A Desaposentação, como vem sendo denominada pela doutrina e jurisprudência, nada mais é do que a possibilidade de obter benefício previdenciário mais vantajoso, com a renúncia da aposentadoria e mediante a utilização do tempo e contribuições vertidas após a aposentação. Sobre o significado da desaposentação o mestre Fábio Zambitte Ibrahim, citando Wladimir Novaes Martinez, elucida:
“[...] A desaposentação então, como conhecida no meio previdenciário, traduz na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no regime geral de previdência social ou em regime próprio de previdência, mediante a utilização do seu tempo de contribuição”[1].
As ações ajuizadas perante o Judiciário brasileiro, em sua maioria, visam à renúncia do benefício percebido pelo segurado, para que sejam computados períodos trabalhados e recolhidos posteriores à aposentação, e, consequentemente, o recálculo da RMI. É bom destacar que não se trata de revisão de benefícios, mas, sim, de concessão de benefício mais vantajoso, com o aproveitamento do período laborado após a concessão da aposentadoria, incluindo, portanto, no cálculo da nova RMI as contribuições vertidas ao sistema após a aposentadoria, o que, na grande maioria dos caso, eleva o valor do beneficio.
A desaposentação pode ser pleiteada em diversas situações. Para exemplificar citamos alguns casos em que é possível pleitear a renúncia e concessão de novo benefício. É o caso do segurado que se aposenta de forma proporcional por não ter, ao tempo da concessão do benefício, completado o período necessário para a aposentadoria por tempo de contribuição integral (para mulheres 30 anos, e homens 35 anos de tempo de serviço); continuando a exercer atividade remunerada, e efetuando contribuições previdenciárias, implementa as condições para a concessão do novo benefício, no caso a aposentadoria integral, com renda mensal inicial, portanto, de 100% do salário de benefício. Este é o exemplo clássico de desaposentação, mas existem outras hipóteses em que entendemos possível o pedido. São elas: quando concedida aposentadoria proporcional e com o acréscimo do tempo o beneficiário faz jus a um benefício com coeficiente maior apenas (também proporcional); quando concedida aposentadoria por idade e com o acréscimo de tempo o beneficiário faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição; quando concedida aposentadoria por tempo de contribuição e com o acréscimo de tempo trabalhado o beneficiário faz jus à aposentadoria especial; quando concedida aposentadoria por idade rural e após a aposentadoria são preenchidos os requisitos para aposentadoria por idade urbana, entre outras.
Estes pedidos são frequentemente julgados pelo Judiciário que ainda está bastante dividido, sendo atualmente, diversos os entendimentos aplicados nos julgamentos. A questão basicamente cinge-se na possibilidade ou não de renúncia ao benefício para concessão de outro mais vantajoso com o aproveitamento do tempo e contribuições vertidas após a aposentadoria, e, se possível, se necessária a devolução dos valores recebidos.
Como dito, as opiniões ainda se dividem. O Tribunal Regional Federal da 1º Região[2] não admite, em nenhuma hipótese, a renúncia à aposentadoria previdenciária.
Já na 2º Região[3], o entendimento é diverso, sendo admitida a renúncia, e, portanto a desaposentação, sem a necessidade de devolução dos valores recebidos, admitindo, ainda, a contagem do tempo para outro regime.
A situação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região[4] é ainda mais complicada, para a 5ª Turma julgadora, é possível a renúncia, sem ressarcimento dos valores recebidos, caso o segurado pretenda computar o tempo para outro regime, e com restituição dos valores para o cômputo no Regime Geral. No mesmo Tribunal, a 6ª Turma Julgadora admite a desaposentação, ou seja, a renúncia do benefício, mas em qualquer hipótese, necessário o ressarcimento dos valores recebidos.
Enfim, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região[5] também possui posicionamentos diferentes entres as turmas julgadoras que o compõem. A 5ª Turma posicionou-se no sentido de que possível a desaposentação, com a renúncia do benefício, mas com a restituição dos valores recebidos. Já, para a 6ª. Turma, possível a desaposentação sem a necessidade de devolução de valores, inclusive para cômputo do tempo em regime diverso.
Propositadamente deixaremos a análise do entendimento atual do Tribunal Regional Federal da 3ª Região[6] para o final, pois objeto do presente.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem interpretação favorável aos segurados, em consonância com a legislação pátria e atendendo aos princípios constitucionais. As Turmas do STJ, 5ª e 6ª, da 3ª Seção, possuem entendimento consolidado quanto à desaposentação, entendendo possível a renúncia sem devolução dos valores recebidos, admitindo, inclusive, a utilização do tempo em outro regime de previdência.
A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais embora admitindo a renúncia e a possibilidade da desaposentação, entende que os proventos já recebidos devem ser devolvidos.
