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Princípio da cartularidade, da incorporação e da abstração, diante da desmaterialização dos títulos de crédito

Resumo:


  • Princípios cambiais são características essenciais dos títulos de crédito: cartularidade, literalidade e autonomia.

  • A desmaterialização dos títulos de crédito tem sido uma realidade, permitindo a utilização de títulos eletrônicos.

  • O princípio da incorporação, sinônimo de cartularidade, é essencial para a circulação dos títulos de crédito, ainda que a desmaterialização traga novos desafios.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O princípio da cartularidade comporta exceções quando se tratar de título de crédito virtual. Sua relativização suscita divergências na doutrina e na jurisprudência em relação ao nome adotado. Trabalham-se aqui os termos incorporação, abstração e autonomia.

De acordo com o artigo 887 do Código Civil, título de crédito é “documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido” e “somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei”. A partir do conceito legal, é possível extrair os chamados “princípios cambiais ou cambiários”, que são, em verdade, características essenciais dos títulos de crédito: cartularidade, literalidade e autonomia.

A palavra cartularidade deriva de “cártula”, que significa “pequeno papel” em latim. Assim, tal característica significa que o crédito deve estar materializado – documentado – em um papel, que é o título.

Consequentemente, para a transferência do crédito, é necessário a transferência do documento, pois não há que se falar em exigibilidade do crédito, sem a apresentação do título original. Assim, se o credor quiser, por exemplo, executar judicialmente o título, é necessário juntá-lo à petição inicial, para fazer prova do crédito.

Ocorre que esse princípio tem sido mitigado, frente à desmaterialização dos títulos de crédito, em virtude dos títulos eletrônicos, os quais são admitidos pelo Código Civil, conforme artigo 889, §3º, in verbis:

O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo. (grifo nosso).

Diante desse contexto, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.024.691, do Paraná, entendeu pela desnecessidade da exibição judicial do título de crédito original para o ajuizamento da execução judicial, tendo em visto que fora juntada ao processo a duplicata virtual, o protesto por indicação e o comprovante de transporte, conforme informativo 467 do STJ.

A decisão é de 22 de março de 2012, e tem a seguinte ementa:

EXECUÇÃO. DUPLICATA VIRTUAL. BOLETO BANCÁRIO. As duplicatas virtuais – emitidas por meio magnético ou de geração eletrônica – podem ser protestadas por indicação (art. 13 da Lei n. 5.474/1968), não se exigindo, para o ajuizamento da execução judicial, a exibição do título. Logo, se o boleto bancário que serviu de indicativo para o protesto retratar fielmente os elementos da duplicata virtual, estiver acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação dos serviços e não tiver seu aceite justificadamente recusado pelo sacado, poderá suprir a ausência física do título cambiário eletrônico e, em princípio, constituir título executivo extrajudicial. Assim, a Turma negou provimento ao recurso. REsp 1.024.691-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/3/2011.

Diante da realidade tecnológica que se vive atualmente e com base da amplamente aceita “duplicata virtual”, alguns autores passaram a chamar o princípio da cartularidade em “princípio da incorporação”, tendo em vista que o crédito pode estar incorporando tanto no papel como em meio eletrônico.

Ocorre que tal termo – princípio da incorporação - já era utilizado pela jurisprudência, como característica da cartularidade. É o que se pode perceber a partir do julgamento dos Embargos de Declaração (processo nº 106470707150140011 MG), em 13 de maio de 2008:

EMBARGOS À EXECUÇÃO - CHEQUE - PRINCÍPIO DA INCORPORAÇÃO - DISCUSSÃO A RESPEITO DA CAUSA DEBENDI - POSSIBILIDADE - NÃO-CONCRETIZAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE À EMISSÃO DA CÁRTULA - COMPROVAÇÃ O - INEXIGIBILIDADE DOTÍTULO.

