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Acesso à justiça e devido processo legal

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07/05/2012 às 11:26
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Do devido processo legal

Conforme Câmara, o princípio do devido processo legal tem origem na Magna Carta inglesa: “Nenhum homem livre será detido ou aprisionado dos seus bens ou dos seus direitos legais ou exilado ou de qualquer modo prejudicado. Não procederemos nem mandaremos proceder contra ele, a não ser pelo julgamento regular dos seus pares ou de acordo com as leis do país”.

Segundo Canotilho, a fórmula “de harmonia com as leis do país” não era clara. Eduardo III, em 1354, em sua leitura da Carta utilizou a expressão “(...) não no enunciado linguístico ‘de hamonia com a lei do país’, mas uma fórmula semanticamente mais rica mas também mais indefinida: ‘processo devido em direito” (2003, p.493).

No seu conceito, Canotilho diz que “(...) processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade” (Idem, p.493).

Contudo, ainda indaga este mesmo autor sobre como qualificar um processo como justo e quais são os critérios materiais orientadores do caráter “devido” ou “indevido” de um processo. As respostas levam à ideia de duas concepções de “processo devido”: a material e a processual. A primeira, “(...) limita-se a dizer que uma pessoa ‘privada’ dos seus direitos fundamentais da vida, liberdade e propriedade tem direito a exigir que essa privação seja feita segundo um processo especificado na lei”. A segunda,

(...) pretende justificar a ideia de um processo justo, pois uma pessoa tem direito não apenas a um processo legal mas sobretudo a um processo legal, justo e adequado, quando se trate de legitimar o sacrifício da vida, liberdade e propriedade dos particulares. (Canotilho, 2003, p. 494)

O devido processo deixou de ser uma garantia apenas de dimensão processual para abranger também a dimensão substantiva, em que se preza por um procedimento justo em si como forma de proteção dos direitos fundamentais. Como observa Portanova, o devido processo “(...) não pode ser aprisionado dentro dos traiçoeiros lindes de uma mera fórmula. O princípio é produto da história, da razão, do fluxo das decisões passadas e da inabalável confiança na força da fé democrática que professamos” (2001, p. 147), de modo que não permanece estático e deve sempre estar em harmonia com a pretensão de se atingir uma ordem jurídica justa, não se tratando apenas de um mero procedimento.

Está assegurado pela Constituição Federal em seu art. 5º, LIV: Ninguém será privado da liberdade ou seus bens sem o devido processo legal.

Para Didier Jr., “Aplica-se o princípio genericamente a tudo que disser respeito à vida, ao patrimônio e à liberdade” (2008, p. 30).

Theodoro Júnior considera que o princípio do devido processo legal “(...) pressupõe não apenas a aplicação adequada do direito positivo, já que lhe toca, antes de tudo, realizar a vontade soberana das regras e dos princípios constitucionais” (2008, p. 25).

Por fim, parafraseando Rui Barbosa, Rangel, para enfatizar a importância do devido processo, ainda comenta: “(...) não há pena sem processo nem processo senão pela Justiça” (2010, p. 04).

 


Conclusão

Examinadas as rápidas ideias discutidas, é possível apresentar alguns pontos fundamentais.

A questão do acesso à justiça não se limita à possibilidade de obter uma prestação judicial. Trata-se de uma questão de maior abrangência, o que significa dizer que deve ser analisada à luz da organização de toda a sociedade, considerando todos os aspectos da produção e distribuição das riquezas, de tal forma que esse processo não seja controlado somente por minorias, as quais o conduzirão segundo seu próprio interesse.

Não envolve somente a postura ativa do Judiciário, mas sim do Poder Público, em suas três faces, bem como através da participação popular, da sociedade civil organizada, etc., de tal modo a garantir, efetivamente, a participação consciente e plena dos sujeitos na direção dos rumos que tomará toda a sociedade.

Numa perspectiva específica, no âmbito do acesso ao Judiciário, merece atenção a questão dos obstáculos, os quais deverão ser objeto de estudo para que possam ser eliminados. O grau de informação das pessoas é um elemento de fundamental importância nesse contexto. O povo, sobretudo os menos abastados economicamente, deve perceber o Judiciário como um elemento do Estado que está à sua disposição, como uma representação das conquistas históricas das garantias fundamentais.

Embora esta não seja a única questão a ser considerada – o problema envolve todo o projeto de sociedade que seus dirigentes irão elaborar para a gestão do Estado-, o acesso à justiça, também, está intimamente ligado à seriedade com que serão tratadas as questões jurídicas pelos advogados, os quais deverão assumir uma postura transformadora perante os diversos conflitos sociais. A cultura de poder que gravita em torno das profissões jurídicas, não raro, tem contribuído para a constituição de sujeitos em advogados cada vez mais afastados daquilo que em seu próprio sentido etimológico – ad vocatus, aquele que foi chamado, e que deve interceder a favor de alguém – vem a significar a profissão, movidos por desejos de natureza estritamente individualistas e não numa postura de servir ao outro.

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Sobre o autor
José Nilton Nascimento Neves

Graduando em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB. Bolsista de Iniciação Científica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, José Nilton Nascimento. Acesso à justiça e devido processo legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3232, 7 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21700. Acesso em: 25 abr. 2024.

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