Enfim, para finalizar esse resumo dos posicionamentos atuais perante o Judiciário brasileiro, imperioso consignar que a matéria encontra-se pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) havendo, no caso, repercussão geral (RE 381367).
Os fundamentos utilizados por aqueles que negam aos segurados o direito à desaposentação, e aproveitamento do tempo e contribuições para concessão de benefício mais vantajoso, é basicamente fulcrado no regime de previdência adotado pela Constituição Federal brasileira (artigos 194 e 195, CF), qual seja, o regime da solidariedade. Além deste, fundamentam a negativa na Lei 8.213/91, artigo 18, § 2º, segundo o qual, “o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”.
Para aqueles que, como eu, comungam do entendimento de que possível a renúncia ao benefício para obtenção de outro mais vantajoso, e sem a necessidade de devolução de qualquer valor, o fundamento é simples: a renúncia ao benefício para concessão de outro mais vantajoso, não encontra óbice na legislação pátria. Neste sentido, a Constituição Federal garante que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (artigo 5º. Inciso II). Assim, caracterizada a autonomia da vontade, poderá o titular renunciar seu benefício, sem que este perca o direito antes adquirido, no caso, à aposentação, podendo utilizar o tempo de serviço anteriormente averbado juntamente com o novo período trabalhado, a fim de lhe ser concedido benefício mais vantajoso.
Nos sentido de que perfeitamente possível a renúncia destaca-se ensinamentos colhidos por Fábio Zambitte Ibraim do Parecer PN TC 03/00 , de autoria da Dra. Elvira Sâmara Pereira de Oliveira, Procuradora do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba:
“Destarte resulta cristalino que os defensores da irrenunciabilidade vêm dando exegese distorcida e equivocada ao tema, posto que estão a interpretar às avessas a norma constitucional, transformando garantia individual em óbice legal.
[...]
Vê-se, assim, que a possibilidade de renúncia, em casos como este (renúncia exclusivamente para averbar tempo de serviço anterior, para obtenção de novo benefício mais vantajoso), em hipótese alguma fere os princípios regentes do sistema previdenciário pátrio, mas, ao contrário, com eles perfeitamente se entrosa”.
Diante da relevância do tema, vale destacar, os ensinamentos do Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, nos autos do Recurso em Mandado de Segurança n.º 14.624/RS, DJ de 15/8/2005:
“(...) Sobre o tema, vale citar na doutrina pátria o ensinamento do autor Hamilton Antônio Coelho, in Revista de Previdência Social, São Paulo, ano XXIII, nº 228, Novembro,1999, in verbis :
"[...] O Professor e Juiz de Direito João Batista Damasceno, reconhecendo o direito à desaposentação, dá-nos a seguinte e inconstrastável conclusão:"Se a aposentadoria é renunciável ante a indevida acumulação, não há fundamento jurídico para seu indeferimento quando se tratar de liberalidade do aposentado. Assim, não há se negar o reconhecimento à renúncia à aposentadoria apresentada voluntária ou necessariamente, bem como a certificação de tal ocorrência e do tempo de serviço prestado pelo aposentado".
[...]
Assim, a manifestada vontade de desfazimento do ato de jubilação pelo titular do benefício impõe à Administração o seu pronto deferimento, sob pena de abuso de poder, posição intolerável num Estado Democrático de Direito.
Além do mais, o que se consegue através da desaposentação não é o retorno da situação anterior do inativo, mas apenas a contagem do tempo de serviço vinculado à antiga aposentadoria para fins de averbação em outra atividade profissional ou mesmo para dar suporte a uma nova e mais benéfica jubilação. Por isso, insurgir-se contra esse direito de renúncia do cidadão aposentado, sob o argumento de que a nova inativação será mais onerosa para o Poder Público é, no mínimo, perpetrar hermenêutica jurídica sem nenhum compromisso com os princípios fundamentais da República, insculpidos pelo nosso legislador maior no 1º artigo da Lei Básica Federal de 1988, tais como: a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho do aposentado” (grifamos).
Embora relevante a tese defensiva da desaposentação, não olvidando que inúmeros outros argumentos poderiam ser trazidos à baila, não é este o foco central do presente trabalho. Como destacado anteriormente, deixamos para este momento o posicionamento adotado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Pois bem. Atualmente o referido tribunal vem se posicionando contrário à desaposentação, embora com fundamentações diversas entre suas Turmas. A 9ª Turma julgadora, não admite, em nenhuma hipótese a desaposentação. Já a 8ª Turma, embora também não a admita, sinaliza no sentido de que, caso admitisse a desaposentação, deveria haver devolução dos valores recebidos.
Mas, recentemente, duas decisões proferidas pelo Tribunal Regional Federal da 3ª. Região, pela 9ª Turma julgadora, cujos processos[7] foram relatados pela Desembargadora Federal Dra. Marisa Santos, chama a atenção e indica o surgimento de nova modalidade de desaposentação.
