5. DECRETO DA PARAÍBA SOBRE COBRANÇA DE ICMS NAS COMPRAS ON-LINE.
O ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, com efeitos retroativos, a aplicação da Lei nº 9582, de 12 de dezembro de 2011, do Estado da Paraíba.
Essa norma estabeleceu a exigência de parcela do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] nas operações interestaduais que destinem mercadorias ou bens a consumidor final, quando a aquisição ocorrer de forma não presencial, ou seja, por meio de internet, telemarketing ou showroom. Cabe ao Plenário do STF referendar ou não esta decisão.
A medida cautelar foi solicitada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4705, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. A entidade argumenta a incompatibilidade do texto questionado com a Constituição Federal e, no mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade da norma questionada.
Alega violação do princípio da isonomia, na medida em que o cálculo do tributo devido passou a ser discriminado conforme a origem dos bens (artigos 150, inciso V, e 152). Sustenta contrariedade à partilha de competência tributária, “porquanto é o estado de origem o sujeito ativo do ICMS nas operações interestaduais que destinem mercadorias a não contribuinte do imposto, e o respectivo cálculo deve utilizar a alíquota interna” (artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, alínea “b”).
O Conselho também argumenta quebra do princípio federativo, em razão de o Estado da Paraíba ter criado paradoxalmente “imposto de importação doméstico” incompatível com o pacto político exposto na Constituição (artigos 150, inciso “I” e 155, inciso “II”). Afirma a caracterização do uso de tributo com efeito confiscatório, causado pelo aumento imprevisível da carga tributária (artigo 150, inciso IV). E, por fim, falta de competência para tributar simples operações de circulação de bens, classe que compreende as mercadorias, mas a elas não se limita (artigo 155, inciso II).
Em caráter excepcional, o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, examinou o pedido de medida cautelar tendo em vista a “gravidade do quadro narrado e da proximidade do recesso nesta Suprema Corte”. Segundo ele, a matéria exposta na presente ação direta é análoga à medida cautelar pleiteada e concedida nos autos da ADI 4565.
“É impossível alcançar integração nacional sem harmonia tributária”, ressaltou o ministro. “Adequado ou não, o modelo escolhido pelo Constituinte de 1988 para prover essa harmonia e a indispensável segurança jurídica se fixou na ‘regra da origem’ (artigo 155, parágrafo 2º, inciso II, alínea “b”, da Constituição Federal)”, completou.
De acordo com o relator, “o Confaz ou cada um dos estados-membros singelamente considerados não podem substituir a legitimidade democrática da Assembleia Constituinte, nem do constituinte derivado, na fixação dessa regra”. “Por outro lado, além da segurança jurídica institucional, a retaliação unilateral prejudica o elemento mais fraco da cadeia de tributação, que é o consumidor”, afirmou.
O ministro salientou que, em princípio, os comerciantes têm alguma flexibilidade para repassar o aumento da carga tributária aos consumidores, mediante composição de preços. Porém, nem todos os consumidores serão capazes de absorver esses aumentos. “Aqueles que o fizerem terão ainda de enfrentar um obstáculo com cuja validade não me comprometo, imposto pela conjugação da regra do art. 166 do CTN com a legitimidade ativa para pedir a restituição dos valores pagos indevidamente”, disse. “Como a pessoa que suportou a carga econômica do tributo não tem legitimidade para pleitear a restituição, e se costuma exigir dos vendedores a obtenção de autorizações individuais dos consumidores para formulação desse pedido, a tendência é que o recolhimento indevido se torne fato consumado de dificílima reversão”, ressaltou o relator.
Ao considerar que o caso apresenta de forma evidente os requisitos que autorizam a concessão de medida cautelar [fumaça do bom direito e perigo na demora], o ministro Joaquim Barbosa deferiu o pedido, a ser referendado pelo Plenário, para suspender ex tunc [com efeitos retroativos] a aplicação da Lei 9.582/2011, do Estado da Paraíba, com base no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.868/99 [Lei das ADIs].
A medida liminar concedida, conforme o ministro, não impede que o Estado da Paraíba exerça seu poder de fiscalização, “destinado a apurar os créditos tributários que julga serem válidos, para evitar suposta decadência”. “Esse exercício deverá ocorrer em prazo módico e com instrumentos razoáveis e proporcionais, de modo a não caracterizar sanção política”, finalizou o relator. STF – 19.12.2011 – ADI 4705[16].
Percebe-se nitidamente a violação aos princípios: da separação dos poderes, considerando que o Executivo está usurpando a função do legislativo em inovar na ordem jurídica; da legalidade, pois apenas a lei poderá alterar os aspectos da hipótese de incidência do ICMS; e do pacto federativo, pois visa tributar, buscando impedir ou dificultar o ingresso, no estado, de mercadorias ou bens oriundos de outras unidades da Federação.