Em se tratando o cheque de espécie de título de crédito, milita a favor do credor a presunção de certeza do direito representado na cártula, em virtude do princípio da incorporação. Por tal razão, a declaração de nulidade ou de inexigibilidade do título requer prova acerca dos fatos alegados, isto é, exige-se que a parte devedora demonstre que o título é nulo ou inexigível. Conquanto, em regra, os títulos de crédito se desvinculem do negócio jurídico que lhes deu origem, é de se observar que, não havendo circulação da cártula, possível é a discussão acerca da existência do negócio fundamental. Assim, resta assentada a possibilidade de se discutir a causa subjacente à emissão do cheque e, via de consequência, a sua validade como título de crédito. Nos termos do art. 1.267 do CC, a transferência da propriedade de bens móveis se efetiva com a tradição da coisa. Incontroverso nos autos que o bem objeto da compra e venda não foi entregue ao comprador, reputa-se não aperfeiçoado o negócio jurídico, o que torna inexigível o título de crédito a ele vinculado. (grifo nosso).

Seria, portanto, o princípio da incorporação, a presunção de certeza do direito representado na cártula, sendo que o título de crédito se desvincula do negócio jurídico que lhe deu origem, facilitando sua circulação.

Nesse sentido, alguns autores afirmam que se trata do princípio da abstração, que decorre da cartularidade e da incorporação, na medida em que, como explica Marlon Tomazette (2010),:

o direito “incorporado” ao título de crédito existirá por si só, desvinculando da relação jurídica subjacente. Ele também decorre do princípio da literalidade, na medida em que o direito será definido pelo teor literal do título e não pelo negócio jurídico subjacente.

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A doutrina costuma, ainda, utilizar o termo “incorporação” como sinônimo de “cartularidade”. É o que se pode perceber nos ensinamentos de Waldirio Bulgarelli, bem como de Eversio Donizete de Oliveira (2007), segundo o qual o princípio da incorporação significa que “o direito cambial materializa-se no documento, não existindo direito sem o título, uma vez que sem ele não há que se falar em cartularidade, pois o emitente ou o portador obriga-se a apresentá-lo para exercer o seu direito”.

Ademais, conforme julgado da 5ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – Agravo de Instrumento nº 669451, de 09 de fevereiro de 2012, é necessário observar o princípio da cartularidade ao interpor petição inicial, para evidenciar a existência do direito que postula, conforme ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. BUSCA E APREENSÃO. EMENDA DA INICIAL. DETERMINAÇÃO PARA JUNTAR VIA ORIGINAL DA CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. TÍTULO DE CRÉDITO. PRINCÍPIO DA CARTULARIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

A petição incial deve estar acompanhada da documentação indispensável, de modo a evidenciar a existência do direito daquele que o postula, sob pena do seu indeferimento. Logo, a apresentação original da cédula de crédito bancário revela-se de rigor, mesmo porque sua natureza de título exige obediência aos princípios do direito cambiário, especialmente a cartularidade.

Percebe-se, dessa forma, que o fenômeno da desmaterialização dos títulos de crédito é uma realidade no Direito Brasileiro, no entanto, ao relativizar o princípio da cartularidade, surgem divergências na doutrina e na jurisprudência em relação ao nome do princípio adotado. Além disso, a cartularidade continua sendo a regra, que aceita exceções, quando se tratar de título de crédito virtual.

Tem-se, portanto, o princípio da cartularidade como regra; o princípio da incorporação, que pode ser entendido como uma característica da cartularidade, ou mesmo, como sinônimo; e o princípio da abstração, que prevalece ser um subprincípio da autonomia e decorrer da cartularidade.


REFERÊNCIAS

TOMAZETTE, Marlon. O princípio da abstração e a duplicata. Âmbito Jurídico, Rio Grande, 77, 01/06/2010 [Internet]. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7684>. Acesso em: 29 abr. 2012.

VADE MECUM Acadêmico de Direito. Anne Joyce Angher organização. 14. ed. atual. e ampl. São Paulo: Rideel, 2012.

VASCONCELOS, Matheus Rannieri Torres de. Duplicata virtual e crise dos títulos de crédito cartulares. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2314, 1 nov. 2009 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13787>. Acesso em: 29 abr. 2012.

JUSBRASIL. Busca de Jurisprudências. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia>. Acesso em: 29 abr. 2012.

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Sobre a autora
Bruna Letícia Teixeira Ibiapina

Advogada, com pós graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro Unificado de Ensino de Teresina - CEUT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IBIAPINA, Bruna Letícia Teixeira. Princípio da cartularidade, da incorporação e da abstração, diante da desmaterialização dos títulos de crédito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3235, 10 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21731. Acesso em: 22 dez. 2024.

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