Nos casos julgados os autores fizeram pedidos alternativos, um pleiteando a desaposentação propriamente dita, nos moldes como vem sendo requerida no Judiciário de todo o país, ou seja, pleiteando a renúncia ao benefício para concessão de outro mais vantajoso, computando-se no tempo de serviço o período trabalhado após a aposentadoria, e consideradas as contribuições posteriores para o cálculo da RMI. No outro, os autores pleitearam a renúncia do benefício, no caso concreto de aposentadoria por tempo de serviço proporcional, e a concessão de novo benefício, diverso, de aposentadoria por idade, sem a utilização do período utilizado para a concessão do benefício anterior.
O primeiro dos pedidos foi julgado improcedente fundamentando a nobre relatora que “a opção constitucional por um regime de previdência baseado na solidariedade, onde as contribuições são destinadas à composição de fundo de custeio geral do sistema, e não a compor fundo privado com contas individuais”, de acordo com os artigos 194 e 195 da Constituição Federal, impossibilitam a “utilização do período posterior à aposentadoria para elevar o valor da cobertura previdenciária já concedida”. Fundamenta a improcedência do pedido, ainda, no parágrafo 2º, do artigo 18, da Lei 8.213/91 que dispõe que “o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”.
Conforme já explanado, não pretendemos aqui, discorrer sobre a tese que defende a possibilidade da desaposentação, daí porque não faremos considerações acerca dos fundamentos que determinaram a improcedência dos pedidos mencionados.
Já no segundo pedido dos autores, feitos de forma alternativa como já dito, pleitearam a renúncia ao benefício e concessão de benefício mais vantajoso, no caso, a substituição da aposentadoria por tempo de serviço proporcional pela aposentadoria por idade, sem o aproveitamento do período trabalhado anteriormente e utilizado para concessão do primeiro benefício. Assim, concluímos, trata-se mesmo de nova modalidade de desaposentação, na medida em que não há pretensão de aproveitamento, somando os períodos laborados antes e após a aposentação, mas apenas a renúncia de um para concessão de outro, unicamente com o período de labor posterior.
O segundo pedido dos autores, conforme já adiantado, fora julgado procedente, o que sinaliza para uma nova possibilidade de desaposetação. Segundo a relatora no segundo pedido não há violação a nenhum princípio constitucional ou legal, e nada se aproveitará do tempo de serviço/contribuição utilizado para a concessão e cálculo do novo benefício. Prossegue a relatora fundamentando que: “são contingências geradoras de coberturas previdenciárias diversas – aposentadoria por tempo de serviço/contribuição e aposentadoria por idade -, com base em períodos de carência e de contribuição totalmente diferentes, onde os cálculos do novo benefício nada aproveitarão do benefício antigo; o regime previdenciário nenhum prejuízo terá com a renúncia e a concessão de novo benefício porque estará fundado em novo período contributivo e em nova contingência e carência”.
Assim, indubitável que se trata de nova modalidade de desaposentação possível, assim como entendemos possível, também, o pedido para desaposentação e concessão de novo benefício com aproveitamento de todo o período de trabalho do segurado, devendo os operadores do direito, no momento do pedido e do julgamento analisar aquele que é mais vantajoso ao segurado, aquele que lhe trará maiores benefícios, sempre buscando a concretização da função social da norma e pautados nos princípios constitucionais que norteiam a atuação de todos.
Bibliografia:
COELHO, Hamilton Antônio. Desaposentação: Um Novo Instituto?. Revista de Previdência Social, São Paulo: LTR, n.º 228.
COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Desaposentação. Revista de Previdência Social, ano XXIX, nº 301, dezembro de 2005.
IBRAHIM, Fabio Zambite. Desaposentação – O Caminho Para Uma Melhor Aposentadoria. 3ª edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
LONDUCCI, Silmara; VERDE, Cleber e MAGALHÃES, Abel. Nova Aposentadoria - Desaposentação: a chave para uma aposentadoria melhor. 1ª edição. Brasília: Baraúna, 2009.
Notas
[1] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação. Niterói, RJ: Impetus, 2005. p. 35-36.
[2] TRF da 1ª Região - sede em Brasília: compreende as seções judiciárias do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins.
[3] TRF da 2ª Região - sede no Rio de Janeiro: compreende as seções judiciárias do Rio de Janeiro e Espírito Santo.
[4] TRF da 4ª Região - sede em Porto Alegre: compreende as seções judiciárias de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
[5] TRF da 5ª Região - sede em Recife: compreende as seções judiciárias de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
[6] TRF da 3ª Região - sede em São Paulo: compreende as seções judiciárias de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
[7] TRF3: Processo 2009.61.83.010909-6 e Processo 2011.61.83.001844-9