, um dever ser, ele admite uma invariante axiológica, ou seja, o valor depois de sua criação pode até vir a ser esquecido, porém como acontecimento histórico se torna uma invariante e não pode ser eliminado, deixando assim claro a insuficiência da interpretação literal.

A normatividade jurídica é sempre dependente de uma medição, de uma análise de valores. Não poderia ser diferente na medida em que o caráter prescritivo do direito sempre se volta para a conduta social dos indivíduos, dando ao direito um caráter, ao mesmo tempo normativo e social.


Considerações Finais

É notório que a Lei nº 11.340/2006 trouxe mais visibilidade sobre a questão do gênero e do enfrentamento à violência gênero neste âmbito.

A luta pela efetiva igualdade entre homens e mulheres não é tão simples a ponto de ser resolvida com a mera criminalização de condutas ou estabelecendo direitos mais amplos às mulheres. A conscientização de cada um e da sociedade em si é o ponto mais importante. Apenas cobrar políticas públicas também não é suficiente, cumpri-las e fiscalizá-las são as melhores formas ao enfrentamento às questões de gênero, assim como, para propiciar a diminuição das desigualdades entre homens e mulheres e uma baixa no quantitativo da violência doméstica.

A valorização e o respeito às mulheres devem ser executados por todos, inclusive pelos agentes públicos que, em razão da falta de treinamento, de uma formação humanística, agem – por diversas vezes – como se as vítimas fossem as próprias culpadas ou se expusessem em risco.

Entre o pleito do movimento feminista e as razões dos operadores jurídicos estão bens jurídicos maiores: saúde, integridade física, dignidade da pessoa humana, cidadania.

A mulher-objeto-submissa deve ser apenas vista como mulher, aliás, como ser humano. De igual sorte, o homem-controlador deve ser apenas o homem, o ser humano.

A relação de gênero, sob o âmbito das instituições, ainda é algo que necessita de esclarecimentos, treinamentos dos agentes públicos, eficácia preventiva e uma adequada aplicabilidade das medidas repressivas.

Criminalizar as condutas não impede a realização do comportamento proibido pela lei e, ainda, caracteriza a absoluta ineficácia legislativa no que se refere à prevenção e as consequências decorrentes das violências de gênero.

A Lei nº 11.340/2006 constitui um avanço na defesa dos direitos das mulheres e às questões da violência de gênero. A complexidade e os dilemas do tema são maiores do que a norma, configurando – ainda – um embate entre classes feministas e operadores jurídicos. Tem, de um lado, o pleito para a punição via encarceramento do sujeito agressor; de outro, temos o precário e ineficaz sistema carcerário. O discurso clama um procedimento jurídico mais adequado ao enfrentamento da violência de gênero.

Boa parte dos autores jusnaturalistas tenta construir sistemas dedutivos e axiomáticos e, posteriormente, os adeptos do positivismo jurídico de base jusracionalista consideram o direito como posto num sistema de regras lógicas engendradas pela vontade racional.

O raciocínio jurídico foi reduzido a mero silogismo no qual a dedução de cada caso resultaria, necessariamente, da dedução de regras abstratas tomadas como espécies de premissas axiomáticas. Entretanto, este resultado mostrou-se absolutamente inaceitável no plano jurídico, tendo em vista que sua regulação se sustenta sobre valores e princípios finalísticos tendentes a preservar para a sociedade e para os indivíduos que a compõem por meio de bens espirituais e materiais necessários à existência digna e pacífica.


Referências

A história da Maria da Penha. Disponível em: http://www.mariadapenha.org.br/a-lei/a-historia-da-maria-da-penha/ Acesso em 05 jun. 2011.

ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo, Saraiva, 2005.

ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. A teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. Zilda Hutchinson Schild Silva (trad). São Paulo: Landy Editora, 2005.

ARAÚJO, Vanessa. Enfrentamento ao machismo é objetivo da Marcha das Vadias no Recife. Disponível em: http://ne10.uol.com.br/canal/cotidiano/grande-recife/noticia/2011/06/10/enfrentamento-ao-machismo-e-objetivo-da-marcha-das-vadias-no-recife-277041.php Acesso em 18 jun. 2011

BASTOS, Tatiana Barreira. Violência doméstica e familiar contra a mulher: análise da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Porto Alegre: Verbo Jurídico Editora, 2011.

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DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

FORSTER, Susan Christina. Canção: violência contra a mulher. Um tapinha dói, sim! Disponível em: http://jus.com.br/artigos/11282>. Aceso em 05 jun de 2011.

LANU, Bianca. Carta Manifesto da Marcha das Vadias em Brasília: Por que marchamos? Disponível em: http://partonobrasil.blogspot.com/2011/06/carta-manifesto-da-marcha-das-vadias-de.html Acesso em 19 jun. 2011.