Nas operações interestaduais cujo destinatário final é o consumidor não contribuinte do ICMS (normalmente pessoa física), o imposto será devido ao estado de origem, que aplicará a sua alíquota interna. Logo, não poderá um simples Decreto alterar a estrutura da regra matriz de incidência do imposto para fins de incluir no campo de incidência do ICMS a entrada de mercadorias ou bens de outras unidades da Federação, destinados a pessoas físicas, por ausência de previsão legal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Finalizamos esta perfunctória análise dos Decretos Regulamentares no campo de incidência do ICMS ratificando que:
1) O princípio constitucional da separação dos poderes, previsto no art. 2º da CF/88, encontra-se em crise com a supremacia do Poder Executivo que: legisla, no âmbito tributário, através de Medidas Provisórias e Decretos Regulamentares (usurpando a competência do Legislativo); “interfere” na composição dos Tribunais Superiores, retirando, de certa forma, a independência do Judiciário, além de burlar as decisões judiciais. Ou seja, o Poder Executivo, no Brasil, distancia-se da separação dos poderes na forma como proposta por Montesquieu, e aproxima-se, cada vez mais, do Poder Moderador, previsto na Constituição Imperial de 1824;
2) O Decreto Regulamentar trata-se de ato normativo secundário, cuja norma primária é a lei que o vincula e impõe os seus limites. Todavia, não poderíamos deixar de reconhecer que este instrumento legal inova no ordenamento jurídico na medida em que constitui procedimentos novos, com a ressalva de que não pode o Executivo, a pretexto de estar regulamentando a lei, criar obrigações para o contribuinte não previstas nela;
3) Se o Decreto executivo divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, ter-se-á crise de legalidade, com possível inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada[17];
4) O conceito de mercadoria, para fins de incidência tributária do ICMS, não pode ser definido pelo legislador estadual, muito menos pelo Chefe do Poder Executivo através de um Decreto Regulamentar. Sendo assim, podemos afirmar que mercadoria não é qualquer bem, como calcifica o executivo, mas apenas aquele bem móvel objeto de negócio jurídico em que se transfere a titularidade do comerciante, industrial ou produtor;
5) Contrário ao que dispõe o Regulamento do ICMS/PB, a Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça, sedimentou que “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte". Logo, o aludido regulamento, mesmo contrariando expressa súmula do STJ, vem sendo aplicado pelos agentes da administração fazendária, em nítida afronta aos direitos dos contribuintes e causando prejuízos inestimáveis;
6) É inadmissível que um decreto regulamentar, que visa apenas efetivar, fielmente, os termos da lei/convênio, possa restringir os comandos legais, excluindo do campo de incidência da isenção determinados deficientes físicos por considerá-los aptos a conduzir veículos automotores da forma tradicional.
Neste caso, o Executivo burla o art. 23 da CF/88, que calcifica ser da competência dos entes federados a proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiências, bem como frauda justas expectativas no Poder Público. Leia-se “proteção e garantia” e não “restrição e limitação” dos direitos dos portadores de deficiência, como tentou fazer o Decreto Regulamentar que restringiu o campo de incidência da isenção de IPVA aos portadores de deficiência física no Estado da Paraíba.
O Decreto em comento, ou parte deste, é inconstitucional em razão da matéria e dos valores, considerando que agride os princípios constitucionais da isonomia, da dignidade da pessoa humana e afronta os ditames do neoconstitucionalismo, que prega a efetividade das normas constitucionais e a inclusão do contribuinte no centro da tributação, em detrimento da antiga posição de incluir a arrecadação como núcleo da tributação.
Neste caso, o STF entende que a inconstitucionalidade é reflexa ou oblíqua. Logo, não é caso de controle de constitucionalidade, mas de controle de legalidade;
7) Os decretos que determinam a cobrança de um adicional de ICMS - nas operações de aquisição de produtos vindos de outros estados, apesar de a compra ser realizada pelo consumidor final - violam o pacto federativo, conforme já assentou o Ministro do STF, Joaquim Barbosa, bem como ferem o princípio da legalidade, considerando que criam incidência do ICMS sem previsão legal, o que é vedado pela Constituição Federal de 1988.
Diante do exposto, percebe-se a ilegalidade praticada pelo Executivo, em editar Decretos Regulamentares, vilipendiando os direitos conferidos na lei e na própria Constituição, reforçando a tese de que a tributação atual possui como norte a maximização da arrecadação e não a inclusão do contribuinte no centro da tributação, o que demonstra o seu congelamento no tempo e o descumprimento do neoconstitucionalismo.
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