Letra da música: A dança do aparpa. Disponível em: http://letras.terra.com.br/daniel/1334537/ Acesso em 08 fev 2012.

Letra da música: Adultério. Disponível em: http://letras.terra.com.br/mc-catra/936360/ Acesso em 08 fev 2012.

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Letra da música: Agora virei puta. Disponível em: http://letras.terra.com.br/gaiola-das-popozudas/1350205/ Acesso em 18 jun. 2011.

Letra da música: Chá de sumiço. Disponível em: http://letras.terra.com.br/avioes-do-forro/1385611/ Acesso em 08 fev 2012.

Letra da música: Deita na BR. Disponível em: http://letras.terra.com.br/avioes-do-forro/1757555/ Acesso em 18 jun. 2011.

Letra da música: Mulher não vale um real. Disponível em: http://letras.terra.com.br/avioes-do-forro/689365/ Acesso em 08 fev 2012.

Letra da música: Resposta Larguei Meu Marido Agora Como Puta. Disponível em http://letras.terra.com.br/gaiola-das-popozudas/1762463/ Acesso 18 jun. 2011.

Letra da música: Um tapinha não dói. Disponível em: http://letras.terra.com.br/furacao-2000/15575/ Acesso em 08 fev 2012.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Editora Vozes, 2010.

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REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

Rapelay: Game que simula estupros. Até onde os games podem chegar? Disponível em: http://nerdicetotal.blogspot.com/2011/11/rapelay-game-que-simula-estupros-ate.html#ixzz1qtEcJmgp Acesso em 18 fev 2012.

VIANNA, Túlio. Desvelar o machismo. Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_materia.php?codMateria=9206 Acesso em 08 fev 2012.


Notas

[1] Disponível em: http://copodeleite.rits.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/noticias.shtml?x=460 Acesso em 03 jun. 2011

[2] Disponível em: http://www.nucleomulher.ufrgs.br/feminismo.htm Acesso em 03 jun. 2011.

[3] Idem.

[4] Disponível em: http://www.mariadapenha.org.br/a-lei/a-historia-da-maria-da-penha/ Acesso em 05 jun. 2011.

[5] Idem.

[6] Letra da música: Mulher não vale um real. Disponível em: http://letras.terra.com.br/avioes-do-forro/689365/ Acesso em 08 fev 2012.

[7] Letra da música: Chá de sumiço. Disponível em: http://letras.terra.com.br/avioes-do-forro/1385611/ Acesso em 08 fev 2012.

[8] Letra da música: Adultério. Disponível em: http://letras.terra.com.br/mc-catra/936360/ Acesso em 08 fev 2012.

[9] Letra da música: A dança do aparpa. Disponível em: http://letras.terra.com.br/daniel/1334537/ Acesso em 08 fev 2012.

[10] Letra da música: Um tapinha não dói. Disponível em: http://letras.terra.com.br/furacao-2000/15575/ Acesso em 08 fev 2012.

[11] Letra da música: Deita na BR. Disponível em: http://letras.terra.com.br/avioes-do-forro/1757555/ Acesso em 18 jun. 2011.

[12] Letra da música: Agora virei puta. Disponível em: http://letras.terra.com.br/gaiola-das-popozudas/1350205/ Acesso em 18 jun. 2011.

[13] Letra da música: Resposta Larguei Meu Marido Agora Como Puta. Disponível em http://letras.terra.com.br/gaiola-das-popozudas/1762463/ Acesso 18 jun. 2011.

[14] Rapelay: Game que simula estupros. Até onde os games podem chegar? Disponível em: http://nerdicetotal.blogspot.com/2011/11/rapelay-game-que-simula-estupros-ate.html#ixzz1qtEcJmgp Acesso em 18 fev 2012.

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Sobre a autora
Natália Gonçalves Barroca

Graduação em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira (2006). Especialização em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Superior de Magistratura de Pernambuco em convênio com a Faculdade Maurício de Nassau. Atualmente é professora universitária (Faculdades da Escada) e chefe de gabinete/secretária parlamentar - Câmara Municipal do Recife. É professora convidada na Escola Superior de Advocacia de Pernambuco - ESA-OAB/PE, no Excelência Concursos e na ESURP. Tem experiência na área de Direito do Consumidor, Direito Penal, Direito Processual Penal, Criminologia, Introdução ao Estudo do Direito e Direitos da Criança e do Adolescente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROCA, Natália Gonçalves. A institucionalização da mudança dos paradigmas jurídico-valorativos e a democratização das relações sociais de gênero. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3228, 3 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21665. Acesso em: 8 nov. 2024.

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